Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Registro de sugestão encaminhada aos prefeitos, em prol da melhoria na educação.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO. ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL.:
  • Registro de sugestão encaminhada aos prefeitos, em prol da melhoria na educação.
Aparteantes
Cícero Lucena, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 14/02/2009 - Página 1756
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO. ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL.
Indexação
  • REGISTRO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, CIDADE SATELITE, DISTRITO FEDERAL (DF), DEFESA, APLICAÇÃO, LEGISLAÇÃO, DIREITOS, CRIANÇA, EDUCAÇÃO PRE-ESCOLAR.
  • COMENTARIO, REUNIÃO, PREFEITO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, OPORTUNIDADE, ORADOR, DISTRIBUIÇÃO, DOCUMENTO, SUGESTÃO, PROVIDENCIA, GOVERNO MUNICIPAL, BENEFICIO, CRIANÇA.
  • ANALISE, DIFICULDADE, MUNICIPIOS, DEFESA, FEDERALIZAÇÃO, EDUCAÇÃO, GARANTIA, IGUALDADE, QUALIDADE, ENSINO.
  • SUGESTÃO, PREFEITO, CRIAÇÃO, CADASTRO, NOME, CRIANÇA, MUNICIPIO, ACOMPANHAMENTO, PROCESSO, EDUCAÇÃO, CARGO PUBLICO, SECRETARIO MUNICIPAL, ATENÇÃO, INFANCIA, AMPLIAÇÃO, RESPONSABILIDADE, AUTORIDADE.
  • DEFESA, CRIAÇÃO, DIA, COMPROMISSO, MUNICIPIO, CRIANÇA, ADOLESCENTE, AMPLIAÇÃO, CULTURA, DEBATE, PROBLEMA, CONVITE, SENADOR, REALIZAÇÃO, MOBILIZAÇÃO, HORARIO NOTURNO, ATENÇÃO, INFANCIA, SEMELHANÇA, APOIO, APOSENTADO, COMENTARIO, EXPERIENCIA, ORADOR, EX GOVERNADOR, DISTRITO FEDERAL (DF).
  • IMPORTANCIA, COMPROMISSO, PREFEITO, ATUAÇÃO, MENOR ABANDONADO, COMBATE, PROSTITUIÇÃO, INFANCIA, ESCOLHA, DIRETRIZ, GOVERNO MUNICIPAL, ATENÇÃO, CRIANÇA.
  • DEFESA, TRANSFORMAÇÃO, BOLSA FAMILIA, PROGRAMA, INCENTIVO, EDUCAÇÃO, AMPLIAÇÃO, VALOR, BENEFICIO, AUMENTO, COBRANÇA, PAES, SUGESTÃO, PREFEITO, CRIAÇÃO, PREMIO, CONCLUSÃO, ENSINO MEDIO, PARCERIA, BANCOS, DETALHAMENTO, POSSIBILIDADE, DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL, ALFABETIZAÇÃO, ADULTO, EXTENSÃO, HORARIO, ESCOLA PUBLICA, MOBILIZAÇÃO, INICIATIVA PRIVADA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, quero, inicialmente, agradecer à Senadora Marina Silva, que me cedeu o lugar para falar...

A SRª PRESIDENTE (Serys Slhessarenko. Bloco/PT - MT) - Com a palavra o Senador Cristovam Buarque. Vou permanecer ainda para ouvir a sua fala, porque consegui um tempinho a mais.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, até porque vou falar de um dos assuntos que a senhora falou, que foi a reunião dos Prefeitos e o papel dos Prefeitos.

Mas eu quero repetir meus agradecimentos à Senadora Marina Silva, que me cedeu o seu lugar, porque eu tenho que sair correndo daqui para ir a um evento, uma mobilização, uma manifestação que está sendo feita pelo Movimento Educacionista, na cidade de Samambaia, perto do Plano Piloto, aqui onde nós estamos, pela defesa do direito de cada criança ter aula a partir dos quatro anos de idade - lei que já existe, Senadora, sancionada pelo Presidente Lula, a partir de um projeto de lei que deu origem aqui. Também será uma manifestação pela garantia das vagas para as crianças a partir de seis anos, porque, lamentavelmente, no Distrito Federal nem todas estão matriculadas.

Srª Presidente, a reunião que houve aqui dos cinco mil Prefeitos é um fato marcante. E eu quis estar presente não fisicamente, por diversas atividades, porque um a mais um a menos não faria diferença, mas estive presente com um documento que eu enviei aos Prefeitos, repetindo fato que eu já tinha enviado há mais tempo para cada um deles. Um documento que já pela terceira geração de Prefeitos, ou seja, desde três eleições, eu costumo mandar para cada um deles com sugestões sobre o que eles podem fazer pelas crianças do seu Município.

Estou de acordo com a Senadora Serys de que é o Prefeito que realmente cuida de cada pessoa do seu Município, embora eu não seja tão municipalista, porque acho que, se deixarmos livres os Municípios, uns são muito pobrezinhos e outros são ricos, e os pobrezinhos não teriam como resolver seus problemas.

Nesse sentido, eu defendo que o Prefeito gerencie as escolas, mas educação no Brasil deveria ser federal, como é federal a universidade, como é federal a escola técnica, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica, tudo menos criança neste País recebe o apoio e os cuidados da Federação. Tudo! Só criança é municipal. Não dá para manter assim. Daí o meu projeto de federalização da carreira do magistério, daí o projeto de criar uma Secretaria junto à Presidência da República para cuidar das crianças e dos adolescentes.

Mas esse documento que costumo distribuir, e quero falar aqui porque muitos Prefeitos terminam não recebendo, Ou, no meio de tanta papelada - vi alguns carregando quase um caminhão de documentos e de pacotes - isso daqui, tão pequenininho, poderia se perder. Mas é o resultado do meu tempo de Prefeito - aqui eu tinha o título de Governador do Distrito Federal, mas, na verdade, era um Prefeito, com as tarefas também de Governador. Então, Senador Mão Santa, eu também posso dizer que fui Prefeito, apesar de o título ter sido de Governador.

E eu não esqueço - e o senhor, como Prefeito, deve gostar disso -, de todos os elogios que me fizeram, o de uma senhora da cidade de Planaltina, aqui no Distrito Federal, que disse que me considerava um bom inquilino da casa dela, que é Brasília, um inquilino que cuidava bem da casa dela. Mas eu não cuidava bem da casa dela apenas; eu cuidava bem das crianças dela.

E sugeri aos Prefeitos, portanto, algumas medidas, algumas que não custam dinheiro. Por exemplo, a primeira delas: eu creio que todo Prefeito, Senador Mão Santa, Senador Mozarildo, poderia ter no seu gabinete a lista das crianças da sua cidade. Parece uma coisa estranha, mas é facílimo fazer isso. Nas cidades pequenas, então, podia ser até no caderno; nas cidades grandes, em um computador. Mas é possível você ter acesso, em sua mão, Senador João Durval, às crianças. Faz uma diferença enorme, um dia, um pai receber um telefonema dizendo: “Aqui é o Prefeito. Eu quero saber como é que está a sua criança na escola”. Ele não vai fazer isso para todas, mas, se ele fizer para uma, a notícia se espalha por todos os pais naquela escola, e muda a realidade do professor com a criança.

Isso foi feito aqui no meu Governo no Distrito Federal. Eu tinha acesso ao nome das crianças, especialmente dos meninos e meninas de rua. Através de uma pesquisa, localizamos todos eles, todas elas.

E aí vem a segunda proposta. Além de ter o nome de suas crianças no seu computador... Por que só se põe o nome dos funcionários no computador? Os funcionários da Prefeitura estão no computador do Prefeito; por que é que não se põem os nomes das crianças? E, de vez em quando, liga-se para saber. O Prefeito pode até ligar para ela própria, a criança, e perguntar: “Aqui é o Prefeito. A sua escola está boa ou ruim? Como está a merenda na sua escola? A diretora se preocupa com você?” Isso provoca uma mudança, faz com que o Prefeito assuma o papel de tio das crianças da sua cidade.

Outra: como o Prefeito não vai ter tempo de acompanhar isso, ele vai fazer, muitas vezes, apenas gestos de uma importância muito grande, é preciso que ele tenha alguém que o acompanhe. Creio que o todo Prefeito deste País devia ter um Secretário para a Criança. Para que não se criem mais Secretarias, pega-se uma Secretaria já existente e acrescenta-se “e das Crianças”. Foi assim no Distrito Federal. Transformamos a Secretaria da Assistência Social em Secretaria da Assistência Social e da Criança.

Isso muda! Porque vai ser sobre esse cidadão ou essa cidadã que vai ser Secretário ou Secretária da Criança que se põe a culpa de tudo o que acontecer de ruim. E demite-se quando houver um assassinato de uma criança por falta de cuidado. Quando as crianças não estiverem sendo bem atendidas nos hospitais, o Secretário de Saúde trata a criança como qualquer outro paciente; o Secretário da Criança trata a criança doente como criança e vai em cima do Secretário da Saúde. Assim, cria-se alguém com a responsabilidade de zelar pelo maior patrimônio de uma cidade, que são as crianças.

Duas medidas que não custam nada. Os Prefeitos chegam aqui às vezes em busca de dinheiro, dinheiro, dinheiro. Há pequenos gestos, pequenas medidas, como dentro de casa com os filhos, que um Prefeito fazendo muda a relação dele com as crianças do seu Município.

Além dessas duas propostas, eu tenho uma lista grande. Eu creio, Senador Mão Santa, que faz diferença criar um dia no Município de compromisso com a criança e com a educação. Não precisa ser feriado. Aliás, não deve ser feriado. Mas um dia, durante o ano letivo, em que se diga: hoje é o dia do compromisso do Município com as crianças e os adolescentes da sua cidade. Nesse dia, os pais vão conversar sobre isso na mesa. Nesse dia, os colegas no emprego vão conversar com os outros colegas, vão descobrir que tem criança no Brasil, porque às vezes a gente esquece; vão lembrar das notícias ruins daquele ano anterior sobre as crianças. Cria-se um clima pelo qual a gente se preocupa com as crianças como se a cidade inteira fosse uma grande família. E esse é o maior desafio de um Prefeito. O maior desafio do Prefeito é criar a família da sua cidade. Como a família brasiliense: uma vez me perguntaram qual foi o milagre de conseguir que no Distrito Federal, durante o meu Governo, as pessoas passassem a respeitar a faixa de pedestres. A pessoa chega na calçada aqui - para os que nunca vieram -, põe a mão e o carro pára: pode ser do Presidente, pode ser do Senador, pode ser de quem for, pode ser um Mercedes ou um fusquinha; pára, para pessoas descalças atravessarem a rua. Por quê? Porque a gente fez com que se acreditasse que Brasília era uma grande família, e a gente pode até não parar o carro para um estranho, mas para um irmão pára. E hoje pegou, e todo mundo pára. Foi uma mudança de mentalidade. Mas essa eu não quero tocar para os Prefeitos nem recomendar, porque eu quero me concentrar no assunto das crianças, em como fazer com que um Prefeito seja tio de todas as crianças da sua cidade.

Eu não esqueço, nessa lista que eu tinha no meu computador, das crianças de rua, que passei, Senador João Durval, a acompanhar uma por uma, através desse Secretário da Criança, o Dr. Osvaldo Russo. Acompanhava uma por uma. E um dia de manhã eu li que uma criança tinha sido assassinada na rua. Cheguei ao meu gabinete, abri o computador, e pensei: vou ter que escolher um assessor para criticar, porque esse nome é capaz de não estar lá. O nome estava. A sensação que eu tive quando vi que aquela criança teria de ser deletada, que aquela criança tinha um nome, foi a sensação de quem tem a notícia da morte de um parente, não de um estranho. Deixou de ser estatística.

Prefeito, não trate seu povo como estatística, trate como gente. E a melhor maneira é saber os nomes. Não que vá conhecer todos pelo nome, mas vai saber que aquele nome existe.

O dia municipal da preocupação, do compromisso com as crianças e os adolescentes faz uma grande diferença. Eu estive em um país chamado Tunísia, onde havia um dia - deve haver ainda - em que o país todo se mobiliza em solidariedade aos pobres. As crianças deixam as aulas e vão para os sinais de trânsito pedir dinheiro. Esse dinheiro vai para uma conta administrada pela sociedade, não pelo Governo. E o dinheiro todo vai para fazer aquilo que a gente faz aqui como Bolsa Família, vai para abrir pontos de microcrédito. É um dia nacional que existe na Tunísia, criado pelo Presidente Ben Ali, anos atrás, para buscar dinheiro. Eu nem proponho isso aqui. Eu proponho que as aulas continuem e que o dia seja de reflexão, de discussão, de cobrança mútua sobre a situação das crianças. Se o Brasil tivesse um dia de reflexão sobre a criança... Nós fizemos aqui mais de uma vigília pelos aposentados, mas não fizemos ainda nenhuma vigília pelas crianças. E vou convidar o Senador Mão Santa para essa vigília, porque eu vim a todas as vigílias pelos aposentados, salvo a primeira, e estou solidário com eles. E vamos continuar a fazer mais vigílias pelos aposentados, enquanto eles precisarem, mas vamos fazer uma também pelos futuros aposentados, que se aposentarão daqui a 50 anos, que são as crianças. Isso é o que a gente pode fazer nesse dia.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Cristovam Buarque...

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Dou o aparte ao Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senadora Serys Slhessarenko, quis Deus V. Exª estar aí do lado do Paulo Paim, porque me faz respeitar muito o Partido dos Trabalhadores figura como V. Exª - execro outras, como também no meu partido deve haver gente a ser execrada. Mas eu queria dizer o seguinte: vamos pedir ao Presidente Luiz Inácio - estão aí vocês do PT, ele é do PDT, está aqui o Durval do PDT, o Mozarildo do PTB e eu do PMDB - para encaminhar esse homem para a Unesco, que cuida da ciência e tal. O que V. Exª está dizendo aqui é o que faltou ser dito - ó, Luiz Inácio - para os Prefeitos. Eu vou dar o exemplo, e eu estou aqui para ensinar o Luiz Inácio; eu sou é pai da Pátria. Senador serve para isso. No dia em que eu não tiver essa condição, renuncio e vou embora. Mas tenho. É possível e é real, Luiz Inácio. Eu fui prefeitinho: Parnaíba, 150 mil habitantes. Serys, você sabe quantos meninos de rua havia? É possível, é real! V. Exª é a inteligência, é a ética, é a decência e a realidade, não é nem a esperança deste Brasil. É real! Ó, Luiz Inácio, eu fui prefeitinho. Aí a minha esposa - daí eu citar muito minha mulher, Adalgisa - teve a idéia de fazer a Escola do Bom Menino. Paim, não deram 30; deram só 27, daqueles de casa sem família. Uma triagem feita pelo serviço social. Vinte e sete só, João Durval! Parnaíba tem 150 mil habitantes. O que é isso? Vinte e sete crianças de rua. Ela contratou um prédio, professora especializada, psicóloga especializada. E a coisa mais bonita é, hoje, quando eu ando por minha cidade, encontrar um rapagão e ouvir: “Eu era Bom Menino” - fardava-os e eles passavam a fazer parte da Bom Menino. Ainda mais: a equipe lá orientava para que eles tivessem trabalho. Não era trabalho escravo; era uma maneira de aprender, como Mauá, que trabalhou criança; como João Paulo dos Reis Velloso, que trabalhou na fábrica do meu avô. Então, inspirados nisso, à tarde arrumavam bolsas para eles fazerem estágios profissionalizantes; nada de trabalho escravo. O trabalho ensina, dignifica! Eu cito exemplos dos maiores brasileiros: Mauá começou com nove anos; João Paulo Reis Velloso também, na fábrica do meu avô. Então, eram orientados, Bom Menino. Logo após, o povo e Deus levaram-me a ser Governador do Estado, e a mesma coisa Adalgisa fez na capital - daí a sua importante e influente liderança na capital. V. Exª entendeu? Tiramos todos - eu não sei o número. Quer dizer, isso é viável, é possível e é real. Agora, eu lamento... Luiz Inácio, está aqui o nome para a Unesco. Andei agora na Europa, passei lá vinte dias e visitei dois países. Não vi um miúdo - é a palavra deles para menino - na rua pedindo esmola. Não vi, e Luiz Inácio sabe disso. Então, V. Exª é essa pessoa. O que V. Exª disse está exato. Foi uma pena V. Exª não ser convidado para dar essa mensagem para os prefeitos. Mas eu acho que o nosso Senado pode melhorar. Podemos nos inspirar no Senado da Itália, que tem aquela figura do Senador honorário, vitalício, convidado por mérito. Acho que o nosso País deveria seguir esse exemplo. E V. Exª seria um desses Senadores honorários, pela inteligência, pela pureza e pela ética. É real! Continue a lutar! É como Martin Luther King - homenagem ao Paim -: “Eu tenho um sonho”. Esse seu sonho é bem possível, e nós o realizamos no Estado do Piauí. Isso é um absurdo, isso é uma barbárie. Luiz Inácio, andei agorinha, por vinte dias, por Portugal e Espanha e não vi uma criança no meio da rua pedindo esmola.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito bem, Senador Mão Santa. E não as vemos também em muitos países até mais pobres que esses.

Mas quero agarrar uma coisa que o senhor falou, Senador Mão Santa, e tentar explorá-la. O senhor lembrou aqui algo que esquecemos e, ao esquecermos, diminui nossa responsabilidade. Nós somos ou deveríamos ser os pais da Pátria; Senador é isso.

Sabe o que eu acho, Senador? A gente deveria escrever aqui ou lá na frente: “Aqui trabalham os pais da Pátria”. Se a gente fizesse isso, todo dia a gente ia ter de fazer uma reflexão, porque pai não rouba da família - pode até roubar de outro país, mas não seria corrupto. E quando se pensa em pai, a associação que se faz é sobretudo com as crianças. Se a gente tivesse escrito “Nós aqui trabalhamos como pais da Pátria”, todos os dias a gente falaria das crianças brasileiras e de como elas estão. Esse é um ponto do seu discurso.

O outro é mostrar que é possível. Aqui, conseguimos tirar todas as crianças da rua, salvo algumas que tinham mais de 16 anos - nesse caso, não pôde ser da maneira simples.

Qual foi a maneira simples? Para cada criança dessas que estava no computador, o Secretário da Criança procurava uma família para as receber. Para essas famílias, a gente dava uma Bolsa-Escola, que, naquela época, no meu governo, era um salário mínimo. Ou seja, graças ao Senador Paim, era quase R$500,00 a Bolsa-Família. Graças ao Senador Paim, que tanto lutou para aumentar o salário mínimo. Mas ressalto que esse valor não era por criança, porque o número de crianças não tem nada a ver com o governo; é uma opção do casal. A gente tem de dar um valor fixo, como se fosse um trabalho. Entretanto, os de mais de 16, já não havia quem quisesse receber. Conseguimos uma casa na cidade de Planaltina, aonde íamos levar essas crianças de 16 anos, a casa tinha videogames e comodidades. Mas eu queria que eles não pudessem entrar e sair na hora em que quisessem, queria que eles cumprissem rigorosamente um calendário, inclusive não ficando na rua depois de certa hora. E um Juiz de Direito dos menores chegou para mim e disse que, se eu fizesse isso, seria preso, porque eu não tinha poder sobre essas crianças, porque elas não eram filhos meus. Eu disse a ele: “Mas minhas filhas eu não deixo ir para a rua na hora em que elas querem” - e elas já eram adolescentes. E ele disse que eu poderia ser preso se fizesse o que tinha em mente. E eu disse para ele: “Doutor, o senhor devia me prender porque eu estou fazendo isso dois anos depois de ter sido eleito Governador. Se o senhor tivesse me prendido nos primeiros dias, por não ter feito, não haveria mais crianças na rua”.

Mas, continuo, Senador - eu vou pedir um pouco de paciência ao Senador Paim também. Outro ponto é o compromisso de acabar com essa maldita coisa chamada prostituição infantil. Nós acabamos com isso aqui, nós acabamos.

Aliás, houve um fato que coincidiu com um encontro de prefeitos desses - desculpem a indiscrição que vou cometer. O nosso Secretário da Criança Osvaldo Russo fez uma campanha usando muito a colaboração da Maçonaria, Senador Mozarildo, que muito nos ajudou. Fizemos uma campanha com os bares e com os taxistas, e um dia fomos lá e fechamos uma boate. Era um dia de encontro de prefeitos, e houve alguns que reclamaram por estarmos fechando aquela boate. E a Justiça, depois, quase cria problemas sérios com o Secretário e com a Polícia, porque não esperamos muita coisa não. Fomos lá, vimos que havia crianças e fechamos. Essa boate, aliás, nunca mais abriu.

Prefeito, você tem condições de resolver esse problema, com um pouco de força e um pouco de ajuda psicológica e monetária, com a família.

Um outro ponto é complementar à Bolsa-Família: a sua transformação em Bolsa-Escola. A Bolsa-Família não é a Bolsa-Escola. A Bolsa-Família é um programa de assistência cujo objetivo é matar a fome, e isso é muito nobre, mas insuficiente. Só matar a fome basta para os outros animais, já que eles não precisam de mais nada além de matar a fome. Agora, para o animal gente, é preciso matar a fome de cultura, de escola.

Como fazer isso? O Governo Federal já paga a Bolsa-Família. Prefeito, dê um pouquinho mais de dinheiro, mas diga: “Só se seu filho estiver, de fato, na escola”. É pouquinho que você precisa. E não comece na cidade inteira, escolha um bairro mais pobre, comece com dez crianças até chegar a alguns milhares. Esse documento também sugere onde arranjar o dinheiro para fazer essa complementação.

Outra sugestão é a Poupança-Escola. Pouca gente sabe, mas a Bolsa-Escola, quando foi criada por mim aqui no Distrito Federal, tinha duas partes: era um dinheiro mensal se a criança não faltasse às aulas e um dinheiro anual se a criança passasse de ano, só que esse a gente colocava todo mês na Caderneta de Poupança e só podia ser retirado se a criança terminasse o Segundo Grau. Se abandonasse o Segundo Grau, Senador Durval, perdia todo o dinheiro depositado. Isso funcionou muito bem.

Os bancos que estão aí, sendo criticados, podiam fazer isso. E cito um banco que faz isso com a minha Organização Não-Governamental - não é mais minha, pois há anos estou afastado -, a Missão Criança. Há um banco que faz isso, mas um banco que faz com um número pequeno. Se o prefeito ou a prefeita procurar um banco, ele é capaz de bancar isso. Cinquenta reais por ano por criança já faz uma diferença, porque, no fim de onze anos, são quinhentos e cinquenta reais. A criança fica pensando: “Eu vou ter R$550,00 para comprar a minha bicicleta ou para comprar o meu computador quando terminar o Segundo Grau”. Isso segura a criança na escola. O prefeito pode criar esse programa e, mais uma vez, beneficiar inicialmente um número pequeno de crianças.

Outro ponto é a garantia de vaga aos quatro anos. Cada criança que o prefeito coloca na escola aos quatro anos significa menos gastos que vai ter depois com assistência social, menos gastos depois com problemas decorrentes de desvios que essas crianças possam ter. E essa já é uma lei, uma lei sancionada pelo Presidente Lula, que tem que ser cumprida. Não espere que o Ministério Público obrigue-o a cumpri-la, Prefeito! Saia na frente! Garanta vaga para toda criança aos quatro anos. Crie a escola em casa.

A escola em casa é um projeto simples. Escolha, identifique os meninos adolescentes que são bons alunos. Pague um pouquinho para eles, para eles cuidarem dos menores, para eles ajudarem os menores a fazerem o dever de casa, para os menores não ficarem na rua, para os menores jogarem futebol. Você estará dando renda a uma criança pobre ou adolescente que estuda bem e tratando e cuidando de uma criança pequena que precisa dessa ajuda. Essa é uma maneira simples de começar uma espécie de complementação do número de horas de aula.

Mas não fique só nisso. Tente implantar horário integral; tente implantar horário integral nas escolas. Você não vai conseguir, em quatro anos, em todas as escolas da sua cidade. Comece em uma, em duas, em três escolas, onde o horário seja das sete ou oito até às quatro ou seis horas da noite. É possível. Não é possível na cidade inteira, mas, em uma, duas, três escolas, é possível. De preferência, todas as escolas de um bairro. Isso é possível.

A outra coisa é você fazer um programa para as crianças de menos de quatro anos, porque, até aqui, falei das que estão na escola. E as de menos de quatro anos? Aí é simplesmente dar uma cesta básica para as famílias. Mas não dê gratuitamente. Só dê a cesta básica se a mãe aceitar o compromisso de, uma vez por mês, fazer um curso de como tratar as crianças, porque muitas não sabem como tratar a criança, não sabem a importância da limpeza, não sabem os sintomas iniciais de uma doença. Fui assistir a cursos desse tipo e vi, uma vez, uma mãe chorando durante um curso. Perguntei por quê. Ela disse: “Estou percebendo que faço com minha filha hoje o que minha mãe fazia comigo, e eu não gostava, como, na hora de brincar, ficar fazendo alguns serviços domésticos”.

            Crie o programa também de ir atrás das crianças que não estão matriculadas. Não é difícil saber quais crianças não estão matriculadas. Tem que ir buscá-las em casa. O prefeito não pode dizer: “Minha responsabilidade começa depois que entra na escola”. A responsabilidade é maior até com aquelas que não entraram na escola.

(Interrupção do som.)

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Descubra onde elas estão e vá em busca. Uma conversa com os pais, que, às vezes, não sabem que a criança não está na escola, uma pequena ajuda resolve. Erradique o analfabetismo de adultos. Um pai analfabeto, uma mãe analfabeta faz com que você gaste mais dinheiro com a escola para ensinar os filhos deles do que se eles forem alfabetizados. Cada real gasto na alfabetização de adultos volta para seu cofre multiplicado por R$10,00, R$20,00, R$100,00, porque a pessoa consegue arranjar emprego, porque a pessoa consegue ter renda maior, porque a pessoa vai gastar, e você recebe mais ICMS, e porque fica mais fácil para os professores ensinarem seus filhos. É um investimento alfabetizar. Por isso, não se limite a fazer programas de alfabetização, faça duas coisas mais: uma, localize onde estão os analfabetos adultos e dê um incentivo.

No Brasil, depois que você termina o curso de engenharia e de medicina, o Governo dá US$1 mil por mês para você fazer um curso no exterior chamado doutorado. Por que você não dá um valorzinho pequeno para que aquele que nem aprendeu a ler ainda possa aprender a ler?

Por que existe bolsa para doutor e não existe para analfabeto, se ninguém consegue ser doutor se primeiro não aprender a ler?

Fiz isso no meu governo. Pagava R$100,00 no dia em que aprendesse a ler, porque, também, se você der dinheiro todo mês, ninguém é besta, vai ficar a vida inteira dizendo que ainda não aprendeu a ler. Não. No dia em que escrevia a primeira carta em sala de aula, recebia R$100,00. Não precisa ser R$100,00 em todas as cidades, mas dê um incentivo.

Estou terminando minha fala, Senador, porque sei que V. Exª tem que viajar e vai falar ainda.

Traga um programa chamado Parceria com a Escola. O Governo do Distrito Federal, devo reconhecer, tem um bom programa de parceria com a escola. Adotei uma escola. Há uma escola do Distrito Federal que é adotada por mim. Não que eu pague o salário dos professores, não que eu mantenha a escola. Não, mas vou em busca de empresários que investem naquela escola. Consegui, com isso, construir uma quadra nessa escola; consegui, com isso, ter uma sala altamente moderna, onde, no lugar do quadro-negro, está um chamado quadro inteligente, que é um terminal de computador. Conseguimos coisas com a mobilização da sociedade. Procure fazer parcerias na sua cidade, trazendo empresários e pessoas de boa vontade que adotem a escola. Você mantém o salário, você mantém a escola, mas esse pouco que falta para melhorar a escola, a gente pode conseguir com muita gente.

Não basta alfabetizar. É preciso fazer com que as pessoas leiam, e são dois momentos diferentes: um é alfabetizar, outro é fazer com que leiam. Crie um programa de leitura. Coloque bibliotecas domésticas. Ponha 100 livros numa casa e diga: “Essa casa é a biblioteca na rua”. Vocês vão ver a diferença.

Se um menino nunca vê uma bola de futebol, ele nunca será um jogador de futebol; se um menino nunca viu, pegou e brincou com livro, ele nunca será um leitor. Coloque livro dentro das casas, se não em todas, em uma de cada rua. Cem livros, 50 livros, ponha um livro! As instituições religiosas distribuem bíblias. Coloque bíblias. Não pode ser só bíblia. Se as outras religiões quiserem dar, ponha também os livros das outras religiões.

Uma campanha de doação de livros faz com que sobrem livros para você colocar. Crie um agente de leitura, pessoas que vão às casas, levando livros e dizendo: fica aqui o livro. Use os carteiros. Tudo isso foram programas de que participei e que criei. Crie um programa chamado Meu Primeiro Livro. Para toda criança que nascer na sua cidade, você dá um livro de presente. Ela só vai saber disso daí a cinco anos, mas, durante todos os cinco anos, o pai fica dizendo: “Este livro foi o prefeito que lhe deu”. Crie o gosto, a atração. Crie um programa fazendo com que a cidade seja parte da escola. Isso é fundamental. Basta usar bem as praças, colocar jogo de xadrez nas praças, teatro na rua - teatro simples, não precisa ser coisa sofisticada.

E, finalmente, saindo das crianças e não fugindo delas - em um minuto eu termino, Senador -, na sua cidade, deve haver universitários que têm que estudar em outras cidades. Ajude essas crianças - jovens, aliás - a estudar. Alugue um ônibus para que leve esses jovens da sua cidade até a cidade vizinha onde elas estudam. Mas não faça isso de graça; não faça de graça. Exija desses jovens que eles ajudem no programa de alfabetização. Obrigue esses jovens a participarem da complementação da escola das crianças. Requeira desses jovens a participação no esforço da educação de base. Incentive esses jovens que vão estudar em outras cidades a fazerem pedagogias e licenciaturas para substituírem os professores que se vão aposentando, quando novos são contratados.

O Sr. Cícero Lucena (PSDB - PB) - Senador Cristovam.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Essas são algumas das idéias que venho distribuindo entre os prefeitos, com a experiência de quem foi prefeito, ainda que com o título de governador. Isso que mandei distribuir ontem na reunião dos prefeitos, nesses últimos dias, e vou continuar distribuindo. O prefeito que quiser receber basta escrever para meu nome no Senado, ou entrar no site www.cristovam.org.br. Lá dentro tem essas informações e novas, que a gente foi aprendendo com prefeitos que estão fazendo coisas belíssimas por este País afora.

Quero encerrar, mas o Senador Cícero Lucena pediu a palavra, e, para mim, seu aparte só pode engrandecer.

O Sr. Cícero Lucena (PSDB - PB) - Muito obrigado, Senador Cristovam. Na verdade, para dar um testemunho sobre essa sua peregrinação em favor da educação no nosso País. Eu estava me deslocando quando ouvi seu pronunciamento e quero falar sobre a questão da alfabetização de jovens e adultos. Quando Prefeito, na minha querida João Pessoa, no meu segundo mandato, havia cerca de 35 mil adultos analfabetos.

(Interrupção do som.)

O Sr. Cícero Lucena (PSDB - PB) - E, no primeiro ano como Prefeito, com o Sr. Ministro da Educação, fizemos um programa e conseguimos alfabetizar cerca de 13 mil jovens e adultos. Fiz isso, Senador Cristovam e cheguei a ir, com a minha equipe - e registro isso com muita alegria -, aos grandes edifícios dos grandes condomínios da cidade, pedir uma reunião com os síndicos para sugerir que aproveitássemos, em determinado momento, o salão de festas dos prédios, transformando-os em sala de aula para os possíveis trabalhadores daquele condomínio. E, para a minha grata surpresa, em um dos prédios a que fui, o Edifício Caricé, na cidade de João Pessoa, ao terminar uma dessas reuniões, um morador do prédio, um proprietário, inscreveu-se para se alfabetizar também. Então, foi um trabalho - como o senhor bem o disse - que nós precisamos buscar, nós precisamos procurar. Refiro-me não apenas aos jovens e adultos, mas também às crianças. Quando assumimos a prefeitura, com o Professor Neroaldo Pontes - que o senhor conhece tão bem, ex-reitor da Universidade Federal da Paraíba, hoje Secretário de Educação do Estado -, estabelecemos que era proibido dizer que não havia vagas. Pegamos aquela placa, que é tão corriqueira em canteiro de obras: “Há vagas”, e a colocamos em todas as escolas. Saímos de 27 mil alunos para 74 mil, na cidade de João Pessoa. Criamos um programa chamado “Do Censo à Escola”, em que professores com problemas de saúde - alergia - e outros funcionários da Secretaria de Educação, tinham como meta, como objetivo, visitar casa por casa na cidade de João Pessoa, localizar se havia criança fora de sala de aula e levar essa criança à escola e matriculá-la. Da mesma forma, recordo-me do dia - e conto essa história com muita alegria, e Neroaldo também -, Neroaldo tinha chegado com a equipe, também feliz da vida, comemorando, porque havia atingido o índice de 98% de crianças em sala de aula. Repito: 98%! Parabenizei toda a equipe, e fiquei, da mesma forma, muito feliz. Mas, fiz uma pequena pergunta a eles: “E onde estão os outros 2%?” Vamos atrás dessas crianças. Identificamos que parte desses 2% eram portadores de deficiência. Adaptamos nossas escolas para que elas pudessem abrigar também o aluno deficiente. Daí somar-me à sua preocupação. Acho que é dever, é obrigação, é mais do que uma obrigação do cargo que se ocupa, é um dever de cidadão ter a chance e a oportunidade de oferecer a alguém aquilo que vai ajudá-lo a ser mais cidadão na nossa querida Pátria, no nosso querido Brasil. Por isso, sou sempre um admirador dessa sua peregrinação em favor do bem deste País. Muito obrigado.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito obrigado, Senador Cícero.

Termino, dizendo aos prefeitos que estão nos escutando que percebam que, como foi feito em João Pessoa e em Brasília, pode ser feito em qualquer outra cidade. Só precisa de uma coisa, Sr. Prefeito, Srª Prefeita: é você saber se quer ficar na história como quem fez muitos viadutos ou se quer ficar na história como quem cuidou bem das crianças.

Quando puder fazer as duas coisas, muito bem; quando não puder, opte pelas crianças, porque elas são o viaduto para o futuro. Sua obrigação é cuidar da sua cidade como se fosse a sua casa, como falei, no começo, que uma senhora disse-me que eu era um bom inquilino da casa dela. A coisa mais importante que tem em uma casa são as crianças. Vamos cuidar bem delas. É possível, basta uma vontade obstinada de querer ficar na história, como prefeito ou prefeita das crianças de sua cidade.

Sr. Presidente, obrigado pelo tempo concedido. Espero ter dado uma contribuição.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/02/2009 - Página 1756