Discurso durante a 31ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Efeitos da crise econômica mundial. O analfabetismo e o desemprego no Brasil.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • Efeitos da crise econômica mundial. O analfabetismo e o desemprego no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 21/03/2009 - Página 5951
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • DIFERENÇA, PREVISÃO, GOVERNO, GRAVIDADE, CRISE, ECONOMIA, AVALIAÇÃO, DADOS, PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB), RENDA PER CAPITA, RISCOS, RECESSÃO, APREENSÃO, CRESCIMENTO, DESPESA, INCONSTITUCIONALIDADE, COMPARAÇÃO, RECEITA, DESCUMPRIMENTO, COMPROMISSO, GASTOS PUBLICOS.
  • ANALISE, INEFICACIA, PROVIDENCIA, AUXILIO, BANCOS, SETOR, PRODUÇÃO, NECESSIDADE, ATENÇÃO, MEIO AMBIENTE, EMPREGO, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, CONCLAMAÇÃO, CRIATIVIDADE, CRIAÇÃO, COMBATE, ANALFABETISMO, APLICAÇÃO DE RECURSOS, AQUISIÇÃO, COMPUTADOR, ESCOLA PUBLICA, INCENTIVO, INDUSTRIA AUTOMOBILISTICA, ONIBUS, TRANSPORTE URBANO, TRANSPORTE ESCOLAR, AMBULANCIA, VIATURA MILITAR, COMENTARIO, ATUAÇÃO, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA).
  • GRAVIDADE, DESVALORIZAÇÃO, PROFESSOR, BRASIL, NECESSIDADE, AUMENTO, SALARIO, COBRANÇA, QUALIDADE, ENSINO, PROMOÇÃO, DESENVOLVIMENTO.
  • SUGESTÃO, POLITICA EXTERNA, BRASIL, LIDERANÇA, PROPOSTA, AJUSTE, MODELO, ECONOMIA INTERNACIONAL, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, FINANÇAS, ORDEM ECONOMICA E SOCIAL, ECOLOGIA, PROPOSIÇÃO, PLANO, RECUPERAÇÃO, MUNDO, PRIORIDADE, EDUCAÇÃO, SAUDE, IGUALDADE, ATENDIMENTO, TERCEIRO MUNDO, PRIMEIRO MUNDO.
  • COBRANÇA, CRIATIVIDADE, COMISSÃO, SENADO, ACOMPANHAMENTO, CRISE, CONCLAMAÇÃO, SENADOR, COMPLEMENTAÇÃO, TRABALHO, BUSCA, ALTERNATIVA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, eu havia pedido um aparte ao Senador Mão Santa, que provavelmente não me viu. Eu queria, de fato, lembrar o seu discurso de - creio - há mais de um ano, em que alertava para o risco que passava a economia brasileira diante do endividamento dos compradores de automóveis, daqueles que tinham que pagar hipoteca. Creio que V. Exª foi o primeiro a levantar aqui esse risco. E eu lhe sugiro, Senador Mão Santa, trazer seu discurso e lê-lo aqui. Traga seu discurso e leia-o, senão na íntegra, uma parte.

Ainda em relação ao pronunciamento do Senador Mão Santa, quero dizer que, de fato, D. Pedro II, mais de uma vez, disse que gostaria de ser professor e Senador. Mas o Senado precisa fazer uma reflexão se hoje ele diria isso ou se ele iria querer esperar mais alguns anos.

Se cairmos na visão pessimista de alguns que põem esta Casa como uma tragédia, Senadora, estaremos errados. Isso aqui ainda é a Casa que ajuda a manter, como um verdadeiro pilar, a democracia no Brasil. Todos os pecados e erros que cometamos aqui, cada um de nós, é menor que a importância desta Casa. Esta Casa é muito maior do que cada um de nós, com todas as nossas falhas. Mas a gente tem que sempre refletir onde é que erramos, para que, de repente... Não vejo jovens, neste País, dizerem que querem ser Senadores, mas, de fato, Dom Pedro dizia isso.

Mas quero falar hoje, também, na linha do Senador Mão Santa, sobre a crise econômica e tentar trazer uma sugestão para o Governo e para nós. Hoje, pelos jornais, dá para perceber que a marolinha virou uma crise. Aquilo que o Presidente Lula disse há uns seis meses, ou seja, que aqui a crise chegaria como uma marolinha, como uma pequena onda, e não como um tsunami, não se verificou, e, sim, o contrário: a marolinha é uma grave crise.

Pelas projeções que foram apresentadas hoje nos jornais, a crise ainda não é uma recessão de redução do produto. Ainda se apresenta o produto com a possibilidade de crescer 2%. Mas quero trazer aqui, Senador, os riscos desses 2%.

O primeiro risco é que, quando a gente fala 2%, a gente diz quanto vai crescer o produto, mas, na verdade, a gente esquece que a população também cresce. Você tem que diminuir do crescimento do produto o crescimento da população para saber se cada brasileiro ficou melhor ou pior. O produto crescendo menos do que o crescimento da população, ainda que crescendo, os brasileiros ficam mais pobres. É claro que a gente não cresce, necessariamente, a 2%, mas estão muito próximas a taxa de crescimento prevista para o produto e a taxa de crescimento da população, fazendo com que, de fato, já haja um estancamento do crescimento e até mesmo uma depressão per capita. Essa é a primeira preocupação.

Não acreditem apenas no número que indica o crescimento do produto; sempre comparem com o indicador do crescimento da população. O que vale, na economia, é se o produto per capita, o produto por pessoa cresce ou não. O produto geral não basta para a gente saber se o país está melhorando ou não.

Segundo, tudo isso é uma projeção, e as projeções carregam uma tendência. E a tendência que está aí é de que serão puxados para baixo esses 2%. Pelo que a gente está analisando, pelo que se vê, os 2%, como uma projeção para o futuro, carregam um peso, e não um balão levantado. O risco, muito sério, é de que esses 2% caiam e possam chegar abaixo de zero, como uma verdadeira, nítida e explícita recessão, depressão; não apenas por causa da taxa de crescimento da população, mas por uma redução, por uma taxa negativa do crescimento do produto. Há esse risco, e temos que nos preocupar com isso.

Mas há mais preocupações, Senador Mão Santa. É a preocupação, mais de uma, de que o crescimento do produto não é o mesmo que o crescimento da receita, na mesma proporção. O produto pode crescer 2% e a receita não crescer os 2%. Mas, mesmo supondo, não é aí que a gente vê a análise correta. A gente tem que comparar os 2% do PIB. Se os 2% do PIB corresponderem a 2% da receita, a gente tem que comparar com quanto crescem as despesas. E, no Brasil, as despesas estão crescendo a mais de 2%.

Se as despesas crescerem a mais de 2%, o produto crescer a 2% e trazer com ele a receita - quanto entra no Governo... Porque é preciso, às vezes, lembrar: o produto é tudo que é produzido no país, a receita é quanto disso vai para o governo; a despesa é quanto o governo gasta. Se a despesa é maior do que a receita do Governo, nós aí vamos ter um grande problema, até porque, no Brasil, a maior parte da receita é amarrada, até mesmo na Constituição.

O Governo ficará inconstitucional se não conseguir cumprir com os compromissos definidos na Constituição, e aí teremos uma crise econômica que se transformará numa crise constitucional. Aí, sim, vai começar a ficar grave.

Porque quando o Governo mandar medidas de ajustes, pode não passar, porque vai precisar de um número de votos maior do que as puras e simples leis. E mais ainda: os ajustes não poderão ser feitos por medidas provisórias, teriam que ser feitos, alguns deles, por reformas constitucionais.

Não teria dificuldade o Governo de conseguir as 27 assinaturas necessárias para dar entrada num projeto de reforma da constituição, mas terá muita dificuldade em conseguir o número de votos necessários para fazer essas reformas, sobretudo porque elas virão em prejuízo dos servidores públicos e dos serviços sociais, que não vão querer parar os investimentos do PAC; vão querer parar o salário dos trabalhadores.

Então, essa preocupação tem que ficar por trás.

Primeiro, os 2% são otimistas. Há uma tendência de ser menos. Segundo, mesmo esses 2%, quando comparados com o crescimento da nossa população, indicam que não haverá um enriquecimento de cada brasileiro. Terceiro, esse crescimento do PIB, mesmo levando a um aumento da receita em 2%, poderá não permitir que haja o cumprimento dos compromissos dos gastos públicos, a não ser que o Governo queira aumentar a carga fiscal, Senador Mão Santa, o que já é absolutamente impossível do ponto de vista técnico e do ponto de vista político, sobretudo em um momento de crise econômica, em que a tendência dos governos é reduzir a carga fiscal. Por aí, a gente já vê que o Brasil atravessa um momento muito mais grave do que a mídia, do que o Presidente e do que nós, Senadores, estamos passando.

Mas não para aí a minha preocupação. A minha preocupação - talvez a maior de todas - é com a forma como essa crise está sendo entendida, como se fosse algo apenas dos bancos, algo apenas do setor produtivo. Não é. Essa crise é mais complexa, porque ela engloba o lado financeiro, o lado produtivo, o lado social e o lado ecológico. E a gente tem que trabalhar com a seriedade que essa complexidade exige. Acabou o tempo em que, se a gente tinha uma crise de venda de automóveis, aumentava o dinheiro na praça, as pessoas compravam automóveis, o emprego voltava e aí a crise acabava. Não é mais assim.

Primeiro porque, se a gente joga dinheiro na praça e as pessoas compram carros, hoje, cada vez mais, os carros são produzidos com menos trabalhadores, e a crise está obrigando o setor industrial a se adaptar, a reduzir o número de servidores. Parte das demissões não são por causa da crise, são por causa da modernização que leva a que as coisas sejam produzidas hoje, cada vez mais, com menos pessoas trabalhando; cada vez mais, com mais máquinas inteligentes. Isso tem tudo a ver com uma ideia de saída que vou propor.

Nós não temos uma correlação direta entre a solução da crise financeira e a retomada do crescimento, ainda menos a retomada do crescimento e a retomada do emprego. Já é um problema.

Tem outro: hoje, aumentar a produção significa aumentar a crise ecológica, significa gerar mais dióxido de carbono na atmosfera, significa aumentar mais o aquecimento global, elevar o nível dos mares, desarticular o clima; portanto, desarticular o sistema agrícola, que produz alimentos no Brasil e no mundo.

Não podemos imaginar a saída pelo aumento da produção ao mesmo tempo em que a gente provoca um aumento do aquecimento global. Temos que trabalhar essas duas coisas juntas. E isso é o que a gente não está vendo. Não estamos tendo a visão global dos problemas. Retomar o crescimento não é suficiente para reduzir a desigualdade e reduzir o impacto ambiental que o sistema produtivo hoje provoca sobre a natureza.

Não estamos trabalhando juntos. Estamos separando as coisas, estamos separando até mesmo o financeiro do produtivo, achando que as finanças resolverão o crescimento. Não resolvem necessariamente, e o crescimento pode trazer outros problemas; pode agravar a concentração de renda e pode agravar a crise ecológica.

Diante disso, alguns podem pensar: “estamos perdidos, não temos saída”. Ao contrário, Senador Pedro Simon: a gente pode encontrar nesta crise a inspiração para resolver os outros problemas que a sociedade enfrenta. Por exemplo, há um grande desemprego neste País. O governo joga dinheiro e mais dinheiro para tentar criar emprego, vendendo mais automóveis, mais aparelhos de ar-condicionado, mais produtos sofisticados. Se quiséssemos erradicar o analfabetismo no Brasil em quatro anos, criaríamos 100 mil empregos. E pergunto: qual indústria, qual setor econômico neste País é capaz de produzir 100 mil empregos? Aí, afirma-se: mas é o Governo que pagaria. Mas não é o Governo que está pagando para recuperar as indústrias? Não é o Governo que está jogando dinheiro no sistema financeiro para aumentar as vendas de automóveis e de outros produtos suntuosos?

Por que a gente não vai direto aonde está o problema? E casam-se dois problemas: o analfabetismo e o desemprego. E esses dois problemas se somam se anulando, como duas pessoas solitárias. Duas pessoas solitárias, quando se encontram, acaba a solidão de ambas. A gente pode colocar juntos os dois problemas, e eles se anularem.

Existe neste País uma crise educacional profunda. Os professores ganham pouco e são mal preparados, e não são dedicados. Por que não pode, em vez de aumentar a demanda por meio de mais dinheiro para vender mais automóveis, com a ilusão de que isso vai gerar mais emprego, aumentar os salários dos professores diretamente e, com isso, aumenta a demanda, ao mesmo tempo em que se resolve o problema educacional?

Queremos jogar mais dinheiro no centro financeiro para vender mais computadores. Por que não se compram diretamente esses computadores para as escolas, Senadora Lúcia Vânia? Queremos vender mais automóveis para as pessoas individualmente. Por que a gente não financia as indústrias de automóvel para que elas se reciclem e produzam ônibus de que este País precisa? E produzam ambulâncias de que este País precisa? E produzam carro para a polícia de que, lamentavelmente, este País precisa? E produzam transportes escolares de que este País precisa?

Você junta dois problemas, e eles se anulam. Claro que, da mesma forma que duas pessoas solitárias, para se encontrarem, alguém tem que pagar o lanche, tem que pagar o trago ou até coisas mais avançadas hoje em dia, o Governo vai ter que pagar. Mas ele está pagando, só que de forma equivocada, baseado no sistema que, nos anos 1930 se chamava de keynesianismo: o Governo põe dinheiro, contratando pessoas para cavar buraco de manhã, e outros para tapar o buraco de tarde, para que, no outro dia, os mesmos venham cavar o buraco, e os outros venham tapar; mas eles, contratados para isso, vão comprar sapato, vão comprar roupa e, com isso, dinamizam a indústria.

Em vez de tapar buraco e cavar buraco, construamos escolas. É a mesma lógica, só que sai da venda do produto privado para a criação do produto público: a escola; e, com esse produto público criado, gerar a demanda que permitirá aos empregados comprarem os produtos privados para suas famílias.

Essa é uma saída diferente.

Por que a gente resiste em praticar essa saída? Pelo vício de pensar sempre da mesma forma, pelo conservadorismo como os economistas enfrentam os problemas e como os governantes vão atrás deles; pela falta de uma liderança que tome a frente e diga: “Esta não é saída que quero. Tragam-me outra”. Obviamente que seja tecnicamente correta, mas que seja outra.

O Presidente Roosevelt, nos Estados Unidos, fez isso há 80 anos. Ele não pegou as soluções tradicionais dos economistas, que eram chamadas de ortodoxia do valor do dólar comparado ao ouro, e disse: “Vamos manter assim que a crise sai sozinha”. Não! Ele manipulou o valor do dólar como proporção do ouro; e, ao fazer isso, ele gerava demanda como queria.

Quantos livros escritos sobre isso! Ele liderou os economistas, mas isso faz 80 anos e foi em outro país. Foi num país onde os bens públicos sociais já existiam em quantidade. Bastava criar renda para vender os produtos privados, diferentemente do Brasil. A taxa de analfabetismo já era muito pequena. Não dava para ele contratar alfabetizadores como forma de gerar demanda. Escola já havia para quase todos; não havia como ele investir na educação.

Hoje, 80 anos depois, o Presidente Obama está dando um salto em relação àquela visão tradicional do keynesianismo de apenas aumentar a demanda. Dos US$800 bilhões que o Presidente está jogando no mercado, quase US$200 bilhões estão indo para o sistema educacional americano, mas não só para melhorar o sistema educacional, mas para poder, por meio disso, gerar demanda para os bens que as escolas compram; e, com isso, dinamizar a economia.

Serão novas escolas construídas nos Estados Unidos, novos equipamentos comprados, novas cadeiras compradas, e, com isso, melhorará a economia. Há uma política de melhorar o próprio salário do professor. E, diga-se de passagem - fazendo um parêntese Senador -, só isso justificava aqui um debate.

Fiz a comparação de quanto vale um professor no Brasil e nos Estados Unidos em relação a outras profissões. Comparando um ministro da Suprema Corte americana com professores, ele vale - o Ministro da Suprema Corte - quatro professores; no Brasil, vale 40. Comparando um parlamentar com um professor, nos Estados Unidos, ele vale três; e nós valemos 25.

Não tem futuro um País como este! Ele está tentando rever isso, aumentando a demanda que os professores exercem sobre a economia através de melhoria salarial, mas vinculada à qualidade, porque só jogar dinheiro no bolso do professor aumenta a compra desse professor no mercado, mas não melhora a educação. Só melhora a educação se esse dinheiro for revertido em qualidade educacional, exigindo mais formação do professor, mais dedicação do professor e melhores notas dos alunos, vinculando, inclusive, os incentivos dados aos professores aos resultados que esses professores conseguirão nas salas de aula. Não será dinheiro grátis, Senador Pedro Simon; será um dinheiro a mais de salário ao professor, mas vinculado ao resultado que ele conseguir na sua escola; não ele, individualmente, mas à sua escola, seu conjunto.

         Pois bem, Sr.Presidente, concluindo, quero insistir no fato de que o Presidente Lula precisa assumir duas lideranças: a primeira é uma liderança nacional, no sentido de dizer: “Não quero uma saída puramente econômica. Quero uma saída que seja capaz de ver toda a complexidade da nossa crise, a parte financeira, a parte econômica produtiva, a parte social da desigualdade e a parte ecológica.” Obviamente, mantendo a democracia. Mas, além disso, acho que o Presidente poderia ter uma liderança adicional. É uma liderança além das fronteiras do Brasil: contando seus 6 anos de Governo; seu comportamento; a colaboração estreita com o Ministro Celso Amorim, que, a meu ver, é o único Ministro que conseguiu dar uma inflexão para a esquerda no Governo Lula. Todos os outros são iguais ao passado, apenas fazendo mais, apenas mais generoso no social, apenas mais competente um pouco na economia, apenas mais aglutinador na política mas sem inflexão. A política externa deu uma inflexão.

Pois bem. Essa dupla hoje - Celso Amorim e Luiz Inácio Lula da Silva - poderia trazer para o mundo a ideia de que está na hora de refazer o que foi feito em 1945. Em 1955, passada a Guerra, ainda sob o efeito da crise de 1929 - que diminuiu entre 1929 e 1945 por causa da Guerra porque o que eu proponho, aqui, de transformar e transformar nem digo mas de ajustar a indústria de automóveis para fazer ônibus, nos Estados Unidos fizeram para fazer tanques de guerra porque havia uma Guerra. Felizmente, não temos guerra. Façamos transportes escolares, ambulâncias, carros para a polícia.

Pois bem. Em 1955, terminada a Guerra, a crise voltaria. Houve uma grande reunião num lugar chamado Bretton Woods, de onde surgiu tudo o que a gente tem até hoje do sistema financeiro, do sistema econômico. Todos esses bancos internacionais e o FMI surgiram naquele momento, numa reunião em Bretton Woods.

Está na hora de um novo Bretton Woods, mas um Bretton Woods diferente em duas coisas: primeiro, na globalização do mundo inteiro, a globalização geográfica, comercial, econômica. Segundo, na globalização temática. Não um Bretton Woods para estudar finanças e economia, mas um Bretton Woods para pensar nas finanças, na economia, no social e no ecológico juntos. É aí que a gente vai encontrar uma saída sustentável e não uma saída provisória, como se está procurando.

A segunda idéia é que essa mesma convocação faça, mais uma vez, o que se fez há quase 80 anos, mas diferente. Em 45, portanto não são 80 anos, se fez o chamado Plano Marshall. O governo americano colocou dinheiro para recuperar a Europa destruída. Essa recuperação se espalhou pelo mundo, gerando um impacto econômico positivo. Está na hora de o mundo inteiro - e a proposta poderia sair do Brasil, sim, da figura do Presidente, do Ministro das Relações Exteriores - fazer um novo Plano Marshall, só que, agora, não pode ser só para a recuperação das indústrias, como foi feito o anterior na Europa. Tem de ser um Plano Marshall que pense no social também, que faça com que a educação na África, de cada criança, receba recursos do mundo inteiro, para que essas crianças possam estudar lá como estudam as crianças na Europa. Tem de ser um Programa Marshall para ajudar que o atendimento médico no mundo inteiro possa ser equivalente, porque a vida de uma pessoa não pode continuar, como hoje, sendo tratada com valor diferente se nasce nos Estados Unidos ou se nasce na África. Se nasce numa família rica brasileira ou se nasce numa família pobre brasileira, hoje, a vida tem valores nitidamente diferentes. Seria um Plano Marshall para recuperar a ecologia em crise, seria um Plano Marshall global, para um mundo global.

Eu creio que o Presidente Lula poderia fazer uma convocação desse tipo. A palavra certa não é convocação, porque seria muito arrogante. Não tem condições um País como o Brasil de fazer uma convocação. Nem os Estados Unidos, hoje, têm, mas essa sugestão poderia ter sido feita agora, quando se encontrou com o Presidente Obama. Deixasse que ele, que é o Presidente de um país muito mais poderoso, tomasse a iniciativa até, dizendo que recebeu a sugestão do Presidente do Brasil.

Está na hora de partir de nós algo ousado para o mundo inteiro, mas isso não vai colar se a gente fizer uma proposta para o mundo sem executar aqui o que a gente propõe para o resto do mundo. E é aí que toda a qualificação do Presidente Lula, toda a história desses últimos anos morre, porque aqui não está tentando, e se não está tentando aqui, não proponha para o mundo inteiro.

Por isso, de tudo isso eu concluo e creio que o primeiro passo era, aqui dentro, começarmos a procurar uma saída que não fique só nas finanças, que não vá apenas até a economia, que incorpore a dimensão social, que incorpore a dimensão ecológica. Insisto que está na hora de esta Casa fazer esse trabalho, se o Poder Executivo não tomar a iniciativa.

O Presidente Sarney fez uma Comissão, mas a sensação que eu tenho é que essa Comissão, com todo o respeito aos membros, não será nem um pouquinho imaginativa. Poderá até ser muito competente, mas restrita ao aspecto financeiro e econômico. Não dá para ter uma Comissão, no Brasil de hoje, prisioneira apenas das finanças e da economia. Se der certo, fracassará dentro de alguns meses ou dentro de alguns anos.

Quem sabe alguns de nós não se atrevem a criar uma Comissão paralela nesta Casa. Deixem que a do Presidente Sarney trabalhe. A gente elabora uma proposta desse tipo e até submete a essa Comissão oficial do Presidente Sarney, mas, por favor, que o Senado não caia na mesma falta de compromissos com os outros problemas brasileiros, na mesma falta de imaginação dos técnicos brasileiros que aprisionam os nossos Governos.

Vamos procurar uma saída que componha as finanças com a economia, com o social e com o ecológico. É aí que a gente não apenas vai sair da crise, mas é aí que a gente vai usar a crise como instrumento para sair do sistema em que a gente está, porque todos estão trabalhando como se fosse uma crise no sistema, mas é uma crise do sistema, e a saída para uma crise no sistema é diferente da saída de uma crise do sistema.

Está-se tentando baixar a febre em vez de querer curar o doente, Senador Mão Santa. Com essa metáfora médica, eu termino. O problema brasileiro não é a febre, é uma doença muito mais profunda no modelo, no sistema de desenvolvimento econômico que nós estamos implantando desde os anos 30.

Está na hora de o Brasil fazer a sua inflexão outra vez, como fez em 30. Getúlio não retirou o Brasil da crise apenas porque colocou mais dinheiro nos bancos, mas, sim, porque transformou este País agrícola e rural em um País urbano e industrial. Está na hora de darmos uma inflexão. Essa inflexão, para aqueles que estranharam porque eu não falei, ainda, de educação, será fazendo do Brasil um País produtor da indústria de conhecimento. Isso só vem pela educação.

Eu lamento, pois faço tudo para fugir da nota só da economia e da educação, mas não consigo, porque, na verdade, essa não é uma nota só, essa é a nota base dessa grande sinfonia que seria a Nação brasileira se ela fosse harmônica, se ela não fosse tão desigual, tão destruidora do meio ambiente e tão instável na sua economia.

Nós temos tempo, nós temos pessoas, nós temos capacidade, nós temos lideranças. Falta sair da mesmice e buscar o novo. Esse seria o grande desafio. Vamos sair da crise buscando o novo e não sair da crise indo em direção à parte velha de uma economia, de um sistema, de um modelo que entrou em falência e não apenas em crise.

É isso, Senador Mão Santa, que eu tinha para colocar, tentando - como o senhor mesmo há pouco - refletir um pouco sobre o que a gente vive e tentando refletir sobre nossa responsabilidade neste momento. Ficarmos alheios, neste momento, é muito mais do que uma omissão, é um crime contra a história do Brasil e contra a imagem desta Casa, quando, daqui a alguns anos, historiadores forem ver o que a gente fez e descobrirem que passamos o tempo todo enrolados em escândalos, em vez de escandalizar o Brasil e o mundo com uma proposta nova, diferente, alternativa, revolucionária. O Brasil está precisando de uma revolução e não apenas de um PAC.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/03/2009 - Página 5951