Discurso durante a 39ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem aos 87 anos de fundação do Partido Comunista do Brasil - PCdoB.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem aos 87 anos de fundação do Partido Comunista do Brasil - PCdoB.
Publicação
Publicação no DSF de 01/04/2009 - Página 7563
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL (PC DO B), IMPORTANCIA, CONTRIBUIÇÃO, CONSTRUÇÃO, BRASIL, DEFESA, ORADOR, NECESSIDADE, LUTA, BUSCA, REVOLUÇÃO, EDUCAÇÃO, IGUALDADE, OPORTUNIDADE, INGRESSO, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, SEMELHANÇA, EXPERIENCIA, PAIS ESTRANGEIRO, CUBA.

  SENADO FEDERAL SF -

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O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Inácio Arruda, que preside esta sessão; companheiros, camaradas presentes à Mesa; Srªs e Srs. aqui presentes, nós teríamos muito o que comemorar neste dia em relação ao PCdoB. O simples fato da idade deste Partido já seria um motivo de comemoração. Eu antevejo, daqui a 13 anos, a comemoração do primeiro centenário do PCdoB.

Além disso, poderíamos, aqui, comemorar o heroísmo. Este é um Partido casado com o heroísmo das mortes de seus companheiros, da luta incessante não apenas do ponto de vista físico, mas também ideológico. Poderíamos comemorar a luta de um partido que nunca fugiu dela. Poderíamos comemorar aqui o exemplo, para o Brasil inteiro, de uma juventude, e muitas vezes de velhices dedicadas à luta sem jamais fraquejar, como o exemplo de civilismo de cada um desses companheiros.

Poderíamos comemorar aqui a causa, a causa da utopia, sempre presente na luta do PCdoB. Poderíamos comemorar até mesmo aquilo que tanto eu gostaria, que é o fato de que esse sempre foi um partido que é também uma escola, que hoje falta nos partidos no Brasil e talvez no mundo. Militar no PCdoB, como também foi no PCB, era fazer parte de uma escola.

Mas eu não vou fazer nenhuma dessas comemorações, Sr. Presidente, porque acho que um partido revolucionário, mais do que comemorar o passado, gosta de receber desafios para o futuro. E é na ideia de desafios que quero aqui trazer a minha fala de homenagem a cada um de vocês que fazem parte desse Partido.

Poderia até mesmo, e esqueci, comemorar minha proximidade sempre constante com o Partido Comunista do Brasil no meu tempo de militante na Ação Popular e naquele momento em que se fundiam os dois, e eu ali estava perto. Mas eu quero é fazer um desafio. Primeiro, lembrar que nunca, nunca antes, foi tão necessária uma utopia política como agora. Alguns dizem que elas morreram. Ao contrário, elas ficaram faltando, elas ficaram ausentes, não morreram.

Quero, portanto, aqui dizer que, dos partidos que temos hoje em todo o continente, e especialmente no Brasil, vejo em poucos a capacidade de dar a volta por cima de uma crise profunda no pensamento político, na ideia de utopias, e trazer de volta uma chama utópica para o debate e para a ação política no Brasil, no continente e até no mundo inteiro.

A sensação que nós temos quando vemos, sobretudo, a juventude que fazia fila, digamos assim, metaforicamente, para ingressar no partido revolucionário, nós vemos hoje essa juventude ausente, perplexa. E não é por culpa dela. A juventude nunca tem culpa. Este é um desafio dos partidos que querem transformar a sociedade: reconquistar a juventude. E a reconquista da juventude exige a reformulação de uma utopia. Disso estamos precisando.

Até há pouco tempo, era fácil ser revolucionário. Nós agarrávamos a bandeira e saíamos caminhando nas ruas. Agora, temos que desenhar a bandeira, construir a bandeira, para começar a caminhar com ela na rua. Esse é o grande desafio que nós temos hoje.

Como desenhar utopias em um momento em que houve a queda do Muro de Berlim? Em que Cuba - o Embaixador aqui presente - luta, tão heroicamente, para continuar mantendo os sonhos que teve e que tem? Como manter uma utopia no tempo em que aqueles mais moderados defendiam que o desenvolvimento levaria à liberdade? Como trazer a utopia de volta ao cenário do imaginário político no Brasil e no mundo? Esse é um desafio que poucos partidos podem ter. Porque a maior parte de hoje não passa - falemos com franqueza - de clubes eleitorais.

O PCdoB, sim, pode-se chamar de um partido. Podemos até discordar das alianças, podemos discordar dos programas, podemos discordar do que defendem, mas não é um clube eleitoral. É um partido político. Como trazer para os tempos de hoje a reescritura do problema da luta de classes, não abandonando-a, mas também não ficando na visão tradicional que tinha?

Aqui eu vejo o reitor da Universidade Zumbi dos Palmares. E até pouco tempo atrás, muitos de nós achávamos que o problema racial era só uma questão de classe. E está claro hoje que o problema racial tem um conteúdo maior do que o problema de classe. Há um problema, sim, de racismo subterrâneo, escondido, que as pessoas se negam, e até muitos revolucionários, a ver.

Aqui estão as mulheres. E todos nós sabemos, e Fidel Castro já falou, mais de uma vez, que o machismo não acaba quando se estatiza o capital. Mas a gente se negava a ver esse lado do problema das explorações que não eram apenas econômicas.

E hoje está - e não quero demorar muito - o desafio maior de saber qual é a verdadeira luta de classes que é hoje e como superá-la. Para mim, posso estar completamente equivocado, mas, hoje, a maior luta de classes não é entre quem tem e quem não tem capital, mas entre quem tem e quem não tem conhecimento. Até porque o capital que produz hoje é, sobretudo, o capital conhecimento, e não o capital máquina. É o capital conhecimento dos chips dentro dos equipamentos e o capital conhecimento dentro da cabeça daqueles que já não são operários, são operadores.

Nós precisamos redefinir as nossas variáveis. O proletariado foi jogado no desemprego ou se transformou em operadores. Não é mais o mesmo proletariado de antigamente.

E aquele que conseguir acumular conhecimento participa do processo, mesmo como trabalhador assalariado numa posição privilegiada em relação àqueles que não dispõem de conhecimento e que são simples excluídos, o que antes nós chamávamos de lúmpen. Mas o lúmpen era aquele que trabalhava um dia e ficava desempregado hoje. O excluído é aquele que fica desempregado sempre. Uma categoria diferente. É uma categoria que o final do século XX trouxe, que não estava nos escritos de Marx, porque não podia estar, porque era um fenômeno da realidade que não existia ainda.

Esse é um desafio que poucos partidos podem enfrentar. O PCdoB é um deles. O partido a definir a utopia, a meu ver - e posso dizer algo que muitos não gostarão -, a enfrentar a utopia que a meu ver não está mais em quem é o proprietário do capital máquina, fábrica, campo, mas quem é o proprietário do capital conhecimento. A utopia em que mais importante do que tomar o capital do capitalista para o trabalhador é colocar o filho do trabalhador na mesma escola do filho do capitalista, o que Cuba fez.

Esse é um desafio novo que a gente precisa enfrentar. De uma revolução, não pela economia, mas pela educação; não pela propriedade do capital material, mas pela propriedade do capital imaterial do conhecimento, do saber pela educação.

Esse é o desafio que eu gostaria de deixar aqui aos meus companheiros do PCdoB, com respeito e carinho e com a certeza de que não vejo muitos outros agrupamentos políticos capazes de dar o salto, porque esse agrupamento político é um partido, não é um clube eleitoral. E os demais, não todos, obviamente, até porque pertenço a outro, mas outros partidos, no nosso País e no mundo inteiro se transformaram em clubes eleitorais, sem preocupação com o heroísmo da luta, querendo apenas não ficar fora do Poder; sem preocupação com uma utopia, querendo apenas discutir o projeto do momento, sem uma preocupação em ser escola, querendo apenas o voto

O PCdoB pode ser uma esperança. E eu espero que nós tenhamos muito que comemorar nos próximos dois, três, cinco, daqui a treze anos, no primeiro centenário desse Partido, não olhando para trás, mas olhando para a frente, com o mundo inteiro a ser feito, com a utopia inteira a ser inventada e com o poder a ser tomado, para exercê-lo a serviço de uma causa, e não a serviço de cargos...

(Interrupção do som.)

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - A serviço de uma causa, e não a serviço de cargos, como muitas vezes nossos clubes eleitorais caíram na tentação, nos últimos anos.

É um desafio. Mas um partido que tem a idade do PCdoB não tem o direito de se negar a enfrentar. Errando, às vezes, tentando e construindo um marco, uma bandeira que nos sirva de referência.

Longa vida para o PCdoB, mas longa vida se renovando conforme a realidade exija e sem perder jamais o compromisso fundamental com a causa, como homens como João Amazonas deixaram para nós.

Era isso, Sr. Presidente, o que eu tinha a dizer para vocês, comemorando o passado, mas, sobretudo, olhando com desafio para o futuro.(Palmas.)


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/04/2009 - Página 7563