Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Leitura de matérias publicadas pela imprensa, a respeito do asilo concedido ao italiano Cesare Battisti.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • Leitura de matérias publicadas pela imprensa, a respeito do asilo concedido ao italiano Cesare Battisti.
Aparteantes
Papaléo Paes, Valter Pereira.
Publicação
Publicação no DSF de 12/02/2009 - Página 1512
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • APREENSÃO, EFEITO, DECISÃO, TARSO GENRO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), CONCESSÃO, ASILO POLITICO, ACUSADO, HOMICIDIO, PAIS ESTRANGEIRO, ITALIA, ANUNCIO, APRECIAÇÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), EXTRADIÇÃO, PRESO POLITICO.
  • LEITURA, TRECHO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, JORNAL DO BRASIL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), RISCOS, REPUTAÇÃO, BRASIL, RELAÇÕES DIPLOMATICAS, PAIS ESTRANGEIRO, ITALIA, COMENTARIO, CONTEXTO, HISTORIA, PRESO POLITICO, DEFESA, SOCIALISMO, CRITICA, DECISÃO, CONCESSÃO, ASILO POLITICO, ALEGAÇÕES, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), INJUSTIÇA, IMPRENSA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Mão Santa; Srªs e Srs. Senadores, a imprensa tem, nos últimos dias - alias, já há várias semanas -, se ocupado do caso do italiano Cesare Battisti, a quem o Ministro Tarso Genro houve por bem, numa decisão pessoal, unilateral portanto, dar refúgio no Brasil. Isso tem tido conseqüências as mais diversas. O Supremo ainda vai julgar o caso da extradição dessa pessoa, mas eu me preocupo muito.

Ontem ouvi aqui pronunciamento do Senador Gerson Camata, que é um brasileiro descendente de italiano, que aqui fez não só uma análise, mas até complementou as acusações comprovadas contra essa pessoa.

Hoje, Sr. Presidente, tive o cuidado de selecionar uns dois ou três artigos da imprensa sobre esse assunto. Vou ler trechos e peço que, depois, V. Exª os dê como parte integrante do meu pronunciamento, porque acho importante que nós, brasileiros, Parlamentares e, principalmente, Senadores, não fiquemos silentes ou omissos diante desse problema. Essa questão não pode ser tratada pelo viés de ideologia de esquerda, de direita ou de centro. O que temos de analisar é justamente a questão da justiça e a questão da importância desse caso para o País.

Quero ler hoje um trecho do artigo do jornalista Sérgio Fausto, que é Coordenador de Estudos e Debates do Instituto Fernando Henrique Cardoso e membro do Grupo de Acompanhamento da Conjuntura Internacional da Universidade de São Paulo:

Um amigo, que agora acompanha de perto a cena política da Itália e faz tempo reflete sobre as relações internacionais, sob a perspectiva das sociedades civis, e não apenas dos governos dos países, escreveu-me esta semana a respeito dos danos que o episódio Battisti vem provocando à imagem do Brasil na sociedade italiana.

Muito se tem falado sobre os efeitos do episódio nas relações governo a governo. O estrago salta aos olhos. Menos visível, mas não menos importante, é a perda da simpatia e do prestígio acumulados ao longo de anos pelo Brasil entre os italianos.

Não é uma perda irreversível, claro, mas levará tempo para sanar os efeitos da decisão desastrada e quase inexplicável do Ministro Tarso Genro. Ao conceder refúgio a Cesare Battisti - nunca é demais lembrar, contrariando a decisão do Conselho Nacional dos Refugiados e não obstante sentenças condenatórias em tribunais italianos e uma corte europeia -, ele desconsiderou não apenas a reação previsível do governo daquele país, mas principalmente o sentimento existente na sociedade italiana em relação aos chamados “anni di piombo”. [ou anos de chumbo]

Foram mesmo anos de chumbo: entre o atentado a bomba da Piazza Fontana, em 1969, e a explosão da estação de trem de Bolonha, em 1980, grupos de extrema-direita e extrema-esquerda promoveram o terror. Não apenas se trucidaram reciprocamente, mas também vitimaram políticos, agentes do Estado, principalmente policiais e juízes, e muitas pessoas comuns. Foram muitos os mortos - 85 deles apenas no atentado da estação de Bolonha, perpetrado pela extrema-direita. E imenso o trauma deixado.

O sequestro e o posterior assassinato de Aldo Moro, pelo seu significado político, dão a chave para entender a dinâmica daqueles anos terríveis. Moro havia sido o primeiro-ministro por duas vezes, era uma das principais lideranças do maior partido do país, a Democracia Cristã (DC), e estava empenhado na construção do que à época foi conhecido como “o compromisso histórico”.

Tratava-se de uma aliança entre a Democracia Cristã (DC) e o Partido Comunista Italiano (PCI), que atingira quase 35% nas eleições legislativas de 1976. Pelo lado da DC, Moro era o principal artífice da aliança. Pelo PCI, Enrico Berlinguer, que vinha conduzindo o partido para longe do PC da Rússia. Da sua ótica, o “compromisso histórico” serviria para dar estabilidade política à Itália num momento especialmente delicado (além do terrorismo, o país enfrentava os efeitos da crise resultante do primeiro choque do petróleo) e pavimentar o caminho para uma transição pacífica para o socialismo. O Chile, onde a polarização entre os partidos de esquerda e a DC abrira caminho para o golpe de Pinochet, em 1973, oferecia-lhe o contraexemplo.

O “compromisso histórico” tinha muitos inimigos. Na extrema-esquerda, as Brigadas Vermelhas e outros grupúsculos, entre os quais o de Cesare Battisti, que apostavam na polarização política e na destruição do “Estado imperialista das multinacionais” (as Brigadas assim designavam o Estado italiano), pela via armada. Na extrema-direita, os setores terroristas do Movimento Social Italiano, partido fascista, que viam no “compromisso histórico” a antessala da “comunização” do país.

Compartilhavam essa percepção, com maior ou menor nuance, setores do serviço secreto italiano e do establishment conservador norte-americano. Sim, a Itália, pela presença de um partido comunista de massas, foi o foco das preocupações e da atuação dos Estados Unidos na Europa Ocidental durante a guerra fria. Na Bota [isto é, lá na ponta da Itália], a intromissão da CIA na política doméstica não é mito, mas um fato histórico fartamente documentado. Como se não bastasse, o “compromisso histórico” encontrava oposição na ala da Democracia Cristã ligada a Giulio Andreotti, também ele primeiro-ministro da Itália por duas vezes, político mais conservador, cujas ligações com a Máfia viriam a público anos depois.

A despeito de tudo, a aliança entre a DC e o PCI avançou. Moro foi sequestrado quando se dirigia ao Parlamento para uma sessão na qual seria confirmado o primeiro governo da DC com o apoio dos comunistas. Brutalmente assassinado com dez tiros à queima-roupa, desferidos pelo líder brigadista Mario Moretti, teve seu corpo encontrado 55 dias após a sua captura no porta-malas de um carro abandonado na Via Caetani, em Roma, num ponto equidistante entre as sedes do PCI e da DC. O simbolismo não poderia ser mais claro. Ao assassinar Moro, as Brigadas procuravam sepultar o "compromisso histórico".

A aliança entre a DC e o PCI, ao final, não teve vida longa, por razões que vão além do assassinato de Moro. Na esteira de seu fracasso, a política italiana voltou a girar em torno das alianças da Democracia Cristã com outros partidos menores, lubrificadas por práticas pouco ortodoxas na lida com recursos e cargos públicos, que foram desnudadas no âmbito da Operação Mãos Limpas, nos anos 90. [...]

[...]

Foi esse sentimento de repulsa - guardado, mas ainda vivo - que a decisão do Ministro Tarso Genro atraiu contra o Brasil e o Governo atual. Fosse apenas contra o Governo atual, teríamos, em tese, um problema circunscrito e com prazo determinado. [É bom lembrar: “se fosse apenas contra o Governo atual ou contra o Ministro Tarso Genro, teríamos um problema circunscrito e com prazo determinado”.] Mas é a imagem do Brasil que se vê atingida, a menos que o STF “corrija” a decisão ministerial. Isso parece improvável. É que a decisão de Tarso Genro, ao que tudo indica, não fere a legalidade. Ela fere o bom juízo político que se espera de um Ministro de Estado.

(O Sr. Presidente faz tocar a campainha)

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Presidente, eu gostaria de solicitar mais alguns minutos, até para ouvir dois dos Colegas que desejam apartear.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Quantos minutos V. Exª deseja?

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Creio que, em cinco minutos, posso concluir o meu pronunciamento. Senador Valter Pereira...

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Seis. E fez questão de vir ouvi-lo o Presidente em exercício Marconi Perillo.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Obrigado.

O Sr. Valter Pereira (PMDB - MS) - Senador Mozarildo Cavalcanti, acompanho atentamente o discurso de V. Exª e quero dizer que não assiste nenhuma razão ao Parlamentar que entende ser um assunto estranho às suas atividades nesta Casa apreciar a matéria que V. Exª aborda oportunamente dessa tribuna. De sorte que eu não havia ainda me manifestado e vou aproveitar o discurso de V. Exª para fazê-lo. De fato, o Brasil tem uma tradição de conceder o asilo, de conceder o refúgio. Mas é preciso distinguir as coisas. É preciso distinguir o tipo de crime que pode abrigar aquele que busca refúgio ou asilo político em nosso País. Nós passamos por uma experiência dolorosa de uma ditadura, uma ditadura que perseguia, que era implacável e que, às vezes, levava o nosso compatriota a buscar o mesmo favor de outros Estados com os quais o Brasil mantinha relações. No entanto, o que é o crime político? Precisamos entender claramente isso. Por acaso, Senador Mozarildo Cavalcanti, a Itália vivia numa ditadura? Por acaso, era um regime autoritário que fustigava os cidadãos italianos? Por acaso, eram forças militares que estavam atentando contra o direito e contra a cidadania daquele que hoje busca refúgio neste País? Por tudo que li a respeito, não comporta esse favor. Não comporta por quê? Porque a Itália, nesse período, vivia sob a égide de um regime democrático, e era exatamente esse regime democrático que sofria os atentados, que sofria toda sorte de violação. Portanto, não vejo onde está a perseguição política para que fosse dado esse abrigo, fosse dado esse refúgio ao Battisti. Acho que a Itália tem razão em reivindicar o que está reivindicando. A propósito, Senador Mozarildo, ontem, se não me engano, o Supremo Tribunal Federal negou a liminar à Itália. Hoje, comentando com algumas pessoas sobre esse evento, elas me diziam que a liminar havia sido negada. Eu dizia que havia sido negada a liminar, mas não foi indeferido o processo. Isso significa que o Supremo Tribunal Federal do Brasil admitiu discutir, sim, o mérito dessa questão e vai fazê-lo. Acredito piamente que lá a interpretação não vai ser ideológica, nem política; efetivamente, será técnico-jurídica e vai refletir a necessidade de um reparo que, para favorecer um foragido, está estremecendo as relações do Brasil com um dos países que sempre foi o apanágio da democracia em todo o mundo. Obrigado a V. Exª pelo aparte.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Eu que agradeço a V. Exª e concedo ao Senador Papaléo Paes um aparte.

O Sr. Papaléo Paes (PSDB - AP) - Senador Mozarildo Cavalcanti, antes quero dizer que o Senador Valter Pereira fez uma bela explanação jurídica. Ele, que é jurista, falou como jurista. Eu vou falar como médico. As ações do médico são bem imediatas, emergenciais. Quero parabenizar V. Exª por trazer este assunto que é extremamente importante e precisa ser discutido mesmo porque está em jogo a Nação brasileira, o respeito que a Nação brasileira precisa ter no exterior, neste mundo. Fundamentalmente, não podemos ficar perguntando um para o outro: que País é este? Então, por uma questão que eu caracterizo de puramente ideológica, estão abrigando um criminoso. Esse senhor é um criminoso, pois tirou, pelo menos comprovadamente, quatro vidas. Então, a pessoa se veste de terrorista, pegou uma fantasia de terrorista, vem para cá, e por causa da questão ideológica do Governo que nos conduz, que governa hoje o País, com um ministro que realmente tem uma tendência rigorosamente para apoiar ideologia de esquerda radical, que não existe mais, e dá uma anistia para esse homem ficar dentro do nosso País, eu, realmente, lamento muito. Ontem o Senador Suplicy, um homem de bem, respeitado por todos nós, fez uma defesa e quase chora neste plenário por causa desse tal de Battisti. Foi emocionante. Eu iria fazer um aparte e até deixei, para não desequilibrá-lo mais na emoção dele. E isso me choca profundamente. Por quê? Porque eu lembro dos cubanos. Os caras fizeram uma opção de não voltar mais para Cuba. Atletas fizeram uma opção. Foi opção deles. Não mataram ninguém, não. Eles disseram: “Nós não queremos ir para lá mais. O regime de lá é muito cruel. Nós trocamos a família, que fica lá, os amigos, mas não conseguimos mais sobreviver lá emocionalmente”. E o Brasil extraditou esses dois cidadãos, que, segundo a imprensa internacional, foram torturados, unhas arrancadas, para pagar. Castigo do seu Fidel. Arranca unha com alicate a sangue-frio, dá castigo, e hoje ninguém nem sabe notícia deles. Então, é lamentável que um País como o nosso Brasil, um País grande e que realmente é um orgulho para todos nós, sujeite-se a um Battisti ficar tomando conta de todo o noticiário. Está sendo mais noticiado positivamente do que o próprio PAC, que é o plano para eleger a substituta do Presidente da República. Parabéns a V. Exª!

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Eu agradeço os apartes tanto do Senador Valter Pereira, quanto do Senador Papaléo. Realmente extraio dos dois apartes duas coisas importantes: primeiro, como diz o Senador Valter Pereira, é bom lembrar que, à altura daqueles acontecimentos, a Itália não vivia num regime ditatorial, nem de exceção. Ao contrário, o regime democrático buscava fazer uma conciliação entre a Direita Cristã e o Partido Comunista italiano. Aqueles que não queriam isso é que estavam fazendo, como o Sr. Battisti, uma guerrilha à parte para implodir esse entendimento.

Eu quero, Sr. Presidente, ao partir para o encerramento, pedir a V. Exª para destacar aqui algumas matérias. Também em, O Jornal do Brasil, o jornalista Augusto Nunes escreveu um artigo dizendo: “A decisão soberana pode ser ultrajante”. E disse: “Tarso precisa ser matriculado num curso de Direito para crianças”. No jornal O Globo, a matéria diz:

Frattini: ‘Tarso apóia idéias de guerrilha’. O Ministro Tarso Genro considera-se injustiçado pelo que chama de “grande imprensa”, cujo único objetivo, em sua opinião, seria a consolidação do neoliberalismo.

O Ministro da Justiça usa palavras difíceis e sem necessidade. A verdade é que, do ponto de vista da (boa) imprensa, quase tudo o que importa é a criação de um ambiente onde a livre iniciativa possa firmar-se e prosperar. Porque é nesse ambiente que a (boa) imprensa pode sobreviver por seus próprios meios.

Nos modelos de que o Ministro parece gostar, a imprensa acaba dependente dos estados, cumprindo orientação de alguma alta personalidade ou “conselho”.

O resultado disso é trágico para a liberdade de informação e, consequentemente, para toda a sociedade.

Sr. Presidente, peço a transcrição do artigo do jornalista Augusto Nunes. Quanto a esta matéria do jornal O Globo, cujo título é Frattini: Tarso apoia ‘idéias de guerrilha’. E a matéria que li do Sergio Fausto O pior cego... porque “salta aos olhos o estrago da decisão desastrada sobre o episódio Battisti”, cometido pelo Ministro Tarso Genro.

Quero dizer aqui que eu não me surpreendo com essa decisão do Ministro Tarso Genro, porque ele realmente está como aquele japonês que depois que acabou a II Guerra Mundial estava escondido em uma caverna e saiu de lá pensando que ainda estava em guerra e saiu matando as pessoas. Assim que está o Ministro Tarso Genro: pensa que ainda estamos naquela época em que precisava fazer aquelas guerrilhas, aqueles movimentos. Não. Nós estamos em um Estado de direito. Ele é o Ministro da Justiça e não sabe disso. Ele é realmente um homem que pauta por medidas de exceções, não deveria nunca ser o Ministro da Justiça.

 

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matérias referidas:

O pior cego...”

“Coisas da Política”

“Frattini: Tarso apóia ideias de guerrilha”.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/02/2009 - Página 1512