Discurso durante a 45ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Consideração acerca da demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Consideração acerca da demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol.
Publicação
Publicação no DSF de 04/04/2009 - Página 9087
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • OPOSIÇÃO, DECISÃO, MINISTRO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), CONTINUAÇÃO, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), CRITICA, DESRESPEITO, INTERESSE, INDIO, PRODUTOR RURAL, ARROZ, REPUDIO, ATUAÇÃO, ENTIDADE, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), VINCULAÇÃO, IGREJA CATOLICA, AMPLIAÇÃO, EXTENSÃO, TERRAS INDIGENAS, DENUNCIA, IRREGULARIDADE, UTILIZAÇÃO, RECURSOS, GOVERNO FEDERAL.
  • SOLICITAÇÃO, AUDIENCIA PUBLICA, PRESIDENTE, TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU), APRESENTAÇÃO, INFORMAÇÃO, TRABALHO, COMISSÃO TEMPORARIA, SENADO.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, INEFICACIA, REASSENTAMENTO, PRODUTOR, ARROZ, VITIMA, DESPEJO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR).

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Senadora Serys, Srªs e Srs. Senadores, ontem eu ocupei esta tribuna para ler aqui um artigo do Deputado Aldo Rebelo sobre a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol. Li na íntegra o artigo do Deputado Aldo Rebelo, que é do Partido Comunista do Brasil, que é um homem de esquerda. Trata-se de um homem que foi Presidente da Câmara dos Deputados e Ministro de Estado do Governo Lula, um homem que está, portanto, acima de qualquer suspeita para tratar do tema. Não que eu me considere suspeito, Senadora Serys, mas, infelizmente, a imagem que se vende - eu ouvi comentário de um Ministro do Supremo - é de que os políticos de Roraima têm o rabo preso com essa questão - traduzo a idéia no popular.

E eu lamento muito isso, porque, se fui eleito e já reeleito Senador, é porque o povo de Roraima me deu uma procuração para defender os seus interesses, e o povo de Roraima é composto de índios, não índios, negros, mestiços, mulatos, brancos de olhos azuis que vieram do sul do País - aliás, nós estamos muito satisfeitos com essa pluralidade étnica. Agora, o que nós não podemos admitir é que pessoas que se julgam um pouco colegas de Deus aqui, como foi o caso do Ministro Márcio Thomaz Bastos, como é o caso do Ministro Tarso Genro, como é o caso da Funai, definam o que é melhor para os índios aculturados da reserva Raposa Serra do Sol, quando eles, em sua maioria, não queriam, Senadora Serys, essa demarcação excludente.

Eles queriam uma demarcação como todo o povo de Roraima queria, uma demarcação que fosse harmoniosa, que pudesse propiciar a convivência entre quatro gerações de pessoas que estão lá. É bom frisar, a propósito, que estamos falando de quinhentas famílias, porque só sai na imprensa nacional e internacional que se trata de meia dúzia de arrozeiros. Quer dizer, até depreciam essa “meia dúzia” que foi para lá vindo do sul do Brasil, do Paraná, do Rio Grande do Sul e do Mato Grosso, para plantar às suas próprias custas, sem incentivo nenhum do Governo. Essas pessoas compraram terras de pessoas que já estavam lá há várias gerações, pessoas que plantaram, investiram e, hoje, produzem 25% do Produto Interno Bruto. Além deles e antes deles, estavam lá quinhentas famílias em quatro pequenas cidades: Mutum, na fronteira com a Guiana, ex Guiana Inglesa; na Água Fria; no Socó, mais no meio da reserva; e no Surumu, também conhecido como Vila Pereira, que é uma vila centenária. Essas cidades estão sendo riscadas do mapa. Por quê? Porque o Governo federal resolve tomar uma posição.

Quero deixar bem claro que sou um humanista, não me considero nem de direita nem de esquerda nem de centro. Qualquer dessas correntes políticas deve ter o viés humano em primeiro lugar. E penso que política indígena tem de beneficiar o índio, o cidadão ou a cidadã indígena. Mas o que vejo não é isso. Há uma ideologização da questão, quer dizer, a questão indígena tornou-se ideológica, patrocinada por uma corrente de ONGs nacionais e transnacionais que, milagrosamente, transforma interesses que não são os nossos, não são os nacionais, não são os do Estado, em interesses, ou falsos interesses, que não sabemos realmente definir.

O que sei, Senador João Durval, é que no meu Estado, se pegarmos o mapa das reservas minerais e sobrepusermos com o mapa das reservas indígenas, veremos que os dois casam exatamente. Tenho certeza de que os índios não têm nenhum tipo de equipamento para detectar onde tem mineral e se fixar naquelas regiões, mas os mapas coincidem. Eu disse ontem que não vou fazer como aqueles três macaquinhos. O primeiro está com as duas mãos nos olhos, dizendo que não está vendo nada; o outro com as duas mãos nos ouvidos, dizendo que não está ouvindo nada, e o último com as mãos na boca para não falar. Desde que fui Deputado Federal, na época, inclusive, da Constituinte, tenho alertado para essa questão da política nociva que se implantou no País e que se intensificou no Governo Lula. Repito, essa política não podia ser uma política de Governo, Senadora Serys, mas uma política de Estado, de Estado-Nação, portanto tinha que levar em conta o conjunto dos interesses nacionais e não um viés étnico, até preconceituoso em relação a isso. Mas, no Brasil, está pegando essa moda, quer dizer, está se acirrando, talvez até alguns, honesta e justamente, querendo beneficiar as minorias, estão acirrando a raiva ou pelo menos o mal-estar intraétnico ou interétnico sem necessidade.

Não consigo conceber na minha cabeça de político e de médico que, para ajudar quem está necessitando, eu tenha que prejudicar que não está necessitando. Não sei por que, para ajudar os índios, eu tenha que combater os não-índios; para ajudar os negros, eu tenho que combater os brancos de olhos azuis. Não vejo assim. Para mim, quando atendia uma pessoa - porque não exerço mais a Medicina - sempre tinha em mente uma coisa: era um ser humano. Não me interessava a cor da pele, não me interessava a cor dos olhos, a não ser para registro na ficha, porque também tem alguma coisa a ver certas doenças com a origem racial.

Está em Roraima, aliás por determinação do Supremo, o Presidente do Tribunal Federal da 1ª Região, Desembargador Jirair Aran Megueriam.

Recebi do Governador do Estado, Governador Anchieta Júnior, um convite para estar amanhã numa reunião no Palácio do Governo, fim de que seja informado ao Presidente a real situação das pessoas que estão lá. Se são 500 famílias, Senadora Serys, multiplique-as, pelo menos, por quatro. São duas mil pessoas, portanto. Multiplique aqueles que são fruto de miscigenações de várias gerações e veja quantos são.

O Supremo levou - de 1999 até agora - dez anos para julgar esta causa e, em 30 dias, quer desocupar a área. É uma coisa de que só tenho conhecimento na História ocorrida no tempo de Hitler, na Alemanha, e de Stalin, na Rússia. Está-se fazendo, Senador Gilvam Borges, agora e aqui, por quem? Por algum estrangeiro que invadiu o Brasil? Não! Pelo Governo brasileiro, pelo Governo do Presidente Lula.

E não adianta agora dizer: “Não, mas o Supremo ratificou”. Lógico, o Governo Federal fez pressão e levou para o Supremo um embrulho - aliás, quem disse isso foi o Ministro Marco Aurélio -, que não teve tempo de desembrulhar ou até houve impossibilidade de desembrulhar.

Essa demarcação - vou repetir - é uma fraude, é um crime do começo ao fim. Começa pelo laudo antropológico, que é falso; começa pela manipulação de aldeias, que não existiam.

Aliás, o Supremo, agora, criou um marco: a demarcação tem como marco a presença do índio no dia 5 de outubro 1988, quando foi promulgada a Constituição. Quer dizer, áreas que vieram a ser ocupadas depois dali não têm valor legal. E foi o que fizeram na Raposa Serra do Sol: pegavam uma comunidade indígena que, por exemplo, tinha 100 famílias, tiravam dez famílias, levavam 30 quilômetros para frente e as fixavam lá; pegavam mais dez famílias e as levavam para o outro lado, para a direita, e as fixavam lá, a 30, 40 quilômetros uma da outra, e se foi preenchendo aquela reserva com aldeias fictícias. Quem fez? Quem fez? A Igreja Católica, por intermédio do Conselho Indigenista Missionário, que criou o Conselho Indígena de Roraima, e com ONGs, inclusive internacionais, como por exemplo, a Cafod, a Fundação Ford e tantas outras, sobre as quais já falei aqui em pronunciamentos meus. O Conselho Indigenista de Roraima, que recebe repasses milionários do Governo Federal, está com suas contas desaprovadas pelo Tribunal de Contas da União, mas continua recebendo dinheiro, por uma pseudoassistência aos índios, que não presta, que o CIR não presta. Não vou estar nessa reunião com o Presidente do Tribunal, mas já solicitei, desde o dia que o Supremo decidiu, uma audiência com ele, porque quero repassar para ele todas as informações de que nós dispomos, e informações oficiais, fruto de uma comissão temporária externa do Senado, que eu presidi, mas cujo Relator foi o Senador Delcídio Amaral, do PT, e que fizeram parte também o Senador Jefferson Péres, o saudoso Senador Jonas Pinheiro, o Senador Romero Jucá e o Senador Augusto Botelho. Fizemos um trabalho, andamos toda a região, ouvimos todo mundo. Todo mundo que quis falar.

Só o Conselho Indígena de Roraima não compareceu e não quis falar Nós nos oferecemos a ir à sede deles, mas eles não quiseram falar. Todo mundo falou: índios de diversas etnias, fomos às comunidades indígenas, conversamos com prefeitos, vereadores e tal. Temos uma farta documentação, oriunda dessa comissão temporária externa.

           Depois, houve outra comissão temporária externa, assim que o Presidente assinou a demarcação, quando coletamos mais dados atualizados, inclusive com o apoio da Assembléia Legislativa do Estado, que nomeou uma comissão composta de cinco Deputados Estaduais.

Então, vou esperar o Desembargador Jirair voltar de Roraima, porque ele deve vir com informações novas, pois, com certeza, ele deve estar estarrecido, haja vista que foi para lá com a informação de que seriam apenas seis arrozeiros que ele teria que tirar e, portanto, seria facílimo tirá-los.

Mas são 500 famílias, e as que já foram tiradas, Senadora Serys, assim o foram de maneira indigna: a Funai foi lá e literalmente avaliou a benfeitoria das pessoas que tinham uma casa humilde em Mutum, por exemplo, e disse que valia R$20 mil. Como não havia mais clima para ficar, essas pessoas aceitaram a oferta e foram morar aonde? Na capital, na casa de parentes, na casa de amigos, ou foram assentadas em um assentamento do Incra, misturadas, portanto, com a clientela da reforma agrária, que não era o seu caso; eles não eram sem-terra, mas pessoas que tinham terra.

E o decreto diz que têm que ser assentados em área equivalente e têm que ter o apoio do Governo para que, reassentado em uma terra, construir os equipamentos necessários para produzir e sustentar sua família.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/04/2009 - Página 9087