Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comenta materias de jornais e parecer de juristas sobre o caso do italiano Cesare Battisti. (como Líder)

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • Comenta materias de jornais e parecer de juristas sobre o caso do italiano Cesare Battisti. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 10/02/2009 - Página 1059
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DEBATE, EXTRADIÇÃO, ESTRANGEIRO, PAIS ESTRANGEIRO, ITALIA, ACUSAÇÃO, CRIME POLITICO.
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DIVULGAÇÃO, PARECER, JURISTA, PROFESSOR, DEFESA, CONSTITUCIONALIDADE, MANUTENÇÃO, BRASIL, ESTRANGEIRO, PAIS ESTRANGEIRO, ITALIA, SITUAÇÃO, REFUGIADO, DEMONSTRAÇÃO, AUSENCIA, CULPA, HOMICIDIO, CRIME POLITICO, CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO ESTRANGEIRO, DESCUMPRIMENTO, LEGISLAÇÃO, AMBITO NACIONAL, EXPECTATIVA, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), SEMELHANÇA, DELIBERAÇÃO, TARSO GENRO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ).

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pela Liderança. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, felizmente, a imprensa brasileira começa a colocar informações mais completas sobre o caso relativo ao Sr. Cesare Battisti, que se encontra na Papuda com uma decisão favorável a que ele seja considerado, aqui no Brasil, como refugiado por decisão do Ministro Tarso Genro.

            Ainda ontem, o jornal O Estado de S. Paulo publicou a entrevista do Sr. José Luiz Del Roio, historiador e escritor ítalo-brasileiro, que foi membro do Senado Federal de 2006 até a metade de 2008. Foi um dos primeiros senadores eleitos por todos os brasileiros e latino-americanos neste continente. É muito importante. Foi Senador durante o Governo do ex-Premier Romano Prodi. E, até novembro passado, ele foi também parlamentar do Conselho Europeu em Estrasburgo. Ele coloca com muita clareza que a extradição de Cesare Battisti seria um erro.

            A Folha de S.Paulo também publicou uma matéria, com muito equilíbrio, ontem, colocando as opiniões de inúmeros juristas a respeito da decisão tomada pelo Ministro Tarso Genro. Entre os juristas consultados está o Professor Dalmo de Abreu Dallari. É de tal qualidade o parecer do Professor Dalmo de Abreu Dallari, enviado à Folha de S.Paulo, que gostaria de registrá-lo na íntegra, nos seguintes termos:

Analisei os termos das decisões dos tribunais italianos e, a partir dessa análise, tenho algumas conclusões. Em primeiro lugar, tanto na acusação quanto nos relatórios dos Tribunais e na parte decisória, afirma-se, expressa e reiteradamente, que Cesare Battisti participou de atividades criminosas com objetivos políticos. Com efeito, encontra-se, ali, expressamente, mais de dez vezes, a afirmação de que ele integrou um grupo que se formou e desenvolveu ações ‘al fine di sovvertire l'ordinamento dello Stato’. Na página 26 da decisão da Corte d’Assise di Milano, a afirmação dos objetivos políticos é ainda mais pormenorizada, dizendo-se, textualmente, que ele cometeu crimes de insurreição armada contra os poderes do Estado, de guerra civil e, ainda, por haver feito a apologia de tais delitos, como também por haver feito propaganda, no território do Estado, para a subversão violenta dos ordenamentos econômicos e sociais do próprio Estado, mediante a idealização, a realização e a difusão de um documento contra o Estado. Assim, pois, tanto os acusadores quanto os próprios tribunais italianos reconheceram e afirmaram a motivação política das ações de que Cesare Batistti participou, o que leva à qualificação de seus atos ilegais, que resultaram na sua condenação à prisão perpétua, como crimes políticos.

Ora, a Constituição de 1988 é clara e direta quando estabelece, no art. 5º, inciso LII, que ‘não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião’. Note-se que essa regra foi estabelecida pelos Constituintes, em 1988, cabendo às autoridades de hoje, tanto do Executivo quanto do Judiciário, respeitar e aplicar esse dispositivo constitucional. Uma decisão favorável ao pedido de extradição de Cesare Battisti, seja ela do Supremo Tribunal, seja do Presidente da República, será flagrantemente inconstitucional e caracterizará vergonhosa subserviência ao governo italiano, cujos interesses políticos terão anulado a soberania brasileira e a validade da Constituição.

A par disso, já houve uma decisão, por autoridade competente e atendidas rigorosamente as formalidade legais, reconhecendo que Cesare Battisti tem a condição de refugiado. Assinale-se que todo o processamento do pedido de refúgio foi baseado, com absoluto rigor, nas disposições da Lei Federal nº 9.474, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República Fernando Henrique Cardoso. Dispõe essa lei, no art. 33, que ‘o reconhecimento da condição de refugiado obstará o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão do refúgio’. Uma vez mais, as autoridades atuais, tanto o Presidente da República quanto o Supremo Tribunal Federal, estão constitucionalmente obrigadas a respeitar essa lei, dando cumprimento estrito e imediato às decisões regularmente tomadas com base em seus dispositivos. Assim, pois, existem dois obstáculos legais para a concessão da extradição de Cesare Battisti, que foi pedida e que agora vem sendo exigida, com atrevida, desrespeitosa e suspeita agressividade pelo Governo italiano.

Sendo o Brasil um estado democrático de Direito no qual vigora o princípio do devido processo legal, são absurdas e inconstitucionais a continuação do processo de extradição e a manutenção de Cesare Battisti num presídio, tendo por base exclusivamente o processo de extradição, cuja existência agora é ilegal.

A par desses pontos, o exame das decisões dos tribunais italianos deixa mais do que evidente que é falsa e injusta a qualificação de Cesare Battisti como um bandido sanguinário. Pelo que se verifica analisando o processo, não há uma única prova de que Cesare Battisti tenha atirado em alguém. Bem diferente disso, o que se tem são afirmações contidas nas “confissões premiadas” de arrependidos e, mesmo aí, insistindo na responsabilidade moral de Cesare Battisti pelos homicídios.

Pietro Mutti, o “arrependido premiado” em cujas acusações está a maior carga contra Battisti, diz que o grupo denominado Proletários Armados pelo Comunismo - PAC, foi constituído para combater o “pacto social”, que, segundo ele, era o conluio de autoridades do Estado com um grupo armado de extrema direita, que, sem nenhuma base legal, agia violentamente e impunemente contra os militantes da esquerda. Diz Mutti que, para enfrentar esse problema, definir os objetivos e estudar as modalidades de intervenção, constituiu-se, além de outras, uma comissão especial, da qual Cesare Battisti fez parte, atuando, assim, como um dos mentores intelectuais do grupo.

Nas conclusões do ato decisório do Tribunal de Apelação, está expresso que Battisti deveria ser condenado por “concurso moral” no homicídio Torregiani e por ser co-autor material do homicídio Sabbadin, por ter estado presente no cenário em que ocorreu esse homicídio. E acrescenta o Tribunal, falando da participação de Cesare Battisti nas ações do PAC: “Era membro importante da comissão do PAC que se ocupava ‘do pacto social’”. Embora sua participação não tenha sido determinante, foi relevante, na deliberação sobre os homicídios, por seu carisma de componente histórico do grupo e sua marcante personalidade operativa.

Obviamente, para um jurista, o recurso a meios armados para a obtenção de objetivos políticos é inaceitável. Entretanto, na avaliação do caso Battisti, é importante lembrar a circunstância de sua adesão ao grupo. Além de muito jovem, ele certamente foi influenciado pelo ambiente de violências em que estava mergulhada a Itália, nisso não se diferenciando os movimentos extremistas de esquerda e de direita. O caminho adotado por ele foi errado, o que certamente ele próprio assim considerou.

            Sr. Presidente, é preciso ainda...

(Interrupção do som.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Sr. Presidente, tendo em conta que meu tempo está por se encerrar, solicito que seja considerada a íntegra da exposição do parecer de Dalmo de Abreu Dallari. Peço a gentileza de assim ser considerado.

            Estou cada vez mais persuadido, estudando todos os aspectos desse processo, que a melhor decisão do Supremo Tribunal Federal será a de convalidar a decisão tomada pelo Ministro Tarso Genro.

            Voltarei a esse assunto nesta semana, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/02/2009 - Página 1059