Discurso durante a 251ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Apelo e reflexões em favor da paz, em todos os sentidos.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Apelo e reflexões em favor da paz, em todos os sentidos.
Aparteantes
Adelmir Santana, Leomar Quintanilha.
Publicação
Publicação no DSF de 23/12/2008 - Página 54116
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • OPORTUNIDADE, FESTA NATALINA, APRESENTAÇÃO, VOTO, PAZ, CONCILIAÇÃO, PLANETA TERRA, HISTORIA, FUTURO, FAMILIA, COMUNIDADE, CONSCIENTIZAÇÃO.
  • REITERAÇÃO, COMPROMISSO, SENADO, LUTA, MELHORIA, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, IGUALDADE, ACESSO, QUALIDADE, EDUCAÇÃO, PRIORIDADE, DIRETRIZ, JUSTIÇA SOCIAL.
  • ANALISE, ENSINO, DISTANCIA, VANTAGENS, ACESSO, TOTAL, TERRITORIO NACIONAL, DEFESA, MELHORIA, QUALIDADE, IMPORTANCIA, INCENTIVO, UTILIZAÇÃO, RECURSOS, TECNOLOGIA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Garibaldi, Srªs e Srs. Senadores, creio que hoje o tema que a gente tem que falar quase que por natural razão, Senador Quintanilha, é sobre o final do ano, tendo em vista a última sessão do Senado e a proximidade do Natal, Senador Renan Calheiros.

Por isso, Senador Adelmir, eu vou falar o mais rápido possível, mas sobre duas partes. A primeira, talvez repetindo um pouco - porque me lembro que fiz aqui, há alguns anos, como discurso -, que ninguém, nenhum ser humano tem seu aniversário comemorado como Cristo. Nenhum outro líder religioso tem seu aniversário comemorado na dimensão que o Cristo.

Mas outros povos, com outras religiões, comemoraram, não com aniversário, mas com o sentimento de final de tempo a cada momento, a idéia da paz. Eu escolhi uma vez - e aqui falei e repito - a idéia que me parece é o que é preciso desejar a todos - todos os que nos estão ouvindo, todos os que estão nesta Casa -, que é a idéia de que cada um receba sete formas diferentes de paz.

Isso eu aprendi lendo um texto, Senador Leomar Quintanilha, que tem mais de 2000 anos, de antes de Cristo. Um texto escrito obviamente depois, porque eles não tinham idioma, dos índios aymaras, do altiplano boliviano. Eles diziam que cada pessoa, para estar bem com o seu mundo, precisa de sete diferentes tipos de paz. A primeira, a óbvia, é a paz lá para cima. É a paz com Deus, é a paz com os espíritos, é a paz com os antepassados, é a paz com a dimensão espiritual, metafísica - como alguns gostam de chamar -, é a paz com os mistérios do mundo. Sem essa paz, a gente não está em paz.

Mas a outra, muito importante nos dias de hoje, é para baixo: é a paz com a terra onde a gente pisa. No tempo deles, dos aymaras, essa terra era um simples local em que eles plantavam. Hoje, temos de reconhecer que essa terra não é com “t” minúsculo, é com “T” maiúsculo, de Planeta. Não é possível estar em paz nos tempos de hoje se não estivermos em paz para cima, com os espíritos, e para baixo, com a Terra, com o Planeta, a paz daqueles que não destroem onde vivemos, aqueles que consideram o Planeta como a nossa casa. Por isso, eu desejo a paz do equilíbrio ecológico como a paz fundamental nos tempos de hoje.

A outra paz que eles desejavam a todos, Senador Garibaldi Alves Filho, é a paz para frente. Mas, para frente, eles viam o passado. Com a sabedoria deles, o futuro está atrás, porque o futuro é desconhecido. E ninguém está em paz se não tem paz com o seu passado, se vive com remorsos do que fez, se vive em dúvidas se alguns vão tomar gestos anteriores nossos como algo nefasto, negativo. Por isso, desejo a paz para a frente, a paz da tranqüilidade com o próprio passado.

Mas essa não basta se não tivermos uma paz para trás, que é a paz do futuro, se tivermos medo do que vai acontecer, se tivermos dúvidas sobre o que virá daqui para a frente. Por isso, a paz para a frente, que é a paz com o passado, que é a paz do mundo e da vida sem remorsos, não está completa se não vier acompanhada de uma paz para trás, com o futuro; a paz de quem não tem medo do que vem adiante, em relação à saúde, em relação à tranqüilidade do seu País, em relação às crises financeiras que atormentam o futuro de cada um de nós.

Mas, além dessas formas de paz, os aymaras também defendem uma paz com o lado direito, que é a paz com a família, que é a paz com aqueles com quem você convive permanentemente. Não a paz de quem vive uma família conturbada, com problemas internos, com desconfianças, com má vontade. Por isso, defendo e peço que tenham paz com as famílias.

Mas ele também falava da paz com o lado esquerdo; o lado esquerdo é a paz com os vizinhos. Não adianta apenas a paz com aqueles que estão dentro da sua casa; é preciso ter paz com aqueles que estão ao lado também, com uma diferença: no tempo dos aymaras, os vizinhos eram alguns grupos esparsos de outros indígenas. Hoje, os vizinhos são os habitantes do Planeta em qualquer lugar onde eles estiverem. Hoje, o vizinho de qualquer pessoa é qualquer pessoa. Hoje, o vizinho de cada um são todos. E temos de estar em paz com eles também.

Portanto, nas sete formas de paz que dedico, antes de falar da sétima, quero que cada um que esteja nos ouvindo saiba que esta Casa tem obrigação de lutar, de dar a sua contribuição para que esta paz de sete formas diferentes chegue a cada um: a paz para cima, com os espíritos, com os deuses, com os mistérios; a paz para baixo, com a Terra onde a gente vive, a gente pisa, a gente habita; a paz para frente, com o passado, que a gente vê, e não deve ter remorsos por ele; a paz para trás, que é a paz com o futuro, que a gente não vê - mas que não o temamos, que saibamos que serão administrados os problemas; a paz com a família e a paz com os vizinhos, que é o mundo inteiro.

A sétima paz é a paz para dentro, a paz que cada um tem de ter consigo mesmo, porque se pode ter todas as outras formas e não estar, lá dentro, em paz consigo.

Eu desejo para cada um essas sete formas de paz em 2009, e que, nesta nossa Casa, naquilo que depender do conjunto, e não apenas do comportamento individual, naquilo que depender do País, que sejamos construtores dessas formas de paz.

Mas quero falar um pouco da paz interior, Senador Adelmir Santana, da paz que cada um deve ter dentro de si. Eu quero dizer que, no caso dessa paz interior, vejo, como Senador, o compromisso de lutar por um mundo melhor, por um Brasil melhor, e o compromisso que, por alguma razão no passado, levou-me a lutar por uma revolução na educação neste País. Mas não a melhoria da educação apenas, Senador Renan, porque isso - creio - todos desejam. Eu radicalizo: falo em uma revolução em que a escola seja igual para todos. E, quando isso começar a acontecer, muita resistência vai aparecer.

Eu lembrava nesses dias, Senador Adelmir, que, menino pequeno, lá em Recife, no bairro dos Aflitos, eu escrevi uma carta - na época em que se escrevia carta para o Papai Noel -, pedindo presente. E o recebi. Recebi de meu pai e de minha mãe, obviamente uma família que não era rica, mas que não tinha necessidades. Mas, Senador Renan, havia uma casa depois da minha que era um casebre - mocambo, como chamamos em Recife - onde morava o meu querido amigo, da minha idade, chamado Argemiro, o “Miro”. E Miro não ganhou presente. E eu fiz uma carta, pedindo que viesse um presente também para o Miro. E o Miro não recebeu presente.

Quantos meninos e quantas meninas no mundo de hoje, no Brasil da gente, não recebem o presente que outros recebem? Mas a vida passa, e eu não tenho dúvidas hoje, com a idade que estou, de que errei no presente que pedi. Eu pedi como presente uma bicicleta, eu pedi como presente uma bola. O que aquele Miro precisava, de fato, como presente era uma educação de qualidade, que ele não tinha possibilidade de ter e que ia fazer com que os filhos dele também não tivessem outros presentes.

Hoje, nessa busca de uma paz interior, nas sete formas diferentes de paz que os aymaras defendem, eu gostaria de pedir ao Brasil inteiro que, no dia 25 de dezembro, nós acordássemos, os 185 milhões de brasileiros, cheios de conhecimentos na cabeça: todo o mundo falando dois ou três idiomas, além de falar e de escrever muito bem o português; todo o mundo sabendo todos os conhecimentos básicos da Geografia e da História; todo o mundo capaz de, a partir daí, dar o passo seguinte para entrar numa universidade com competência e, daí, aprender a ciência, as artes de que este País precisa para ser o centro fundamental de conhecimento coletivo, como somos de futebol coletivo.

O que faz do Brasil um País de grandes jogadores de futebol não é porque, aqui e ali, aparece um ou outro grande jogador de futebol. O que faz com que o Brasil seja um grande País de jogadores de futebol é que nós somos um País de futebol coletivo. Nós somos onde todos, de uma forma ou de outra, jogam um pouco. Aí, os melhores surgem.

O Brasil precisa se transformar num país de conhecimento coletivo, em que todos os 185 milhões de pessoas - uns mais, outros menos -, todos sejam capazes de, um emulando o outro, termos, lá em cima, no conhecimento, o que temos no futebol.

Mas é claro que pedir que, no dia 25 de dezembro, todo o mundo acorde com conhecimento é uma visão tão ingênua que entra aqui apenas como metáfora, como retórica. O que a gente precisa pedir é que, no dia 25 de dezembro, as 200 mil escolas deste País, todas elas tenham água e luz, porque 20 mil não têm; todas elas sejam bonitas e bem-equipadas, porque elas não são; todas elas tenham laboratórios, bibliotecas, computadores e televisões. E que, nessas escolas, todos os dois milhões de professores que nós temos ganhem o suficiente para atrairmos para elas os melhores quadros de jovens do nosso País, o que hoje não acontece. Hoje, vão para lá os que têm vocação específica ou aqueles que não conseguiram passar no vestibular de outra profissão. Que país é este em que vão para o magistério os que não passam nas outras profissões, quando deveria ser o contrário: irem para o magistério os melhores e, para as outras profissões, os que não conseguiram ser professores?

E não são só os professores. Nesta semana, fui fazer uma palestra aqui no Tribunal Superior do Trabalho, Senador Renan, e um dos que me conduziam, um jovem de muita boa vontade, fez questão de me dizer que os computadores, quando ficam velhos no Tribunal, são doados às escolas.

E eu disse a ele: “que tristeza, não é? Eu gostaria que os computadores velhos das escolas viessem aqui para o Tribunal de vocês, fossem lá para o meu Senado, fossem para o Banco do Brasil”. Mas é o contrário. As escolas comemoram os computadores velhos que recebem das outras entidades, inclusive, talvez, do próprio Senado.

Eu gostaria que, no dia 25 de dezembro, as escolas amanhecessem dessa maneira. Mas isso também é uma metáfora, é uma retórica. Do mesmo jeito que o conhecimento não vai aparecer na manhã do dia 25 de dezembro, também não vão melhorar as escolas nem todos os professores ficarão bons e bem remunerados.

Por isso, talvez o que precisemos pedir realmente seja que, em 2009, comecemos a ter a vontade política para que essas coisas venham a acontecer, porque Papai Noel não faz isso, porque milagre não faz isso.

É certo que, na Finlândia, que é o país do Papai Noel, tudo isso foi feito, ao longo de 40 anos. É preciso que a gente comece a fazer aqui. Daí, não vou pedir que, no dia 25 de dezembro, o Brasil acorde um país de conhecimento, nem que acorde um país de escolas bonitas e professores bem preparados, por milagre. Eu peço, sim, que quando, em fevereiro, esta Casa volte a abrir para os seus trabalhos normais, nós tenhamos, aqui dentro, vontade política para fazer com que, no Brasil, nenhum menino, como eu, lá no Bairro dos Aflitos, precise escrever uma carta pedindo presente para o vizinho pobre que não ganha presente. Que a gente não precise mais fazer esses pedidos. Que isso se torne algo do passado, porque os pais desses meninos tiveram a chance de poder, eles próprios, comprar presentes para os seus filhos, da mesma maneira que nós próprios, os líderes do Brasil, sem esperar de fora, sem esperar de nenhum mito, nós próprios construamos um Brasil novo, que o Brasil espera e que o Brasil precisa.

Esse é o meu desejo para 2009, mas, se for preciso, em 2010, voltarei; ou no final de 2009, eu voltarei; e ainda em 2010 terei tempo, no meu mandato, de voltar a pedir isso outra vez.

O Sr. Leomar Quintanilha (PMDB - TO) - Senador Cristovam.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Até que, um dia - e passo a palavra ao Senador Quintanilha, com muito prazer, para o seu aparte -, tudo isso vire história, e a gente não precise mais estar nem lembrando nem propondo mudanças no Brasil, porque elas já terão acontecido.

Sobre isso, Sr. Presidente, gostaria de falar, mas, antes, com o maior prazer, quero passar a palavra ao Senador Quintanilha.

O Sr. Leomar Quintanilha (PMDB - TO) - Senador Cristovam, V. Exª, ao longo da sua vida, sobretudo a sua trajetória de homem público lhe propiciou amealhar um cabedal de conhecimento e de experiência que é permanentemente traduzido nas propostas, nas idéias, nas sugestões que V. Exª traz a esta Casa. Ouvi, no começo do seu pronunciamento, a sua angústia, a sua preocupação com o estado de espírito do povo brasileiro, com a paz que deveria ser universal, inclusive no nosso País. Seguramente, V. Exª se recorda, como eu me recordo, de que estamos a dever para a sociedade brasileira, porque, seguramente, na nossa infância, herdamos dos nossos pais, dos nossos ancestrais, um País mais terno, mais amigo, mais fraterno do que estamos vivendo hoje e do que possivelmente vamos deixar para os nossos descendentes. É com tristeza que constatamos isso. V. Exª citou alguns dos exemplos que vemos repetir nas ruas, quando vemos crianças abandonadas pelas ruas e situações que parecem banais se multiplicando. As pessoas vêem as crianças maltrapilhas, famintas, perambulando pelas ruas e quase que tomam isso como uma atitude natural. Diferente de vermos na porta da nossa casa um automóvel parado por dois, três ou quatro dias, pois ficamos preocupados: o que esse carro está fazendo aqui? Vamos correndo à Polícia dizer “há um carro parado na minha porta há três ou quatro dias, e não sei o que fazer. O que pode ser isso”? Mas vemos adultos, homens e mulheres, sobretudo crianças, nos sinaleiros, nos estacionamentos, esquálidos, deprimidos, a cobrar de cada um de nós mais resultado daquilo que fazemos, daquilo que falamos aqui. Nós estamos a dever para a sociedade contemporânea, nós estamos a dever. V. Exª é um dos ícones da defesa da educação no Brasil, e eu procuro acompanhá-lo, graças às luzes dos seus ensinamentos, dos seus conhecimentos com relação à educação. E hoje li, Senador Cristovam, uma matéria subscrita por Otaviano Helene, professor do Instituto de Física, presidente da Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo, e César Minto, professor da Faculdade de Educação, vice-presidente da Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo. Creio que os eminentes educadores têm, de certa forma, razão quando revelam uma preocupação grande com relação ao ensino a distância. É verdade que o ensino a distância hoje deixa muito a desejar; é verdade que ele não concretiza o conhecimento nas pessoas que estão participando dessa modalidade de ensino, mas negar que a televisão é o meio mais moderno e mais forte de comunicação é negar o futuro, o progresso e o desenvolvimento. Estou seguro, principalmente com a condição mitigada do Estado brasileiro de universalizar as vagas nas suas escolas para tantos quantos necessitem aprender. Há muito, recorremos à iniciativa privada e, agora, com esse conceito moderno, ao ensino a distância. Se não fosse o ensino a distância, Senador Cristovam Buarque, quantos brasileiros, irmãos nossos, que moram em Caseara, que moram em Santa Fé, que moram em Centenário - e lembro esses para citar, porque sou testemunha, Municípios pequenos do meu Estado, com três, quatro, cinco mil habitantes, que não teriam condições de montar uma estrutura para oferecer um ensino de qualidade -, não teriam oportunidade de ensino e acesso ao ensino superior, senão recorrendo a esse meio moderno que é o ensino a distância, pelo sistema telepresencial. Creio que o que nós precisamos - e gostaria de ouvir a opinião de V. Exª, que tem estudado muito, que tem dedicado uma parte preciosa da sua vida ao conhecimento, ao aprofundamento das discussões da educação e do conhecimento, principalmente aqui no Brasil - é efetivamente aprimorar esse sistema de educação a distância, que, no meu entendimento, não pretende nunca substituir o ensino presencial, mas é uma complementação, é a oportunidade de levar também o curso do ensino médio onde a evasão é muito grande. Há uma separação muito grande daqueles que concluem o ensino fundamental e o básico para aqueles que ingressam no ensino médio, e há outra distância enorme entre aqueles que concluem o ensino médio e os que ingressam no ensino superior. Entendo que precisamos, exatamente, aprimorar, fazer uma sintonia fina, melhorar a aplicação do ensino a distância para que possamos avançar nesse processo de universalizar a oportunidade ao povo brasileiro de poder também aprender, também conhecer, também se capacitar e se preparar para o exercício da livre cidadania.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Presidente Senador Geraldo Mesquita, eu queria que o meu último discurso fosse sobre o Natal, sobre a Paz e sobre 2009, mas não vou, em nenhuma hipótese, deixar de responder à bela manifestação do Senador Quintanilha. Faço de conta que já fiz um discurso, o último do ano, e estou fazendo o primeiro do próximo ano, e fico feliz que seja sobre isso.

Senador Leomar Quintanilha, sou mais radical ainda que o senhor na defesa do ensino a distância. Alguns dizem que o ensino a distância é pior, não é de qualidade. É claro que ele é de qualidade, porque é ele ou nenhum. O ensino a distância chega a lugares onde não seria possível o ensino presencial. Logo, ele é bom; logo, ele é ótimo, embora não seja satisfatório. Além disso, quem disse que o ensino presencial neste País é bom? Quem garante que o ensino presencial é bom? É preciso melhorar os dois. É preciso melhorar muito os dois, mas não um contra o outro. É um elitismo não querer que o ensino a distância se espalhe.

O Dr. Adib Jatene saiu lá do Acre. Vai ser difícil convencê-lo a ser professor permanente numa faculdade de Medicina no Acre, mas ele pode dar aulas na Faculdade de Medicina do Acre a partir de São Paulo; ou até nem se precisa dele; podemos trazer professores da Inglaterra, dos Estados Unidos, dando aula em qualquer lugar. Não usar esse instrumento maravilhoso da comunicação é um suicídio do processo educacional, é um elitismo e é querer guardar para si, os das grandes cidades, o ensino a distância.

Mas tomemos mesmo na própria cidade. Quantas professoras terão condições de dedicar horas de aula, horas do seu dia-a-dia para assistir a um curso, quando muitas delas podem assistir a esse curso em casa, às vezes fazendo a comida para seus filhos e assistindo a uma aula. E dizem que essa aula não é de boa qualidade. É essa ou nenhuma. Então, é de qualidade. Temos de incentivar.

E vou mais longe. Há aulas a distância muito melhores, Senador Quintanilha, do que as presenciais. Para estas, você pega o giz, o quadro negro e começa a dar aula; para a aula a distância, você prepara durante horas e horas. Você dá aula não por um só professor, mas por três, quatro, cinco juntos. Você traz a assistência de alguém que entende de computação gráfica. Imagine uma aula de astronomia: você põe um pontinho de giz diz que é a Terra; põe outro, diz que é a Lua; e faz uma roda. Isso, a distância, chega ao aluno de forma muito mais completa.

Eu já dei aula a distância, e ela me exigiu muito mais quanto ao preparo, quanto ao atendimento ao aluno, que é um atendimento personalizado, quando se dá por e-mail, do que em uma aula presencial.

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Mesquita. PMDB - AC) - Senador, eu queria lembrar a todos nós que a Internet é um curso a distância. O setor de educação está dormindo. A Internet já é um curso a distância há anos. O que a gente precisa é se incluir nisso aí e estender a Internet para todos.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PTB - DF) - Lógico, e cobrar qualidade também do presencial.

Vou concluir, porque outros querem falar. Quero dizer o seguinte: quando o quadro negro foi inventado - e as pessoas pensam que sempre existiu, mas tem 250 anos o quadro negro -, muitos eram contra, porque, com o quadro negro, o aluno ficou longe do professor; antes o aluno ficava ao redor do professor. O quadro negro afastou. Havia pessoas que diziam que isso prejudicava a pedagogia.

Quando o cinema foi inventado, muitos que faziam teatro disseram que era absurdo o cinema, porque a arte dramática só tinha sentido com o ator na presença da platéia. E o cinema virou a única forma realmente de espalhar a arte dramática pelo mundo inteiro, porque não dá para levar grupos de teatro de qualidade para todas as partes. Não dá para levar faculdade para todos os lugares. É óbvio que não dá! E o que é bom é que hoje não é preciso levá-la fisicamente.

Vou mais longe: dentro de alguns anos as universidades só terão endereço eletrônico, não terão mais endereço geográfico; não terão mais endereço postal, porque o processo será tão forte e com tanta qualidade que não será preciso tanto ir lá. Alguns irão - e é bom que o façam -, mas não será absolutamente necessário. É uma resistência corporativa e de quem não entende, porque acham que o ensino a distância vai tirar emprego de professor. Não vai tirar, vai criar mais! Vai multiplicar por dois ou três o número de professores, mas vai multiplicar por cem, duzentos, mil, um milhão o número de alunos.

Era isso o que eu queria dizer, quando eu falei até sobre o conhecimento coletivo de todos. Não haverá conhecimento coletivo a não ser através do ensino a distância, do mesmo jeito que o futebol sem a televisão seria muito ruim. Imagine se só pudessem assistir a um jogo de futebol aqueles que podem pagar - como queriam cobrar aqui, R$400,00 por ingresso - ou só os que moram perto do lugar onde está o estádio. Televisão! O futebol tem de ser transmitido para todo o mundo. E eu não acho que uma aula seja menos importante que um jogo de futebol. Então, ela tem de ser transmitida para o mundo inteiro, e isso só se faz pelo ensino a distância.

Ouço o Senador Adelmir.

O Sr. Adelmir Santana (DEM - DF) - Senador Cristovam, ouço o discurso de V. Exª e faço uma relação com um artigo que V. Exª publicou sobre a questão da bicicleta e de seu vizinho. Mas o que me motivou o aparte foram as colocações do Senador Quintanilha. Estou convencido, quanto à melhoria de nosso País, de que não há como alcançá-la senão através da educação. E eu pedi esse aparte exatamente para fazer um relato. Ainda ontem, estando aqui em uma cidade satélite nossa, mais precisamente a Ceilândia, visitando uma ONG de uma senhora que cuida de crianças e jovens, na busca de evitar que eles ingressem na criminalidade, na prostituição, no mundo das drogas, ouvi um discurso inflamado de uma liderança local fazendo referência ao fato de que, nos últimos meses, naquela quadra, naquela região, haviam perdido cinco jovens em razão das drogas. Naturalmente, por falta de ocupação educacional. O que mais me chamou a atenção é que essa mesma liderança, que é uma liderança política local - e não vou aqui citar nomes -, teceu uma consideração sobre o que havia feito no dia anterior, no sábado, durante uma visita ao hospital na busca de atendimento para uma criança de nove anos, do sexo feminino. E ela buscou, naturalmente, o pediatra. Qual não foi a sua surpresa quando, enquanto o médico a examinava, a criança revelou não ser mais uma criança, mas uma mulher. Aos nove anos! O médico questionou: “Mas, minha filha, com nove anos?” Ela respondeu: “Doutor, mas quem me prefere são os mais velhos, os casados”. Nove anos, Senador Cristovam. Não freqüenta a escola, mas freqüenta as ruas na busca, talvez, da sobrevivência por meio do sexo. Aquilo nos deixou a todos, de certo modo, muito constrangidos. O que mais me surpreendeu foi que, no meio da platéia, outra pessoa se levanta e diz: “Aqui é comum”. A que ponto nós chegamos! Nove anos! Então, saí naquela tarde e cheguei a minha casa extremamente chocado com essas e outras informações, que aqui não vou relatar, para não ofuscar essa mensagem de paz que V. Exª faz sobre o Natal, mas isso assusta todos nós. Concluímos, sinceramente, que temos de buscar, por intermédio da educação, como V. Exª prega aqui, como verdadeiro professor - e já disse, em outra oportunidade, até como sacerdote da educação -, manter nossas crianças ocupadas com a questão escolar. Ainda hoje, perguntava aos Senadores ao meu lado qual foi o país vizinho ao nosso, que, segundo os jornais, acabou com o analfabetismo. Acho que foi o Morales, não é? Até crianças de 12 anos dando aula para adultos na busca de acabar com o analfabetismo. E nós ainda temos 15 milhões de analfabetos. Então, eu queria fazer esse relato apenas com base neste aparte que fiz ao discurso de V. Exª, para demonstrar a minha revolta também com fatos como esses que ocorrem no Distrito Federal, aqui, bem próximo ao Congresso Nacional, à Praça dos Três Poderes, para ser mais preciso, em uma das quadras da Ceilândia. Então, são coisas que nos deixam realmente muito preocupados neste momento em que festejamos o Natal. Associo-me ao discurso de V. Exª, fazendo registro dessa revolta que senti ontem ao constatar fatos dessa natureza.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Seu testemunho, Senador Adelmir, agrega-se ao que tentei passar de desejos de paz. Por oposição, agrega. E eu insisto que, se essa criança ficasse de seis a oito horas por dia na escola, bonita de qualidade, se nessa escola tivesse, entre outras coisas, aulas de educação sexual, isso não aconteceria ou aconteceria com uma raridade tremenda e não, como o senhor mesmo disse que as pessoas disseram, “isso aqui é comum”.

Srªs e Srs. Senadores, Sr. Presidente, um feliz Natal, um próspero 2009, e que tenhamos todas aquelas formas de paz que os aymara descobriram há tantos anos e que, há dois mil anos, um simples filho de marceneiro, lá no Oriente Médio, num lugar hoje com tanto conflito entre palestinos e judeus -- e uma vez eu fui muito criticado porque, no artigo, disse, Senador Renan, que Cristo era palestino, e muitos judeus criticaram corretamente, aliás, porque Jesus era judeu, mas, na verdade, do ponto de vista da geopolítica, morava naquilo que os romanos chamavam de Palestina. De fato, ele era judeu. A falha minha foi ter dito que ele era Palestino, do ponto de vista étnico, do ponto de vista religioso, mas, do ponto de vista do imperialismo romano, que então existia, ele era um habitante da palestina. Portanto, não deixava de ser também um cidadão daquela região.

Então, eu deixo aqui os meus votos de uma grande paz, mas não uma paz tranqüila, uma paz com muita luta.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/12/2008 - Página 54116