Discurso durante a 28ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Manifestação acerca da demarcação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, ao ensejo da retomada do julgamento da ação, pelo Supremo Tribunal Federal.

Autor
Augusto Botelho (PT - Partido dos Trabalhadores/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Manifestação acerca da demarcação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, ao ensejo da retomada do julgamento da ação, pelo Supremo Tribunal Federal.
Publicação
Publicação no DSF de 18/03/2009 - Página 5699
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • EXPECTATIVA, JULGAMENTO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), DEFESA, MANUTENÇÃO, PEQUENO PRODUTOR RURAL, HABITANTE, REGIÃO, CRITICA, INSUFICIENCIA, INDENIZAÇÃO, INEXISTENCIA, AUXILIO, ASSENTAMENTO RURAL, FAMILIA, PRODUTOR RURAL.
  • DETALHAMENTO, EFEITO, DEMARCAÇÃO, EXTENSÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), ESPECIFICAÇÃO, EXTINÇÃO, VILA, AUXILIO, COMUNIDADE INDIGENA, POSSIBILIDADE, CONFLITO, DIFERENÇA, GRUPO INDIGENA, APREENSÃO, OCORRENCIA, JURISPRUDENCIA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. AUGUSTO BOTELHO (Bloco/PR - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Sr. Presidente.

Sr. Presidente Mão Santa, Srªs e Srs. Senadores, Senador Flávio, a nossa Apae já está pronta no papel, mas falta deslanchar. Convidei V. Exª para ir ao Estado a fim de começarmos a fazê-la andar. Certamente, neste ano, nós faremos isso, Senador.

O que me traz aqui hoje é que, amanhã, o Supremo Tribunal Federal vai retomar o julgamento da constitucionalidade da demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, uma ação de minha autoria. Movi essa ação porque o sentimento da maioria das pessoas que vive na Raposa Serra do Sol é de que a demarcação não deveria ser dessa forma.

No meu Estado, existe uma injustiça feita com as pessoas, que começou em 1970, quando da demarcação das áreas indígenas. Todas as pessoas retiradas das áreas indígenas tinham a promessa de uma indenização justa e de um reassentamento em uma área para continuar a sua vida de agricultura. E essas pessoas não estão sendo atendidas nem foram atendidas durante todo esse tempo. Agora, no Governo Lula, é que algumas foram reassentadas num assentamento chamado Nova Amazônia. Mas essas pessoas também estão em condições precárias e ainda não receberam as indenizações a que têm direito - poucas pessoas foram reassentadas.

A retomada do julgamento deve iniciar-se às 9 horas da manhã com o voto do Ministro Marco Aurélio de Mello. Em dezembro do ano passado, Marco Aurélio pediu vista do processo quando já tinham sido proferidos oito votos favoráveis à manutenção da demarcação contínua nos termos da homologação feita pelo Governo Federal em abril de 2005. Ainda tenho esperança de que a retomada do julgamento faça justiça ao povo de Roraima, principalmente os que foram retirados de suas casas na implantação das 33 áreas feitas no meu Estado.

Como representante de Roraima, carrego a responsabilidade de defender os interesses de minha gente e reafirmo, com segurança, que a homologação da reserva Raposa Serra do Sol da forma que está não é da vontade da maioria dos brasileiros que lá habitam, porque também vão extinguir cinco vilas que existem e que surgiram naturalmente. Foram vilas que apareceram nesses últimos 200 anos. Mas as pessoas vão ser postas para fora dessas vilas e elas vão se extinguir. É nessas vilas que os indígenas compram seus gêneros alimentícios. É lá que eles procuram condução para ir à cidade para receber aposentadoria. Tem velhinhos que viajam dois dias a pé para chegar a uma vila, na Água Fria, para de lá pegar uma condução para ir receber a sua aposentadoria. Se essa vila se extinguir, não vai mais haver condução. Vai ser um grande sofrimento para essas pessoas.

Como já disse várias vezes aqui desta tribuna, nem eu nem as pessoas do meu Estado somos contra a demarcação de terra para os indígenas. Nem em Roraima nem em qualquer lugar do Brasil. Nós sabemos que é um direito líquido e certo para os povos indígenas, de acordo com a Constituição de 88.

Todos sabem que a demarcação da Raposa Serra do Sol de forma contínua afetará profundamente a vida dos índios e dos não índios de Roraima. Sei, porque convivo diariamente com os dramas que essas pessoas estão enfrentando, que a demarcação da Raposa Serra do Sol como está compromete a vida de muitas famílias, de índios e não índios, de gente que vive naquelas terras há milênios e há mais de cem anos, como os agricultores e os pequenos produtores.

Aqui, represento e defendo o pequeno agricultor, que está trabalhando em sua propriedade há mais de 30, 40 anos. Esses pequenos agricultores têm recebido do Governo um tratamento injusto. São retirados das terras onde construíram suas vidas sem receber uma indenização justa. Se a maioria dos Ministros do STF mantiver o entendimento inicial, terão de deixar parte da área de 1,7 milhão de hectares, onde vivem 18 etnias dos índios Macuxis, Wapixanas, Patamonas, Ingarikós e Taurepangs, um grupo de produtores de arroz e de aproximadamente 50 famílias de agricultores não índios, que permaneceram em suas posses por não concordar com o valor das indenizações oferecidas pela Fundação Nacional do Índio.

Outro erro da demarcação contínua é não definir as áreas que pertencem a cada etnia, a cada comunidade. Eu temo que na minha região, no meu Estado, daqui há quinze, vinte, trinta anos, ocorra o que acontece hoje na África, onde as etnias ficam brigando, tentando extinguir uma a outra, fazendo carnificina e provocando mortes.

Sr. Presidente Mão Santa, apesar de já formada uma maioria a favor da demarcação contínua da reserva, com dezoito condições a serem respeitadas pelos dezenove mil índios das cinco etnias, espero que a conclusão do julgamento, amanhã, com o voto-vista do Ministro Marco Aurélio, provoque novos debates no Plenário do Supremo Tribunal Federal.

Ainda faltam votar o Ministro Marco Aurélio, o Ministro Celso de Mello e Gilmar Mendes, atual Presidente do STF. Sr. Presidente Mão Santa, faço um apelo para que mesmo os Ministros que já manifestaram seus votos atentem aos novos argumentos do Ministro Marco Aurélio, que certamente terá em seu voto uma nova posição. Tenho esperança que os Ministros que já votaram sejam sensibilizados e possam até mesmo mudar o voto pois ainda não está eliminada, pelo menos tecnicamente, a possibilidade de uma decisão pela permanência dos não índios na Raposa Serra do Sol.

O julgamento foi iniciado em 27 de agosto de 2008 e suspenso inicialmente por um pedido de vista do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito. No primeiro semestre do ano passado, uma operação da Polícia Federal esteve prestes a ser deflagrada para retirada à força dos não índios. À época, pontes de acesso à terra indígena foram destruídas e uma base de resistência foi montada na Vila surumu pelos que se negavam a deixar a reserva.

Uma liminar do STF evitou o confronto, pois proibiu a retirada de qualquer morador da área até a decisão final na Justiça. Essa decisão, Senador Paulo Duque e Senador Eduardo Azeredo, está prestes a ser tomada.

Sabemos que a decisão do STF servirá de parâmetro para todo e qualquer processo demarcatório de terras indígenas no Brasil. Por isso, a importância desse julgamento se agiganta, já que o que for decidido também afetará outros Estados brasileiros. Pode afetar inclusive decisões já tomadas anteriormente a respeito dessa questão.

Um parêntese faço aqui para lembrar que existe uma filosofia, um pensamento antropológico de ampliar as áreas indígenas já existentes, de emendar as áreas existentes. Em Mato Grosso, então, existe um estudo, um projeto, uma idéia de fazer uma área de treze milhões de hectares. Vai criar uma convulsão social, um problema social, e não vai resolver o problema dos indígenas, porque, quando são demarcadas as áreas, os índios são deixados à própria sorte. Todas as áreas demarcadas em Roraima se encontram nessa condição. Cito bem o exemplo de São Marcos, onde os indígenas só escapam porque fazem descaminho de gasolina da Venezuela. Compram gasolina na Venezuela e vendem nas suas aldeias para quem for comprar lá. Isso ocorre porque não foi tomada uma outra atitude, não foi dada uma outra posição para eles conseguirem viver com dignidade. Para o número de índios existentes no lavrar dessas áreas que estão sendo discutidas, são áreas que não têm praticamente floresta nenhuma. São áreas de cerrado, um cerrado mais pobre do que o cerrado aqui do Centro-Oeste. E viver da caça e da pesca é impossível, primeiro, porque eles já estão acostumados a viver como a nossa maneira de viver; segundo, porque não há caça e pesca para sustentar 18 mil índios nessa área.

Sr. Presidente, confio na serenidade dos guardiões de nossa Constituição, confio na neutralidade e compromisso dos Ministro com o bem coletivo e com as futuras gerações. Nas mãos do STF está o futuro de parte da gente do meu Estado de Roraima, mas mãos do STF está o futuro centenas de milhares de cidadãos e cidadãs deste Brasil todo, que juntos, a despeito das divergências e preferências, contribuem para o sentido único de nação que é o nosso Brasil.

Era o que eu tinha a dizer, Presidente Mão Santa.

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/03/2009 - Página 5699