Discurso durante a 241ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração dos 60 anos da promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. DIREITOS HUMANOS.:
  • Comemoração dos 60 anos da promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Publicação
Publicação no DSF de 18/12/2008 - Página 53265
Assunto
Outros > HOMENAGEM. DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, AUTORIDADE, PRESENÇA, SESSÃO ESPECIAL, HOMENAGEM, ANIVERSARIO, DECLARAÇÃO, DIREITOS HUMANOS, DETALHAMENTO, ARTIGO, DEMONSTRAÇÃO, VINCULAÇÃO, EDUCAÇÃO, CORRELAÇÃO, ANALFABETISMO, ESCRAVATURA, VIOLENCIA, FALTA, ENSINO, MORAL, CONCLAMAÇÃO, AMPLIAÇÃO, ACESSO, QUALIDADE, GARANTIA, IMPLEMENTAÇÃO, DIREITOS.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, quero, inicialmente, cumprimentar uma senhora que desempenha aqui no Brasil um papel, a meu ver, mais próximo do que seria a guardiã desta Declaração Universal dos Direitos Humanos, que é a Srª Kim Bolduc, a quem agradeço muito a presença.

Quero agradecer ao Cláudio José Montesso. Quero agradecer ao Senador José Nery, por ter permitido que eu assinasse a convocação junto com ele;

ao Ministro Paulo Vannuchi, velho amigo, companheiro e grande defensor dos direitos humanos neste País; ao representante no Brasil do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, Javier Lopéz-Cifuentes. Quero agradecer muito a presença aqui do colega meu da UnB Dr. Cançado Trindade, que hoje nos orgulha representando o Brasil na mais alta Corte de Justiça do mundo; e muito especialmente, também, ao Vincent Defourny, meu amigo, representante da Unesco, que, a meu ver, é a entidade que mais poderia ajudar a fazer com que este pequeno livro virasse realidade, pelas razões seguintes, Sr. Presidente, tentando usar o mais breve possível o tempo, de um verdadeiro estudo que eu tenho feito para demonstrar como tudo neste documento, item por item, um por um, cada um dos trinta artigos passa pela educação.

         Vou fazer a análise o mais rápido possível, inclusive saltando alguns artigos. Mas logo o artigo I diz:: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos.

         O ser humano nasce duas vezes, diferentemente dos demais animais. Ele nasce uma vez biologicamente e nasce uma segunda vez intelectualmente. E o nascimento intelectual passa pela educação. Nós não somos animais iguais aos outros, que apenas precisam nascer biologicamente. Então, o artigo I já exige a educação.

         Artigo II: “Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidas nesta Declaração.”

Como ser livre sem saber ler, no mundo de hoje? É uma falsa liberdade. É uma liberdade restrita, uma liberdade acanhada. E não só ler. Como ser livre sem ter o máximo de educação que o mundo de hoje permite?

         Ainda, no Artigo II: “Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do País.”

         Qual País tem condições hoje de participar do cenário internacional se não tiver dentro dele o acúmulo de conhecimento coletivo que vem da soma de indivíduos altamente educados?

           Artigo III. “Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.”

Qual liberdade sem educação?

Artigo IV. “Ninguém será mantido em escravidão ou servidão.”

         O analfabetismo é uma forma de escravidão. O analfabetismo é a escravidão de quem não consegue se comunicar com a realidade ao seu redor, e a escravidão, contrária àquela do passado, do trabalho forçado, é a escravidão do não trabalho à sua disposição por falta de educação.

           Artigo V. “Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.”

Como ter um mundo sem tortura se nós não educarmos os candidatos a torturadores, desde muito cedo, na sua infância e juventude, passando-lhes os valores fundamentais? Você pode ser torturado mesmo depois de muito estudo, mas dificilmente você será torturado por alguém que teve na sua infância a formação humanista necessária para respeitar os demais.

Eu passo ao artigo VII: “Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei.”

Não há como ser igual perante a lei se não for capaz, pelo menos, de dialogar com advogado.

Eu nem falo ter educação suficiente para defender ele próprio ou ela própria os seus direitos, mas dialogar com aquele que defende.

           Artigo IX. “Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado. “

           Como se defender se não souber defender os seus direitos?

         Passarei agora ao artigo XI. E eu estou saltando pelo meu compromisso com o Senador José Nery de não alongarmos muito esta sessão. Na verdade, é uma sessão que não tem todos os seus direitos humanos reconhecidos por falta de tempo.

         Artigo XI: “Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente.”

         Como? Se a gente não tem educação para até saber quais são os próprios direitos.

           Artigo XII. “Ninguém será submetido à interferência em sua vida privada, em sua família, em seu lar ou em sua correspondência.”

Que correspondência tem aquele que não aprendeu a ler? Ou seja, é pior até que violar a correspondência: é negar-lhe o direito a ela.

Aqui não está escrito, mas é claro que deve ser proibido queimar livros, como fizeram os nazistas, mas hoje a gente queima o próprio cérebro ao impedir que ele seja capaz de escrever os livros. Os nazistas, pelo menos, não conseguiam queimar todos os livros, alguns sobravam em alguma livraria, em alguma biblioteca, mas, quando a gente incinera um cérebro por não dar-lhe educação, a gente incinera todos os livros que esse cérebro poderia vir a escrever.

           Artigo XIV. “Todo o ser humano vítima de perseguição tem direito de procurar e de gozar exílio em outros países.”

Como? E quem nem sabe quais são os países do mundo? E quem não estudou geografia, quem não estudou o direito ao exílio?

Artigo XV. “Todo homem tem direito a uma nacionalidade.”

A nacionalidade hoje não é mais apenas do seu País. Cada um de nós tem a nacionalidade própria do País e tem a nacionalidade de ser humano na globalidade que foi construída. Como ser um ser humano global, ser humano da humanidade inteira, sem ter aprendido o que é humanidade, sem ter estudado a existência da humanidade?

           Artigo XVI. “Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução.”

         Os filhos fazem parte do casamento. E como é que eles vão gozar de direitos iguais se não podem colocar seus filhos em boas escolas? Se suas escolas são depredadas, se seus professores, desmotivados? Não há como cumprir esse artigo XVI, que fala do casamento, se a gente não for capaz de dar escola aos filhos que surgem dos casamentos.

           “O casamento não será válido sem o livre e pleno consentimento dos nubentes.”

         Como, em sociedades onde não é permitido o nubente escolher o seu nubente? E se não lhes der educação para descobrir que há formas diferentes de escolher o parceiro matrimonial? Isso vem da educação.

           Artigo XVII. “Todo ser humano tem direito à propriedade.”

Hoje a grande propriedade não é a matéria que a gente tem, da roupa, da casa. A grande propriedade é do conhecimento, que é a propriedade capaz de gerar novas propriedades.

Como ser dono de propriedade num mundo que não dá educação para todos, se a grande propriedade é o conhecimento?

Art. XVIII.”Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, (...).

         Como ter liberdade de pensamento sem acesso a ele? É a educação que dá a liberdade do pensamento.

         Art. XIX. ”Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão” (...).

Como ter liberdade de opinião e de expressão sem ter opinião? Como ter opinião sem ter acesso a diversas opiniões para escolher a sua própria ou para construí-la quando for preciso? Isso vem da educação.

Art. XX. “Todo ser humano tem direito à liberdade de reunião e associação pacífica.”

Como associar-se, no mundo de hoje, sem educação?

Vou direto ao art. XXII, que diz:

Art. XXII. “Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança social” (...)

         Qual segurança social é possível, hoje, sem passar pelo banco das escolas? Sem adquirir um ofício que lhe assegure um emprego? Sem ser capaz de reciclar-se nessa dinâmica terrível - ao mesmo tempo boa e ruim - de novos ofícios a cada ano, de obsolescência de ofícios a cada ano? Só a educação é capaz de oferecer isso.

           Art. XXIII.”Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego” (...).

Que trabalho? Que livre escolha de emprego sem educação, quando, hoje, não há mais empregos satisfatórios? Só há os restos dos empregos para aqueles que não conseguiram estudar, ainda mais se vamos aos detalhes que falam em direito a igual remuneração por igual trabalho, remuneração justa e satisfatória.

O Art. XXIV fala no direito ao repouso e ao lazer.

Art. XXIV. “Não há lazer pleno para quem não teve uma boa educação e conseguiu descobrir as grandes vantagens, possibilidades estéticas do lazer culto.”

Não é possível ter o direito pleno ao lazer sem o direito de escolher qual lazer praticar.

Art. XXV. “Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação” (...).

Isso hoje passa pela formação. Não haverá como assegurar direito a um padrão de vida pleno sem educação.

Art. XXVI. “Todo ser humano tem direito à instrução.”

Aqui, entra a parte educacional. Prossegue o artigo:

1. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. (...)

2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento (...).

3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.

         Esse Artigo XXVI deveria ser a chave para a realização de todos os outros, mas não tem sido praticado.

         Art. XXVII. “Todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida cultural” (...).

Como participar livremente da vida cultural sem passar pelo altar da cultura, que é a escola? Não que não haja cultura fora da escola, mas, fora da escola, você não tem alternativas para escolher a cultura que quer praticar.

Vou para o penúltimo artigo:

           Art. XXIX. “Todo ser humano tem deveres para com a comunidade.” (...).

         Como hoje ter a possibilidade de exercer o dever que a sociedade exige, sem ter aprendido o ofício que a sociedade precisa, sem aprender a forma de participar, política e intelectualmente, da sociedade?

Termino com o último artigo:

           Art. XXX. “Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado”.

Concluo, Sr. Presidente, senhoras e senhores, dizendo que os trinta artigos poderiam ser resumidos em um único artigo: “Todo ser humano tem direito de acesso à educação de qualidade, sem distinção de classe, de raça, de nacionalidade ou de gênero”. No dia em que fizermos isso, teremos a Declaração Universal dos Direitos Humanos chegando ao mundo inteiro no século XXI.

Escola igual para todos - esse é o artigo síntese da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Sr. Presidente, era o que eu tinha a dizer. (Palmas.)


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/12/2008 - Página 53265