Discurso durante a 241ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração dos 60 anos da promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. DIREITOS HUMANOS.:
  • Comemoração dos 60 anos da promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Publicação
Publicação no DSF de 18/12/2008 - Página 53283
Assunto
Outros > HOMENAGEM. DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, AUTORIDADE, PRESENÇA, SESSÃO ESPECIAL, HOMENAGEM, ANIVERSARIO, DECLARAÇÃO, DIREITOS HUMANOS.
  • COMENTARIO, REPUDIO, CLASSE MEDIA, BRASIL, HISTORIA, TORTURA, DITADURA, REGIME MILITAR, NECESSIDADE, CONSCIENTIZAÇÃO, CONTINUAÇÃO, OCORRENCIA, PRESIDIO, PENITENCIARIA, CONCLAMAÇÃO, LUTA, DEFESA, DIREITOS HUMANOS, PRESO, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, MELHORIA, TRANSPORTE, HABITAÇÃO, EMPREGO, JUSTIÇA, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, DISCRIMINAÇÃO SEXUAL, COBRANÇA, COMPETENCIA, ATUAÇÃO, LEGISLATIVO, JUDICIARIO, BENEFICIO, CIDADANIA.
  • GRAVIDADE, DESRESPEITO, DIREITOS HUMANOS, CIDADÃO, REGIÃO AMAZONICA, PRECARIEDADE, TRANSPORTE FLUVIAL, NECESSIDADE, ATENÇÃO, TOTAL, PROBLEMA, POPULAÇÃO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Alvaro Dias; ilustre Ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República; ilustríssimo Professor Antônio Augusto Cançado Trindade, ex-Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos e Juiz eleito da Corte Internacional de Justiça de Haia; Srª Kim Bolduc, representante do Pnud no Brasil; Senador Cristovam Buarque, co-autor do pedido, aprovado por todos nós, desta sessão solene em homenagem aos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos; do mesmo modo e pela mesma razão, saúdo o Senador José Nery; Sr. Vincent Defourny, representante da Unesco no Brasil; Srªs e Srs. Embaixadores e demais membros do corpo diplomático; senhoras e senhores presidentes, diretores e representantes de entidades protetoras dos direitos humanos; senhoras e senhores presidentes, diretores e representantes dos sindicatos e de entidades de classe; senhoras e senhores, tentarei ser bastante sucinto, até porque pretendo colocar uma abordagem talvez nova nesta sessão em relação à questão dos direitos humanos.

As classes médias no Brasil acordaram para a tortura, que sempre foi uma prática muito comum nos porões das prisões, no momento do enfrentamento entre grupos de esquerda e o poder ditatorial constituído àquela época no País, no período entre 1964 e 1984, com ênfase para o pós AI-5. Mas até hoje há tortura nas prisões brasileiras. Se temos a clara consciência de que não há uma ditadura no País e que vivemos a plenitude do regime democrático tal como foi possível atingi-lo, imagino que temos de ampliar a nossa visão em relação à questão fundamental dos direitos da pessoa. Continua havendo tortura nas prisões.

Não consigo imaginar que os direitos humanos estejam protegidos se continuarmos permitindo a ruína do meio ambiente.

Não consigo supor que estejamos sendo justos com as pessoas deste País, com os trabalhadores sobretudo, se não formos capazes de modernizar, aparelhar e humanizar o sistema de transporte de massa no Brasil.

         Do mesmo modo, não há proteção efetiva aos direitos da pessoa se não há moradia, Senador Paim, moradia justa para todos, e emprego.

         Aqui, algum dos oradores que me antecederam mencionou esta questão que julgo relevante e fundamental: o direito à livre opção sexual; a necessidade de um combate, em todas as frentes, ao racismo, que, em nosso País, é insidioso, porque é disfarçado e não é claro. Alguns insistem em que a figura do racismo não existe. Sabemos que ele está presente nas piadas de mau gosto, ele está presente muitas vezes nas relações de trabalho, está presente disfarçado por outros pretextos. Eu não diria que estamos vivendo uma situação de absoluta igualdade nesse campo. Basta lembrar que a maioria dos pobres brasileiros é composta de negros, e temos que perceber que, pelo lado econômico, quando nada - e não abro mão de imaginar que, pelo outro, também -, percebemos que há uma desvantagem muito clara para os negros neste País, que muito honrosamente, para todos nós, é um País de mestiços.

         Não há proteção efetiva aos direitos das pessoas humanas, Ministro, se não temos a clara responsabilidade em relação aos direitos do consumidor. Ele não pode ser lesado por falsa propaganda, não pode ser lesado por propaganda enganosa, não pode comprar um produto pensando que é outro. Isso me parece que é uma visão moderna, mais ampla da questão dos direitos humanos.

         Eu não poderia deixar de falar na Justiça. Eu tenho exemplos em todas as cortes, da primeira à última instância, de juízes corretos. Tenho aqui uma frase do Ministro Cesar Asfor, que é o correto Presidente do Superior Tribunal de Justiça, que compara o juiz covarde ao juiz corrupto, porque os resultados finais são os mesmos. Então, o juiz não deve se omitir na hora de julgar, o juiz tem que dizer com clareza o que pensa e arrostar as conseqüências do que pensa. Em muito isso contribuirá para que nós vejamos liquidadas as oligarquias que restam neste País.

O Congresso não pode se omitir de tomar as suas decisões. Aqui no Congresso, cada Parlamentar tem o direito de pensar como bem entender, faz parte do nosso entendimento democrático; mas a figura do muro, a figura da dúvida, a figura do “penso, mas não digo”... Parlamentar não foi feito para trabalhar em off:foi feito para trabalhar em on the records. Essa dubiedade de alguns não contribui para que tenhamos estabelecido um pleno regime de respeito aos direitos da pessoa humana.

Eu gostaria muito de registrar um fato - e eu falava ainda há pouco com o Senador Tião Viana sobre isso, os Senadores do Amazonas vão me compreender muito bem, e tenho a impressão de que os brasileiros todos também. Vejam se dá para se falar em direitos humanos respeitados no meu Estado do Amazonas, isso na Amazônia em geral, se ontem eu soube, por um Senador, um Colega me avisou que houve o naufrágio de um barco no Amazonas. Estava anunciado, no on line, o falecimento do Prefeito Fábio Cabral, recém-eleito para o Município de Tonantins, Prefeito do PPS, um querido amigo meu. Imediatamente, fiz um voto de pesar e lamentei, de maneira muito sentida, a morte dessa figura tão promissora para um Município que nem sempre tem sido tratado como seu povo merece. Eu via nele a cara da esperança. De manhã, notícias contraditórias nas rádios de Manaus: ele foi encontrado com a perna quebrada, sua esposa é que teria falecido, e mais três acompanhantes. Depois me chega o Senador João Pedro e diz: “Puxa, o Fábio não morreu, está são e salvo. Sua esposa é que está com a perna quebrada”. Aí outro diz que encontrou, outra rádio diz que não encontrou. O fato, a notícia mais confirmada é que, sem corpo, não temos a comprovação clara de que o Prefeito Fábio Cabral faleceu. Mas, até hoje, ele está desaparecido, essa é a verdade final, que eu só soube ainda há pouco.

No meu Estado, as pessoas são tão desprotegidas, há uma navegação fluvial tão absolutamente desumana que, eu diria, a vida humana lá tem menor valor do que a vida humana em outros lugares deste País; assim como a vida humana neste País de insegurança tem menos valor do que a vida de um austríaco, do que a vida de um cidadão de qualquer país da Europa.

         Eu ter passado doze horas sem ter certeza - como o Amazonas todo não tem - do que aconteceu de fato com alguém que sofreu um acidente é a demonstração mais cabal de que temos uma população desprotegida naquela região. Sei que estou universalizando este problema, esta inquietação, Deputado Wagner Lago, quando sei que isso é comum a todos os Estados da Região Amazônica. Não quero apequenar, tornar menor. Se aparece aqui alguma coisa que signifique protegermos de ditadura, de arbítrio cidadãos de qualquer latitude deste planeta, a minha assinatura e a minha tribuna estão à disposição, e estarão à disposição sempre.

Lembramos que temos 20 anos de Constituição, o que é positivo; temos 40 anos da edição daquela coisa horrorosa que foi o Ato Institucional nº 5, e isso hoje vejo que faz parte do crescimento civilizatório do nosso povo. Foi preciso passar por aquilo para termos o nível de democracia, Senador Inácio, que atingimos hoje. E, se temos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana, tenho certeza de que, àquela altura, o legislador da ONU, quem engendrou essa bela proposta que correspondia a um estado de espírito da humanidade, sabia que não estava oferecendo uma solução pronta e acabada; sabia que não estava, sabia que era um começo, era um start, era um ponto de partida e que outras providências teriam que ser tomadas daí em diante, daí para a frente.

E vejo que, se nós nos conscientizamos de que é dever nosso proteger a democracia brasileira e é dever nosso consolidá-la e aperfeiçoá-la, nós só a aperfeiçoaremos, só a consolidaremos para valer se nós soubermos proteger os nossos índios, as nossas mulheres - e elas, sobretudo, se protegendo com a capacidade política e de organização que já têm; se nós soubermos garantir justiça, prendendo quem merece ser preso, mas não permitindo tortura a quem é encarcerado; se nós soubermos passar os olhos pelo consumidor; se soubermos passar os olhos pela Justiça brasileira; se soubermos passar os olhos por certas omissões do Parlamento; se nós soubermos cobrar, enfim, que este País observe o cidadão desde o problema maior, que atinge todos e que a todos empolga, até o problema menor aparentemente, mas que não é pequeno para quem o vive.

Entendo que seria essa a contribuição que eu poderia dar neste pronunciamento, deixando claro, Ministro, que tenho por V. Exª respeito, como tenho respeito por muitos adversários meus. Eu não consigo imaginar que a verdade esteja do meu lado de maneira absoluta, que só haja valor no meu lado, só haja justiça no meu lado. Vejo o seu esforço. Às vezes, concordo; às vezes, não concordo, mas percebo em V. Exª um homem de boa-fé e que merece de mim muito acatamento e muito respeito.

Eu finalizo, buscando sintetizar, dizendo que tem tanto para se fazer no campo dos direitos da pessoa humana, mas tanto para se fazer que um dia ainda vai haver navegação segura no meu Estado e na minha região, e um dia as famílias vão poder saber se Fulano morreu ou não morreu de fato. Hoje, nós não podemos nos considerar neste século... O meu Estado, nesse campo, não é contemporâneo deste século, num País onde ainda há trabalho escravo, num País onde ainda há injustiça social a rodo. Temos muito o que fazer.

Para mim, é uma comemoração, é uma celebração do que já foi feito até aqui. Mas, para mim, também é uma conclamação à luta, porque nós não podemos nos dar por satisfeitos diante de tantos brasileiros que continuam desvalidos, como se o progresso que chegou a alguns não fosse também necessariamente, por legitimidade, extensivo a cada brasileiro, a cada cidadão do mundo que porventura clame por justiça ou que não tenha sequer como demandar. Alguém diz: “Vá à Justiça”. No interior do meu Estado, não há quem o defenda, ele não sabe que tem o direito de se defender, e os direitos dele são esbulhados sistematicamente, anonimamente. O pior massacre aos direitos da pessoa humana é aquele em que o massacrado é anônimo. Ele não tem como se defender. Ele não sabe sequer que tem o direito de se defender. Nós, todos os dias, com isso convivemos. Isso não tem tirado, talvez, o sono de tantos. É preciso que nós percamos um pouco do nosso sono em nome de um País mais feliz, mais justo, na direção de uma humanidade que, de fato, cumpra os desígnios de 60 anos atrás: garantir o respeito dos direitos da pessoa humana sem exclusões. Todas as pessoas humanas têm direito àquilo que era a intenção do legislador da ONU.

Muito obrigado. Era o que tinha a dizer.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/12/2008 - Página 53283