Discurso durante a 34ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração dos 45 anos da Campanha da Fraternidade.

Autor
José Nery (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/PA)
Nome completo: José Nery Azevedo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. IGREJA CATOLICA. SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Comemoração dos 45 anos da Campanha da Fraternidade.
Publicação
Publicação no DSF de 26/03/2009 - Página 6564
Assunto
Outros > HOMENAGEM. IGREJA CATOLICA. SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, AUTORIDADE, PRESENÇA, SESSÃO ESPECIAL, HOMENAGEM, ANIVERSARIO, CRIAÇÃO, CAMPANHA DA FRATERNIDADE, IMPORTANCIA, PROPOSTA, DEBATE, PAZ, VINCULAÇÃO, JUSTIÇA.
  • IMPORTANCIA, IGREJA CATOLICA, IGREJA EVANGELICA, CONVITE, DEBATE, DENUNCIA, CRIME, OFENSA, ETICA, ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, CONCLAMAÇÃO, COMBATE, CORRUPÇÃO, IMPUNIDADE, ESPECIFICAÇÃO, CLASSE POLITICA, QUESTIONAMENTO, SISTEMA PENITENCIARIO, LEGISLAÇÃO PENAL, BUSCA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, ORIGEM, VIOLENCIA.
  • DEFESA, EXTINÇÃO, PRIVILEGIO, AUTORIDADE, FORO, JULGAMENTO, APRESENTAÇÃO, DADOS, NUMERO, PRESO, CARATER PROVISORIO, ATRASO, EXAME, CONTRADIÇÃO, LIBERAÇÃO, BANQUEIRO, CRIME DO COLARINHO BRANCO.
  • APRESENTAÇÃO, SOLIDARIEDADE, SENADOR, COMENTARIO, VISITA, SENADO, DELEGAÇÃO, VITIMA, PERSEGUIÇÃO, INJUSTIÇA, ACUSAÇÃO, DESVIO, CONDUTA, MOTIVO, OPERAÇÃO, POLICIA FEDERAL, CRIME DO COLARINHO BRANCO, PRISÃO, BANQUEIRO.
  • DENUNCIA, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, ESTADO DO PARA (PA), TRABALHO ESCRAVO, VIOLENCIA, CAMPO, EXPLORAÇÃO SEXUAL, MENOR, DESRESPEITO, DIREITOS HUMANOS, POLICIA MILITAR, EXECUÇÃO, TORTURA, CRIMINOSO.
  • LEITURA, TRECHO, TEXTO, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), COBRANÇA, APLICAÇÃO, CODIGO PENAL, PRISÃO, EMPREGADOR, TRABALHO ESCRAVO, AMPLIAÇÃO, COMBATE, CRIME.
  • EXPECTATIVA, APROVAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, PREVISÃO, DESAPROPRIAÇÃO, TERRAS, OCORRENCIA, TRABALHO ESCRAVO.
  • HOMENAGEM, HELDER CAMARA, BISPO, INICIATIVA, CRIAÇÃO, CAMPANHA DA FRATERNIDADE, IMPORTANCIA, REPARAÇÃO, PERSEGUIÇÃO, NATUREZA POLITICA, PERIODO, DITADURA, REGIME MILITAR.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Exmº Sr. Presidente Marconi Perillo; saúdo, com enorme satisfação, Dom Lorenzo Baldisseri, Núncio Apostólico do Brasil; saúdo a CNBB na pessoa de Dom Dimas Lara Barbosa, bispo do Rio de Janeiro, que hoje é o Secretário-Geral da CNBB; Srs. Senadores, Srªs Senadoras, representantes de entidades da sociedade civil, representantes do corpo diplomático em Brasília, Srs. representantes de demais igrejas cristãs, Monge Sato, da Igreja Budista, e representantes de outras denominações aqui presentes nesta sessão especial do Senado Federal, destinada a comemorar os 45 anos da Campanha da Fraternidade e, ao mesmo tempo, a realizarmos aqui uma reflexão sobre o tema da Campanha em 2009, “Fraternidade e Segurança Pública”, acompanhado do lema “A paz é fruto da justiça”.

O objetivo geral da Campanha da Fraternidade de 2009 é suscitar o debate sobre a segurança pública e contribuir para a promoção da cultura da paz nas pessoas, na família, na comunidade e na sociedade, a fim de que todos se empenhem efetivamente na conjunção da justiça social que seja a garantia de segurança para todos e todas.

Destaco aqui três objetivos específicos da Campanha da Fraternidade deste ano. O primeiro é denunciar a gravidade dos crimes contra a ética, a economia e as gestões públicas, assim como a injustiça presente nos institutos da prisão especial, do foro privilegiado e da imunidade parlamentar para crimes comuns ou, como seria mais adequado dizer, não imunidade parlamentar, Dom Dimas, mas impunidade parlamentar.

Com esse objetivo, a Igreja, ou melhor, as igrejas cristãs, capitaneadas pela CNBB, conclamam a sociedade brasileira a não considerar normal e aceitável a corrupção endêmica vivenciada em nosso País, onde banqueiros corruptos são tratados com salamaleques e delegados e investigadores são tratados como criminosos.

Chamo a atenção para a necessidade de ser revisto o foro privilegiado para autoridades, que, na verdade, tem-se constituído e tem sido usado como um poderoso instrumento de incentivo à impunidade.

E, neste sentido, Sr. Presidente, Srs. Senadores, ilustres convidados, há poucos minutos, recebemos aqui no Senado Federal a visita do delegado Protógenes Queiroz, que foi recebido em meu gabinete, juntamente com a Comissão de Srs. Senadores, Senador Suplicy, Senador Simon, Senador Inácio Arruda, vários Srs. Deputados e Deputadas Federais, para tomarmos conhecimento dos últimos eventos que envolvem a operação Satiagraha, que levou à prisão do banqueiro Daniel Dantas. E, hoje, o principal investigador, o delegado Protógenes, em vez de ser apoiado na sua luta como servidor público no cumprimento de sua missão legal e constitucional de apurar crimes, especialmente aqueles de colarinho branco, que envolvem pessoas poderosas, em vez de a investigação Satiagraha orientar-se, caminhar no seu foco principal que seria a identificação dos crimes de Daniel Dantas - lavagem de dinheiro, crimes financeiros e toda a ordem de saques que motivaram aquela operação Satiagraha -, não se fala mais na punição dos crimes de Daniel Dantas. Fala-se, com muita propriedade, todos os dias, na imprensa nacional, na mídia nacional, sobre eventuais desvios de conduta do delegado Protógenes, na condução do processo de investigação policial.

Para mim, isso é uma demonstração de como há, de forma surpreendente, meu caro Presidente, Senador Marconi Perillo, a inversão de valores em fatos tão graves como esse, em que o investigador passa a ser o investigado e o criminoso. Inclusive, no âmbito da CPI dos Grampos, que ocorre aqui na Casa ao lado, na Câmara dos Deputados, o delegado Protógenes será ouvido no dia 1º de abril, e há uma ameaça de que ele poderia sair de lá preso.

Mas a reunião que fizemos há pouco em meu gabinete com a comissão de Senadores e Deputados e Deputadas, tratamos exatamente de tomar algumas medidas de solidariedade e de acompanhamento daquele depoimento no dia 1º, para denunciar essa inversão de valores e buscar a justiça e a verdade, que é o que nos move na nossa luta contra a corrupção e a violência em nosso País.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras e convidados, tenho de lembrar a situação do meu Estado do Pará, que registra os maiores índices de trabalho escravo e de violência no campo e onde as maiores cidades estão definitivamente colocadas entre as cidades brasileiras com maiores índices de criminalidade e violência. A exploração sexual de crianças e adolescentes na capital e no interior - como, de resto, ocorre em todos os Estados brasileiros - é um dos sinais exteriores do menosprezo aos direitos humanos, inclusive aos mais elementares direitos econômicos e sociais. Esses dramas sociais e humanos comuns no País inteiro, generalizados e marcantes na conjuntura nacional, parecem encontrar no Pará uma espécie de campo ainda mais fértil para se exacerbarem.

O segundo objetivo da Campanha da Fraternidade, promovida pelas Igrejas cristãs do Brasil, diz respeito à denúncia da “predominância do modelo punitivo presente no sistema penal brasileiro”, enxergando nele a expressão de mera vingança. Basta olhar para o nosso sistema prisional, totalmente falido e inadequado para reincorporar infratores no convívio social.

Quero lembrar que há no Brasil mais de 400 mil presos. Desses, algo em torno de 120 mil são presos provisórios que estão a reclamar do Poder Judiciário as medidas necessárias para livrá-los da prisão. Esses 120 mil aprisionados, com justa insatisfação e com justa indignação, cobram aquela mesma pressa, audácia e firmeza do Poder Judiciário que ficou evidente na atuação do Sr. Presidente do Supremo Tribunal Federal ao libertar e ao tirar da cadeia, em menos de 48 horas, um banqueiro acusado de vários crimes contra a Administração, crimes financeiros, crimes dos mais graves.

Pedimos, então, essa isonomia de tratamento entre presos de colarinho branco e os milhares de presos provisórios, pobres, humilhados, que têm o mesmo direito ao julgamento dos crimes ou da situação em que são investigados. Esses não-sentenciados, justamente, cobram tratamento isonômico para que a justiça de fato aconteça, para que não sejam os mais pobres sempre a pagar pela falta de estrutura, de correção, de atenção, já que eles são vítimas de uma sistema de miséria, pobreza e opressão que se vai reproduzindo ao longo do tempo em nossos 500 anos de história.

Esta sessão especial de hoje tem de ser um motivo importante para a nossa reflexão, para a nossa orientação e para as nossas exigências. Brasil com justiça significa atenção aos mais pobres, aos excluídos e aos desempregados, para que essa escalada da violência não se reproduza e, inclusive, não se reproduza naquilo que podemos chamar de violência institucional, quando os organismos da sociedade legalmente constituídos para combater a impunidade e a violência muitas vezes são omissos, incapazes de responder aos mais justos reclamos da consciência dos cidadãos mais simples, mais pobres, daqueles que querem um Brasil mais justo.

Portanto, esta sessão especial é um bom momento para tornar públicas as denúncias das entidades de defesa dos direitos humanos e da própria Ouvidoria de Segurança Pública do Estado do Pará sobre o recrudescimento das práticas de tortura e execução sumária de supostos criminosos comuns por autoridades policiais militares em bairros pobres da capital e de cidades da região metropolitana de Belém e do interior do Estado do Pará.

Em 2008, foram feitas cerca de 800 denúncias de crimes praticados por integrantes da Polícia Militar, dos quais 75 casos de tortura e 38 de homicídio. Somente nas duas primeiras semanas de janeiro do corrente ano, foram registrados nove casos de execução pela chamada Ronda Tática Metropolitana (Rotam).

O terceiro objetivo merece uma reflexão mais detida de todos nós. A intenção da CNBB e das igrejas cristãs do Brasil é “desenvolver ações que visam à superação das causas e dos fatores da insegurança”. É justamente o que mais precisamos fazer em nosso País, ou seja, enfrentar as causas geradoras da violência.

Nosso País tem progredido, mas esse progresso é acessível para poucos cidadãos. Os milhões de desempregados, os milhões de sem-terra e sem- teto não participam da repartição das riquezas. A luta contra a pobreza ainda é enfrentada com medidas paliativas.

A atual crise econômica mundial já chegou ao Brasil com toda força destrutiva que possui. Teve o mérito de desmascarar os limites da política econômica vigente, ancorada na concessão de ações paliativas aos mais pobres e na manutenção dos lucros e benesses dos poderosos, especialmente os detentores de títulos públicos brasileiros.

Sr. Presidente, requeiro que meu pronunciamento seja considerado na íntegra tendo em vista o tempo para que possamos escutar com muita atenção todos os demais oradores desta sessão. Mas eu queria ainda me referir a um aspecto muito importante considerado na Campanha da Fraternidade de 2009, um assunto a que venho me dedicando diuturnamente nesta Casa e que aparece no texto-base da Campanha. Trata-se das observações relativas ao combate e à luta contra a escravidão contemporânea.

Diz a CNBB no texto-base:

A escravidão contemporânea no Brasil se manifesta, muitas vezes, pela existência de uma dívida contraída pelo trabalhador com gastos de transporte até o local do trabalho, compra de alimentos e ferramentas de trabalho, dívida que não pode ser paga nas condições que o próprio trabalho oferece. Esse problema nunca foi enfrentado adequadamente pelos governos, que geralmente agem de forma pontual, libertando escravizados, interceptando o tráfico de pessoas, multando empresas pela violação das leis trabalhistas, mas muito raramente utilizam medidas de direito penal.

É bom lembrar que, apesar de o nosso Código Penal prever penas de prisão e de o Ministério Público haver impetrado ações penais, não há, no Brasil, nenhum escravagista contemporâneo preso. Nos últimos 13 anos, 33 mil brasileiros foram libertados da condição de escravos contemporâneos, mas nenhum escravagista está preso, pagando pelos crimes que cometeu. Isso, por si só, denuncia a necessidade e a urgência de leis mais efetivas para combater o trabalho escravo.

E faço uma ressalva: há avanços significativos nessa luta. Algumas políticas e algumas ações têm sido feitas, especialmente pelo Ministério do Trabalho, que merecem o nosso reconhecimento e são dignas de nota. Mas é preciso avançar muito mais, inclusive aproveitando aqui para solicitar à Câmara dos Deputados que aprove imediatamente a PEC nº 438, de 2001, de autoria do ex-Senador Ademir Andrade, do PSB do Estado do Pará, que prevê a expropriação das terras, propriedades e bens onde for constatada a prática criminosa do trabalho escravo.

Por último, Sr. Presidente, ao homenagear os 45 anos da Campanha da Fraternidade no Brasil, iniciada em 1964, o ano da escuridão política, do regime militar, das prisões ilegais, da violência institucionalizada, em que o Estado era - e foi - o principal agente da violência. Foi naquele período, pelas idéias e ação, que um dos mais eminentes bispos da Igreja do nosso País, Dom Hélder Pessoa Câmara, foi o motivador da primeira Campanha da Fraternidade, em 1964. De lá até hoje, todos os temas da Campanha da Fraternidade, todos os anos, têm feito o Brasil refletir, pensar e agir na busca da construção de uma sociedade de paz, onde reine a justiça e contra todo o tipo de exclusão e violência.

Homenageamos Dom Hélder Câmara nesta data, Sr. Presidente, ele que deveria ter recebido, em 1970, 1971, 1972, o prêmio maior de Embaixador da Paz, representando nosso País. Dom Hélder foi impedido de receber o Prêmio Nobel da Paz em três anos consecutivos por atuação, de forma subterrânea e criminosa, do Brasil, através da embaixada brasileira em Oslo, pela articulação do Governo militar, que contou com o apoio de setor da imprensa brasileira, que, inclusive, promoveu a vinda ao País de representantes da Noruega para falar aqui, criando as condições para que o prêmio não fosse concedido a ele durante três anos consecutivos.

Sr. Presidente, sei que exagerei no tempo, mas o senhor haverá de compreender. Na semana passada, participei, na Assembléia Legislativa do Estado do Ceará, de uma homenagem pelos 100 anos de nascimento de Dom Hélder Câmara, que nasceu a 7 de fevereiro de 1907. Dizia aos Deputados estaduais, naquela ocasião, que aquela homenagem representava, em primeiro lugar, um ato de desagravo pelas acusações, infâmias e perseguições de que Dom Hélder e todos os que o acompanharam em sua luta foram vítimas.

Portanto, Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores e ilustres convidados, homenagear os 45 anos da Campanha da Fraternidade é também homenagear Dom Hélder Câmara, bispo dos pobres e dos oprimidos, que continua com suas idéias, suas obras, seus escritos, suas poesias, suas ações - que são inúmeras no âmbito da Igreja Católica -, desde seu estímulo à criação da CNBB, do Celan, do Banco da Providência, da Operação Esperança e tantas outras. Homenagear os 45 anos da Campanha da Fraternidade é também homenagear Dom Hélder, Dom Fragoso, Dom Aloísio Lorscheider, Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Ivo, Dom Luciano Mendes de Almeida, Dom Pelé, na Paraíba, Dom José Maria Pires e tantos outros bispos, irmãos do povo nessa caminhada da Igreja Católica no Brasil e que muito nos orgulha, Dom Dimas.

Que o senhor leve ao seu Presidente e a todos os senhores bispos, reunidos na Assembléia-Geral da CNBB, a homenagem do Senado Federal, do Congresso Nacional e de todos aqueles que continuam acreditando em um futuro de paz, justiça e fraternidade em nosso País.

Muito obrigado. (Palmas.)

 

*********************************************************************************SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR JOSÉ NERY *********************************************************************************

O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, este ano a CNBB promove mais uma edição da Campanha da Fraternidade. Desta vez o tema é a segurança pública. O lema escolhido para campanha, extraído do Livro de Isaias, sintetiza o desafio que temos pela frente: a paz é fruto da justiça.

O objetivo geral da Campanha da Fraternidade de 2009 é suscitar o debate sobre a segurança pública e contribuir para a promoção da cultura da paz nas pessoas, na família, na comunidade e na sociedade, afim de que todos se empenhem efetivamente na construção da justiça social que seja garantia de segurança para todos.

Destaco aqui três objetivos específicos da Campanha da Fraternidade deste ano.

O primeiro é “denunciar a gravidade dos crimes contra a ética, a economia e as gestões públicas, assim como a injustiça presente nos institutos da prisão especial, do foro privilegiado e da imunidade parlamentar para crimes comuns”. Com este objetivo a Igreja conclama a sociedade brasileira a não considerar normal e aceitável a corrupção endêmica vivenciada em nosso país, onde banqueiros corruptos são tratados com salamaleques e delegados e investigadores são tratados como criminosos. Chama a atenção para a necessidade de ser revisto o foro privilegiado, que tem sido usado como instrumento de impunidade.

            Lembro da situação do meu Pará, que registra os maiores índices de trabalho escravo e de violência no campo e suas maiores cidades estão definitivamente colocadas entre as cidades brasileiras com maiores índices de criminalidade e violência. A exploração sexual de crianças e adolescentes na capital e no interior é mais um dos sinais exteriores do menosprezo aos direitos humanos, inclusive os mais elementares direitos econômicos e sociais. Dramas sociais e humanos comuns no país inteiro, generalizados e marcantes na conjuntura nacional, mas que parecem encontrar uma espécie de campo ainda mais fértil para se exacerbarem. 

O segundo objetivo diz respeito a denúncia da “predominância do modelo punitivo presente no sistema penal brasileiro”, enxergando nele a expressão de mera vingança. Basta olhar para nosso sistema prisional, totalmente falido e inadequado para reincorporar infratores no convívio social.

Esta sessão especial é um bom momento para tornar públicas as denúncias de entidades de defesa dos direitos humanos e da própria Ouvidoria de Segurança Pública do Pará, sobre o recrudescimento das práticas de tortura e execução sumária de supostos criminosos comuns por autoridades policiais militares, em bairros pobres da capital e de cidades da região metropolitana de Belém e do interior do estado. 

Em 2008, foram feitas cerca de 800 denúncias de crimes praticados por integrantes da Policia Militar, dos quais 75 casos de tortura e 38 de homicídio; e somente nas duas primeiras semanas de janeiro do corrente ano, foram registrados nove casos de execução pela chamada Ronda Tática Metropolitana (ROTAM).

O terceiro objetivo merece uma reflexão mais detida de todos nós. A intenção da CNBB é “desenvolver ações que visem à superação das causas e dos fatores da insegurança”. É justamente o que mais precisamos fazer em nosso país, ou seja, enfrentar as causas geradoras da violência.

Nosso país tem progredido, mas este progresso é acessível a poucos cidadãos. Os milhões de desempregados, os milhões de sem-terra e sem-teto não participam da repartição das riquezas. A pobreza só é enfrentada com medidas paliativas, com bolsas e não com emprego, com esmolas e não com renda.

A atual crise econômica mundial, que já chegou ao Brasil com toda a força destrutiva que possui, teve o mérito de desmascarar os limites da política econômica vigente, ancorada na concessão de ações paliativas aos mais pobres e na manutenção dos lucros e benesses dos poderosos, especialmente os detentores de títulos públicos brasileiros.

As medidas governamentais até o momento não escondem uma opção de classe: salvam os banqueiros, as grandes corporações e os especuladores.

Exemplo de tratamento paliativo é o dado pelo governo do estado do Pará. A banalização da violência policial em cidades paraenses, incluindo práticas de tortura explicita e de execução sumária, é incongruente com o discurso oficial do governo de Ana Júlia Carepa, que anuncia a exaustão estar edificando uma “Terra de Direitos”. Bem cedo, caiu por terra sua promessa de que enfrentaria a violência e a criminalidade atingindo suas raízes históricas e sociais e adotando uma nova concepção de segurança pública, democrática e comprometida com a dignidade humana, que priorizasse na atividade policial a inteligência e a prevenção do crime.

Somente neste início de ano milhares de brasileiros foram dispensados do emprego, outros receberam férias coletivas. O pior é que a recessão que se avizinha, e só os meios de comunicação e o governo não reconhecem, levará a que os novos empregos não sejam gerados, aumentando a exclusão de nossa juventude, aumentando o risco de que esta juventude se torne soldados do tráfico, seja morta pelas “balas perdidas” nas favelas, seja excluída de qualquer possibilidade de futuro.

Fiquei muito feliz com a citação no texto-base da Campanha acerca do problema da escravidão moderna em nosso país. É um assunto que venho me dedicando diuturnamente nesta Casa. Diz o texto:

“A escravidão contemporânea no Brasil se manifesta, muitas vezes, pela existência de uma dívida, contraída pelo trabalhador com gastos de transporte até o local do trabalho, compra de alimentos e ferramentas de trabalho, dívida que não pode ser paga nas condições que o próprio trabalho oferece. Esse problema nunca foi enfrentado adequadamente pelos governos, que geralmente agem de forma pontual, libertando escravizados, interceptando o tráfico de pessoas, multando empresas pela violação das leis trabalhistas, mas muito raramente utilizaram medidas de direito penal”.

Este é um desafio muito grande, erradicar de vez qualquer manifestação de trabalho escravo em nosso país.

Srªs. e Srs.,nestes quarenta e cincos anos de existência, a Campanha da Fraternidade auxiliou milhões de cidadãos a refletir sobre a realidade brasileira. Enfrentando períodos de exceção ou de democracia, a Campanha sempre foi um espaço de conscientização do povo brasileiro. Utilizando o método VER - JULGAR - AGIR estimulou milhões de brasileiros a reivindicarem seus direitos.

Desejo vida longa a esta iniciativa. Desejo que as causas mais profundas da violência sejam debatidas e que o Estado as enfrente de forma totalmente distinta da que tem utilizado. Chegou a hora de o Estado brasileiro fazer sua opção pelos pobres, por que pelos ricos sempre foi a regra de sua conduta.


Modelo1 7/18/248:32



Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/03/2009 - Página 6564