Discurso durante a 11ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre o asilo político dado pelo Brasil ao italiano Cesare Battisti. Leitura de carta enviada pelo italiano Cesare Battisti à sociedade brasileira, entregue pelo Senador Eduardo Suplicy.

Autor
José Nery (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/PA)
Nome completo: José Nery Azevedo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS. POLITICA EXTERNA.:
  • Considerações sobre o asilo político dado pelo Brasil ao italiano Cesare Battisti. Leitura de carta enviada pelo italiano Cesare Battisti à sociedade brasileira, entregue pelo Senador Eduardo Suplicy.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 20/02/2009 - Página 3004
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • REGISTRO, GESTÃO, ORADOR, SENADOR, JUSTIÇA, SITUAÇÃO JURIDICA, RESPEITO, DIREITOS HUMANOS, PRISIONEIRO, ESTRANGEIRO, BUSCA, INFORMAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ITALIA, FRANÇA, ANTERIORIDADE, ASILO POLITICO, IMPORTANCIA, ESCLARECIMENTOS, INEXATIDÃO, DISCRIMINAÇÃO, IMPRENSA.
  • LEITURA, PARECER, JURISTA, CONSTITUCIONALIDADE, SOBERANIA, GOVERNO BRASILEIRO, ACOLHIMENTO, REFUGIADO, FUNDAMENTAÇÃO, ACORDO INTERNACIONAL, NEGAÇÃO, EXTRADIÇÃO, CRIME POLITICO.
  • LEITURA, TRECHO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, SEBASTIÃO NERY, JORNALISTA, EX-DEPUTADO, EXERCICIO, CARGO PUBLICO, EMBAIXADOR, PAIS ESTRANGEIRO, ITALIA, PERIODO, JUDICIARIO, COMBATE, CRIME ORGANIZADO, ESCLARECIMENTOS, PERSEGUIÇÃO, PRESO POLITICO.
  • LEITURA, CARTA, AUTORIA, PRESO POLITICO, PRISÃO, PENITENCIARIA, DISTRITO FEDERAL (DF), ENCAMINHAMENTO, EDUARDO SUPLICY, SENADOR, DESTINATARIO, POVO, INSTITUIÇÃO DEMOCRATICA, BRASIL, ESCLARECIMENTOS, FALSIFICAÇÃO, HISTORIA, PAIS ESTRANGEIRO, ITALIA, REPUDIO, CONDUTA, AUTORIDADE, GOVERNO ESTRANGEIRO, PERSEGUIÇÃO, AUTOR, TENTATIVA, OCULTAÇÃO, NAZISMO, ANTERIORIDADE, ATUAÇÃO, QUESTIONAMENTO, DIFERENÇA, TRATAMENTO, MANIPULAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA, EXPECTATIVA, JUSTIÇA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Senadora Serys Slhessarenko, Srs. Senadores e Srªs Senadoras, tenho procurado, juntamente com o Senador Eduardo Suplicy, com o Senador João Pedro, com outros Srs. Senadores e Srªs Senadoras e com setores da sociedade civil brasileira que atuam em defesa dos direitos humanos, fazer com que a situação jurídica do prisioneiro Cesare Battisti, detido desde 2007, primeiro na Polícia Federal e depois na Penitenciária da Papuda, em Brasília, seja tratada de forma honesta, justa, serena, sem paixões exacerbadas e desmedidas. Tenho buscado também ouvir todos os segmentos envolvidos, tanto na Itália como no Brasil e na França, países onde Cesare esteve asilado nos últimos anos, para formar uma opinião definitiva sobre o caso. Procurarei, no presente pronunciamento, jogar luz sobre esse acontecimento, e não ódio, preconceito e desinformação, como tenho lido em alguns jornais e revistas do País, que apostam mais no obscurantismo de um discurso retrógrado e ultrapassado, como se estivessem ainda nos anos de chumbo e de ditadura.

O ato de conceder asilo é um ato de soberania de um país. Vejo que alguns parlamentares, tanto na Câmara Federal como aqui no Senado da República, querem fazer letra morta dos dispositivos de nossa Constituição ao ignorarem o direito à obtenção do status de refugiado político a Cesare Battisti.

O Professor Doutor Dalmo de Abreu Dallari, um dos mais notáveis juristas de nosso País, produziu brilhante nota técnica em 25 de dezembro de 2008. Destaco aqui os principais argumentos:

1º. O direito à obtenção do status de refugiado tem fundamento, no Brasil, em acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário, bem como em disposições expressas da Constituição brasileira de 1988, que reafirmam a antiga e melhor tradição de país acolhedor, que dá abrigo e oportunidade de convivência pacífica e integração social a pessoas que, vindas de qualquer parte do mundo, são vítimas de perseguição ou sentem insegurança em seus países de origem, por motivos, convicções ou ações de natureza política.

2º. Ainda que formalmente enquadradas em disposições legais que definam como crimes as convicções ou ações dos solicitantes, isso não exclui a possibilidade jurídica da concessão de refúgio ou asilo, como também impede a extradição, se a conclusão for no sentido de que se trata de crime político.

3º. A decisão de conceder refúgio ou asilo é ato de soberania. Se alguém fizer uma solicitação dessa espécie a uma autoridade brasileira, caberá exclusivamente ao Brasil, com absoluta independência, decidir pela concessão ou negação do pedido. Isso é coerente com as relações jurídicas de cunho internacional, que devem ser pautadas pelo respeito recíproco entre os Estados e pelos preceitos jurídicos que regem as relações internacionais e as que se estabelecem no interior de cada Estado nacional. Assim como cada Estado tem o direito de ver respeitadas sua independência e soberania e sua ordem jurídica, todos têm o dever de respeitar esses mesmos valores quando integrantes do patrimônio jurídico fundamental dos demais Estados.

4º. O Brasil assinou declarações, pactos e tratados, comprometendo-se a dar abrigo aos perseguidos políticos, concedendo-lhes o status de refugiado ou o asilo político e impedindo a extradição quando o conjunto de circunstâncias evidenciar que se trata de perseguição política e haja elementos que justifiquem os temores do solicitante de abrigo quanto à sua vida, sua segurança e o respeito aos seus direitos fundamentais.

Cito também o artigo do jornalista, articulista Sebastião Néri, que foi Deputado Federal pelo PDT do Rio de Janeiro à época em que Leonel Brizola foi Governador, entre os anos de 83 e 86, e que, durante o governo do Presidente Collor de Mello, foi nomeado Embaixador do Brasil na Itália.

Conhecedor dos meandros da política italiana, o jornalista Sebastião Néri afirma em seu artigo que:

 

O Ministério Público e a Justiça enfrentaram a aliança satânica, que vinha desde 1945, no fim da guerra, entre a Democracia Cristã e a Máfia Italiana. Houve centenas de prisões, suicídios. Nunca antes a Máfia tinha sido tão encurralada e atingida. Responderam com bombas detonando carros de Procuradores e Juízes. Mas os grandes partidos políticos aliados (Democrata Cristão, Socialista, Liberal) explodiram. O Partido Comunista, conivente, se desintegrou (...). A Operação Mãos Limpas não teria havido se um empunhado de bravos jovens valentes e alucinados, das Brigadas Vermelhas e dos Proletários Armados pelo Comunismo (PAC) não tivessem enfrentado o Estado mafioso.

O Governo, desmoralizado, usava a máfia para eliminá-los. Eles reagiam. Houve mortos de lado a lado e prisões dos líderes intelectuais, como o filósofo De Negri, (asilado na França) e o romancista Cesare Battisti. Estava lá, vi, escrevi, acompanhei tudo.

São afirmações do jornalista Sebastião Nery, que é mais categórico ainda ao afirmar: “Foram eles, os jovens rebeldes das décadas de 70 e 80, que começaram a salvar a Itália. Se não se levantassem de armas nas mãos, a aliança entre a Democracia Cristã, o Partido Socialista, Liberais e Máfia estaria lá até hoje”.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Permite V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Concedo um aparte ao Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Caro Senador José Nery, V. Exª aqui toma uma postura de quem procurou saber a verdade completa da história de Cesare Battisti. Alguns de nossos colegas Senadores têm feito afirmações que não condizem inteiramente com a verdade comprovada dos fatos. Nós os respeitamos, mas avaliamos como muito importante que possam, inclusive, os Senadores ouvir as palavras do próprio Cesare Battisti. Eu já informei ao Senado que, no próximo dia 26, lerei uma carta de Cesare Battisti aos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Mas acaba de chegar às minhas mãos, neste instante, uma carta de Cesare Battisti, cujo conteúdo ele gostaria que fosse divulgado a toda a imprensa. Gostaria de pedir a atenção e a compreensão de V. Exª e da nossa Presidente, dada a relevância - inclusive, o Senador Papaléo Paes, que foi um dos que muito falou a respeito, certamente vai querer saber o que diz o próprio Cesare Battisti -, desta carta que acaba de me chegar. Veio da Papuda. É datada de hoje. Passo às mãos de V. Exª, para que possa ser feita a leitura. Eu mesmo não poderei ficar todo o tempo, senão perco o voo, pois tenho um compromisso urgente em São Paulo. Os estudantes e professores da Unisa me esperam para uma reunião que começou às 13 horas, e preciso estar lá. Acredito que esta carta tenha um grande valor. Ela é como uma introdução à carta que lerei aos Ministros do Supremo Tribunal Federal e que será entregue a eles pelo advogado Luís Eduardo Greenhalgh. Só quero fazer uma observação, inclusive ao Senador Demóstenes Torres, que, outro dia, aqui teve um...

(Interrupção do som.)

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - ...diálogo comigo. Quero dizer que não concordo com a adjetivação que ele fez em relação ao advogado e ex-Deputado Federal Luís Eduardo Greenhalgh. E quando estivermos juntos aqui, vou dizer das razões - porque conheço a sua história - por que acredito na integridade e seriedade dele, inclusive como advogado nessa questão. Passo às mãos de V. Exª esta importante carta de Cesare Battisti.

O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Senador Suplicy, V. Exª acaba de receber a carta de Cesare Battisti.

E solicito à Srª Presidente, Senadora Serys Slhessarenko, e, é claro, com a anuência do Plenário, das Srªs e dos Srs. Senadores que se encontram presentes, para abandonar o restante da leitura do meu pronunciamento e ler a carta de próprio punho, que vou tentar aqui ler. Gostaria de saber se seria possível V. Exª me conceder, com a mais ampla condescendência do Plenário, pelo menos mais dez minutos, porque são várias páginas. Vou tentar ler parte, para atender ao pedido do nosso companheiro de luta, Senador Eduardo Suplicy, que foi quem recebeu, neste momento, a carta vinda da Papuda, datada de hoje, dirigida ao povo brasileiro, ao Congresso Nacional, a todas as instituições. Depois, fazemos questão de que chegue às mãos de cada um dos Srs. Senadores e Deputados o teor da carta.

A SRª PRESIDENTE (Serys Slhessarenko. Bloco/PT - MT) - Senador Nery, há o problema de termos muitos inscritos, que estão me olhando atentamente.

O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Mas eu quero...

A SRª PRESIDENTE (Serys Slhessarenko. Bloco/PT - MT) - Concederei cinco minutos e peço a V. Exª que faça um esforço grande, sendo possível prorrogar um pouco mais. Leia muito rápido, Senador, por favor.

O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Vou tentar, mas faço um apelo também aos meus colegas, a todos os Srs. Senadores, que têm o justo direito de se pronunciar, e queremos ouvir a todos, mas, pela importância do tema, que tem dominado inclusive o debate aqui no Congresso Nacional, creio que todos nós temos interesse em conhecer a carta que passo a ler agora.

Brasília, 18 de fevereiro de 2009.

Por que eu?

Mesmo que eu nunca tenha acreditado, como disse Voltaire, que nós vivemos em um mundo onde se vive ou se morre “com as armas à mão”, a ironia do destino fez com que hoje, eu me encontre condenado por quatro homicídios. A minha situação é terrível. Eu fico amedrontado, desarmado, frente à hostilidade, ao ódio rancoroso que manifestam meus adversários. Eu sei que deveria lutar contra a avalanche de mentiras, de falsificação histórica, mas o que me faz falta para lançar-me na luta é o desejo de ganhar. Ganhar o quê?

Meus adversários, ao contrário de mim, parece que tem [sic.] algo a defender. Quem sabe a sua miséria ou riqueza ou, talvez, como no caso de alguns atuais ministros do Governo italiano, manter escondido o passado deles em quanto [sic.] ativistas de extrema direita (fascista), responsáveis direta ou indiretamente dos massacres à bomba. Eu não sei exatamente o que motiva meus adversários a entrar nesta luta, mas com certeza não é a sede de Justiça.

Da minha parte, eu não pretendo fazer-me o defensor de tudo o que aconteceu nos sangrentos anos 70. Estamos em pleno século XXI, não tenho mais verdades absolutas sobre a sociedade ideal, e eu não sou tão importante a ponto de defender o que de bom havia nos sonhos daqueles anos. Não posso jogar-me em uma guerra dessa. Eu diria mais, tampouco sou muito inteligente, ao ponto de criar tantos inimigos; se incomodei tantas pessoas importantes, isso foi sem dúvida o resultado de minha inconsciência.

A verdade é que não fiz nada para evitar tantos problemas, mas ainda fico por compreender, como fui capaz para conseguir resultados tão desastrosos. Resta, de todo modo, a questão: por que tanto ódio? Não é para esquivar-me, que eu me declaro incompetente e deixo a resposta para esta pergunta a pessoas mais inteligentes, àqueles que não acostumam assumir o papel de “anjos vingadores”.

Esta interminável perseguição e toda essa história dos anos 70 italianos, é uma longa agonia, um lamento de vergonha deitado sobre o papel amarelento dos justiceiros. Isto é, a expressão de um rosto corroído por uma doença nervosa, como um pecado original que macula o corpo político italiano. Coitada da Itália de Dante, até de Beccaria, de Bobbio e Umberto Eco. Coitada da pátria varrida pelo vento do orgulho, do cinismo e da vaidade que lhe impede de reconhecer os próprios erros, os próprios pecados, de não querer rebaixar-se ao nível desses países latino-americanos, admitindo corajosamente que também eles sofreram na mesma época uma guerra civil de baixa intensidade (ler as declarações do ex-Presidente da República, o senador Francesco Cossiga) e que para combatê-la recorreram a toda sorte de ilegalidade.

Além de dezenas de presos políticos enterrados vivos nas cadeias italianas, há centenas de outros refugiados no mundo inteiro. Temos aqui no Brasil o caso de um extraditando italiano pertencente a uma organização nazi-fascista e envolvido no atentado de Bologna, 82 mortos. Estranhamente, a Itália não faz menção [sic.] desse caso, não faz protestos nem chantagem ao povo Brasileiro. Por quê? Por que a Itália não agiu da mesma maneira quando Sarkozi negou a extradição de Marina Petrella da França e cuja situação penal supera de longe a minha?Por que esta obstinação feroz contra mim, enquanto não se fez nenhum protesto para a extradição negada dos outros quatro italianos também condenados por homicídio? Será que minha atividade de escritor e jornalista pode ser um perigo pela manipulação histórica daquela Itália governada pela máfia. Não sei.

O que é certo é que, com todos os esforços eu não consigo agir diante desses ataques virulentos contra mim. Não posso me identificar à imagem de mim que eles me devolvem e associar esse reflexo lamentável à minha identidade social. Podem continuar dizendo que eu sou um “terrorista”, “assassino”, etc., de todo modo, eu não consigo pensar em mim como alguém capaz sequer de um centésimo de tudo o que me atribuem.

É curioso observar a reação das pessoas que por alguma razão chegam a ter um contato comigo: agentes penitenciários, outros presos, visitas e até mesmo meus advogados. Logo nos primeiros minutos de conversa, leio nas suas expressões um “quê” de decepção, é como se estivessem pensando: “então é esse aí, o perigoso terrorista?” É justamente assim que as pessoas exclamam quando me encontro em situações simulares, frente àqueles que não conseguiram evitar o bombardeio midiático, principalmente da “imprensa marrom”, que tudo fazem na tentativa de interferir negativamente nas decisões judiciais.

Fico perplexo, surpreso e incomodado por tudo que estou provocando e, sem dúvida, acabo por parecer um pouco bobo, com ar distraído e até incrédulo ao ver que o sujeito em questão sou eu. Isso porque eu nunca tive sentimento quando se tratou de contestar as acusações, de agir pela minha própria defesa. Eu fico ainda com a impressão de que, restabelecendo a verdade histórica, os fatos, não faço outra coisa do que cumprir um dever cívico.

Eu gostaria de gritar a verdade ao povo italiano, mas como fazer isso? Pois a multidão manipulada se tornou linchadora e convencida sobre a nossa perdição. A fera que se esconde atrás da massa, de um sorriso de circunstância, de palavras vazias e que só espera a primeira oportunidade para revelar-se, eu a conheço bem. Já antes que me apontassem, em particular, eu sabia que uma hora ou outra chegaria meu tempo.

E eu deixei falar. Deixei me tratarem de assassino, ladrão, estuprador e muitas outras coisas. Eu deixei fazer tudo isso não por negligência ou por superioridade, ou ainda por me achar invulnerável a esses insultos ou porque gosto que falem de mim, bem ou mal que seja. Não, se eu não protestei vigorosamente contra tais obscenidades, é só porque de alguma maneira eu fico sendo um otimista. Inútil ter a consciência de que quando a multidão se reúne, fazem sempre contra alguém, esse mesmo que os há colocado de acordo desde o início. Esse alguém é a rejeição de uma molécula dessa multidão que geralmente algum dia o havia idolatrado.

Mesmo se nos meus raciocínios eu me levanto, com razão, contra os baixos instintos da multidão manipulada, ainda não perdi as esperanças de que uma luzinha pode de repente acender-se no meio dessa gente para trazê-las de volta ao mundo dos seres pensantes e dos espíritos livres.

Srª Presidente, vou ler mais um parágrafo e, infelizmente, vou interromper. E, depois, vou me comprometer, mesmo sem ter...

O SR. PAPALÉO PAES (PSDB - AP) - Senador, para não ficar um hiato, seria melhor que V. Exª completasse toda a carta.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Eu também acho que deve completar. Está muito importante e muito interessante.

A SRª PRESIDENTE (Serys Slhessarenko. Bloco/PT - MT) - Complete, Senador, com a aquiescência do Plenário.

O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Eu agradeço à Presidente, à manifestação dos Srs. Senadores Papaléo Paes e Pedro Simon, que, junto aos demais, pedem para que seja lida até o final a carta de Cesare Battisti.

Minha atitude pode parecer suicida, ao menos contraditória, mas esta é parte integrante da ideia que eu tenho das razões que me lançam na aventura de escrever.Pois é bem verdade que antes de ser transformado em monstro eu fui um escritor.

Enfim, as autoridades italianas de hoje me perseguem, como explicar isso, como explicar esta Itália, a mesma que transmitiu-me um dia o amor das palavras escritas, esse sonho de liberdade e de justiça social, que fez de mim um homem, e agora um pestilento? Como explicar essa Itália que esqueceu sua recente pobreza, seus imigrantes tratados como cachorros que morriam nas minas belgas, alemãs e francesas. Que esqueceu seus fascismos nunca enterrados, suas tentativas de golpe de estado, a máfia no poder, a estratégia da tensão, Gladio, as bombas do serviço secreto nas praças públicas, as torturas aos militantes comunistas, esses mesmos que, não obstante os erros, rasgaram sua vida para contribuir e fazer da Itália um país à altura da Europa e que hoje, 35 anos depois, são tratados de terroristas, e alguns deles apodrecem ainda nas “prisões especiais”.

Seria essa Itália, cujo chefe de governo foi um excelente membro da célebre Loggia P2, e que hoje decreta leis racistas. É esta a Itália que se recusa a lavar a sua roupa suja em público? De toda maneira, a história não se julga nos tribunais, nossos juízes só podem ser os que ainda virão lutando para uma sociedade justa. Pois somente eles nos julgarão imparcialmente.

A verdade dói, mas ela esclarece. Nossa história recente nos mostrou o erro e o engano da inquisição, fazendo com que cicatrizes jamais esquecidas devessem ser reparadas e assim reconhecessem os excessos cometidos diante da verdade singular imposta. De nada adianta varrer a sujeira para debaixo do tapete. Mais cedo ou mais tarde a sujeira vai aparecer.

Reconheço que fiz parte de uma página da história que foi escrita a sangue, suor e lágrimas; e espero que hoje meus adversários reconheçam que jamais os algozes ficaram sem sua paga. A história sempre se mostrou implacável com aqueles que tentam suplantar e esconder seus erros.

Vivemos uma era democrática. Barreiras e muros foram derrubados, conceitos foram revistos. Será que não chegou a hora da Itália mostrar seu lado cristão? Pois o perdão é um ato de nobreza. Se sou considerado inimigo da Itália, até os inimigos fazem trégua e se perdoam.

A história fez sua parte e proporcionou à Itália uma era de progresso e desenvolvimento. Espera-se que aqueles que fizeram da Itália a Itália de todos sejam reconhecidas a sua importância e o papel fundamental que tiveram no restabelecimento do Estado Democrático de Direito, ainda que não compreendidos, foram essenciais.

Itália, Itália, que mata o sonho dos teus filhos e fecha os olhos àqueles que te defenderam, nunca é tarde para um gesto de nobreza, a exemplo do Vaticano em reconhecer suas atividades durante a Inquisição. A caça às bruxas acabou. “Faça-se justiça, não depois de perecer o mundo, mas justamente para que ele não pereça”.

A sociedade sofre muito mais com a prisão de um inocente do que com a absolvição de um culpado.

Abraços aos brasileiros e brasileiras, Cesare Battisti.

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/02/2009 - Página 3004