Discurso durante a 46ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre a atual crise internacional.

Autor
Gerson Camata (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Gerson Camata
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Considerações sobre a atual crise internacional.
Publicação
Publicação no DSF de 07/04/2009 - Página 9590
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, CRISE, ECONOMIA INTERNACIONAL, DESEMPREGO, SETOR, INDUSTRIA, SERVIÇO, RESTRIÇÃO, BANCOS, CREDITOS, OBSTACULO, CRESCIMENTO ECONOMICO, PREVISÃO, LONGO PRAZO, RECUPERAÇÃO, RECESSÃO.
  • IMPORTANCIA, ATENÇÃO, HISTORIA, QUEBRA, BOLSA DE VALORES, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), EFEITO, MUNDO, BRASIL, ANALISE, ERRO, GOVERNO ESTRANGEIRO, AUMENTO, TARIFAS, IMPORTAÇÃO, NECESSIDADE, ATUALIDADE, REJEIÇÃO, PROVIDENCIA, PROTECIONISMO.
  • QUESTIONAMENTO, PROVIDENCIA, ANUNCIO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), SUPERIORIDADE, APLICAÇÃO DE RECURSOS, INCLUSÃO, PROJETO, INFRAESTRUTURA, PROIBIÇÃO, UTILIZAÇÃO, IMPORTAÇÃO, FERRO, AÇO, PREVISÃO, PARLAMENTO, AMPLIAÇÃO, PROTECIONISMO, POSSIBILIDADE, PREJUIZO, BRASIL, EXPECTATIVA, ORADOR, REVISÃO.
  • REGISTRO, DECLARAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DIRETOR GERAL, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), DEFESA, UTILIZAÇÃO, COMERCIO EXTERIOR, COMBATE, CRISE, ECONOMIA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. GERSON CAMATA (PMDB - ES. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a História ensina lições. Os arquivos do passado estão repletos de ensinamentos que poderíamos utilizar para evitar que erros se repitam, que medidas ineficazes ou prejudiciais sejam postas em prática. Mas a memória da humanidade, infelizmente, é curta. Nossa tendência é esquecer eventos traumáticos, relegá-los a livros e ensaios acadêmicos, aos quais raramente recorremos em busca da experiência que nos resguardaria do equívoco cometido mais de uma vez.

O mundo está diante de uma crise de graves proporções, que se aprofunda a cada dia. Ela já transpôs a fronteira do sistema financeiro e chegou à economia real, da China ao Brasil, passando pela Europa e Estados Unidos. O desemprego cresce à medida que o comércio internacional encolhe. A OIT, Organização Internacional do Trabalho, prevê que, em todo o mundo, 50 milhões de pessoas poderão perder seus empregos este ano.

Mais forte no setor industrial, a crise está chegando ao setor de serviços, com o crescimento do desemprego, Os bancos, reagindo com exagero, restringiram demais suas linhas de crédito e elevaram as taxas de juros às alturas, fazendo desaparecer praticamente todas as fontes que garantiam a expansão econômica, no Brasil e em outros países.

A economia mundial, segundo estimativa do FMI, o Fundo Monetário Internacional, deve crescer meio por cento em 2009. É o pior resultado desde que acabou a Segunda Guerra Mundial, no século passado. Não é uma situação que possa ser superada a curto prazo: calcula-se que, pelo menos até 2012, estacionaremos no patamar de 2 e meio por cento ao ano.

Existe uma piada entre economistas a respeito da diferença entre recessão e depressão: recessão é quando o vizinho perde o emprego, depressão é quando você perde o seu. Na verdade, a depressão nada mais é que uma recessão prolongada e em grande escala. São cada vez maiores os indícios de que estamos embarcando em uma depressão comparável à da terceira década do século passado.

A História ensina que precisamos levá-la a sério. É bom lembrar que ela fez o índice de desemprego, nos Estados Unidos, crescer de 3 por cento, antes da quebra do mercado de ações, em 1929, para 25 por cento em 1933. Também neste período, o Produto Interno Bruto norte-americano caiu quase pela metade, de 103 bilhões e 800 milhões de dólares para 55 bilhões e 700 milhões.

Os efeitos não se limitaram aos Estados Unidos, é claro. O mundo inteiro sofreu as conseqüências, inclusive o Brasil. Basta recordar o impacto da Grande Depressão, como ficou conhecida, sobre nossas exportações, que caíram de 445 milhões de dólares em 1929 para 180 milhões no ano seguinte. Então responsável por 70 por cento das exportações brasileiras, o café teve sua cotação reduzida em quase 90 por cento. Numa tentativa desesperada de elevá-la, o governo mandou queimar milhões de sacas. Uma fogueira gigantesca ardeu nas imediações do porto de Santos, durante 6 meses, em 1931, mas isto de nada adiantou. Fazendeiros, trabalhadores rurais, banqueiros que tinham emprestado dinheiro aos cafeicultores, todos foram vítimas da catástrofe econômica.

Voltemos aos Estados Unidos. Em 17 de junho de 1930, quando a crise estava quase completando 8 meses, o presidente Herbert Hoover sancionou uma lei que elevou as tarifas sobre produtos importados para níveis recordistas. Em 2 anos, o volume de importações caiu em mais de 40 por cento. A idéia desastrada, concebida por 2 parlamentares do Partido Republicano, pretendia proteger o mercado norte-americano da concorrência estrangeira.

Seu efeito foi aprofundar ainda mais a crise e tornar distante a perspectiva de qualquer solução. O nível de desemprego nos Estados Unidos e na Alemanha chegou a 33 por cento. Países do mundo inteiro recorreram a medidas retaliatórias, impondo tarifas sobre importações, americanas ou não.

Henry Ford, então dono da maior fábrica de automóveis do mundo, passou uma tarde inteira com o presidente Hoover, tentando dissuadi-lo de assinar a lei, que chamou de “estupidez econômica”. Não adiantou. A teimosia presidencial, somada à falta de visão dos autores da lei, teve conseqüências em escala mundial, e fez com que a depressão se prolongasse.

Esta é uma boa lição do passado, provavelmente quase esquecida hoje em dia. Poucas coisas são mais prejudiciais, numa crise econômica, do que recorrer ao protecionismo. Oito décadas atrás, ele se voltou contra quem deveria proteger, num efeito-bumerangue, quase aniquilando a economia norte-americana, e depois estendendo seus efeitos pelo resto do mundo.

Diante da crise que vivemos agora, o governo dos Estados Unidos produziu um pacote de estímulo à economia, aprovado na semana passada pela Câmara dos Representantes, no valor de 819 bilhões de dólares. Nele, uma cláusula estipula que os fundos previstos para o plano de retomada econômica, aplicados em projetos de infraestrutura, não podem ser empregados na compra de ferro e aço estrangeiro. O pior é que o pacote ainda vai passar pelo Senado, que promete incluir nele mais medidas protecionistas.

Não há ainda números disponíveis referentes ao ano passado, mas, em 2007, o Brasil exportou quase 1 bilhão e 300 milhões de dólares em produtos siderúrgicos para os Estados Unidos, o equivalente a 19,6 por cento das vendas externas do setor no período.

Um porta-voz da Casa Branca anunciou a disposição do presidente Barack Obama de rever a cláusula do pacote de estímulo, introduzida por um deputado democrata. Deve fazê-lo com urgência, e também desestimular quaisquer acréscimos protecionistas no Senado.

Tem razão o Presidente Lula ao criticar a decisão do Congresso americano, que qualificou de equívoco. “Se cada país colocar um muro em torno de si e achar que não precisa de mais nada, a crise vai aumentar”, disse o presidente. Também está coberto de razão o diretor-geral da OMC, a Organização Mundial do Comércio, Pascal Lamy, quando diz que o comércio deve ser parte da solução da crise, por seu efeito multiplicador de renda e de empregos.

O fato é que muitos governos preferem encará-lo como parte do problema, pois Lamy, referindo-se à onda protecionista que ameaça expandir-se, afirmou que há gente “querendo jogar o livre comércio na latrina”. Nem o Brasil foi capaz de resistir à tentação de medidas de restrição às importações, adotando um sistema de licenças prévias. Mas teve o bom senso de voltar atrás, reconhecendo que a providência era, segundo palavras do próprio presidente Lula, “um erro fenomenal”.

Um fato curioso, citado pelo jornal The New York Times, mostra como o protecionismo pode custar caro aos contribuintes. Na reconstrução da famosa ponte de San Francisco, em 1990, o órgão responsável pela obra obedeceu às regras do Estado da Califórnia, que determinam a utilização de aço americano,a não ser que custe pelo menos 25 por cento a mais que o aço estrangeiro. O vencedor da licitação apresentou uma proposta em que o custo estava 23 por cento acima do estipulado pelos concorrentes de outros países. Devido à grande quantidade de aço utilizada, os californianos acabaram desembolsando 400 milhões de dólares a mais pela obra, só para beneficiar um fabricante de aço nacional.

Herbert Hoover acreditava estar salvando a economia de seu país quando assinou a lei protecionista de 1930. Foi advertido não só por Henry Ford, mas também por um manifesto contrário à medida, assinado por mais de mil economistas. Os avisos foram inúteis. Por isso é bom recorrer aos acontecimentos do passado. Analisando a decisão de Hoover, podemos especular se a Grande Depressão não teria proporções muito menores caso ele tivesse, naquele dia de junho de 1930, guardado a caneta e refletido sobre o que estava prestes a fazer. O filósofo George Santayana já dizia, em 1905, que aqueles que esquecem o passado estão condenados a repeti-lo. Se repetirmos os erros de 1930, estaremos condenados a viver uma tragédia que poderia ter sido evitada.


Modelo1 5/8/245:10



Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/04/2009 - Página 9590