Discurso durante a 38ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre a realização da VI Conferência Internacional de Educação de Adultos, em Belém. Apelo ao Presidente Lula para que compareça à abertura do evento.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Considerações sobre a realização da VI Conferência Internacional de Educação de Adultos, em Belém. Apelo ao Presidente Lula para que compareça à abertura do evento.
Publicação
Publicação no DSF de 31/03/2009 - Página 7435
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • ANUNCIO, REALIZAÇÃO, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DO PARA (PA), CONFERENCIA INTERNACIONAL, EDUCAÇÃO, ADULTO, FRUSTRAÇÃO, SITUAÇÃO, BRASIL, AUSENCIA, ERRADICAÇÃO, ANALFABETISMO, INEFICACIA, PROGRAMA, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), ALFABETIZAÇÃO, COMENTARIO, OBJETIVO, ORADOR, PERIODO, EXERCICIO, FUNÇÃO, MINISTRO DE ESTADO.
  • SOLICITAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CONFIRMAÇÃO, PRESENÇA, ABERTURA, CONFERENCIA INTERNACIONAL, PARTICIPAÇÃO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO A CIENCIA E A CULTURA (UNESCO), IMPORTANCIA, ATENÇÃO, ASSUNTO, EXPECTATIVA, DEFINIÇÃO, PRAZO, PLANEJAMENTO, ERRADICAÇÃO, ANALFABETISMO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Mão Santa, Presidente dos trabalhos, Srªs e Srs. Senadores, em 2003, eu era Ministro da Educação e tive uma reunião com o Sr. Adamah Ouani.

O Sr. Adamah Ouani é o diretor do Centro que cuida da educação de adultos da Unesco. Ele me procurou, eu já Ministro, para saber da possibilidade de o Brasil sediar a VI Conferência Internacional de Educação de Adultos. Essa é uma conferência que se realiza a cada dez anos, da maior importância. É a sexta desde 1949.

Claro que, imediatamente, entusiasmado, eu aceitei, e agora nós estamos prontos para realizar essa conferência na cidade de Belém - foi decidido depois -, entre 19 e 24 de maio deste ano. Foi fruto das negociações que fiz, mas sobretudo da confirmação pelo Ministro Tarso Genro, que me substituiu, pelo Ministro Fernando Haddad e pelo Presidente da República, o Presidente Lula.

Presidente Mão Santa, quando, em 2003, eu decidi isso, Senador João Pedro, a minha idéia era, na realização dessa conferência que cuida da alfabetização de adultos, o nosso Presidente poder chegar lá na abertura e dizer: “O Brasil é um território livre do analfabetismo!” Essa era a intenção do Programa Brasil Alfabetizado, que criamos quando eu estava como Ministro. Essa era a intenção da Secretaria para a Erradicação do Analfabetismo, que foi criada em 2003, quando eu era Ministro. Lamentavelmente, a partir de 2004, esse programa manteve-se no nome, mas mudou de característica. Ele deixou de ser um programa para erradicação do analfabetismo e se transformou num programa de alfabetização, como existe no Brasil desde o Império, desde Dom Pedro II. O resultado é que, sem a vontade, sem a meta, sem o objetivo central da erradicação, tivemos, nestes últimos anos, um programa de alfabetização que vem alfabetizando - digo os números - entre 57 mil, 76 mil, 138 mil e 253 mil, de 2006 a 2007, para uma população que temos hoje de 14,138 milhões de analfabetos.

Isso quer dizer que, se seguirmos o mesmo número entre 2006 e 2007, vamos precisar de cinquenta anos para erradicar o analfabetismo. Se seguirmos a média dos últimos anos, vamos precisar de 89 anos para acabar com o analfabetismo. É claro que, antes disso, muitos resolverão o problema pela biologia: morrerão analfabetos e sairão da estatística de adultos analfabetos, porque ficarão na estatística de mortos, sem terem tido, durante a vida, o direito de aprenderem a ler.

É uma pena que nessa conferência que vai se realizar no Brasil, em Belém, e que vai trazer 2,5 mil pessoas para participarem desse evento sobre alfabetização de adultos, em 19 de maio, não vamos poder ter essa declaração de que o Brasil é território livre do analfabetismo.

É claro que território livre não significa zero de analfabetos - isso não existe em nenhum lugar, há pessoas que não conseguem -, mas chegar a 2%. O Brasil tem 10,4%, o que é um dos maiores índices do mundo inteiro. Não há justificativa para um País integrado, com um só idioma, com todos os meios de comunicação, tanto de comunicação por rádio e televisão como por barco, na sua região, Senador João Pedro, como por estradas, não há justificativa; um País que tem quase cinco milhões de universitários não tem justificativa para termos analfabetismo de adultos.

Lamentavelmente, esse número não vai diminuir rapidamente, porque o programa perdeu a vontade, a garra, o objetivo e porque a torneirinha continua aberta. Nós continuamos colocando, anualmente, meninos e meninas com mais de 15 anos, que, às vezes, até terminam a 4ª série, mas são analfabetos. É uma pena que a gente tenha perdido o ritmo que se deve dar.

Senador João Pedro, nada dá para fazer em um país, pela educação, em um Governo só; ninguém muda um país em um governo só. A única coisa que o Presidente Lula poderia dizer “eu fiz na educação”, de uma maneira definitiva, teria sido a erradicação do analfabetismo. Mas não vamos ter. Não vamos conseguir. E eu não sei se o próximo Presidente vai conseguir isso. Eu não sei se a gente não perdeu a maior chance de todas de ver, no Presidente Lula, aquele que ficaria com a marca registrada na história do Brasil de ter sido o Presidente que erradicou o analfabetismo de adultos no nosso território.

Mas, agora, o que eu soube das pessoas que fazem a agenda do Presidente é que ainda há dúvida se ele vai poder ou não comparecer à abertura dessa conferência.

Eu vim aqui, Presidente Mão Santa, para fazer um apelo ao Presidente Lula: não deixe de estar presente na abertura dessa reunião, onde vai estar toda a direção geral das Nações Unidas encarregada da Educação, que é da Unesco. Não deixe de estar presente. Em todas as cinco reuniões anteriores, o respectivo Chefe de Estado esteve presente.

A gente não pode imaginar que, em uma reunião desse porte, dessa importância, num Estado inclusive governado pela nossa ex-companheira Senadora, que é do PT, o Presidente não esteja presente para fazer o seu discurso. É claro que eu preferia que ele fosse lá dizer: “O Brasil é um território livre do analfabetismo”, mas não vai poder dizer isso. Longe está de dizer isso. Pelas contas que eu fiz, ele estaria cinquenta anos adiantado se fosse dizer isso, porque é o tempo que vai ser necessário, mas tem de estar presente, até porque a reunião não é só sobre alfabetização, mas sobre todos os processos, todos os programas, tudo aquilo que é feito para a educação de adultos e para a educação ao longo de toda a vida, mesmo daqueles que foram educados.

Peço também que o Presidente Lula, além de comparecer, diga no seu discurso qual é, de fato, a proposta, o prazo, a data para a qual ele assume o compromisso, como Chefe de Estado, e que deixe para o próximo Presidente, obviamente - porque ele não vai poder fazer -, o prazo em que vamos poder dizer que o Brasil é um país, um território livre do analfabetismo, dizendo que medidas precisamos tomar para que a torneira que produz, que joga, que coloca analfabetos adultos no território seja fechada, através de ênfase na educação fundamental; e, ao mesmo tempo, quanto tempo vamos levar para que os adultos que aí estão aprendam a ler.

Porque há uma escola, há uma linha de pensamento que diz que basta educar as crianças e deixar que a biologia cuide dos analfabetos adultos. Aí há dois problemas. Um é de ordem moral. O analfabetismo é como se fosse uma escravidão. Nós precisamos erradicá-lo não apenas porque o Brasil precisa, mas porque cada uma dessas pessoas precisa. Então, é uma questão moral. Não podemos deixar que a biologia cuide disso. Ninguém deixa que as pessoas morram sem tomar remédio. Não podemos deixar que as pessoas morram sem receber as letras necessárias para saírem do estado de analfabetismo. Essa é a primeira razão, a razão ética, moral. Como abolimos a escravidão, temos que abolir o analfabetismo.

E a outra é que um pai e uma mãe analfabetos provocam uma dificuldade maior na alfabetização da criança. Pais alfabetizados, criança alfabetizada. Quando alfabetizamos um pai e uma mãe, alfabetizamos os filhos quase que naturalmente. Portanto, um programa de erradicação do analfabetismo sem esperar que a biologia cuide disso, já de imediato cuidando para que esse problema desapareça em quatro, cinco, seis anos, no máximo, ele é necessário, do ponto de vista ético, do ponto de vista pedagógico, para as crianças desses adultos. Além disso, é uma questão de patriotismo, porque este é um dos raros países do mundo, Senador Mão Santa, que, na bandeira, tem escrito um texto. Os outros países não têm isso, salvo alguns países árabes que escrevem alguns textos do Corão.

(Interrupção do som.)

         O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Um país que tem na sua bandeira um texto escrito não tem direito de ter adulto analfabeto. Porque, para uma pessoa que não sabe ler, se você mudar a ordem das letras no “ordem e progresso”, ele continuará achando que é a bandeira do Brasil. Se você escrever outro texto ali, se você escrever “desordem e atraso”, a pessoa que não sabe ler continua achando que é a mesma bandeira. Se escrever em inglês, em francês, a pessoa vai pensar que é a mesma bandeira.

De todos os países do mundo, se fôssemos escolher um que não tem direito de ter analfabetismo de adultos, seria o Brasil. Por causa da nossa bandeira. É uma questão de civismo, de patriotismo, além de ser uma questão ética e uma questão pedagógica para a educação das crianças.

Por isso, Presidente Lula, eu lhe faço um apelo para que compareça à abertura da VI Conferência, chamada Confintea, em Belém, no dia 19 de maio...

(Interrupção do som.)

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - ...e que lá faça um discurso, não mais dizendo o que eu imaginava em 2003, de que o Brasil é um território livre de analfabetismo. Não podemos dizer isso. Não temos moral, nós brasileiros, para dizer isso. Seria mentira. Longe estamos disso. Mas, pelo menos, que mostremos ao mundo inteiro que o Brasil tem um programa claro para fechar a torneira que produz o analfabetismo, por uma má escola fundamental para as crianças, e que, sim, não vai esperar a biologia cuidar dos adultos que são analfabetos; vai ter um programa claro para erradicar essa tragédia, de pessoas que não conhecem a própria bandeira, pessoas que são incapazes de ler o que está escrito no mundo moderno.

Era isso, Sr. Presidente, o que tinha a dizer, como um apelo ao Presidente da República e como uma lembrança de que essa reunião será no Brasil, o que muito orgulha o nosso País.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/03/2009 - Página 7435