Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defendeu a aprovação de projeto, de sua autoria, que denomina o ano de 2010, o "Ano Nacional Joaquim Nabuco".

Autor
Marco Maciel (DEM - Democratas/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CULTURAL.:
  • Defendeu a aprovação de projeto, de sua autoria, que denomina o ano de 2010, o "Ano Nacional Joaquim Nabuco".
Publicação
Publicação no DSF de 13/02/2009 - Página 1700
Assunto
Outros > POLITICA CULTURAL.
Indexação
  • DEFESA, APROVAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, DENOMINAÇÃO, ANO, CENTENARIO, MORTE, JOAQUIM NABUCO (PE), CONGRESSISTA, ESCRITOR, DIPLOMATA, IMPORTANCIA, HISTORIA, BRASIL, LUTA, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA, COMENTARIO, OBRA LITERARIA, LIBERDADE, REGISTRO, CORRESPONDENCIA, ESTRANGEIRO, PAIS ESTRANGEIRO, GRÃ-BRETANHA.

  SENADO FEDERAL SF -

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O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Exmº Sr. Presidente do Senado Federal, Senador José Sarney, Srªs e Srs. Senadores, apresentei, no ano 2007, projeto de lei propondo 2010 como o Ano Nacional Joaquim Nabuco, em comemoração do primeiro centenário do seu falecimento. Nascido em 1849, ele faleceu aos 60 anos de idade, quando ainda muito podia fazer pelo Brasil.

Filho de político - o Senador, Ministro da Justiça e Conselheiro do Império, Nabuco de Araújo, a quem biografou de forma magistral -, Joaquim Nabuco reconhece, no seu livro de recordação intitulado Minha Formação, ter vivido muito da política, com ‘p’ grande, da Política que é história, porque muito contribui a fazê-la.

Para Nabuco, a Política era uma missão, sua, a da abolição não só da escravatura, também a de seus efeitos negativos, que iriam perdurar durante muito tempo no Brasil, como demonstra já no seu livro O Abolicionismo. Em discurso, às vésperas da abolição, ele defendia a reforma agrária para dar terra aos libertos e, em Minha Formação, destaca a importância da educação aos ex-escravos. Sem terras nem escola, a escravidão continuaria sob novas formas, como realmente se vê ainda hoje. O Papa João Paulo II, na sua primeira visita ao Brasil, lembrou que uma pesada hipoteca social prossegue sobre o nosso desenvolvimento.

Na recente edição da Correspondência 1880-1905, publicada há pouco no Brasil e em Londres, estão as cartas entre Joaquim Nabuco e Charles Allen, Secretário da Sociedade Britânica contra a Escravidão, reunidas por José Murilo de Carvalho, da Academia Brasileira de Letras, instituição de que o Presidente José Sarney faz parte e é decano, e Leslie Bethell, historiador britânico, em que fica demonstrado que, para Nabuco, “o Brasil só poderia se firmar como Nação” ao respeitar os valores constitutivos da civilização ocidental.

A Sociedade Britânica e Internacional contra a Escravidão era prestigiosa entidade abolicionista internacional, sediada em Londres, predecessora das atuais Organizações Não Governamentais, as chamadas ONGs. A liderança dos abolicionistas, com Wilberforce à frente, foi prosseguida por Buxton dentro e fora do Parlamento. Em 1833, ele extinguira a escravidão nas colônias britânicas da África. Aquela sociedade conseguiu que Nabuco fosse recebido na própria casa de Gladstone, várias vezes Primeiro-Ministro, e que o Cardeal Manning de Londres a apresentação de Nabuco ao Papa Leão XIII, autor da Encíclica Rerum Novarum, “sobre as coisas novas” - que, aliás, foi a primeira encíclica de viés social da Igreja -, dele vindo a receber a carta condenando a escravidão no Brasil. Mesmo após a abolição no Brasil, Joaquim Nabuco prosseguiu se correspondendo com os abolicionistas britânicos.

Nas palavras de Nabuco, “sou antes espectador do meu século do que do meu País; a peça é para mim a civilização, se está representando em todos os teatros da humanidade”. Continuo citando Nabuco: “A abolição no Brasil me interessou mais do que todos os outros fatos ou séries de fatos de que fui contemporâneo. A escravidão é um fato, não uma instituição; um crime social, não um direito natural”. O argumento de Nabuco era o mesmo dos abolicionistas ingleses: uma civilização moral, ética, tinha de condenar a escravatura. Essa afirmação hoje se aplica às novas formas de escravidão social, econômica e moral no Brasil e no mundo.

Em meio aos debates da reforma eleitoral, em março de 1879, Nabuco decidiu se concentrar na “questão servil”, como então era chamada. Ele não iniciara o debate. A emancipação dos escravos era idéia antiga também no Brasil, como os textos de José Bonifácio demonstram. Esteve presente na agenda do Parlamento duas vezes no Segundo Reinado. A Lei Eusébio de Queirós secara a fonte, proibindo a importação de africanos no Brasil. Nos anos 1860, voltou à discussão incrementada também pelo movimento abolicionista internacional. Colônias portuguesas, britânicas e francesas tinham libertado seus escravos. A guerra civil nos Estados Unidos fizera o mesmo, e a servidão na Rússia fora extinta em 1861. Não é à toa que o Brasil ficou malsituado nesse processo, porque foi um dos últimos países do mundo a emancipar os escravos.

Havia posições mais moderadas, querendo a abolição total da escravatura dentro de quinze anos e sem indenização. Outros preconizando leis como a do Ventre Livre e a dos Sexagenários, que preparavam o desfecho. Tavares Bastos, em 1866, apresentou projeto de libertação dos escravos de propriedade do governo e concessão de terras, equipamento e gado para eles. Depois propôs um imposto territorial visando obrigar os senhores a renunciarem aos seus escravos. Coube, todavia, a Nabuco dar o passo final e decisivo.

A primeira circular da candidatura de Nabuco a deputado geral - o que hoje nós chamamos deputado federal - apareceu em O Abolicionista, uma de suas obras, de 1º de agosto de 1879. Dizia Nabuco: “Não empreenderei uma campanha eleitoral de solicitações ainda mais importunas para o eleitor do que para o candidato”. Endossava a plataforma liberal: liberdade de comércio, de indústria, de associação; descentralização administrativa; transferência de atribuições do Poder Moderador do Imperador para o Ministério e a Câmara. Mas, como não podia mais deixar de ser, o eixo era a abolição - “a primeira de todas na hierarquia das grandes reformas nacionais”. Sintetizava seu projeto e apelava aos eleitores para fazer a abolição pacífica pelos caminhos legais.

Sr. Presidente José Sarney, Nabuco inspirava-se nos estadistas ingleses, americanos e nos primeiros liberais brasileiros. A causa estava acima das pessoas. Cito Nabuco mais uma vez: “representa não uma individualidade, mas uma política”.

Havia cada vez mais debate sobre a questão. A abolição seria outro rompimento com o legado colonial: “A emancipação é hoje o que era a independência em 1822”. “É no Parlamento que a emancipação deve ser decidida - e não na praça pública”, dizia Nabuco. Era um programa “em termos pragmaticamente reformistas”, “contra as utopias das rupturas revolucionárias”, como destacou muito bem o historiador Evaldo Cabral de Mello - irmão, aliás, do grande poeta João Cabral de Mello Neto - em apresentação à inédita correspondência entre Nabuco e os abolicionistas britânicos.

Em geral moderado, não resistiu a um final do impacto: “Esta questão não deve ser resolvida sem os fazendeiros, e Deus permita que nunca seja resolvida contra eles, mas não pode ser resolvida só por fazendeiros. (...) Não! O Brasil é alguma coisa mais do que um grande mercado de café”. Assim abriu distância intransponível entre o governo e a maioria dos eleitores proprietários de terras e de escravos.

A pressão popular nas ruas, liderada por José do Patrocínio e acalmada por André Rebouças, convergiu para o Parlamento pelo prestígio que emprestava à causa Joaquim Nabuco, esse grande libertador.

Nabuco foi diplomata de carreira, antes e depois da sua participação na política abolicionista, mas nela o seu cenário maior era o Parlamento, no qual exerceu mandatos que hoje se chamam de deputado federal, de 1879 a 1888.

Ele mesmo dizia que: “Um homem, em geral, não leva a efeito mais de uma ideia. Eu dediquei-me todo à abolição”. “Quando sou pela primeira vez eleito para o Parlamento, tinha necessidade de outra provisão de sol interior; era-me preciso não mais o diletantismo, mas a paixão humana, o interesse vivo, palpitante, absorvente, no destino e na condição alheia, enfim, na sorte dos infelizes; aproveitar a minha vida” - concluo, citando Nabuco - “em qualquer obra de misericórdia nacional; ajudar o meu País, prestar os ombros à minha época, para algum nobre empreendimento”.

Nos tempos de estudante de Direito, Nabuco, ao defender um escravo homicida, confessava ter-se muito inspirado no Presidente Abraham Lincoln. Em 1909, já Embaixador nos Estados Unidos - e lá defendeu políticas panamericanistas em várias conferências, que inclusive publicou posteriormente -, reconhecia em conferência: “Pessoalmente, devo a Lincoln não só a escolha, senão também o desempenho do que cuido haver sido a minha missão na vida, como a de tantos outros: a emancipação dos escravos”.

Sr. Presidente, Nabuco sempre insistiu que a abolição da escravatura era, e continua, fundamental para a própria essência da civilização: “A civilização deve ser essencialmente o melhoramento das condições sociais da humanidade, mas chamaríamos melhor civilização o aumento do poder intelectual do homem, visto que o aumento do poder intelectual só poderia levar a uma condição social permanentemente satisfatória, isto é, a uma condição baseada na verdade e confiada inteiramente à liberdade”.

Por tudo isso, e muito mais, Joaquim Nabuco, na Câmara dos Deputados, ao lado de muitos outros, entre os quais ressaltaria aqui Rui Barbosa, Patrono desta Casa, são os exemplos máximos de parlamentares democráticos brasileiros, liberais e sociais. A comemoração também do centenário de nascimento de Nabuco apresenta-se assim entre o que há de melhor na memória nacional com projeção até no exterior, como se vê na recente publicação de sua correspondência abolicionista em Londres.

Enfim, Sr. Presidente Senador José Sarney, Srªs e Srs. Senadores, o que eu desejo ressaltar é que não devemos deixar passar o ano de 2010 sem convertê-lo em Ano Cultural Joaquim Nabuco, não somente para que nós possamos melhor conhecer a sua obra, mas também para que consigamos reavivar muitas das bandeiras que foram objeto da sua luta, sendo que muitas delas ainda se encontram atuais.

Nabuco foi não somente um modelo de cidadão, de parlamentar, de político, de diplomata, mas foi também um grande escritor, aliás, de um estilo extremamente rico, herança que, certamente, herdou do seu pai, o Conselheiro Nabuco de Araújo.

Eu encerraria as minhas palavras, Sr. Presidente, portanto, defendendo aqui a aprovação do projeto de lei, já aprovado no Senado e que se encontra em tramitação na Câmara, denominando o ano 2010 de Ano Joaquim Nabuco.

Devo acrescentar que o Relator da matéria na Câmara dos Deputados já assegurou que certamente a relatará neste semestre, de sorte a que possamos fazer cerimônias aqui, no Senado Federal, e na Câmara dos Deputados alusivas a essa grande figura que foi Joaquim Nabuco. E, ao fazê-lo, estaremos homenageando não somente o grande abolicionista, mas também a figura de seu pai, que é autor de uma obra notável, chamada O Estadista do Império, essencial à compreensão, sobretudo, do Segundo Reinado.

Concluo, portanto, minhas palavras, expressando a convicção, mais do que isso, a certeza de que nós podemos iniciar o ano de 2010 homenageando a grande figura de Joaquim Aurélio Nabuco de Araújo.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/02/2009 - Página 1700