Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Carta dirigida aos membros do STF sobre o caso Cesare Battisti. Saudações ao Prefeito de São Paulo, Sr. Gilberto Kassab.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. ESTADO DE SÃO PAULO (SP), GOVERNO MUNICIPAL.:
  • Carta dirigida aos membros do STF sobre o caso Cesare Battisti. Saudações ao Prefeito de São Paulo, Sr. Gilberto Kassab.
Publicação
Publicação no DSF de 11/02/2009 - Página 1184
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. ESTADO DE SÃO PAULO (SP), GOVERNO MUNICIPAL.
Indexação
  • LEITURA, CARTA, AUTORIA, ORADOR, DESTINAÇÃO, MINISTRO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), ESCLARECIMENTOS, SITUAÇÃO, REFUGIADO, BRASIL, PRESO POLITICO, PAIS ESTRANGEIRO, ITALIA, AUSENCIA, CULPA, HOMICIDIO, ANEXAÇÃO, PARECER, JURISTA, DEFESA, CONSTITUCIONALIDADE, DECISÃO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), ASILO POLITICO, ENCAMINHAMENTO, HISTORIADOR, COMITE, APOIO, DIREITOS HUMANOS, DENUNCIA, IRREGULARIDADE, PROCESSO JUDICIAL, GOVERNO ESTRANGEIRO.
  • SAUDAÇÃO, PRESENÇA, SENADO, PREFEITO DE CAPITAL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), APRESENTAÇÃO, ORADOR, DISPONIBILIDADE, AUXILIO, ESPECIFICAÇÃO, PROCESSO, TRANSFORMAÇÃO, BOLSA FAMILIA, PROGRAMA, RENDA MINIMA, CIDADANIA, REGISTRO, GESTÃO, PERIFERIA URBANA, ACOMPANHAMENTO, PROBLEMA, IMPORTANCIA, DIALOGO, COMANDANTE, POLICIA MILITAR, LIDER, COMUNIDADE, COMENTARIO, REUNIÃO, CAPITAL FEDERAL, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PREFEITO, MUNICIPIOS, BRASIL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Se não for possível em dez, os vinte serão suficientes.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Mas são. V. Exª se inspire, aí, em Cristo, que fez em um minuto o Pai Nosso, o melhor discurso.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Sr. Presidente, Senador Mão Santa, encaminhei, hoje, em mão, ao Ministro Gilmar Mendes, Digníssimo Presidente do Supremo Tribunal Federal, numa carta dirigida a cada um dos 11 Ministros do Supremo Tribunal Federal, a seguinte carta, por mim redigida:

De tantas partes do Brasil e da Itália, nestas últimas semanas, tenho recebido cartas e ouvido perguntas relativas ao motivo que me levou a expressar-me a respeito do caso do italiano Cesare Battisti e, em especial, de maneira favorável [como avaliei] à decisão do Ministro Tarso Genro de conceder-lhe refúgio político.

Em 2007, a arqueóloga, historiadora e escritora Fred Vargas procurou algumas pessoas com histórico em defesa dos direitos humanos no Brasil [como Mônica Franco, assessora do Ministro Paulo Vanucchi], uma vez que desejava relatar-lhes o que se passava com o italiano Cesare Battisti. Recomendaram-lhe que procurasse especialmente a mim e ao jurista Professor Dalmo de Abreu Dallari. Por esta razão, a recebi em meu gabinete no Senado, onde Fred Vargas explicou-me, longamente, a sua convicção de que Cesare Battisti - então preso na Polícia Federal em Brasília e cuja extradição estava sendo solicitada pelo governo da Itália - em verdade não era culpado dos crimes de homicídio que lhe eram imputados pela Justiça italiana.

Visitei-o pela primeira vez na sede da Polícia Federal. Encontrei-o em uma cela com aproximadamente 12 pessoas, com a saúde em estado precário e dificuldade de ler e escrever, embora seja escritor. Na ocasião ele me contou boa parte de sua trajetória. De como, ainda muito moço, participou de atividades consideradas subversivas contra o Estado italiano, como membro da organização Proletários Armados pelo Comunismo, PAC. Disse que, em maio de 1978, quando soube do sequestro e assassinato do Primeiro Ministro Aldo Moro, ficou extremamente impressionado, a tal ponto que tomou a firme resolução de nunca cometer qualquer crime de sangue, de nunca utilizar armas para matar ou ferir qualquer ser humano.

Percebi então que as condições de prisão não eram as mais adequadas, principalmente considerando seu estado de saúde. Reforcei junto ao Secretário Nacional de Justiça, Romeu Tuma Jr., a solicitação do Dr. Luiz Eduardo Greenhalgh de transferi-lo para outra dependência, o que aconteceu, e ele foi removido para o Complexo Penitenciário da Papuda.

Desde essa época, a Srª Fred Vargas já veio ao Brasil outras quatro vezes, e em diversas ocasiões a acompanhei em suas visitas ao preso. Sou testemunha de sua extraordinária dedicação para desvendar em profundidade todos os episódios da história de Cesare Battisti verificando, a cada momento, os inúmeros detalhes de tudo que ocorreu ao longo de sua vida: os processos aos quais foi submetido, todas as acusações feitas e as distorções que caracterizaram muitas delas, bem como os procedimentos de seus julgamentos.

Fred Vargas...

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Senador Eduardo Suplicy, desculpe-me interrompê-lo. Em homenagem a V. Exª, que representa São Paulo, esse extraordinário Prefeito do Brasil, que simboliza a presença dele, pela grandeza de São Paulo e a perspectiva invejável que ele tem como líder paulista e do Brasil, Kassab, ao lado do nosso Secretário do Democratas, também lá do nosso Piauí, Heráclito Fortes.

Então, queria saudá-lo.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Permita-me saudá-lo, prezado Prefeito Gilberto Kassab, do Município de São Paulo, onde nasci e moro.

Ainda há pouco, cumprimentei-o ali, no extraordinário encontro dos Prefeitos do Brasil inteiro com o Presidente Lula e todos os seus Ministros. Foi um encontro, o maior de todos até hoje, na história, dessa natureza e, certamente, essa interação entre os Prefeitos de todos os Municípios brasileiros, inclusive V. Exª, que é Prefeito do maior Município, representará algo de muito positivo para a Nação brasileira.

Seja muito bem-vindo ao Senado Federal.

Aqui, reitero a minha disposição de ajudá-lo no que diz respeito à resolução de problemas sérios do nosso Município. Nesses últimos dias, estive em contato com algumas autoridades do Governo estadual e municipal, inclusive relativamente aos problemas ocorridos em Paraisópolis. Já fiz duas visitas ali, conversando com a população. Em tudo que puder colaborar para que aqueles problemas possam ser superados... Eu, ontem mesmo, testemunhei o diálogo entre os comandantes da PM e os líderes da comunidade, numa atitude que considero muito positiva. Vou voltar ali.

Eu gostaria, também, de transmitir a V. Exª, reiterando, que me disponho a ajudá-lo a fazer do Município de São Paulo, como assim o faria se tivesse sido eleita Prefeita Marta Suplicy... Estou à disposição de ajudar V. Exª, como todo e qualquer Prefeito no País, a fazer de seus Municípios, inclusive o de São Paulo, um exemplo pioneiro da transição do programa Bolsa Família para o da Renda Básica de Cidadania.

Seja bem-vindo ao Senado Federal, inclusive acompanhado pelo Senador Heráclito Fortes, que, às vezes, fica bravo comigo, mas ele sabe que é sempre pelas melhores intenções - que são dele e minhas - de transparência e de participação nas decisões maiores do País.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

Posso continuar?

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Continue o pronunciamento. A saudação, vou descontar do tempo, porque é uma homenagem de todos nós ao Prefeito Kassab.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Muito obrigado.

Fred Vargas ganhou diversos prêmios por seu trabalho de arqueóloga e historiadora, como, por exemplo, aquele que desvendou os tipos de pulgas que causaram a peste durante a Idade Média. Escritora de romances policiais, quatro de seus livros estão na lista dos mais vendidos na França e na Itália, estando em primeiro lugar, Um lugar incerto. Impressionada com os detalhes dos processos, resolveu dedicar todo o seu tempo e energia, nos últimos dois anos, para mostrar às autoridades responsáveis pela justiça na Itália, na França, e agora no Brasil, que Cesare Battisti realmente cometeu ações armadas, como assaltos a bancos e outros estabelecimentos, pelos quais foi condenado a 12 anos de prisão, mas nunca cometeu assassinatos.

Notei que Fred dedica-se formidavelmente a desvendar a verdade completa dos fatos. Ela também coletou as provas necessárias, por meio do trabalho de uma grafóloga francesa oficial, que as procurações feitas em nome de Cesare Battisti para designar seus defensores foram falseadas durante os processos que ocorreram na Itália, nos quais Battisti foi denunciado por pessoas que se beneficiaram do instrumento da delação premiada, não sendo devidamente defendida e, por fim, condenado à prisão perpétua.

De minha parte, fiquei persuadido que Fred Vargas tem razão e luta com grande coragem para ser ouvida. Por esse motivo, encaminho a V. Exªs, Ministros do Supremo Tribunal Federal, a carta em que essa escritora procura transmitir-lhes as principais razões de sua convicção da inocência de Cesare Battisti em relação aos quatro assassinatos que lhe são atribuídos. Creio que constitui um documento de especial relevância para a decisão que esse Egrégio Tribunal está por tomar diante da solicitação recente do governo da Itália.

Anexo, ainda, o parecer do Professor Dalmo de Abreu Dallari,especialmente elaborado para a Folha de S. Paulo, que lhe encaminhou cópia dos autos do processo de Cesare Battisti na Itália.

Em sua análise dos documentos, o Professor Dallari alega que encontrou mais de dez vezes a afirmação de que Cesare Battisti integrou um grupo que se formou e desenvolveu ações “com finalidade de subverter a ordem do Estado”. Não cabe dúvida, portanto, que a ação de Battisti, segundo a palavra da justiça italiana, era de natureza política. É importante frisar que o Estado italiano, através da manifestação apresentada ontem pelo eminente advogado Nabor Bulhões, solicita ao Supremo Tribunal Federal opinar sobre a natureza política ou comum dos crimes atribuídos ao extraditando. Conforme frisou o Professor Dallari, são os próprios autos do processo que confirmam a natureza política dos delitos. Isto também é asseverado pelo ex-Presidente e Senador Francesco Cossiga, que foi o responsável pelas leis de emergência para combater o terrorismo, mas que observou e afirmou, em carta ao Dr. Luiz Eduardo Greenhalgh, sim, que Casare Battisti cometeu crimes de natureza política.

Como é do conhecimento de V. Exªs, sou de origem italiana e tenho o maior apreço por aquele país. Dentre as pessoas que mais admiro, e cujas vidas contribuíram para formar os meus ideais, estão grandes cientistas da humanidade como os italianos Galileu Galilei, Giordano Bruno, Nicolau Copérnico e Leonardo da Vinci, que tinham por propósito maior de vida descobrir a verdade, uma coisa essencialmente humana. Tenha a certeza de que a decisão que será tomada por V. Exªs será inteiramente respeitada pela querida Itália de meu avô e de meu bisavô, pois estará baseada na verdade dos fatos, oriunda do considerável esforço de pessoas que a buscaram a fundo, como no caso da escritora Fred Vargas.

Quando de minha última visita a Cesare Battisti, em janeiro último, ao lado de Fred Vargas, perguntei-lhe a respeito das declarações feitas por Pietro Mutti à revista Panorama, que repercutiram no Brasil com especial destaque pela revista Veja, a qual destacou que aquele chefe dos PACs reiterava suas denúncias, assim como outra participante da organização. Perguntei a Cesare se foto de Pietro Mutti era atual - como, aliás, a Veja procurou dar a entender. Ele disse que era do tempo em que eram companheiros. E que as afirmações de Mutti e da Srª Maria Cecília Barbeta não eram verdadeiras. Afirmou que nunca um juiz ou qualquer autoridade policial um dia lhe perguntou: “Você matou?” Foi então que sugeri que ele próprio escrevesse uma carta aos Ministros do Supremo Tribunal Federal com os relatos completos dos fatos. Ele assim resolveu fazer. Mais do isso: está disposto a relatar pessoalmente aos Ministros do Supremo Tribunal Federal tudo o que diz nessa carta, que logo chegará às mãos do Ministro Gilmar Mendes. Disse-me também que está pronto a confirmar a todos os familiares das vítimas, pessoalmente, que não foi responsável por esses homicídios. As informações de Fred Vargas - que estudou profundamente os processos - de que não há nenhuma testemunha ocular [ao contrário do que disse hoje o Senador Gerson Camata, que, com muito respeito, precisa estudar melhor o caso], a não ser as beneficiadas com a delação premiada, que tenha declarado ter visto Cesare Battisti cometer qualquer dos quatro assassinatos. Essas informações são muito relevantes.

Estou à disposição e renovo sentimentos de estima e consideração.

E, aqui, Sr. Presidente, escreve a Srª Fred Vargas a seguinte carta aos Srs. Ministros do Supremo Tribunal Federal:

Há cinco anos, desde que explodiu na França “o caso Battisti”, quando a Itália pediu a sua extradição, e de cerca de outros vinte refugiados dos antigos anos de chumbo, tenho estudado pacientemente a sua história. Fui gradualmente descobrindo não só um grande número de elementos convergentes que estabelecem sua não participação nos quatro homicídios cometidos pelo seu grupo político, como também o motivo pelo qual foi acusado pelo antigos membros dos PAC. São essas informações que hoje gostaria de, respeitosamente, trazer à apreciação de Vossas Excelências, dando minha palavra de que se tratam de fatos exatos e verdadeiros. Sou investigadora em história e arqueologia, medalha de bronze do Centro Nacional de Investigação Científica, sendo esse o único motivo por que me permito intervir nesse processo. Tentei incessantemente publicar os resultados de minhas pesquisas na imprensa, mas foi em vão. Assim, sou desde já muitíssimo grata a Vossas Excelências pela atenção que se dignarão dispensar-me.

É hoje muito difícil defender a verdade sobre Cesare Battisti, tendo ele se tornado o centro de imensa campanha midiática italiana, iniciada na França em 2004. Tal campanha transformou-o num símbolo dos anos de chumbo ou mesmo, muito simplesmente, em “símbolo do mal”, ao passo que antes disso era total desconhecido na Itália, seu papel naquele período tendo sido irrelevante.

Há nisso um primeiro fato histórico que retém nossa atenção: a ofensiva do governo italiano assumiu dimensões desproporcionais, atingindo níveis de violência nunca observados em relação a outros refugiados (incluindo Marina Petrella,...

     (Interrupção do som.)

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - ...agraciada em outubro de 2008 na França). Embora a força dessa reação italiana pareça irracional, ela tem, no entanto, um sentido, o qual é proporcional à importância, não de Cesare Battisti, mas daquilo que ele representa. Com efeito, o caso de Battisti é exemplar dos desvios bastante reais que a justiça italiana conheceu ao longo dos 4.700 processos movidos contra a extrema esquerda durante os anos de chumbo, a saber: condenações sem provas em amplos processos coletivos, uso de tortura, aproveitamento excessivo de arrependidos, prisão de advogados. A Itália, desde trinta anos, vem se esforçando. Os sucessivos governos italianos vêm, há trinta anos, se esforçando para que jamais sejam revelados esses que, na Europa, são chamados de “os segredos dos anos de chumbo”. Na imprensa brasileira, declaram que a repressão foi democrática e os processos, “regulares”. Tal não é, infelizmente, a verdade histórica, e o pequeno caso de Battisti representa um perigo real de surgimento dessa verdade.

(Interrupção do som.)

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - É o que explica a veemência da reação italiana, já que muito dos atores políticos e jurídicos daquele período ocupam ainda hoje seus cargos, como, por exemplo o Juiz Armando Spataro, atual vice-procurador de Milão, que conduziu a acusação durante os processos dos PAC.

É sabido de Vossas Excelências que Cesare Battisti compareceu a um primeiro processo coletivo, no qual foi inocentado dos quatro homicídios perpetrados por seu grupo. Nesse processo, foram declarados 13 casos de tortura, entre os quais o de Sisinio Bitti, o qual sofreu, notadamente, o suplício da água (permito-me enviar esse testemunho em anexo, de modo a que Vossas Excelências tenham oportunidade de constatar quão inexato é afirmar que tal processo tenha sido “regular”). Nem todos os acusados eram torturados, mas todos temiam sê-lo. É importante salientar que nenhum dos torturados do primeiro processo sequer cogitou pronunciar o nome “Battisti”.

O segundo processo coletivo contra os PAC, seguindo-se à detenção dos últimos membros do grupo e de seu chefe, Pietro Mutti, teve início em 1982, data em que Battisti já se encontrava no México. Intervém, então, um fato bastante esclarecedor: a partir desse ano de 1982, foram forjados falsos mandatos para representar o jovem Battisti. Não em seu benefício, dado que foi ele o único membro dos PAC a receber a pena de prisão perpétua. E sim, pelo contrário, no intuito de tornar sua condenação irreversível e dar ao processo toda aparência de regularidade. Descobri, em 2005, a falsidade evidente desses três mandatos, datados de maio de 1982, julho de 1982 e de 1990. Nunca consegui publicá-los. Foram apresentados perante o Conselho de Estado francês e perante a Corte Europeia, sendo que ambos se recusaram a levar em conta essa evidência. Vossas Excelências poderão constatar, mesmo a olho nu, que esses mandatos são falsos e que Battisti jamais teve direito a uma defesa regular.

Cabe perguntar-se por que a justiça italiana se empenhou em realizar um processo com falsos mandatos visando obter a condenação de um inocente. Por um lado, no entender de numerosos magistrados daquele período, a ‘inocência’ não tinha sentido individual. Todos os ativistas, quer tivessem, ou não, usado suas armas para atirar, eram considerados igual e coletivamente culpados. Por outro, a justiça precisava de um grande número de arrependidos e dissociados a fim de prender uma quantidade máxima de ativistas e pôr um termo à revolta. Ora, e para retornar ao caso específico do segundo processo dos PAC, era impossível prometer liberdade ao arrependido Pietro Mutti sendo ele acusado de um assassinato (o de Santoro, por dois inquéritos de polícia, o do Digos de Milão e o dos carabinieri de Udine). Era necessário, por conseguinte, inocentar Pietro Mutti desse crime e transferir a culpa para outro.

(Interrupção do som.)

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Esse outro foi escolhido entre os ausentes, e o “papel de culpado” recaiu sobre Cesare Battisti. É o que explica terem sido forjados falsos mandatos para representá-lo. Desde então, Battisti não consegue a extirpar-se desse círculo infernal. E todos os que participaram do funcionamento desse círculo de acusações, os arrependidos e dissociados, os advogados munidos dos falsos mandatos e o Juiz Armando Spataro, não podem se arriscar a dizer a verdade sobre o que de fato se passou.Assim é que Cesare Battisti foi sistematicamente acusado, especialmente por Pietro Mutti, e também por outros arrependidos e dissociados, de atos cometidos pelos demais. Assim é que foi acusado, no lugar de Pietro Mutti, de ter atirado em Santoro. No que diz respeito ao assassinato de Pierluigi Torregiani, os quatro membros do comando foram detidos, e o atirador, identificado: Memeo, junto com Fatone, Masala e Grimaldi. Esse atentado foi organizado no próprio domicílio de Pietro...

(Interrupção do som.)

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - ...Mutti, o qual declarou ter sido Battisti o organizador. Acusação inverossímil, posto que Battisti nunca foi um dos chefes dos PAC. Seguindo o mesmo sistema, Mutti acusou Battisti de ter atirado em Sabbadin. Giacomin, porém, confessou posteriormente ser o atirador e Mutti, então, alterou seu “testemunho”.

Ora, o Sr. Walter Fanganiello Maierovitch disse, nas suas publicações que, quando um arrependido diz uma inverdade, ele é anulado no seu depoimento. Neste caso, não foi. Foi mudado para tentar verificar se poderia continuar. E, portanto, ele alterou o seu testemunho.

        V. Exªs terão oportunidade, nesse breve resumo, de reparar na enormidade das mentiras de Mutti, um dos arrependidos mais famosos da época, devido à extravagante quantidade de suas acusações em diversos processos. Quanto ao último homicídio de que foi acusado Battisti, uma testemunha ocular declarou que o agressor media 1,90m, ou seja, vinte centímetros mais que ele. Sabe-se também, pelo exame de balística, que a arma utilizada foi a de Memeo, o atirador de Torregiani.

Não existe uma única prova material contra Cesare Battisti, nem uma única testemunha que o descrevesse, exceto arrependidos e dissociados, que todos beneficiaram de reduções de penalidade, e um testemunho declarado pelos peritos muito psicologicamente perturbado. Os poucos depoimentos, muito vagos, provêm de pessoas cujo nome não está registrado nos autos.

Foi devido ao assassinato de Aldo Moro pelas Brigadas Vermelhas e, em seguida, o assassinato de Santoro pelos PAC, que Battisti deixou o grupo em junho de 1979, assim como boa parte de seus membros. Quando dos três atentados seguintes, já não pertencia ao grupo. Mutti, Fatone, Masala, acusaram-no assim com mais vontade, já que o consideravam um ‘duplo traidor’: primeiro, por ter deixado o grupo em junho de 1979 e, segundo, por ter recusado juntar-se ao novo grupo armado de Mutti, o COLP, embora Mutti e Barbetta o tivessem ajudado a evadir-se. Os ativistas, em sua maioria, depuseram as armas em 1979. Em 1982, ainda permaneciam em combate alguns ‘irredutíveis’, entre eles Pietro Mutti e seu novo grupo.

Tomo a liberdade de juntar a essa carta os falsos mandatos, que constituem a melhor prova, espantosa, da instrumentalização intencional de Cesare Battisti ao longo desse processo. A Vossas Excelências será dado observar que o texto manuscrito foi duas vezes decalcado de um texto original de 1979. As três assinaturas foram examinadas por Evelyne Marjanne, perita do

Tribunal de Recursos de Paris, que concluiu terem sido elas ‘indubitavelmente’ efetuadas no mesmo momento. Ou seja, mais precisamente, em folhas em branco assinadas por Battisti em outubro de 1981, numa adega de Roma onde se escondia após sua evasão.

(Interrupção do som.)

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Todos os que fugiam da Itália naquela época deixavam folhas assinadas para eventualidade de processo de evasão. Entre os membros dos presentes dos PAC presentes, estavam Pietro Mutti e Bergamim. Essas folhas foram entregues aos advogados Dr. Pelazza e Dr. Fuga, que haviam sido encarcerados pelo magistrado Armando Spataro e foram posteriormente libertados. Mais tarde, o Dr. Fuga refugiou-se na França, onde veio a falecer. Quanto ao terceiro mandato, o texto (mais complexo por se tratar de uma cassação), foi datilografado acima de uma assinatura velha de nove anos.

Estou ciente de que não compete à Justiça brasileira refazer o antigo processo de Cesare Battisti. Face, porém, às acusações do governo italiano e sua reivindicação de um processo ‘regular’, parece-me necessário restabelecer a verdade dos fatos, os quais demonstram incontestavelmente que Battisti não somente nunca teve direto à defesa normal a que todo homem tem direito, como, o que é pior,...

(Interrupção do som.)

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - ... foi usado pela Justiça em acordo com arrependidos e dissociados. Esses fatos, esmagadores, nem a justiça francesa nem a Corte européia (então constituída exclusivamente por magistrados franceses) quiseram entender. Apenas no Brasil existiu uma atenção séria, apenas o Brasil efetuou um trabalho digno de uma autêntica justiça. Aqui na França, é muito grande a expectativa de que a verdade tenha uma possibilidade de viver, e essa possibilidade hoje se encontra nas mãos de Vossas Excelências.

Sem mais, e agradecendo mais uma vez a atenção dispensada, peço-lhes que aceitem, Senhores Ministros, os protestos de minha mais respeitosa consideração.

Fred Vargas

Pesquisador em História e Arqueologia

Eu agradeço muito a atenção de V. Exª, Senador Mão Santa, que saberá compreender.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/02/2009 - Página 1184