Discurso durante a 237ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários a artigo intitulado "Foi ontem, há 40 anos", de autoria de Ferreira Gullar, publicado no jornal Folha de S.Paulo, edição de ontem.

Autor
João Pedro (PT - Partido dos Trabalhadores/AM)
Nome completo: João Pedro Gonçalves da Costa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DEMOCRATICO.:
  • Comentários a artigo intitulado "Foi ontem, há 40 anos", de autoria de Ferreira Gullar, publicado no jornal Folha de S.Paulo, edição de ontem.
Publicação
Publicação no DSF de 16/12/2008 - Página 52264
Assunto
Outros > ESTADO DEMOCRATICO.
Indexação
  • LEITURA, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTORIA, POETA, VITIMA, REGIME MILITAR, REGISTRO, PRISÃO, DIA, VIGENCIA, ATO INSTITUCIONAL, SUSPENSÃO, DIREITOS, CIDADÃO, BRASIL, PERIODO, GOVERNO, COSTA E SILVA, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • IMPORTANCIA, ANALISE, HISTORIA, BRASIL, PERIODO, DITADURA, REGIME MILITAR, OBJETIVO, COMBATE, POSSIBILIDADE, RETORNO, SITUAÇÃO, AUSENCIA, DEMOCRACIA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, nesses últimos dias, na semana que passou, vários articulistas, vários jornalistas, Parlamentares, Deputados, membros do Congresso Nacional refletiram sobre os 40 anos da edição do Ato Institucional nº 5, do dia 13 de dezembro de 1968. Completaram-se, no dia 13, sábado último, 40 anos desse golpe profundo contra a democracia, contra o povo brasileiro, contra as instituições democráticas do nosso País.

Chamou-me a atenção, Sr. Presidente - e vou ler -, o que o grande poeta e grande intelectual do Brasil Ferreira Gullar escreveu, no dia de ontem, no jornal Folha de S.Paulo. Ferreira Gullar, com sua leveza, retrata o 13 de dezembro de 1968. Quero, nesta tarde, no Senado, fazer este registro, ler o que Ferreira Gullar escreveu no dia de ontem, domingo, dia 14. Quarenta anos é muito tempo, e é muito importante lembrar para a juventude de hoje, para os brasileiros que nasceram depois da redemocratização do País, depois de 1984, que o Brasil passou por 21 anos de ditadura militar. Foram 21 anos, Sr. Presidente, de ausência absoluta de democracia no nosso País.

Escreve Ferreira Gullar:

Morávamos à rua Visconde de Pirajá, 630, em Ipanema, esquina com Henrique Dumont, onde hoje há um obelisco. Era 13 de dezembro de 1968, mal passava das sete da noite, quando chegaram João das Neves e Pichín Plá, nossos companheiros do Grupo Opinião. Iríamos ao cinema, junto com Vianinha, que logo deveria chegar. Teresa se aprontava no quarto, quando tocou a campainha da porta, e eu fui atender, certo de que era o Vianinha. Mal abri a porta, um oficial do Exército, em roupa de campanha, perguntou se ali morava Ferreira Gullar, respondi que sim, e ele entrou, seguido de dois soldados. "O senhor está preso por ordem do governo". Neste momento, Teresa [que é esposa dele] interpelou o oficial: "O senhor tem um mandado de prisão contra meu marido?" Ele apontou para a televisão: "Não precisa ordem de prisão. Escute aí". Na tela, via-se a figura de Gama e Silva, ministro da Justiça da ditadura, lendo um documento: "Ficam suspensos todos os direitos dos cidadãos..." Era o Ato Institucional nº 5, que, ontem, fez 40 anos.

Pichín e João assistiam a tudo, apreensivos. Podia sobrar para eles, que eram também militantes na luta contra o regime. "Nosso cinema já era", disse a eles. "Vão vocês que já está quase na hora." Minha preocupação era evitar que o Vianinha entrasse ali. Os dois saíram. Vesti o paletó, que estava no espaldar de uma cadeira, e perguntei ao oficial: "Posso tomar água?" Entrei na cozinha, abri a geladeira, tirei do bolso a caderneta de endereço e joguei-a lá dentro, antes de pegar a garrafa.

Eles vasculharam demoradamente o apartamento. Em meu quarto, recolheram alguns exemplares de um jornal clandestino. Quando tentaram entrar no quarto onde estavam meus filhos, Luciana, a mais velha, de 13 anos, reagiu. Eles desistiram e saíram comigo para um jipão do Exército estacionado em frente ao edifício. Entramos, e o veículo se dirigiu até a rua Francisco Sá, onde parou, descemos e entramos num restaurante. O oficial perguntou se eu queria comer alguma coisa, respondi que não. Eles comeram, voltamos para o jipe que tomou o rumo da Vieira Souto e parou em frente ao edifício onde morava Millôr Fernandes. O oficial desceu com um dos soldados, mas não conseguiu entrar no prédio. Agora, o veículo seguia pela Nossa Senhora de Copacabana, mas dobrou na Bulhões de Carvalho, como se fosse voltar para Ipanema. É que ali morava Paulo Francis. Foram até a entrada do edifício e voltaram. "O pilantra está viajando", disse o oficial (que era o famoso capitão Guimarães, hoje bicheiro e presidente da Liga das Escolas de Samba) ao soldado que dirigia o jipe. "Vamos para a Vila Militar."

Foi uma longa viagem. Finalmente, chegamos, fui levado para uma sala onde me revistaram, me tomaram o relógio, a caneta, o chaveiro, a carteira de dinheiro e os documentos. Fui levado por um corredor escuro, ladeado de portas com grades de ferro. O soldado abriu uma dessas portas, acordando as pessoas que ali estavam. Me fizeram entrar e trancaram a porta. Fiquei um tempo, atônito, quando um dos presos, de uns 50 anos, me falou: “São uns putos. Não se preocupe, deita aí e dorme”.

Naquele xadrez, denominado X-13, havia quatro presos: Ferreira, o mais velho, dono de uma oficina de guarda-chuvas, acusado de guerrilheiro; um rapaz, de menos de 20 anos, da mesma organização; e dois outros presos por equívoco: um paraibano, recém-chegado ao Rio de Janeiro, por ter alugado inadvertidamente uma casa que servira de “aparelho” ao pessoal do Marighella, e, finalmente, um funcionário público, por ter o mesmo o nome de Antônio Callado, escritor e jornalista [este cidadão foi preso por ter o mesmo nome do jornalista Antônio Callado]. Este, ao saber que eu era escritor e amigo de Callado, implorou-me: “Então, diga a eles que eu não sou o Antônio Callado que eles pensam que eu sou!” Era quase engraçado. “Mas como vou dizer, se estamos incomunicáveis?”

Três dias depois, chegou Paulo Francis, diretamente do Hotel Waldorf Astoria, de Nova York. Entrou pálido, assustado. À hora do almoço, não conseguiu comer. “A gororoba é intragável”, disse-lhe, “mas sem comer não vai agüentar [...]”. Terminou comendo e, uma semana depois, batia nas grades, reclamando pelo almoço que demorava.

Em breve, o xadrez estava superlotado. O primeiro a ser solto foi o falso Callado, depois o paraibano. Eu e o Paulo Francis saímos, ambos, no dia 2 de janeiro. Fora o gás que soltaram na cela, passamos incólumes por ali. Mas aquilo era só o começo.

Sr. Presidente, Ferreira Gullar registrou ontem, no jornal Folha de S.Paulo, sua prisão no dia em que entrou em vigor o Ato Institucional nº 5. Com ele, foram presos dezenas, centenas de brasileiros.

Juventude de hoje, juventude pós-ditadura, o AI-5 era tão perverso, o AI-5 era tão brutal, que o Presidente da República poderia impedir um casamento! Poderia impedir um casamento! O Congresso foi fechado. Quantas lideranças cassadas! Quantos líderes políticos, Deputados, Senadores, presos nesse período! Espero que nunca mais o povo brasileiro volte a passar por isso.

Se, por um lado, houve o brutal momento do AI-5 no final da década de 60, houve também o bonito registro da luta do povo brasileiro em defesa das liberdades, em defesa da democracia.

Nossa democracia - podemos dizer - é muito jovem, depois dessa experiência de 21 anos de ditadura militar. A democracia só veio depois de 1984. Vejam, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que a primeira eleição aconteceu em 1989, ou seja, é muito pequena essa experiência democrática em nosso País. Daí a importância de refletirmos sobre o AI-5, não com saudades, pois o AI-5 produziu dores e repúdio. Mas é preciso refletir sobre a história recente do Brasil e dela tirar lições, para que nunca mais voltemos a mergulhar em período tão duro, tão adverso, tão perverso, que maltratou centenas de brasileiros, de líderes sindicais, de filiados de partidos políticos.

Sr. Presidente, peço a inserção da matéria de Ferreira Gullar publicada ontem no jornal Folha de S.Paulo, para que sua impressão, sua opinião sobre o 13 de dezembro de 1968 possa ficar nos Anais do Senado da República, registrando não só a dor dele e a de sua família, mas a de dezenas de brasileiros que sofreram e que foram vítimas desse brutal Ato Institucional que a ditadura imprimiu ao povo brasileiro.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR JOÃO PEDRO EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

- “Foi ontem, há 40 anos”, matéria de Ferreira Gullar, publicada no jornal Folha de S.Paulo.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/12/2008 - Página 52264