Discurso durante a 28ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Crítica à forma como vem sendo aplicada, pelo Governo Federal, a chamada Lei de Inclusão Escolar, em prejuízo das pessoas com deficiência.

Autor
Flávio Arns (PT - Partido dos Trabalhadores/PR)
Nome completo: Flávio José Arns
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO. POLITICA SOCIAL.:
  • Crítica à forma como vem sendo aplicada, pelo Governo Federal, a chamada Lei de Inclusão Escolar, em prejuízo das pessoas com deficiência.
Aparteantes
Augusto Botelho.
Publicação
Publicação no DSF de 18/03/2009 - Página 5696
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • LEITURA, CORRESPONDENCIA, CIDADÃO, ESTADO DE RORAIMA (RR), CRITICA, GOVERNO ESTADUAL, ENCERRAMENTO, FUNCIONAMENTO, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, ATENDIMENTO, PESSOA PORTADORA DE DEFICIENCIA, REDUÇÃO, AUXILIO, POPULAÇÃO, DIFICULDADE, APRENDIZAGEM.
  • CRITICA, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), CRITERIOS, OBRIGAÇÃO, INCLUSÃO, PESSOA PORTADORA DE DEFICIENCIA, ESCOLA PUBLICA, IMPOSSIBILIDADE, DECISÃO, FAMILIA, COMENTARIO, GARANTIA, LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL, DIREITOS, PESSOA DEFICIENTE, MATRICULA, ENSINO ESPECIAL, SITUAÇÃO, AUSENCIA, ADAPTAÇÃO, REGULARIDADE, ENSINO.
  • DEFESA, DEBATE, SUBCOMISSÃO, COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS (CAS), COMISSÃO DE EDUCAÇÃO, CRITERIOS, INCLUSÃO, PESSOA PORTADORA DE DEFICIENCIA, REGULARIDADE, ENSINO, POSSIBILIDADE, OCORRENCIA, VALORIZAÇÃO, INDEPENDENCIA, PESSOA DEFICIENTE.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco/PT - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, eu gostaria, para fundamentar o que pretendo falar, de ler uma carta que recebi de uma pessoa do Estado de Roraima, Estado do nosso amigo Senador Augusto Botelho, também do Senador Mozarildo Cavalcanti e do Senador Romero Jucá. Tomo a liberdade, inclusive, de colocar o nome da pessoa, porque o Senador Augusto, que o conhece pessoalmente, e bem, disse que não haveria problemas nesse sentido, até porque a causa que ele vem defendendo é uma das mais nobres relacionadas à cidadania de seu filho e de tantas pessoas pelo Brasil.

Ele escreveu o seguinte para mim:

Meu nome é Francisco José Pinto de Macedo, tenho um filho de 14 anos, portador da Síndrome do Autismo Infantil, residimos em Boa Vista, Capital de Roraima.

Neste distante rincão nada temos para assistir os nossos filhos portadores de necessidades especiais.

Atualmente, o meu filho frequenta uma Escola de Educação Especial, pública, aqui em Boa Vista, e os profissionais que ali trabalham mesmo sem as devidas condições fazem de tudo para atender aos pequenos que ali freqüentam, mesmo com as dificuldades que o senhor já conhece.

Pois bem, foi aprovado nesse congresso a Lei de inclusão escolar.

Com base nesta Legislação, o Governo do Estado transformou a Escola de educação Especial em Centro de Atendimento e, como tal, não comporta o atendimento que vinha sendo feito quando Escola de Educação Especial.

Estamos sendo obrigados a pegar nossas crianças, sem qualquer preparo e matriculá-las na Rede Pública de ensino, pois o Estado de Roraima não dispõe de nada que possa atendê-los, isto na rede pública ou privada.

Meu filho, em particular, e creio que 90% das demais crianças ficarão sem qualquer assistência, e o pior de tudo, Senador, é que Roraima sequer possui uma APAE que possa nos confortar.

PELO AMOR DE DEUS, SENADOR, AJUDE AS NOSSAS CRIANÇAS.

MESMO NÃO SENDO SENADOR POR RORAIMA, NOS AJUDE.

Roraima tem um grande Senador que está aqui presente, que é o Senador Augusto Botelho, além dos Senadores Mozarildo Cavalcanti e Romero Jucá.

Quero dizer ao Dr. Francisco - pegando sua carta, como motivação para a minha fala - que esse infelizmente é um dos grandes retrocessos pelos quais o Brasil passa nesta área de atendimento da pessoa com deficiência. Quando pensamos na pessoa com deficiência, pensamos em todas elas: deficiência intelectual, auditiva, física, visual, paralisia cerebral, autismo, transtorno global de desenvolvimento, distúrbio de conduta, distúrbio de comportamento, surdo-cegueira, deficiências múltiplas - por exemplo, intelectual, visual e auditiva concomitantes.

Nessa área da pessoa com deficiência, a postura do nosso Ministério da Educação, que tanta coisa positiva vem fazendo no Brasil nos últimos anos, é, infelizmente, eu diria, xiita, fundamentalista, radical, o que jamais deveria acontecer na educação. As pessoas orientam, inclusive, eu diria, com um sentimento de rancor e de ódio - o que significa naturalmente falha de caráter -, repito, orientam o Brasil inteiro no sentido de dizer: todas as crianças, todas, sem pensar no caso específico que o Dr. Francisco coloca, todas têm de estar na classe comum. Não se admite mais, de acordo com a opinião do Ministério da Educação, das pessoas que atuam nessa área, não se pode ter nenhum atendimento em Apae, em escola especial, em Pestalozzi, porque já vem com um sentimento negativo, rancoroso, dizendo: é segregador, é assistencialista. Não se admite mais que isso aconteça.

Então, a gente chega diante do caso concreto. O que uma criança de 14 anos de idade, um adolescente de 14 anos de idade, que poderia estar nessa situação ou em outra situação, que não controla, por exemplo, os esfíncteres, ou seja, em palavras bem concretas, ainda faz as suas necessidades não no banheiro, o que essa criança, esse jovem precisa em termos de educação? A gente diria: precisa de uma educação para a independência, para a liberdade, para participar, para a família poder incluí-la, de uma maneira mais adequada, na própria vida da família, da comunidade. Esse é o processo de educação, educação para a independência. O que faríamos com uma criança com essa necessidade se tem 15 anos? Como colocaríamos um jovem desses no 1º ano do Ensino Médio, aprendendo física, química, biologia? Essa é a necessidade desse jovem? Claro que não. As necessidades são muito diferentes. São necessidades de acordo com o seu desenvolvimento. No mundo inteiro se diz que quando temos uma dúvida nesta área temos de falar com a família, perguntar para a família o que é importante para o desenvolvimento de seu filho. Perguntar para a própria pessoa com deficiência o que ela acha, de que ela precisa. E se perguntarmos para a pessoa com deficiência se ela gosta de ir para a escola especial, onde ela tem os amigos, onde ela participa, onde ela é bem atendida, onde ela é amada, em termos de escola especial boa... Se perguntamos para a criança se ela gosta da escola, ela diz: “Eu amo a escola”. A família costuma dizer que a criança fica doente quando não tem a escola especial. E esta é uma escola especial, autorizada pela Secretaria de Educação, autorizada pela legislação.

Quero até dizer ao Dr. Francisco, que é advogado e pai, como eu sou pai também, que a nossa legislação é muito clara. A LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação; o Estatuto da Criança e do Adolescente; a Constituição Federal diz que a criança tem de estar preferencialmente na classe comum. Isso significa que toda criança que tenha condições de estar na classe comum tem de estar. Esse é o grande desejo nosso.

Mas há muitas crianças, muitos jovens, muitos adultos que nem têm necessidades tão específicas de desenvolvimento que outras alternativas têm de ser criadas. E a LDB fala isto: outras alternativas como a escola especial. A LDB é clara. Ela diz exatamente isso. Outras alternativas têm de ser criadas como, por exemplo, programas especiais na escola comum ou escola especial, desde que a criança, o jovem e o adulto precisem desse tipo de atendimento.

Então, a lei que foi aprovada aqui no Congresso é uma lei boa, uma lei que atende essas particularidades; que valoriza a opinião da família; que valoriza a opinião da pessoa com deficiência; que diz que nós queremos qualidade; que a criança tem de estar na classe comum. Não precisa necessariamente estar na escola especial, mas a escola especial é algo legal, possível. O que não é bom, o que tem de ser...

(Interrupção do som.)

O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco/PT - PR) - ...extirpado da nossa realidade é a interpretação equivocada, errônea, rancorosa contra a educação, que jamais deveria estar acontecendo na nossa realidade democrática de liberdade, que é a interpretação de algumas pessoas do MEC, que, infelizmente, têm esse tipo de atitude, que na verdade está causando esse prejuízo, esse mal, essa falta de sensibilidade, de humanidade, de solidariedade, de competência em relação à pessoa com deficiência.

Isso é que tem de ser extirpado; isso é que é ilegal, isso é que é danoso, que é desumano e que não deveria estar acontecendo.

Eu pediria só mais um minuto a V. Exª.

Eu até costumo dizer que nunca, nunca na história deste País, os pais de pessoas com deficiência, as pessoas com deficiência foram tão penalizadas como neste período de Governo. Falo isso com tristeza porque sou pai, sou do Partido dos Trabalhadores. E nós temos de, na verdade, reverter essa situação. Dizer: Olhe, chega de incompetência! Chega de falta de humanidade! Chega de falta de sensibilidade, porque o Brasil não mais admite isso! Vamos retirar, fazer todo o possível para que essas ideias, que não fazem parte da nossa realidade, deixem de existir e, com isso, a pessoa com deficiência e sua família possam ser perfeitamente valorizadas.

Se V. Exª permitir, eu só daria...

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Eu lhe dou mais três minutos. V. Exª fala com a indignação pelo sofrimento que as crianças que precisam de tratamento especial estão a merecer. 

O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco/PT - RS) - Eu gostaria, Sr. Presidente, de conceder aparte ao Senador Augusto Botelho, que é do Estado, que conhece a situação específica. Mas eu gostaria, assim, que nós pensássemos que é uma situação específica, mas que nos leva a um drama que acontece no Brasil inteiro e que não precisaria existir. Fossem as pessoas que coordenam esse processo, no MEC, sensíveis, competentes e solidárias, o que não são. E, infelizmente, no Brasil, as famílias, os jovens, as crianças vêm sofrendo, sendo penalizadas por esse tipo de postura xiita, fundamentalista, que não deveria existir na nossa realidade. 

O Sr. Augusto Botelho (Bloco/PT - RR) - Senador Flávio Arns, realmente foi bom V. Exª ter recebido esse e-mail do Dr. Francisco. Ele já tinha conversado comigo a respeito disto, neste fim de semana, em Roraima, a extinção da nossa escola especial. Lá em Roraima são 180 alunos que frequentam aquela escola. É lógico que todo pai que tem o filho na escola especial quer que seu filho vá para a escola que a gente diz não especial, mas padrão, comum.

O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco/PT - PR) - É.

O Sr. Augusto Botelho (Bloco/PT - RR) - Todos querem isso. Mas há pessoas que não podem ir para lá. Eu sou médico, Senador. Sei como é que são essas coisas. Acompanho as famílias com seus dramas. Dr. Francisco trouxe isso, levou para mim também sobre a escola e eu gostaria de sugerir a V. Exª que a gente fizesse uma audiência lá na Comissão de Educação, para ver isso logo, porque essas escolas estão sendo fechadas e o Governador tomou essa atitude baseado na orientação do Ministério da Educação. E, para essa pessoa de escola especial, coisas que não parecem outras coisas para as escolas comuns... Por exemplo, a pessoa fazer necessidades especiais individualmente sem precisar de ajuda quando já está na adolescência, ou quando tem 7, 8, 10 anos, isso nas escolas especiais não acontece com a maioria dos alunos. Existem algumas alterações também físicas que coexistem com alterações mentais, e dificilmente vão permitir que esse aluno seja enquadrado numa aula normal. E a professora? Está preparada para cuidar desses alunos? Ela sabe cuidar de alunos especiais? Nem se fale em aluno especial com doença grave, com casos mais graves, mais acentuados. Mas os mais leves? Elas têm dificuldade de lidar. É claro que a convivência junto com os outros alunos é boa para esses alunos, mas para os que têm condições de conviver com eles. Mas, para os que não têm condições de controlar os seus esfíncteres, que fazem necessidade na roupa, é uma coisa muito complexa, muito degradante, muito ruim. Provavelmente, as crianças vão voltar para casa e não poderão frequentar mais as escolas. Mas eu aproveito também para relatar um fato que aconteceu comigo no hospital. Eu fui fazer uma visita a um amigo meu, padre, que estava sendo operado e fui levado por uma família a visitar uma pessoa portadora de necessidade especial, com deficiência mental não muito grave, mas razoável. Eu comecei a conversar com ela e perguntei: “Você está achando ruim ficar aqui no hospital?” Ela disse: “Não, eu não estou achando ruim. O que eu estou achando ruim é não ir para a minha aula, para a minha escola”. Como V. Exª, depois, no início da história. Eles gostam daquela convivência, eles sabem viver ali. Então, sentem falta da escola. Eu acho que nós temos de tentar reverter esse negócio, fazer uma discussão, trazer para cá e ver o que pode ser feito, porque, como o Governador já está preparando para extinguir a nossa escola e transformar em um centro de referência, de acolhimento, de tratamento, nós temos de evitar que nos outros Estados ocorra o mesmo, senão vamos ter um problema grave. Como V. Exª falou, que as pessoas portadoras de deficiência estão sofrendo com essas atitudes que estão ocorrendo na área da educação. Muito obrigado, Senador.

O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco/PT - RR) - Eu agradeço a V. Exª.

Para concluir, Sr. Presidente, eu quero dizer que a sugestão do Senador Augusto Botelho pode ser concretizada na Subcomissão Permanente de Assuntos Sociais da Pessoa com Deficiência, na Comissão de Assuntos Sociais, e, no fundo, dizermos para todos os pais e familiares e para todas as pessoas com deficiência que nos ouvem que escrevam para o Senado Federal, para a Comissão de Educação, para a Comissão de Assuntos Sociais, para a subcomissão permanente. Vamos fazer, sim, este debate, para termos novos rumos no Brasil, para nos afastarmos dos rumos atuais do Ministério da Educação e criarmos novos rumos que garantam cidadania, dignidade, participação...

(Interrupção do som.)

O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco/PT - PR) - ... e vida plena, com direitos respeitados, inclusive o direito, Senador Augusto Botelho e Senador Mão Santa, da pessoa de ser diferente.

Quando tivermos alguma dúvida, não perguntemos a um especialista o que ele acha. Vamos perguntar para o maior especialista, que é a pessoa com deficiência. Por que não perguntar para ela se ela gosta da escola, se vem para a escola, se se sente bem, se está se desenvolvendo? Para a família também. Vamos ajudar para que as escolas todas, sejam especiais ou não, apresentem um ensino, cada vez mais, de qualidade.

Agradeço, Sr. Presidente, pela tolerância. Sei que V. Exª é extremamente sensível para este e para tantos outros temas.

Obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/03/2009 - Página 5696