Discurso durante a 38ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, da demarcação das terras indígenas Raposa Serra do Sol, em Roraima. Críticas à atuação da Funai no Mato Grosso do Sul.

Autor
Valter Pereira (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MS)
Nome completo: Valter Pereira de Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Considerações sobre o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, da demarcação das terras indígenas Raposa Serra do Sol, em Roraima. Críticas à atuação da Funai no Mato Grosso do Sul.
Publicação
Publicação no DSF de 31/03/2009 - Página 7387
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • COMENTARIO, JULGAMENTO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), PENDENCIA, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), ELOGIO, SENTENÇA JUDICIAL, REDUÇÃO, ATUAÇÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), PROTEÇÃO, RIQUEZAS, TERRAS, USUFRUTO, INDIO, EXIGENCIA, AUTORIZAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, PESQUISA, LAVRAS (MG), MINERIO, MANUTENÇÃO, DIREITOS, ESTADO, INSTALAÇÃO, BASE, POSTO MILITAR, GARANTIA, ACESSO, FORÇAS ARMADAS, POLICIA FEDERAL, RESSALVA, UNIÃO FEDERAL, EXPANSÃO, REDE VIARIA, EXPLORAÇÃO, ENERGIA, SUBSTANCIA, AREA ESTRATEGICA, PROIBIÇÃO, COBRANÇA, PEDAGIO.
  • QUESTIONAMENTO, ATUAÇÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), PREVISÃO, DESCUMPRIMENTO, DECISÃO, JUDICIARIO.
  • ELOGIO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), GARANTIA, DIREITOS, ESTADOS, MUNICIPIOS, PARTICIPAÇÃO, PROCESSO, DEMARCAÇÃO, PROIBIÇÃO, AMPLIAÇÃO, AREA, RESERVA INDIGENA.
  • NECESSIDADE, CONGRESSO NACIONAL, EXAME, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, REGULAMENTAÇÃO, DECISÃO JUDICIAL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), GARANTIA, IMPLEMENTAÇÃO, RESTRIÇÃO, PODER, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI).
  • CRITICA, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), ATUAÇÃO, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), INEFICACIA, ATENDIMENTO, INDIO, TENTATIVA, AMPLIAÇÃO, RESERVA, AREA, AGRICULTURA.
  • QUALIDADE, RELATOR, APRESENTAÇÃO, PARECER FAVORAVEL, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, MOZARILDO CAVALCANTI, SENADOR, DEFINIÇÃO, COMPETENCIA, SENADO, HOMOLOGAÇÃO, RESERVA INDIGENA.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, JUVENCIO DA FONSECA, SENADOR, DEFINIÇÃO, RESPONSABILIDADE, UNIÃO FEDERAL, DESAPROPRIAÇÃO, TERRAS, LEGALIDADE, AQUISIÇÃO, PROTEÇÃO, ORDEM JURIDICA.
  • COBRANÇA, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), ATENDIMENTO, DEMANDA, COMUNIDADE INDIGENA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na semana passada, comecei a analisar o momentoso julgamento de uma ação que iria desatar o destino da reserva Raposa Serra do Sol, e volto a esta tribuna, hoje, para focalizar aspectos que o tempo não me deixou fazer no pronunciamento da semana passada.

Não só nesse episódio, mas em toda política indigenista, a Funai tem recebido frequentes críticas desta tribuna. No entanto, o caso específico da Raposa Serra do Sol evidenciou a desconfiança contra a Funai, que, hoje, não se limita mais ao Legislativo, não está mais adstrita à tribuna do Senado Federal. Quem prestar atenção na decisão do Supremo Tribunal Federal, vai constatar que não foi prolatado apenas um julgamento. Na verdade, escreveu-se um verdadeiro código de conduta. São dezenove condições que botam freio nessa sanha entreguista da Funai e na avidez das Ongs estrangeiras que assediam permanentemente a região Amazônica e as comunidades indígenas espalhadas por todo o País. Nesse sentindo, foi a normatização do usufruto a que farão jus os índios alcançados pela medida.

O Supremo desautorizou a pesquisa e a lavra das riquezas minerais sem a precedente autorização do Congresso Nacional. Então, vejam os senhores que aqui cai por terra uma das grandes ambições das Ongs que estão em permanente contato com essas comunidades. Quem esperava usar os índios para se locupletar de tais recursos seguramente frustrou-se.

Outra medida importante. A porteira da reserva não poderá ser fechada, como muitos queriam. A Funai queria torná-la intocável como se fora um enclave étnico. Com as regras do Supremo, será mantido ao Estado brasileiro o direito de instalar bases, unidades e postos militares. Nessa discussão, Sr. Presidente, uma das críticas mais duras estava neste ponto de querer impedir que as forças de segurança, as forças de defesa tivessem acesso a essas reservas indígenas. Além das Forças Armadas, portanto, garantiu-se à Polícia Federal livre acesso à área indígena.

Quem esperava estabelecer distância entre índios e as forças de defesa ou as forças de segurança perdeu a aposta também. As ressalvas preservaram à União o direito de promover a expansão estratégica de sua malha viária e a exploração de todas as alternativas energéticas que estão guardadas na reserva.

Outra condição importante que foi imposta: a União não vai precisar consultar as comunidades indígenas ou a Funai para explorar riquezas estratégicas existentes na área.

Aqui também foi um ponto em que tivemos oportunidade de subir a esta tribuna para discutir e para questionar, porque não se justificava que, de repente, a Funai e as comunidades indígenas invertessem os papéis e passassem a exercer uma tutela sobre a soberania do País.

Não resta dúvida de que a regra acabou por preservar o interesse do País, especialmente o interesse da defesa nacional. A decisão judicial avançou também, Sr. Presidente, em outro vértice importante, o da cobrança de pedágio. Veja a que ponto chegamos. É preciso que o Supremo diga: não se pode cobrar pedágio. Proibiu-se esse tipo de ônus para entrar e sair da reserva. Quem entrasse tinha de pagar e, às vezes, cobravam até para sair. A regra do Supremo Tribunal vale para índios e para não índios também. O encargo abolido equivale a um tributo e, nessa condição, é privativo de Estado autônomo, de Estado soberano.

Se o Supremo aceitasse essa condição, como propunha a Funai - propunha pela tolerância, pela leniência -, é claro que estaria, sim, configurando a criação de um Estado autônomo, que é repelida por toda a comunidade brasileira. A medida do Supremo, portanto, foi acertada. O único problema é que a Funai é refratária ao cumprimento dessa decisão, e o Supremo atribuiu exatamente a ela a execução da medida. De uma instituição useira e vezeira em ignorar a lei é muito difícil esperar o cumprimento de uma decisão judicial.

Das condições exigidas pelo Supremo, ganha relevo aquela que relata um dos direitos mais importantes de todo nosso ordenamento constitucional: o direito federativo. Vivemos em uma Federação, constituída por Estados e por Municípios, e, de repente, o que se estava desenhando era um projeto ao arrepio dos pressupostos federativos. O direito de Estados e Municípios participarem de todas as etapas do processo de demarcação é o corolário desse respeito ao princípio e à representação federativa.

Atualmente, Sr. Presidente, o Decreto nº 1.775, de 1993, apenas autoriza a manifestação de Estados e Municípios nos processos de demarcação. Essa autorização, de certa forma, é inócua, porque de que adianta Estados e Municípios se manifestarem, se eles têm de se reportar exatamente à Funai e se ela é surda, se ela tem ouvidos moucos, se ela ouve, mas não escuta, se ela escuta, não entende, e não entende porque não tem interesse de entender.

Portanto, Sr. Presidente, a condição imposta pelo Supremo poderá mudar essa realidade, mas para isso é preciso que o Legislativo brasileiro, Senado e Câmara dos Deputados, se debruce sobre um projeto que venha regulamentar essas 19 condições impostas pelo Supremo Tribunal Federal. Até porque, Sr. Presidente, essas condições, como são apenas condições, não constituem na verdade uma legislação, não existe a sanção, e todos aqueles que militam no Direito sabem, e sabem muito bem, que o que garante eficácia a qualquer norma jurídica é a sanção, é a penalidade para o descumprimento dessa norma. Se nessas condições, nessas 19 condições não existe a previsão de sanção, obviamente tais normas correm o sério risco de cair na inocuidade.

Precisamos, portanto, aprovar normas que definam o alcance que terá a palavra do Governador do Estado, que representa uma Unidade Federativa, e a palavra do Prefeito, que também representa outra Unidade Federativa, e que garantam sobretudo uma outra prática, que a Funai é refratária também, que é o exercício do contraditório. Com essa providência, que é da nossa alçada - é da alçada do Legislativo elaborar uma regulamentação que seja uma norma, que seja uma lei definindo claramente esses pontos e aplicando as sanções para os eventuais desrespeitos -, aí, então, tais condições impostas pelo Judiciário poderão efetivar-se, poderão tornar-se realidade. Mas se o Congresso ficar de braços cruzados, corremos o sério risco de daqui a alguns anos atentarmos para o fato de que a inobservou, mais uma vez, o que manda a decisão judicial. Afinal, a Funai tem uma trajetória histórica de indiferença e menoscabo à lei e a decisões judiciais.

Igualmente importante foi o reconhecimento de que é vedada a ampliação de áreas indígenas. Aliás, essa medida já constava da primeira etapa de julgamento, ocorrida lá no segundo semestre de 2008. A despeito de saber que essa regra já estava consagrada pela Corte Suprema, a Funai segue a sua volúpia de expandir novas reservas. No mesmo período do ano passado, no mesmo segundo semestre de 2008, a Funai editou seis portarias, visando estabelecer novas demarcações lá no meu Estado de Mato Grosso do Sul. E para lá deslocou funcionários seus, a fim de fazer vistorias, de buscar informações; enfim, de adotar os procedimentos elementares que instruem os processos demarcatórios.

São 26 Municípios que estão na alça de mira da Funai, lá em Mato Grosso do Sul. São Municípios que alcançam uma área em potencial de 12 milhões de hectares de terra. Na verdade, Sr. Presidente, isso equivale a 1/3 do território de Mato Grosso do Sul. E o mais grave: nas áreas de terras mais nobres para a agropecuária do meu Estado.

Neste mesmo mês, veja, Sr. Presidente, agora, com a decisão já amadurecida, com o julgamento já prolatado pelo Supremo Tribunal Federal, a Funai segue na mesma toada lá em Mato Grosso do Sul. Funcionários seus estão percorrendo o Estado, tentando fazer vistorias, a despeito de toda a reação que foi explicitada pelo Governador de Mato Grosso do Sul, André Puccinelli, e da reação da sociedade, que sabe muito bem que o problema lá não é de terra; que o problema lá não é de tamanho de reserva; que o problema lá é de má gestão da Funai, que não tem conseguido cuidar dos índios nas demandas, nas necessidades que, efetivamente, eles têm.

Portanto, Sr. Presidente, novas portarias são emitidas, como se a Funai estivesse acima do bem e do mal, fazendo menoscabo do Supremo Tribunal Federal, fazendo menoscabo das decisões judiciais, agindo com indiferença com tudo que é dito aqui, desta tribuna, com as reações do Governo de Mato Grosso do Sul. Enfim, ela se autointitula acima da lei, acima da ordem, acima do Judiciário, acima de tudo.

Sou Relator, Sr. Presidente, de duas PECs, de dois projetos de emendas constitucionais. A PEC nº 38, de 1999, e a de nº 3, de 2003. A primeira delas, de autoria do Senador Mozarildo Cavalcanti, procura transferir para o Senado Federal a competência para homologar reservas indígenas. Nada mais justo, afinal de contas, no momento em que o próprio Supremo Tribunal Federal reconhece que Estados e Municípios como entes federativos têm o direito de opinar, têm o direito de conhecer o processo demarcatório, por que não trazer para o Senado Federal a responsabilidade de promover a homologação, já que o Senado, como Casa da Federação, pode estabelecer por sua representação federativa, aqui estabelecer o contraditório que a Funai insistentemente nega a promover?

Já entreguei o parecer favorável e vamos sustentar, na reunião de quarta-feira, a necessidade e a oportunidade de aprovar o remédio que vai dar o tratamento definitivo para essas aventuras que são cometidas pela Funai.

A segunda PEC, Sr. Presidente, é de autoria do ex-Senador e meu conterrâneo Juvêncio César da Fonseca. Essa emenda constitucional prevê a responsabilização pela União de possíveis expropriações de terras legalmente adquiridas.

Não é correto que a União permaneça indiferente durante anos a fio com relação a uma propriedade cujo domínio fora inaugurado por uma decisão do próprio Poder Público e depois, em dado momento, ela diz:

(Interrupção do som.)

O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS) - “Olha, esse título não tem valor. Foi emitido pelo Poder Público, mas não tem valor”. E aí o investimento feito por quem o adquiriu vai por água abaixo, sem sequer o direito de arguir em juízo o prejuízo sofrido pela irresponsabilidade do Poder Público.

Ambas as PECs, Sr. Presidente, protegem de forma proeminente a segurança jurídica, duramente atingida pela leviandade daqueles que formulam e executam a política indigenista do nosso País e que, a partir do momento em que se transformar em normas constitucionais, passam a garantir o direito adquirido, que é uma das conquistas da Constituinte de 1988.

Com esse cerco legiferante, a Funai talvez possa até mudar o seu foco. Talvez aí encontre tempo para estudar as efetivas necessidades dos índios brasileiros. Talvez ela possa, a partir daí, encontrar um outro tipo de trabalho, que é chegar nas aldeias, conhecer os dramas, as dificuldades vividas pelos índios e implementar medidas capazes de melhorar as condições de vida dos índios.

Os índios precisam de uma...

(Interrupção do som.)

O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS) - ...Funai, sim, Sr. Presidente; uma Funai que esteja atenta aos seus reclamos e às necessidades de toda essa comunidade. A Funai tem estado presente em outras pelejas, mas não nas demandas sentidas de cada índio que habita o território brasileiro.

Sr. Presidente, era essa a nossa fala. Voltaremos, tantas quantas forem as vezes que entendermos necessário, para cobrar o aparecimento de uma nova Funai, uma Funai que cuide do índio como o índio merece ser cuidado.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Modelo1 7/18/248:38



Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/03/2009 - Página 7387