Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexão acerca da decisão tomada pelo Ministro da Justiça ao conceder asilo ao italiano Cesare Battisti.

Autor
João Pedro (PT - Partido dos Trabalhadores/AM)
Nome completo: João Pedro Gonçalves da Costa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • Reflexão acerca da decisão tomada pelo Ministro da Justiça ao conceder asilo ao italiano Cesare Battisti.
Aparteantes
Alvaro Dias.
Publicação
Publicação no DSF de 17/02/2009 - Página 1825
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • ANALISE, DECISÃO, GOVERNO BRASILEIRO, CONCESSÃO, ASILO POLITICO, PRISÃO, CRIMINOSO, PAIS ESTRANGEIRO, ITALIA, RESPEITO, NORMAS, LEGISLAÇÃO, DIREITO INTERNACIONAL, ELOGIO, ATUAÇÃO, TARSO GENRO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ).
  • QUESTIONAMENTO, ATUAÇÃO, GOVERNO ESTRANGEIRO, ITALIA, DISCRIMINAÇÃO, BRASIL, DIFERENÇA, TRATAMENTO, PAIS ESTRANGEIRO, FRANÇA, IGUALDADE, CONCESSÃO, ASILO, PRESO POLITICO.
  • EXPECTATIVA, JUSTIÇA, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), PEDIDO, EXTRADIÇÃO, PRESO, PAIS ESTRANGEIRO, ITALIA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Presidente Mão Santa, V. Exª sabe que recebeu meu voto.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Honroso.

O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Obrigado.

Srs. Senadores, Srªs Senadoras, quero, nesta sessão presidida por esse intelectual que é o nosso querido Senador Mão Santa, registrar minha opinião e refletir sobre a decisão tomada pelo nosso Ministro da Justiça brasileira no início do ano, precisamente no dia 13 de janeiro, acerca do posicionamento do Governo brasileiro - ou seja, do Estado brasileiro - sobre o caso desse cidadão italiano que está preso numa penitenciária brasileira, aqui em Brasília, concedendo refúgio político ao Sr. Cesare Battisti.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, quero manifestar-me aqui não no mérito de todo esse processo que vem dos anos 70, de um contexto conflituoso político vivido pela Itália; quero ater-me aqui à decisão do Ministro Tarso Genro, decisão tomada à luz de regras e entendimentos internacionais. Eu não tenho nenhuma dúvida de que o Ministro Tarso Genro tomou uma decisão, formou uma opinião de forma criteriosa, cuidadosa, zelosa, restrita ao cumprimento das normas internacionais, combinando, evidentemente, com o arcabouço jurídico do Estado brasileiro.

O Ministro Tarso Genro tem uma vida, como homem público, como professor, como advogado, que merece, sem dúvida alguma, o respeito da nossa sociedade. Evidentemente, os homens públicos tomam decisões que, de um lado, alguém aplaude, alguém gosta, e, de outro lado, alguém condena, não concorda, não gosta. Mas isso é normal. É isso que nos tranquiliza, é isso que consolida um Estado democrático de direito. 

Agora, quanto aos procedimentos do Ministro Tarso Genro, eu quero aqui, nesta sessão, Sr. Presidente, dizer do meu reconhecimento e do meu aplauso, por conta da conduta desse homem, desse homem público que militou muito, que exerceu cargos importantes no Estado do Rio Grande do Sul.

Quando o Ministro Tarso Genro toma uma decisão - eu tenho essa convicção -, passa a ser uma decisão do Estado brasileiro. E aqui eu quero repudiar a postura da Itália, porque o Cesare Battisti, antes de viver no Brasil, a partir de 2007, viveu na França 14 anos, Senador Gilvam . V. Exª, é vizinho da França, que vigia, que observa a fronteira brasileira com a França, lá no extremo do Brasil, nesse querido Estado que é o Amapá. Pois bem, a Itália nunca chamou o Ministro francês, como fez com o Ministro brasileiro. O Cesare Battisti viveu 14 anos na Itália e nunca nenhum Embaixador italiano voltou para justificar procedimentos, decisões do Estado francês.

Então, minha fala hoje é nesse sentido. A decisão do Ministro Tarso deve ser resguardada e defendida por nós brasileiros, por conta da postura acintosa, mal-educada da Itália, quando inquiriu, quando questionou, da forma como o fez, o embaixador brasileiro lá na Itália, e quando chama à Itália o seu embaixador.

Estou registrando aqui esse peso diferenciado da Itália em relação ao Brasil, porque não adotou as mesmas medidas no caso do Sr. Cesare Battisti, que viveu na França e eles nunca reclamaram, nunca chegaram da forma como questionaram o Brasil. E mais, mais grave: a Itália tentou articular um possível isolamento do Brasil no G8, nos fóruns dos ditos países ricos, como o G8 e o G12; uma articulação que pudesse fazer com que o Brasil ficasse isolado.

Comecei a me interessar pelo tema e, ao lado de outros Parlamentares, do Senador José Nery, estive quinta-feira na penitenciária Papuda, aqui em Brasília - quero discutir isso, mas ainda não estou fazendo uma discussão do mérito das acusações, estou me atendo aqui aos limites da decisão do Ministro Tarso Genro, que considero acertada, no início deste ano. Chamou-me atenção o encontro que tivemos com Cesari Battisti, na quinta-feira última. Perguntei a ele sobre as acusações, e ele fez todo um relato. Perguntei olhando no olho, porque aí já não é mais só ele; a sua história já envolve o Brasil, saiu do Poder Executivo e está na nossa Corte máxima para uma decisão. Segundo o Presidente do Supremo, em março o Supremo Tribunal Federal vai se manifestar, no mérito, acerca do pedido de extradição por parte do Governo italiano.

Espero que nossa Justiça seja coerente com a história do próprio Supremo e que tome a decisão mais acertada, ou melhor, justa - tem que ser justa - sobre esse cidadão que está no Brasil.

Não é o primeiro que pede asilo político, que pede refúgio no Brasil. Eu me lembro de Stroessner, aquele ditador corrupto e assassino do Paraguai e que aqui viveu, inclusive em Brasília. Viveu por quase 20 anos no Brasil. Minha expectativa é que o Supremo tome a decisão que possa ser coerente com as regras internacionais, com essa questão que é internacional, mas que faça valer direitos de um Estado Democrático de Direito. Perguntei ao Sr. Cesare Battisti sobre as acusações. E ele fez um relato daquele contexto dos anos 70 e negou, peremptoriamente, sua participação nesses episódios. E ele pediu que nós lêssemos para todos os parlamentares os autos, porque não tem uma testemunha que diga: “Você estava ali”. O que acontece, Senador Gilvam, é que um ex-companheiro de organização, depois de anos, o acusou, o delatou... E pesa, então, um relato de um companheiro da época de organização. Mas não há uma testemunha que afirme - e isso pediu-nos que acompanhássemos nos autos. Ou seja, não é simples essa questão.

E eu espero que o Estado brasileiro seja justo, absolutamente justo com o cidadão que solicitou refúgio político no Brasil.

Com muito prazer, Senador Alvaro Dias.

O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - Senador João Pedro, é evidente que num aparte não tenho condições de fazer análise de profundidade sobre essa questão, mas como V. Exª esteve na Papuda e teve a oportunidade de indagar de Battisti sobre sua condenação à prisão perpétua, em razão de assassinatos a ele atribuídos, e como V. Exª fala na ausência de testemunhas, eu indago a V. Exª se lembrou de perguntar a ele sobre uma testemunha ocular do fato, que de uma cadeira de rodas na Itália encaminha uma carta ao Brasil, afirmando ser filho do açougueiro assassinado e ter recebido um balaço que o deixou imobilizado numa cadeira de rodas para o resto da vida. Ele afirma que seu pai morreu ensanguentado, sob o olhar implacável do seu assassino. E acusa duramente Battisti. Eu pergunto a V. Exª se teve a oportunidade de solicitar a ele esclarecimentos sobre o depoimento desse cidadão italiano, que da cadeira de rodas onde se encontra e onde ficará para o resto da vida, se Battisti o reprova, o rejeita, o desconsidera, o desmente, enfim, qual é a posição dele a esse respeito.

O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Senador Alvaro Dias, Battisti respondeu. Fiz essa pergunta a ele, se podia falar de cada acusação de que é vítima. Ele se reportou aos autos e disse que nos autos quem o acusa é Pietro Mutti. Vou verificar se há nos autos essa carta do filho do açougueiro, um dos crimes do qual é acusado. Respondeu-me que as quatro acusações são do seu ex-companheiro de organização. Vamos estudar. Gostaria muito que o Supremo Tribunal...

O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - Essa carta é atualíssima, é desses dias, em razão, exatamente, da decisão do Governo brasileiro.

O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Mas tem de ir para os autos. Tem de haver investigação...

O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - O que há nessa carta é a contestação da tese do crime político. O filho do assassinado procurou afirmar que houve um crime cruel, perverso, que o assassino foi impiedoso, que viu seu pai desfalecendo a sua frente, ensanguentado, sob o olhar impiedoso do assassino. Enfim, é um depoimento dramático de quem sofreu todas as consequências do crime praticado e que, de forma alguma, aceita que esse crime seja considerado um crime de natureza política em razão das circunstâncias em que se deu. Enfim, nós não tivemos acesso ao processo, não conhecemos a documentação, mas esse é um fato que não pode ser ignorado. Esse depoimento é de uma vítima viva, mais do que testemunha ocular do fato, uma vítima viva que faz acusação da maior responsabilidade. E mais, não sei como posso desconsiderar as tradições históricas da justiça italiana. O conceito de competência em matéria de Direito Penal. Se há lá uma condenação que leva alguém para o cárcere para o resto da vida, se há a decretação da prisão perpétua e essa condenação se dá no pais que tem a melhor justiça penal do mundo, não sei como nós, brasileiros, poderemos refutar, poderemos discordar e poderemos afrontar, como se afronta nesse momento, provocando uma enorme indignação na Itália. Veja, eu estou fazendo indagações. Ainda não me manifestei de forma peremptória sobre essa questão, não fui à tribuna. Estou apenas aparteando V. Exª e fazendo algumas considerações.

O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - V. Exª já chegou à tribuna.

O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - Mais questionando, na verdade, do que fazendo considerações, na esperança de que eu possa ser esclarecido sobre isso, a fim de que eu não tenha de fazer um juízo tão severo em relação à postura do Governo brasileiro, porque, se nós formos estabelecer um parâmetro de comparação com outros episódios, ficaremos chocados, como, por exemplo, se formos comparar com o episódio que envolveu...

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - ... os atletas cubanos, que foram praticamente enxotados do Brasil e jogados à fera. Enfim, V. Exª estudou melhor essa situação.

O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Ainda não, estou estudando. Quero abordar duas questões que V. Exª levantou.

O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - Eu respeito muito, mas, preliminarmente, pelos indícios que já conheço, não tenho como avalizar essa decisão do Governo brasileiro.

O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Senador Alvaro Dias, duas questões. Na competência do Poder Executivo, há uma decisão. Ponto. Tem discordância, tem concordância.

Saiu do Executivo, está no Poder Judiciário. A nossa Justiça pode encontrar distorções, injustiças nos autos...

(Interrupção do som.)

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - V. Exª gostaria de quantos minutos a mais?

O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - V. Exª tem a paciência um pouco maior do que o Estado do Piauí, mas eu serei rápido...

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - É quase do tamanho da Amazônia.

O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Eu serei rápido.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - V. Exª tem cinco minutos.

O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Em dois minutos eu termino. É só para dialogar com o Senador Alvaro Dias.

Eu tive o cuidado aqui - e disse que estou estudando - de não entrar no mérito. Eu fiz aqui um foco na decisão do Ministro Tarso. É uma decisão de Estado. Estranho a posição da Itália, a forma como reagiu por conta da permanência de Cesare Battisti, ao longo de 14 anos lá na França.

Pois bem, já que está no Estado brasileiro, já que Cesare veio para o Brasil, o Brasil vai ter que se manifestar e, mais do que nunca, se manifestar de forma, aí sim, peremptória.

Nós não podemos também negar - não é nem desconhecer, porque nós não podemos desconhecer isso - a radicalidade política que viveu a Itália nos anos 70, que culminou com o assassinato brutal, violento, do Primeiro-Ministro Aldo Moro, em maio de 1978. A Itália viveu um conflito político diferente do Brasil. Estávamos em ditadura militar e, em 1979, tivemos a anistia.

A Itália não teve esse ato, mas ela viveu um conflito interno político com o qual eu discordo, mas é preciso que apresentemos os fatos. Até hoje, setores do Estado brasileiro não reconhecem alguns episódios factuais. Se você falar das ações relacionadas à resistência do Lamarca, na Bahia; do Marighella, da Guerrilha do Araguaia, são assuntos diante dos quais o Estado brasileiro fica... Então, os anos 70, na Itália, foram anos marcados por muita violência. É daí, ou seja, tem política; há grupos políticos, há facções que adotaram métodos armados.

Espero que a nossa Justiça possa trazer os autos e fazer justiça. É um cidadão, mas é um cidadão que está no Brasil e que representa 10 anos de muita radicalidade na Itália. Espero que os nosso juízes, que a nossa Corte possa tomar uma decisão que engrandeça primeiro a soberania brasileira e depois o zelo com os autos de um cidadão italiano que está sendo acusado de crimes.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/02/2009 - Página 1825