Discurso durante a 237ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexões sobre a falta de lógica em diversas ações humanas.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Reflexões sobre a falta de lógica em diversas ações humanas.
Publicação
Publicação no DSF de 16/12/2008 - Página 52290
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, CONTRADIÇÃO, APREENSÃO, DESTRUIÇÃO, EQUILIBRIO ECOLOGICO, AUMENTO, TEMPERATURA, ALTERAÇÃO, CLIMA, MUNDO, RESULTADO, EMISSÃO, GAS CARBONICO, AUTOMOVEL, LIBERAÇÃO, RECURSOS, SALVAMENTO, INDUSTRIA AUTOMOBILISTICA, COMBATE, EFEITO, CRISE, SISTEMA FINANCEIRO INTERNACIONAL, QUESTIONAMENTO, ALEGAÇÕES, GOVERNO BRASILEIRO, FALTA, DINHEIRO, PAGAMENTO, DIVIDA, APOSENTADO, PISO SALARIAL, PROFESSOR, FACILITAÇÃO, CREDITOS, BANCOS, INDUSTRIA.
  • DISCORDANCIA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, FALTA, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, LIBERAÇÃO, RECURSOS, SALVAMENTO, INDUSTRIA AUTOMOBILISTICA, INCENTIVO, AUMENTO, CONSUMO, CRITICA, CAPITALISMO, PROVOCAÇÃO, EQUILIBRIO ECOLOGICO.
  • DEFESA, NECESSIDADE, BUSCA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, IMPORTANCIA, EMPENHO, RESPONSABILIDADE, SENADO, DEBATE, PROVIDENCIA, MELHORIA, FUTURO, BRASIL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

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O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, muito obrigado, Senador Mão Santa, por esse comentário.

Mas, Senador, eu vim falar aqui sobre algo que pode parecer inusitado a uma Casa Legislativa. Vim falar sobre a lógica.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - A lógica?

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Lógica, coisa que o senhor deve gostar.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - É, Descartes falou, não esclareceu bem. Disse: “penso, logo existo”, coordenada cartesiana. Agora V. Exª vai complementar.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - No nosso caso, eu vim falar sobre a morte da lógica. Quando a gente lê os jornais hoje, a sensação que fica é que morreu a lógica, e não só no Brasil. E vou dar alguns exemplos.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Presidente Cristovam, desculpe interrompê-lo, porque, regimentalmente, às 18h30 terminaria. Mas V. Exª precisa, como último orador inscrito, de quanto tempo? Porque quero prorrogar de acordo com o desejo de V. Exª.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Vinte minutos, e vai sobrar o tempo.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Pois 30 minutos, com margem de segurança, na esperança de que V. Exª preencha os 30 minutos para educar o nosso País.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Sr. Presidente, será que o povo brasileiro não está sentindo uma falta de lógica na maneira como as coisas estão acontecendo e os jornais estão dando? Primeira delas: o mundo inteiro hoje fala o tempo todo da crise ecológica, do aquecimento global e dá idéia de que esse aquecimento global vem sobretudo da emissão de dióxido de carbono que sai dos automóveis. Isso é uma preocupação geral.

E como é que se explica que o mundo inteiro hoje está colocando bilhões de dólares para salvar as indústrias automobilísticas, que geram dióxido de carbono, que poluem a atmosfera e que provocam o aquecimento global? Há alguma coisa errada, alguma coisa não está batendo do ponto de vista lógico.

Nós estamos preocupados com o aquecimento global, que vem das emissões que saem dos automóveis, ou nós estamos preocupados com a crise que impede a venda de mais automóveis? As duas coisas, não é possível que elas estejam juntas! Há uma crise de lógica nessa maneira de pensar.

E no Brasil? Nós temos visto a luta que o Governo faz para impedir o reajuste dos aposentados, e há uma manifestação clara de que não há recursos, de que haverá um estouro da Previdência e de que esse estouro da Previdência contaminará o equilíbrio fiscal do País.

Mas, ao mesmo tempo em que o Governo insiste na impossibilidade disso, a gente vê o Governo colocando bilhões de reais para salvar indústrias, para salvar bancos. Alguma coisa não está batendo nessa lógica! Existe ou não existe dinheiro?

Outra, Sr. Presidente, que parece muito estranha: como é possível que a gente veja governo de Estado dizendo que não tem condições de pagar o piso salarial do professor e, ao mesmo tempo, dando incentivos fiscais para que as indústrias não sofram os efeitos da crise. A lógica não bate: falta dinheiro ou não falta dinheiro?

Também não bate, do ponto de vista lógico, a idéia de que não havia dinheiro antes da crise para fazer a revolução educacional de que se precisa. Depois da crise, existe dinheiro para investir em setores que estão ameaçados pela crise.

Há alguma coisa errada nessa lógica, Senador Mão Santa.

E outra coisa: onde está a lógica que, até pouco tempo atrás, nos dizia que o setor mais eficiente, de maiores lucros deste País eram os bancos? E, agora, os bancos aparecem como necessitando de apoio financeiro do Tesouro ou do Banco Central.

A lógica não está batendo neste País e nem mesmo no mundo inteiro. Há uma crise na lógica. A lógica parece que morreu diante de contradições que fazem a gente perceber que não entende as coisas: falta dinheiro ou sobra dinheiro? Existe um problema de aquecimento global ou existe o problema de poucos automóveis nas ruas? O que a gente está querendo: fazer com que haja necessidade de rodizio de automóveis, porque não cabem mais automóveis nas ruas de São Paulo, e aí só circulam, num dia, os que têm placa ímpar e, no outro dia, os que têm placa par, ou a gente precisa vender mais automóveis ainda?

           Onde está a lógica? Precisamos de mais carros ou se precisa do rodízio? Dos dois não é possível! Há uma contradição que a gente precisa entender melhor.

Não bastam essas contradições.

Qual é a lógica, Senador Mão Santa, se existe uma tremenda crise, no fato de o Presidente estar mandando a gente comprar produtos? Quando se tem crise é porque a gente não está podendo comprar os produtos. Onde está a explicação dessa falta de lógica? Alguma explicação deve haver, e eu vou tentar dar uma explicação.

Como a gente pode entender a falta de lógica, num Pais que não cumpre as metas educacionais modestíssimas, que, mesmo cumpridas, deixarão o Brasil como ainda um dos países mais atrasados do mundo? Mesmo cumprindo as metas, o Brasil continuará sendo um dos países mais atrasados do mundo. São metas tímidas; mesmo assim, a gente não cumpre.

         Não há dinheiro para a educação, mas há dinheiro para salvar montadoras, há dinheiro para incentivar o consumo. Onde está a lógica disso? Onde está a lógica, Sr. Presidente, num País que não tem sapato popular e tem automóvel popular? Qual é a lógica desta expressão “carro popular”? “Popular” significa aquilo a que a maioria tem acesso, “popular” significa aquilo que é do acesso do povo inteiro. Por R$26 mil o povo inteiro tem acesso a um carro?

Há algo que não está batendo bem na lógica no Brasil. A sensação é de que ela morreu. E mais do que isso: a crise que a gente vive começou a arrebentar pelo setor financeiro. Mas o setor financeiro é absolutamente necessário para dinamizar as vendas dos produtos caros da indústria. Não há como vender produtos caros só com o dinheiro que as pessoas têm nos bolsos. Elas têm que comprar postergando pagamento, por meio do financiamento bancário ao vendedor; e, depois, o comprador paga aos bancos. Se a crise veio de uma alavancagem - alavancagem significa emprestar mais do que é possível -, de uma alavancagem do banco que, irresponsavelmente, emprestou mais do que podia, como é que agora a gente quer que eles continuem emprestando para continuar vendendo produtos caros que precisam de financiamento? Ou seja, alguma coisa não está batendo.

Ou houve uma crise financeira por conta da irresponsabilidade bancária, da alavancagem exagerada que os bancos fizeram - e se houver é hora de reduzir o papel dos bancos, ou não há. As duas coisas ao mesmo tempo é difícil de a gente entender.

Aí, Sr. Presidente, tento explicar a lógica da falta de lógica. A lógica da falta de lógica está em que o sistema não tem lógica. Nós temos um sistema econômico, um sistema produtivo que não tem lógica, porque ele é implicitamente depredador da natureza, ele carrega dentro dele as ferramentas necessárias para o aquecimento global. Então, é preciso vender mais carros mesmo que digamos que queremos reduzir o aquecimento global. Nós trabalhamos num sistema que carece de lógica e, aí, é que entram os dois caminhos para sair da crise: o caminho de tapar o buraco que está aí, com toda a ilógica do sistema, ou o caminho de buscar um novo rumo, o caminho da pá que tapa o buraco ou o caminho da bússola que define um novo rumo.

Nós insistimos na idéia de continuar na mesma lógica ilógica do sistema que a gente tem. E aí a gente entra nessas contradições terríveis de não ter dinheiro para pagar os aposentados, mas ter dinheiro para salvar os bancos, porque, de fato, é preciso salvar os bancos, porque, de fato, é preciso continuar vendendo automóveis neste sistema que está aí.

Pensemos outro; pensemos uma saída que não seja apenas um arranjo momentâneo para dar a impressão de desafogo diante da crise que a gente atravessa. Pensemos um rumo novo que faça com que a economia seja capaz de sobreviver, de crescer sem aquecer o Planeta, sem concentrar a renda, sem quebrar os bancos, sem gerar endividados. Pensemos um novo rumo, e esse rumo existe. É aproveitar a própria crise da economia e a lógica dessa economia, desse sistema que carrega dentro dele o suicídio - ele carrega dentro dele o suicídio e as soluções são apenas adiamentos do suicídio -, para um modelo baseado nos produtos que não pressionam os bancos, que não pressionam o meio ambiente, que não geram crises há cada tanto tempo, como cada um da gente vem atravessando ao longo da nossa vida. Uma economia que procura, em primeiro lugar, atender a demanda daqueles que estão na base e não daqueles que estão no topo; uma economia que procura valorizar a produção dos bens invisíveis, culturais, educacionais, que não pressionem o meio ambiente, que não geram pressão sobre os bancos. E isso é possível, ou seja, é possível dar lógica a um novo sistema. No sistema que está aí, a gente vai ter de conviver com essa sensação angustiante, ao ler os jornais, de que a lógica morreu, de que o que se diz hoje é diferente do que se diz amanhã; de que o que se diz hoje e o que se diz amanhã não batem, não se somam, em que parece que ficou todo mundo doido, sem saber qual é a realidade. Existe uma crise ou existem mais compras, como se está mandando fazer? Existe aquecimento global ou existe falta de automóveis nas ruas?

Esta Casa, Senador, deveria se debruçar, durante horas e horas, nas suas Comissões, aqui no plenário, para discutir não apenas como colocar algumas pás cheias de dinheiro no forno dos nossos bancos, mesmo que seja preciso. Mas que não seja só isso, que seja para pensar o pós, o depois, o amanhã e dizer: “Não adianta querer resolver o problema que nós atravessamos apenas enfrentando o imediato”. Temos ce ter a coragem, temos ce ter a lucidez, temos de ter a liderança, a qualquer custo, inclusive de perder mandatos por falta de votos ao dizer coisas que parecem desvinculadas da realidade, mas temos de ter a coragem, a liderança de propor novos rumos.

Eu insisto em que esse novo rumo vai exigir muito mais do que alguns reais ou dólares a mais circulando na economia, para, no velho sistema keynesiano tradicional, dinamizar a demanda, seja por meio da redução dos impostos, deixando o dinheiro nas mãos dos consumidores, seja por meio de mais dinheiro do setor público para os bancos, que transferirão isso ao consumidor para que ele compre mais e a indústria continue crescendo, mesmo que seja um crescimento ilógico, porque depredador da natureza, porque concentrador da renda, porque inviável no longo prazo, porque durará até uma nova crise, em que, se não tivermos medo, poderemos até fixar o prazo em alguns anos daqui para frente.

Esta Casa precisa se debruçar não apenas sobre o problema do dia-a-dia, mas também sobre o problema da lógica ou até, melhor dito, da falta de lógica, para a qual estamos tentando encontrar saídas imperfeitas, provisórias, temerárias, em vez de procurar as respostas definitivas, permanentes, carregadas de justiça e de equilíbrio ecológico que este País pode trazer, a fim de servir, a partir daqui, de exemplo para o mundo inteiro.

Lamento que uma figura com a capacidade de liderança que tem o nosso Presidente Lula não esteja, além de pensar o dia-a-dia como gerente, que é obrigação dele, trazendo também uma dimensão maior, de estadista, para o futuro distante, para o momento seguinte a passar esta crise, que é temporária e, ao mesmo tempo, permanente. É temporária nas suas circunstancias conjunturais e permanente nas suas características intrínsecas, nas entranhas de um sistema ilógico e, portanto, fadado ao fracasso.

O Presidente Lula poderia fazer um debate muito mais profundo do que aquele que ele tem feito apenas com os economistas, apenas com os empresários, apenas para o curto prazo. Deveria ampliar esse debate e chamar a sociedade para discutir que País a gente quer para daqui a vinte anos, não para daqui a vinte semanas, como é a discussão que a gente faz; ou para daqui a vinte meses, que é a data, o tempo que nos falta para a eleição presidencial, como se quiséssemos, em vez de construir um País novo, apenas ganhar tempo; em vez de transformar o País, apenas ganhar uma eleição.

Esta Casa tem uma responsabilidade maior do que aquilo que estamos fazendo no dia-a-dia: de pensar o além da crise, e não apenas o momento da crise.

Eu gostaria de ver este debate aqui. Sei que é difícil a gente fazer isso, até pela sensação de frustração, de inoperância por que a gente, muitas vezes, passa; até por essa sensação de que ficamos obsoletos, como um Poder secundário na República. Mesmo assim, vou continuar insistindo que cabe a esta Casa, mais do que a qualquer outra, pensar o Brasil do futuro, pensar o Brasil do além-crise, pensar o Brasil do além 2010, pensar o Brasil do futuro e, para isso, tentar recuperar a lógica de como funciona o sistema, porque, com a lógica morta, como a gente vive hoje, não há nenhum futuro possível de ser construído.

Era isso, Sr. Presidente, que eu tinha para colocar aqui no tempo que o senhor me permitiu: tentar trazer esta Casa a uma reflexão e a tomar posições sobre como fazer com que no Brasil a lógica funcione.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/12/2008 - Página 52290