Discurso durante a 237ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre artigo de autoria de S.Exa., publicado no jornal Folha de S.Paulo, intitulado "Avanços e Contradições". Registro da participação brasileira na Convenção do Clima, realizada recentemente na Turquia. Protesto contra modificações no decreto que regulamenta a Lei de Crimes Ambientais.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Considerações sobre artigo de autoria de S.Exa., publicado no jornal Folha de S.Paulo, intitulado "Avanços e Contradições". Registro da participação brasileira na Convenção do Clima, realizada recentemente na Turquia. Protesto contra modificações no decreto que regulamenta a Lei de Crimes Ambientais.
Publicação
Publicação no DSF de 16/12/2008 - Página 52275
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, ORADOR, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), SAUDAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, BRASIL, CONVENÇÃO INTERNACIONAL, CLIMA, REALIZAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, TURQUIA, APRESENTAÇÃO, PRAZO, REDUÇÃO, DESMATAMENTO, PAIS, APREENSÃO, ASSINATURA, DECRETO EXECUTIVO, ALTERAÇÃO, APLICAÇÃO, LEGISLAÇÃO, CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE, SUSPENSÃO, EMBARGOS, INICIATIVA, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), CONSELHO MONETARIO NACIONAL (CMN), IRREGULARIDADE, OCUPAÇÃO, TERRAS, AREA, Amazônia Legal, PROVOCAÇÃO, IMPEDIMENTO, COMBATE, DESTRUIÇÃO, FLORESTA.
  • REGISTRO, ANTERIORIDADE, EMPENHO, ORADOR, QUALIDADE, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DO MEIO AMBIENTE (MMA), BUSCA, DESENVOLVIMENTO, PLANO, COMBATE, DESMATAMENTO, NEGOCIAÇÃO, LIBERAÇÃO, RECURSOS, DESTINAÇÃO, FUNDOS, DEFESA, REGIÃO AMAZONICA.
  • DEFESA, URGENCIA, ADOÇÃO, PROVIDENCIA, IMPEDIMENTO, REVOGAÇÃO, LEGISLAÇÃO, CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE, CODIGO FLORESTAL, COMBATE, AMPLIAÇÃO, DESMATAMENTO, BRASIL, GARANTIA, CONTINUAÇÃO, ZONEAMENTO ECOLOGICO-ECONOMICO, IMPORTANCIA, AGILIZAÇÃO, IMPLANTAÇÃO, PROGRAMA ASSISTENCIAL, MEIO AMBIENTE.
  • REGISTRO, VIGILANCIA, ORADOR, COMBATE, RETROCESSÃO, PLANO, REDUÇÃO, DESMATAMENTO, EXPECTATIVA, CORREÇÃO, DECRETO EXECUTIVO, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO, CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, primeiro, quero dizer que, na verdade, sinto um misto de alegria e de tristeza no momento em que venho a esta tribuna. E fiz questão de registrar a razão da alegria, hoje, num artigo que escrevi na Folha de S.Paulo, intitulado “Avanços e Contradições”. Tem sido uma experiência muito rica e significativa esse espaço, que, para mim, é algo novo, e tenho procurado fazê-lo buscando não contaminá-lo com as disputas do dia-a-dia, mas tentando contribuir com aquilo que modestamente posso, com um debate que interessa ao País dos temas que me sinto com alguma legitimidade para falar, sobretudo sobre a questão ambiental.

A idéia que tenho em relação à Convenção do Clima, que acabamos de realizar na Turquia, é a de que nós tivemos uma participação muito importante. O Brasil, ao transitar da sua posição histórica de não assumir metas, de não colocar a questão das florestas e do desmatamento no debate, no âmbito da Convenção do Clima - era uma posição muito difícil de ser sustentada e mais difícil ainda de ser compreendida na realidade de um país como o Brasil, que ainda tem 60% da sua cobertura vegetal -, e ir para essa discussão agora, assumindo o Brasil a posição de metas de redução de desmatamento em 70% até 2017, representa uma posição que a maior parte da sociedade brasileira esperava. Muita gente em todo o mundo esperava que o Brasil liderasse esse processo, sobretudo junto ao G-77.

Durante os cinco anos e meio em que fiquei no Ministério do Meio Ambiente, trabalhei exaustivamente para que tivéssemos esse momento. E trabalhamos da forma que, entendo, é a única para alcançar grandes desafios, que, muitas vezes, parecem intransponíveis. E esse de o Brasil assumir metas de redução de desmatamento e, com isso, redução de emissão, parecia um desafio intransponível. Mas é fundamental que, no serviço público, a gente tenha o verdadeiro sentido da missão pública.

O Senador Mão Santa, que gosta muito de citar exemplos bíblicos, acabou aqui me estimulando também a me lembrar de um, que é a história do Rei Davi, que se propôs a fazer um templo que, com certeza, seria o coroamento do seu governo, de sua gestão, digamos assim, de seu reinado. Só que, quando colocou isso em seu coração, Deus se dirigiu a ele dizendo que não, que ele não podia fazê-lo, porque tinha as mãos sujas de sangue; quem poderia fazê-lo era o seu filho Salomão, que era ainda muito jovem. Ele, olhando para o jovem Salomão, achou que lhe seria muito difícil assumir a tarefa de fazer um grande templo, sobretudo com os recursos que havia na época. Ele se pôs a fazer a maquete do templo, a contratar os melhores artífices para fazer o templo. De sorte que, quando Salomão assumiu o poder, o templo já estava praticamente pronto, era só uma questão de montá-lo.

Eu sempre admirei muito esse exemplo porque, simbolicamente, ele diz alguma coisa quando se vai para a visão da gestão pública, atualizando-a para os nossos tempos. É de que, em política, devemos fazer aquilo que interessa, no tempo em que é necessário, não necessariamente para que levemos os louros daquilo que está sendo feito, muitas vezes sendo até incompreendidos. Às vezes, quando a gente tem admiração por alguma coisa, aquilo acaba de alguma forma vindo ao nosso encontro. Eu, de certa forma, agradeço a Deus, porque tenho essa admiração pelo fato de o Rei Davi não ter sido tão vaidoso a ponto de dizer: já que é Salomão, ele que se vire, que faça, quero ver ele fazer com a pouca experiência que tem. Ele fez todo o dever de casa e deixou praticamente tudo pronto para que o jovem fizesse aquele grande trabalho, aquela grande empreitada.

É claro que a lembrança e a metáfora não se aplicam cem por cento ao que vou dizer, porque nem tenho a estatura de Davi e muito menos o meu sucessor, o companheiro Minc, tem - pelo menos, até agora, acho que nem ele ousaria dizer isto - a mesma sabedoria de Salomão, mas, de alguma forma, aconteceu algo que me fez achar que tem alguma semelhança. Durante o início da gestão do mandato no Ministério do Meio Ambiente, a primeira coisa que fizemos foi verificar que o desmatamento, de que estávamos perdendo controle - aumentando de 2001 para 2002, de 2002 para 2003 e de 2003 para 2004 -, precisava de uma ação estruturante, de algo que fosse feito numa magnitude tal que o desmatamento caísse não por um processo sazonal, mas por uma ação de ampliação de governança ambiental. Foi assim que pensamos o Plano de Combate ao Desmatamento, baseado em três eixos: combate às práticas ilegais, apoio ao desenvolvimento sustentável e ordenamento territorial e fundiário.

Esse plano começou a ser implementado em março de 2004, e, em 2005, o desmatamento caiu de 27 mil quilômetros quadrados para 18 mil quilômetros quadrados; depois, em 2006, de 18 mil quilômetros quadrados para 14 mil quilômetros quadrados; e de 14 mil quilômetros quadrados para 11,5 mil quilômetros quadrados, em 2007. No final de 2007, como os eixos do ordenamento territorial e fundiário e de apoio à prática produtiva sustentável não andou, o desmatamento voltou a subir. Naquele momento, toda a equipe do Ministério teve a clareza da situação, com os dados do MCT - que, aliás, foi o Sistema de Detecção de Desmatamentos em Tempo Real que criamos exatamente para que pudéssemos saber o que estava acontecendo no território no momento em que os contraventores estavam destruindo a floresta -, e foi possível identificar o início dessa mudança de comportamento em relação à dinâmica do desmatamento na Amazônia.

Nós nos reunimos e resolvemos tomar medidas drásticas: aumento das operações de fiscalização do Ibama e da Polícia Federal, no que se configurou a operação Arco de Fogo; força para o lançamento do Plano Amazônia Sustentável, que foi lançado uma semana antes da minha saída e que hoje é coordenado pelo Ministro Mangabeira Unger; uma resolução do Banco Central vedando o crédito em bancos públicos e privados para todos aqueles que tivessem áreas embargadas e que não estivessem com suas propriedades regularizadas, cadastradas no Incra; a moratória de 36 Municípios que mais desmatam e a criminalização de toda a cadeia produtiva. Isso, depois de, nos anos anteriores, ter jogado muito firme com a Polícia Federal, e mais de 700 pessoas terem ido para a cadeia por crimes ambientais; 1.500 empresas ilegais terem sido desconstituídas; mais de R$4 bilhões em multas aplicadas; 1 milhão de m3 de madeira apreendido. Entre os que foram presos, 125 servidores do Ibama, envolvidos há décadas em crimes ambientais e em contravenção.

Todas essas medidas fizeram o desmatamento cair em 57%. Com isso, o Brasil reduziu 0,5 bilhão de toneladas de CO2.

Nós fomos para Nairóbi, no Quênia, e o Brasil defendeu, pela primeira vez, a idéia de um fundo, criando um incentivo positivo pela redução de emissão de CO2 em função da diminuição do desmatamento. Foi admitida a proposta brasileira. Depois, em 2007, em Bali, o Brasil consignou a sua proposta, e partimos para um processo negocial, em que eu tive a oportunidade de ir para a Noruega negociar, pessoalmente, os recursos para o Fundo Amazônia, que foi lançado agora, já na gestão do meu colega Minc. Lutamos muito para que o dinheiro fosse internalizado via BNDES.

Todo esse esforço foi o que possibilitou ao Brasil transitar de uma posição de não ter metas para assumir metas. Foi isso que fez com que o Brasil agora fosse reconhecido como um País que tem um plano de combate ao desmatamento. Essa é a minha alegria. E, se posso dizer que a gestão do meu colega Minc já tem um delta a mais, o delta a mais é o fato de o Brasil ter assumido metas.

A minha tristeza, a minha preocupação é de que, no momento em que estamos celebrando essas conquistas e em que o Secretário-Geral das Nações Unidas, o Diretor Executivo do Pnuma, cientistas e o ex-Vice-Presidente Al Gore celebram efusivamente a posição brasileira, internamente estejamos fazendo algo às avessas. O Presidente Lula assinou todas essas medidas durante a minha gestão. Elas foram a razão do tensionamento que me levou a sair do Governo como forma de ajudar a Amazônia e o próprio Governo, porque, se as medidas tivessem sido revogadas, o desmatamento teria ido para 40%, como estávamos prevendo, e não teria sido praticamente estabilizado em 12 mil quilômetros quadrados. Foram essas medidas que possibilitaram todos esses avanços, inclusive para assumir metas. E o fato de a operação Arco de Fogo ter sido mantida.

Lamentavelmente, não posso dizer o mesmo em relação à operação Arco Verde; lamentavelmente, não posso dizer o mesmo em relação ao eixo do ordenamento territorial e fundiário, porque o que está acontecendo é uma temeridade.

É fundamentar que o Presidente Lula, que liderou esse processo o tempo todo, em relação a tomar medidas corajosas como essas que mencionei, de ter um Plano de Combate ao Desmatamento, coordenado por ele, através da Casa Civil, com coordenação executiva do Ministério do Meio Ambiente; de ter criado 24 milhões de hectares de unidades de conservação na frente da expansão predatória... O que está sendo feito agora, ou o que estão propondo fazer, é algo que vai na contramão de tudo isso. A sociedade brasileira não pode admitir esse tipo de retrocesso.

Eu espero que essas coisas tenham acontecido porque o meu companheiro Ministro Minc estava imbuído de defender, na Polônia, a proposta de metas do Brasil em relação à redução do desmatamento. O Ministro Minc foi juntamente com sua equipe. E foi muito bem recebida a proposta brasileira. Mas, enquanto isso, aqui, no Brasil, o Decreto nº 6.514, de 22 de julho de 2008, passou a sofrer alterações. Um novo decreto fez modificações na lei que regulamenta a cobrança de multas e a aplicação da lei dos crimes ambientais. Essas mudanças colocam uma série de questões que, no meu entendimento, não vão permitir que o Brasil atinja as metas de redução de desmatamento: de 12 mil quilômetros quadrados para 9 mil quilômetros quadrados, no ano que vem.

Por que não será possível? Porque a resolução do Banco Central, que foi fundamental porque vedou o crédito em bancos públicos e privados, está agora suspensa por um ano e 120 dias. E por que foi suspensa? Porque houve uma pressão muito grande daqueles que querem continuar no mesmo diapasão do uso predatório da floresta, sem lançar mão de tecnologia, sem respeitar a legislação ambiental brasileira. Eles fazem suas pressões e conseguem fazer uma mudança no decreto, estabelecendo que só teremos a exigência da lei a partir de dezembro de 2009. Após entrar em vigor a lei, em dezembro de 2009, ainda teremos 120 dias para começar a aplicá-la.

É engraçado que isso não está no corpo da lei. Foi colocado, de forma muito discreta, no artigo 152-A, o seguinte texto:

Os embargos impostos em decorrência da ocupação irregular de áreas de reserva legal não averbadas e cuja vegetação nativa tenha sido suprimida até a data da publicação deste Decreto serão suspensos até 11 de dezembro de 2009 [um ano], mediante o protocolo pelo interessado de pedido de regularização da reserva legal junto ao órgão ambiental competente.

Depois dessa data, ainda terão 120 dias, porque, no seu corpo, a lei diz que está suspenso por 120 dias, mas esse gatilho diz que está suspenso por um ano mais 120 dias.

O que vai acontecer? As exigências do Banco Central e do Conselho Monetário Nacional de que não se tivesse propriedade ilegal estão suspensas. Mais do que isso, as propriedades que foram embargadas pelo Ibama e os levantamentos que fizemos... Até 15 de dezembro de 2008, o Ibama fez o embargo de 3.779 áreas nos nove Estados da Amazônia Legal. O sistema de embargo do Ibama não traz informações sobre o tamanho das áreas embargadas para 1.039 embargos, ou seja, 27% do total. Dos 73% de que se tem a informação, a soma é de 618 mil hectares de áreas embargadas. Esse esforço que o Ibama fez vai ficar suspenso por um ano e 120 dias. Os contraventores poderão plantar, poderão comercializar, poderão ter acesso ao crédito. E isso vai na contramão do Plano de Combate ao Desmatamento, vai na contramão das metas corretamente assumidas pelo Governo, com o esforço do Ministério do Meio Ambiente, do Ministério das Relações Exteriores, do Ministério de Ciência e Tecnologia e, sobretudo, com o esforço da sociedade brasileira, que nunca abriu mão de que o Brasil pudesse colocar suas florestas nessa discussão de redução de emissão de CO2, em função da diminuição do desmatamento.

           Sr. Presidente, eu fico muito preocupada com o que está acontecendo. O que está acontecendo é muito grave. Medidas urgentes têm que ser tomadas, porque os contraventores estão dizendo - não é à boca pequena, é com todas as letras e com a boca bem aberta - que esse prazo não é para cumprir com as exigências da lei. Pelo contrário, é para pressionar o Governo, é para pressionar o Congresso para que a lei e o Código Florestal sejam revogados, para que não haja mais exigência de averbação da reserva legal, de recuperação da área de preservação permanente e para que não se precise recuperar a reserva legal. É o uso do tempo para prolongar a pressão em favor da destruição, do desmatamento e da desconstituição do grande avanço que tivemos agora, na Polônia, na Convenção do Clima.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sei o quanto custa alguma governança ambiental em relação à Amazônia; sei o que é que significou cada ação, cada medida do Plano de Combate ao Desmatamento; sei da dificuldade interna da discussão dessas medidas; sei da pressão externa, quando essas medidas foram tomadas; e sei o que significa para um governante ter que lidar com um universo em que há pressão de A a Z. Mas sei que esse é o caminho certo, que não podemos abrir mão de um milímetro dele para o bem da Amazônia, para o bem da agricultura brasileira e para o bem da preservação do planeta.

A sociedade brasileira, que em muitos momentos acompanhou e acompanha essa agenda, mais uma vez deu sustentação política para que as medidas fossem mantidas. Espero que, novamente, a sociedade brasileira dê sustentação política para que os retrocessos sejam reparados.

Esse gatilho que foi posto aqui dá um tempo para se derrubar o Código Florestal, para impedir que o zoneamento ecológico-econômico continue como ação fundamental e obrigatória, que já existe no Estado do Acre e no Estado de Rondônia, e passe a ser apenas peça de orientação. O que está sendo proposto no Brasil é um retrocesso em relação aos avanços da agenda ambiental brasileira. É por isso que digo que são contradições e avanços. Que todos estejamos unidos para dar sustentação aos avanços e que todos tenhamos clareza e capacidade de nos unir para evitar o retrocesso!

Tenho absoluta certeza de que, se isso aqui não for reparado, não teremos como atingir os 9.000 quilômetros quadrados de área desmatada, que é a meta do ano que vem. Se conseguimos, Sr. Presidente, diminuir o desmatamento quando estava previsto aumento de 40% este ano, é possível alcançar mais. Mas, para isso, tem de ser imediatamente anunciada a correção do plano. Recursos adicionais do Estado brasileiro têm de ser aportados ao plano, e cada uma das medidas que estão sendo propostas em relação a esses retrocessos deve ser urgentemente reparada.

         Já tivemos demonstração disso. Quando a reserva legal sofreu ameaça de ser prejudicada com o projeto do Deputado Micheletto, a sociedade brasileira se manifestou de forma contundente. Naquela época, o Presidente Fernando Henrique se sentiu respaldado para retirar a medida provisória de votação. Foram os brasileiros que deram essa sustentabilidade política. Talvez, em pleno século XXI...

(Interrupção do som.)

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Pode ficar tranqüila, porque minha presença aqui é para garantir o tempo que V. Exª desejar.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Muito obrigada, até mesmo porque sei que V. Exª é árduo defensor do princípio da eqüidade, e vi o quanto V. Exª foi beneficiado. Com postura semelhante à sua, estou aqui reconhecendo que V. Exª está praticando, em meu benefício, aquilo que recebeu.

Sei que a sociedade brasileira, talvez, esteja vivendo também a ambigüidade deste momento. Confesso que, para mim, é muito difícil fazer este pronunciamento, porque eu gostaria que estivéssemos aqui discutindo como vamos fazer para atingir a meta a partir das conquistas que já temos, e não fazendo embate em relação aos retrocessos que estão querendo fazer.

No dia que completa 20 anos da morte do Chico Mendes, dia 22 de dezembro, talvez precisemos de um novo embate, o embate contra o retrocesso: dar sustentabilidade política para o Congresso, dar sustentabilidade política para o Governo Federal, dar sustentabilidade política para os produtores. A sociedade brasileira não quer ver sua carne sendo achincalhada de estar sendo produzida em prejuízo da Amazônia; não quer ver seus biocombustíveis serem preteridos, com o medo e a ameaça de isso estar acontecendo em prejuízo da proteção do meio ambiente.

Podemos fazer diferente. O Plano Amazônia Sustentável está pronto, e foi lançado o Plano BR-163; foi criado o Chico Mendes; foi criado o Serviço Florestal Brasileiro. Temos um excelente conjunto de medidas que precisam ser implementadas, mas, para isso, não podemos, em hipótese alguma, fazer qualquer sinalização ambígua: é, mas não é; pode, mas não pode; vai, mas não vai. Não é isso. Há que se ter determinação.

Eu disse: enquanto estive no Governo, eu tinha a clareza de que estava fazendo uma corrida de 4X4, correndo com o bastão na mão. Na hora em que não foi mais possível, em que não me senti mais respaldada para fazê-lo, entreguei o bastão; e entreguei-o a uma pessoa que tem uma trajetória de compromisso com a questão ambiental, que é o Ministro Minc. Agora, ele celebra, com justa razão, as metas que o Brasil assumiu.

Por enquanto, devo dizer que celebro também, mas, ao mesmo tempo, estou vigilante. O que puder fazer para impedir esse retrocesso, vou fazer.

Foi posto esse gatilho aqui com o prazo de um ano - um ano e cento e vinte dias. Depois, como conseqüência disso, todas as propriedades estão desembargadas, todas as que foram embargadas pelo Ibama. Os ilegais vão usar as propriedades para plantar, vão poder comercializar e ainda vão poder usufruir do crédito. Isso é um retrocesso! Só conseguimos impedir o desmatamento fora de controle em função dessas medidas. Quero ver o que vai acontecer nesse um ano de “liberou geral” que está sendo proposto e cujo decreto já foi assinado.

Espero que isso seja corrigido o mais rápido possível. Tenho certeza de que o mesmo Presidente que assinou essas medidas, quando tiver conhecimento disto que está aqui, fará de tudo para reparar seu ato. Que não seja um reparo só para a Amazônia, mas para todo o Brasil: para a Mata Atlântica, para o cerrado, para a caatinga. Não deve ser apenas para a Amazônia, porque a pressão para se botar esse gatilho veio de São Paulo, veio da Bahia e veio dos nove Estados da Amazônia; não necessariamente dos seus Governadores, porque tenho absoluta certeza de que o Governador Binho Marques não pressionou nessa direção.

Espero que os Governadores que têm aliança com a Amazônia - o Governador Braga, a Governadora Ana Júlia, o Governador Binho Marques - coloquem-se em posição de não querer ver seus Estados novamente figurarem na página policial do desmatamento. Que nós possamos continuar esse processo virtuoso de governança ambiental!

Agradeço a V. Exª pelo tempo que me dá. Mas o reconhecimento ao avanço não pode esmaecer a vigilância em relação aos retrocessos. E eles estão aqui, assinados e publicados no Diário Oficial. Que sejam reparados!

Esse reparo deve ter, no meu entendimento, a sustentação do povo brasileiro, para que aqueles que forem fazer o reparo tenham que dar satisfação à sociedade, que é a maioria, e não às minorias que querem continuar, em pleno século XXI, em plena crise ambiental global, com a política lamentável de garimpar nutriente, destruindo florestas com suas velhas e tão atuantes motosserras.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/12/2008 - Página 52275