Discurso durante a 47ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Manifestação em favor de que o Congresso tenha legitimidade junto à população brasileira. Resposta a algumas críticas recebidas por S.Exa. com relação à sugestão de um plebiscito para fechar o Congresso.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO. LEGISLATIVO.:
  • Manifestação em favor de que o Congresso tenha legitimidade junto à população brasileira. Resposta a algumas críticas recebidas por S.Exa. com relação à sugestão de um plebiscito para fechar o Congresso.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Ideli Salvatti, Patrícia Saboya, Romeu Tuma, Valter Pereira.
Publicação
Publicação no DSF de 08/04/2009 - Página 9855
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO. LEGISLATIVO.
Indexação
  • REGISTRO, APROVAÇÃO, COMISSÃO DE EDUCAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, CRIAÇÃO, PROGRAMA, DISTRIBUIÇÃO, LIVRO, APRESENTAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, GARANTIA, REPRESENTANTE, CAMARA DOS DEPUTADOS, DEFESA, BRASILEIROS, EXTERIOR.
  • ESCLARECIMENTOS, DECLARAÇÃO, ORADOR, HIPOTESE, REALIZAÇÃO, PLEBISCITO, FECHAMENTO, CONGRESSO NACIONAL, MANUTENÇÃO, DESRESPEITO, OMISSÃO, CONGRESSISTA, ATENDIMENTO, NECESSIDADE, POPULAÇÃO, REGISTRO, RECEBIMENTO, MENSAGEM (MSG), CIDADÃO, CRITICA, ALEGAÇÕES, SENADOR, DEFESA, REVISÃO, REFORÇO, ATUAÇÃO, LEGISLATIVO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidenta, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, Deputado Raul Jungmann, que nos prestigia com sua presença nesta Casa, quando o Senador Tuma disse que os Senadores e os jornalistas estavam esperando que eu falasse sobre o projeto, eu imaginava que ele queria referir-se ao meu projeto que foi aprovado hoje na Comissão de Educação - não apenas aquele da PEC, mas o que foi aprovado hoje na Comissão de Educação...

O Sr. Romeu Tuma (PTB - SP) - São duas coisas importantes...

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito bem!

O Sr. Romeu Tuma (PTB - SP) - ...aquela que foi aprovada hoje - e tive a felicidade de estar presente e de votar a favor -, como também a outra, da criação de vagas, algo que temos de discutir. O senhor teve algum objetivo sadio, porque conheço sua dignidade, seus princípios e sua grande preocupação com os direitos humanos dos brasileiros que vivem no exterior.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Mas, de fato, hoje foi aprovado na Comissão de Educação um projeto de minha autoria que cria uma espécie de cesta básica do livro.

Aos animais, basta comer; pessoas precisam de comida e de cultura. E, se queremos desenvolver uma geração de brasileiros, precisamos, sem dúvida alguma, oferecer a essas pessoas, a cada uma delas, comida e livros, comida e teatro, comida e cinema, e levar o livro para dentro de suas casas, porque, se neste País só houvesse bola de futebol no clube, os meninos não jogariam bola. Eles jogam bola porque têm bola em casa.

Esse projeto foi aprovado hoje e jamais seria aprovado se não houvesse uma coisa chamada Congresso, se não houvesse o Senado, se não houvesse a Câmara dos Deputados, até porque, em países como o Brasil, país com tanta diversidade, com 27 Estados com características tão diferentes, não basta uma câmara única, como em alguns países. É preciso uma câmara que represente o povo e uma câmara que represente os Estados.

É nesse sentido que apresentei também essa PEC, muito polêmica, de garantir que os brasileiros que moram no exterior possam ter seus representantes aqui. Não proponho que eles tenham representantes no Senado, porque eles não são um Estado, mas que eles tenham, sim, representantes na Câmara dos Deputados, porque eles são brasileiros que precisam de representatividade.

Pois bem, não é possível imaginar um futuro sem democracia no Brasil. Não é possível imaginar uma democracia sem o Congresso. Mas não se enganem: o Congresso não dura para sempre se não tiver legitimidade diante da opinião pública; se não for capaz de virar o centro das aspirações, dos desejos, da pauta do povo; se não for feito a cada quatro anos - e, repetidamente, a cada quatro anos - por pessoas com credibilidade, que sejam capazes de atrair a juventude para continuar essa tarefa tão dura que é ser parlamentar.

Por isso, sou um defensor do Congresso, sou um defensor do Parlamento dividido em duas Casas. Dediquei metade da minha vida a lutar para que houvesse um Congresso aberto, nove anos dos quais no exterior, forçado por um semiexílio, lutando para abrir o Congresso. E, a outra metade, já com o Congresso aberto, Senadora Patrícia, lutando para abrir as cabeças das pessoas através da educação.

Eu sou um democrata, não preciso passar atestado disso. Agora, nós precisamos despertar e abrir as nossas cabeças, dos parlamentares, no sentido de que estamos nos distanciando das aspirações, dos sonhos, do amor do povo. E, se esse distanciamento for além de um certo ponto, haverá uma ruptura. Não precisa ser profeta para prever, basta ler um pouquinho de História, Deputado Raul Jungmann. Leiam um pouquinho de História e vocês vão ver que, no momento em que há uma ruptura entre o povo e o Congresso, o povo sobrevive; o Congresso, não.

Foi em função disso que, em uma entrevista lá, no nosso Pernambuco, eu disse que, se continuar esse divórcio - que há, sim, não pensem que não há esse divórcio, é triste que haja, lamento que haja, mas há um divórcio - entre nós e o povo - e não pensem que a culpa é de um, dois ou três daqui, não, é de todos nós, e eu me incluo entre eles -, se isso continuar, haverá uma ruptura. Como vai ser? A História nunca se repete. Certamente, porque não se repete, não será por tanques de guerra. Pode ser o povo na rua. Há formas diversas. E eu disse que, se continuar assim, não vai faltar alguém - não disse que eu o faria - que proponha um plebiscito ao povo brasileiro para decidir: queremos uma democracia com três Poderes ou apenas com dois Poderes, como, aliás, é mais ou menos como é hoje, porque hoje há dois Poderes fortes: o Executivo, com suas medidas provisórias; e o Judiciário, com suas medidas judiciais; e um Poder menor, que somos nós.

O fato de eu ter dito isso gerou uma grande conturbação, e eu não vou negar que eu tenho duas alegrias com isso: a primeira é que todo político gosta, obviamente, de provocar conturbações, isso é natural em qualquer político; a segunda, que me deixa feliz, é que recebi uma quantidade imensa de e-mails - e, depois de meses, meses e meses de críticas ao Congresso, eu recebi uma porção de e-mails defendendo o Congresso. E isso me deixou muito feliz.

         É a primeira vez que eu recebo críticas duríssimas a mim com um riso no rosto e com alegria no coração, porque foram críticas pela suspeita de que, por trás disso, estaria algo absolutamente absurdo com a minha biografia de acreditar numa democracia sem Congresso.

         Leio aqui algumas dessas críticas que me foram feitas - coisa rara de se fazer no Parlamento, porque crítica a gente gosta de esconder. Essas, eu quero publicar porque elas são boas para o Brasil, como a do Ricardo Kotscho, com quem tenho boa amizade e que diz: “O senador propõe uma sandice...”.

Fico feliz de alguém achar que falar em plebiscito é uma sandice, porque é mesmo, propor. Não propus. Eu disse que alguém proporia. E ele diz: “Na prática, voltaríamos à ditadura”. Ou seja, o fim do Congresso é a volta à ditadura. Muita gente não está percebendo isso, muita gente não está percebendo.

Em outro momento, ele diz: “O simples fato de levantar essa questão do plebiscito é um desserviço à democracia”. Aqui, eu discordo, porque levantar qualquer problema é o melhor caminho para resolvê-lo. Encobrir qualquer problema é o caminho para agravá-lo. Então, não foi um desserviço à democracia. Desserviço seria se tivesse defendido o plebiscito - e não cheguei a defender - e se tivesse defendido que o voto deveria ser pelo fechamento.

Aqui, é um Sr. José Manoel, que eu não sei quem é. Ele diz: “Não, não, senador! O Parlamento tem de continuar aberto, operando com todas as suas prerrogativas”. Eu fico feliz de saber, Senador Tuma, que um Sr. José Manoel, que eu não conheço, tomou o tempo dele para escrever um e-mail, criticando-me por aquela hipótese de que o povo terminaria fazendo um plebiscito, e dizer: “Não, não Senador! O Parlamento tem de continuar aberto, operando com todas as suas prerrogativas”. Eu estava precisando ouvir uma coisa dessa, como Senador, porque ultimamente o que mais eu ouço e leio é, indiretamente, a idéia de que o Congresso não serve a nada e deveria ser fechado. Não têm dito, não têm usado o verbo fechar, mas é o que a gente vê todos os dias na maior parte da mídia, com denúncias corretas, em geral, mas com um caminho por trás na idéia de que nós somos errados.

Um Sr. Luiz Carlos Trindade, que eu não conheço, passa também a idéia. Outro, Elias José da Silva, na verdade, me passa a matéria que foi feita pelo jornalista... Não tenho aqui o nome, mas que disse: “Não venha solapar a nossa jovem democracia com suas idéias para lá de estúpidas”.

Eu quero agradecer ser chamado de estúpido, porque, ao imaginar que eu queria fechar o Congresso... De fato, é uma estupidez. Só que eu não quero fechar o Congresso e tenho uma biografia que mostra que é o contrário: lutei para abri-lo; luto para mantê-lo.

“Errou, senador! Errou feio!” Feliz que alguém tenha dito que simplesmente levantar essa idéia pode ser um erro.

Outro, uma Srª Raimunda Beleza: “Eu não fecharia o Congresso, porque ainda existe dentro dele homens honestos”.

Essas matérias que recebi, é verdade, vieram acompanhadas de outras a favor do plebiscito, e algumas mais radicais, carregando a idéia de que nós passamos do tempo de justificar a nossa existência.

E, aqui, Senadora Patrícia, a gente tem que tirar duas lições - três, aliás. Na verdade, é que é muito perigoso fazer ironias; na verdade, é muito perigoso levantar propostas, promessas, idéias, sugestões polêmicas demais. Mas eu não tenho jeito, não consigo ser diferente, não consigo deixar de dizer tudo o que me vem à cabeça, tudo o que penso, mesmo que, às vezes, isso possa trazer contratempos. Mas isso não é importante. Essa é uma questão pessoal. As duas lições importantes são: uma, há, sim, neste País um desejo de manter o Congresso funcionando, sem o que teríamos outra vez uma ditadura. Essa é uma boa lição. Isso deve nos alegrar, nos engrandecer, nos satisfazer como parlamentares. Mas tem uma outra lição: uma parte da população não está satisfeita com o nosso trabalho. E, dessas duas lições, nós precisamos tirar uma decisão, uma responsabilidade: como fazer para que nem precise surgir essa idéia estúpida, como disse aqui um dos jornalistas, de plebiscito sobre o Congresso? Duvido que se fale uma estupidez como essa - eu duvido que se fale isso - nos Estados Unidos, na França, em qualquer lugar onde o Congresso é uma casa com a qual todos se identificam.

Nós precisamos, Senador Mão Santa, fazer um exame de consciência. Somos líderes nacionais, não chegamos aqui por acaso. Representamos uma elite, do ponto de vista político. Nós temos de entender o que está errado, e algo está errado. Algo está errado no simples levantamento dessa hipótese numa entrevista que fiz na rádio. Algo está errado que faz com que surja uma coisa como essa, considerada - e agradeço - e chamada de estupidez. Algo está errado. Algo está errado, pois, além dos e-mails contrários a tudo isso, há e-mails favoráveis a isso. Temos de entender, pois somos os líderes deste País. Se a gente não entender, quem é que vai entender? Os cientistas políticos, sem a experiência de vida que temos? Os sociólogos, que não passaram pelas experiências da relação com o eleitor? Nós é que temos de levantar isso.

Não parece ser difícil entender o que está acontecendo. Primeiro, entendamos com clareza: o povo acha que nós temos verdadeiras mordomias aqui dentro. E não somente nós - e é verdade -, o Executivo tem, o Judiciário tem mais ainda do que a gente, e o setor privado tem também as suas mordomias quando a gente compara com a pobreza que este País vive, porque as grandes casas neste País só são construídas porque o salário mínimo é tão baixo que dá para um empresário pagar até para fazer uma pirâmide do Egito, tão baixo é o salário hoje, como deveria ser dos servos do antigo Egito. E, além disso, muitos dos gastos do setor privado vão para a contabilidade da empresa, transformam-se em custos, reduzem o lucro e aí não pagam impostos.

Nós vivemos num País “mordomizado”. Nós precisamos “desmordomizar” este País, e o Congresso devia dar o seu exemplo inicial. Mas eu não acho que isso seja o mais fundamental. Fundamental são outras duas coisas: primeiro, o fato de que estamos fora de sintonia com o dia a dia dos problemas do povo. Eles não estão vendo sair de nós a solução dos problemas para as suas necessidades e, se não veem uma relação direta entre nós e os seus problemas, eles vão se afastando, eles vão se afastando, até que, um dia, de repente, a gente descubra que perdeu a legitimidade. A outra razão é que, diante da força do Executivo, com suas medidas provisórias, da força do Judiciário com o Poder Legislativo, através de suas medidas judiciais, estamos, pouco a pouco, ficando irrelevantes, e um Poder irrelevante não é um Poder. Poder, por definição, é relevante, e nós estamos ficando irrelevantes.

E, finalmente, uma última razão, para a qual me foi chamada a atenção dois anos atrás, numa conversa, aqui, com o Presidente atual, José Sarney. Quando eu perguntava o que acontecia com esse descrédito, ele dizia: “Nós ainda não adaptamos o Congresso, o funcionamento do Parlamento à realidade nova de uma coisa chamada Internet, chamada blog, chamada telefone celular, que faz com que o povo entre aqui dentro por esses terminaizinhos de computadores, pelos celulares que a gente carrega, pelos blogs que informam”.

Hoje, Senador Tuma, não estamos mais no tempo de um poder elitista congressual, que tinha tempo de pensar, de refletir e de propor até o povo saber. O povo sabe até antes da gente. De quantas coisas aqui dentro eu tomei conhecimento pelo blog e não pela conversa aqui dentro? Nós temos de nos adaptar a uma realidade nova, em que está surgindo quase uma espécie de democracia direta, e democracia direta não é uma boa coisa, porque a democracia da soma dos votos não tem tempo de refletir sobre como vai ser o futuro; vota pensando só no presente. Daí a importância do Congresso.

E, finalmente, eu acho que há também um problema técnico: a maneira como a gente funciona. Há uma Comissão trabalhando nisso, e eu espero que essa Comissão traga algumas sugestões. Não é possível que o Congresso funcione com um número tão reduzido de parlamentares aqui no plenário. Não é possível! Não há parlamento se os parlamentares não parlamentam, e eles não parlamentam se eles não se encontram, convivem, debates e discutem. E nós não estamos tendo tempo para fazer a parlamentação, que é o exercício pleno, fundamental, do trabalho congressual.

Nós ficamos dois dias ou três, no máximo, por semana aqui, e não são alguns. Somos todos, inclusive eu que moro no Distrito Federal, mas que aproveito, de fato, para fazer palestras pelo Brasil inteiro, quando eu deveria estar mais tempo aqui dentro, com os outros. Mas quantas vezes cada um de nós não fala aqui sem ninguém assistindo? Eu já falei sem ninguém assistindo, e muitos já falaram sem eu estar assistindo. Aqui, não somos melhores uns do que os outros. Aqui, nós somos partes de um complexo chamado Senado Federal, e o Senado Federal, neste momento, está em uma situação tão crítica que, quando alguém levanta a ideia de que é possível que outro proponha um plebiscito, em vez de ser ignorado, é comentado.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Se fosse algum tempo atrás, ao propor abrir o Congresso, iria preso; quando a democracia chegar, se propor fechar o Congresso, será ignorado - não será preso. A gente está no meio termo: não prende e não ignora. Isso significa que não estamos plenamente cumprindo a função que a gente precisa.

Por isso, Sr. Presidente, contra sugestões de todas as pessoas que eu encontrei hoje, que diziam: “Esqueça isso. Esse assunto só desgasta”, eu decidi vir aqui falar disso, porque, sem querer, por uma proposta dessas que a gente fala no meio de uma conversa, de uma entrevista, eu terminei, talvez sem querer, Senador Tuma, soltando um processo de debates que a gente precisa fazer. Foi preciso uma radicalização...

(Interrupção do som.)

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Um pouquinho mais de um minuto, Senador Mão Santa. O senhor é muito generoso sempre.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Para mim e para o País... Mas é que tem ali a Senadora Patrícia.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Eu sou até bem comportado nas...

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Ela já foi anunciada, e o Ibope sobe muito.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - A Senadora Patrícia está pedindo um aparte. Mas V. Exª fique à vontade. Só estou querendo anunciar de novo para não desligarem o canal porque a Patrícia terá a palavra.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - À vontade nos próximos 32 segundos.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Não! Eu lhe dou mais.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Bem, eu quero dizer que, querendo ou não, por acaso ou não, surgiu um processo de debates com uma gravidade maior do que a do dia a dia. Acho que se está precisando que outros Senadores façam provocações; que essas provocações nos despertem, provoquem, deem uma balançada, como ouvi um jovem dizendo que o que eu fiz foi dar uma balançada.

Não tenho mérito, porque não o fiz de maneira deliberada. Não foi algo consciente, premeditado, não foi estratégia. Não posso me dar ao luxo de dizer que fiz nada disso. Foi fruto de uma ingenuidade que, a meu ver, pode trazer um resultado positivo, talvez com um custo muito alto para mim, porque tem gente achando que eu sou ditador, que eu quero fechar o Congresso, que o meu interesse é servir àqueles grupos que, talvez, querendo isso, não dizem que querem e fazem outras coisas.

Despertemos, gente, despertemos para impedir que continue esse distanciamento constante entre nós e o povo que nós representamos. Lutemos para criar uma unidade, em que Congresso e povo sejam praticamente uma coisa só, convivendo, mutuamente respeitosos. Lutemos por isso, até para que não se precise jamais falar neste absurdo que é a ideia de um plebiscito sobre o futuro do Congresso. Um absurdo completo, uma sandice, como disse. Mas, apesar de tal, mereceu a atenção de muita gente. Se fosse pura sandice, eu estaria mais tranquilo. Mas, se fosse pura sandice, não teria merecido uma linha em nenhum jornal. Se mereceu tantos artigos, tantos comentários, tantos e-mails, é porque, lamentavelmente, é só uma meia sandice. E uma meia sandice pode virar uma verdade, se nós não tomarmos cuidado.

Eu tenho dois pedidos de apartes, Senador Mão Santa. Terminei minha fala. Mas eu tenho a Senadora Patrícia e o Senador Valter querendo falar.

Senadora Patrícia.

A Srª Patrícia Saboya (PDT - CE) - Senador Cristovam, no início do pronunciamento de V. Exª eu levantei aqui o microfone na intenção de lhe apartear, até porque acredito que o debate que V. Exª traz para esta Casa, hoje, é muito importante. Logo assim que cheguei, que adentrei aqui o plenário, muitos Senadores estavam agitados com uma proposta que teria sido trazida pelo Senador Cristovam a respeito de se fechar..., de um plebiscito, onde a população decidisse sobre o fechamento ou não do Congresso. É claro que, a princípio, e, assim, que ouvi esse testemunho, eu não pude acreditar, porque todos conhecem a história de V. Exª, todo mundo conhece o comportamento de V. Exª, a sua história, por tudo quanto lutou, por tudo quanto luta, neste País, e aquilo que já recebeu do povo de todo o Brasil. Portanto, eu quero dizer a V. Exª que fico muito feliz por ter trazido um tema. Coincidentemente quando cheguei ao plenário, alguns de nós, Senadores, conversávamos sobre a crise que o Senado hoje passa. E a relação dessa crise com o discurso de V. Exª, onde tratava, e deixou muito claro que isso não era uma proposta de V. Exª, mas que, algum dia, alguém podia de tal forma se decepcionar com o comportamento dos Parlamentares que poderia propor algo dessa natureza. O que é necessário é reforçar um discurso sobre a importância do Congresso, sobre a importância do Parlamento, pois alguns podem confundir o papel de muitos de nós aqui, ou o papel de cada um individualmente, com aquele que é o papel e a função do Congresso Nacional, que é uma Instituição que sempre teve o respeito da grande maioria do povo da nossa Nação. Portanto, separar aqueles que têm sido mau exemplo à Nação e que estão aqui no Congresso é uma coisa; falar que o Congresso todo não é bom ou que não preste é outra coisa. E V. Exª traz um tema que precisa ser debatido, que é o nosso papel, o papel de cada um de nós nesta Casa como Parlamentares, respeitando a votação que nós tivemos. Vivemos um momento de crise nesta Casa que é constrangedor para qualquer um. Talvez não seja para os que não são do bem. Talvez não seja constrangimento, aborrecimento para aqueles que cometem esse tipo de atitude no seu dia-a-dia e na sua história, mas para homens e mulheres de bem, que têm dedicado a vida a fazer uma política com seriedade, com honestidade, fazendo da política uma ferramenta para transformar a sociedade, aí, esses sim, esses devem estar magoados, porque, no meio de tantos, como hoje eu vi uma entrevista na Globo News, eu até comentei com V. Exª, vi a decepção do poeta Ferreira Gullar com a política e com o Congresso. E o constrangimento: eu, Senadora, assistindo a um homem que respeito, que admiro e que o Brasil inteiro admira fazer uma crítica dura, mas que, na verdade, é aquilo que o povo tem sentido a respeito dos políticos, sem saber diferenciar quem presta e quem não presta, quem é sério e quem é corrupto, quem é do bem e quem é do mal. Isso é um perigo. Acho que, no fundo, V. Exª quis trazer esse debate, porque não é novidade para nós que V. Exª, desde o dia em que cheguei aqui, vem levantando esse tema e propondo que o Senado debata causas nacionais, causas de relevância. Portanto, quero apenas me congratular com V. Exª. Quem sabe, a partir de agora, tenhamos uma discussão mais afinada, uma discussão mais aprofundada sobre grandes temas que o Brasil urgentemente quer ver discutidos, como a Reforma Tributária, a Reforma Política, não passando um pano por cima daquilo que é sujo, desvendando tudo, item por item, coisa por coisa, mas não fazendo com que todos pareçam iguais, porque não somos.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Obrigado, Senadora.

Mas eu quero dizer que há uma coisa que poucos estão percebendo e que eu acho que é o mais grave: está se imaginando que, se se fizer um plebiscito, o povo vai votar pelo fechamento. Essa é a idéia que passa quando se tem medo do plebiscito, quando, em condições normais, a gente sabe que, se houvesse uma sintonia a gente nem deveria ter medo disso, porque 99,9% do povo iria dizer: queremos o Congresso aberto - como disseram durante 21 anos da ditadura. O povo foi para rua e brigou querendo isso. Hoje, nós estamos tão incomodados que a gente pensa que é possível que a votação seja contra o Congresso. Poucos estão pensando o porquê disso.

Eu acho importante a gente pensar que há uma defensiva tão grande nossa que alguns começam achar que um plebiscito poderia dar negativo. Eu acho que, apesar de todos os erros, o plebiscito daria altamente positivo para o Senado. Mesmo assim, eu não defendo que haja plebiscito. Mesmo assim, não vejo necessidade de plebiscito. Eu vejo, sim, necessidade de uma reflexão profunda sobre o nosso papel no Brasil de hoje, nas condições do mundo de hoje.

Senador Valter Pereira.

O Sr. Valter Pereira (PMDB - MS) - Senador Cristovam, se V. Exª tivesse me dito, pessoalmente, que propugnava pelo fechamento do Senado, eu iria dizer, iria lhe responder, taxativamente, que V. Exª estaria com chacota. Se V. Exª tivesse me dito, pessoalmente, que defendia, efetivamente, um plebiscito para saber se a sociedade queria ou não o fechamento do Congresso, eu iria falar que V. Exª é o parlamentar mais mentiroso do mundo. Eu conheço o caráter de V. Exª. E conheço mais do que isso; conheço a sua história. Por isso, eu teria toda a liberdade de falar: V. Exª é o homem mais mentiroso do mundo - nas duas hipóteses - portanto, não acredito nisso.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Obrigado, Senador.

O Sr. Valter Pereira (PMDB - MS) - E acredito mais. É que V. Exª, efetivamente, ao fazer isso, quis provocar um debate com mais seriedade. Em aparte que fiz, anteriormente, a outro orador, disse aqui que, com relação ao Senado e ao Congresso, geralmente as pessoas sentem a necessidade, quando se encontram fechados, ou o Senado, ou o Congresso - geralmente é o Congresso que fecha, não é o Senado. E passei por isso. Porque na minha juventude, a luta que empenhei quando jovem, era exatamente para a reabertura do Congresso, porque o Congresso era o abrigo de todo aquele que se opunha à ditadura; do sindicalista que estava sendo perseguido pelos cães da ditadura, dos partidos de oposição que estavam sendo fustigados pelas armas do regime militar, dos movimentos sociais todos que queriam voz e que não tinham, a não ser aqui. Esta foi a minha luta. E sei que se amanhã ou depois - isso não acredito que venha acontecer mais na história do nosso País - mas se houvesse uma recidiva, se houvesse uma recaída sobre as nossas instituições e o Congresso viesse...

(Interrupção do som.)

O Sr. Valter Pereira (PMDB - MS) - ... a ser fechado, eu não tenho dúvida de que o povo sairia, sim, às ruas em defesa da nossa instituição, que é uma instituição democrática e que é a mais importante de todas. Agora, é claro que nós passamos por uma dificuldade. Temos os nossos problemas, temos as nossas mazelas. Ao lado das virtudes institucionais que tem a nossa Casa, existem os defeitos que precisam ser corrigidos, e sobre isso todos nós temos que fazer a autocrítica que a sociedade exige, sim. E nós temos que nos submeter a essa necessidade para escoimar esses defeitos, para apagar esses pecados e fazer com que a nossa instituição seja mais credenciada, seja mais acreditada.

(Interrupção do som.)

O Sr. Valter Pereira (PMDB - MS) - Portanto, eu quero dizer a V. Exª que, na sua palavra, eu acredito. Acredito que V. Exª, mais uma vez, agiu de acordo com a sua história, embora tenha dito de uma forma que, indiscutivelmente, geraria essa celeuma que acabou acontecendo.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Obrigado, Senador. Fico feliz em ouvir suas palavras.

Passo a palavra ao Senador Suplicy.

A Srª Ideli Salvatti (Bloco/PT - SC) - Senador Cristovam?

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Prezado Senador Cristovam Buarque, V. Exª teve a intenção clara de procurar mostrar, como o faz nesta tarde, o extraordinário papel, o valor do Congresso Nacional, do Senado Federal. E ainda que essas instituições possam, em muitos momentos, apresentar falhas, que aqui estão sendo objeto inclusive de críticas da população brasileira, da opinião pública, e que estão sendo apontadas pela imprensa, o sentimento maior que percebo é de que o Congresso Nacional é considerado imprescindível pela população brasileira, é imprescindível que os representantes do povo estejam a cada momento externando o seu sentimento com toda liberdade. Acho que V. Exª, no pronunciamento de hoje, deixa isso muito claro. É um pronunciamento em defesa desta instituição que constitui o verdadeiro pulmão da democracia. Era isso que gostaria de afirmar. Era este o meu sentimento em relação às suas palavras.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Obrigado, Senador Suplicy.

A Senadora Ideli pediu a palavra e concedo o aparte com muito prazer.

A Srª Ideli Salvatti (Bloco/PT - SC) - Senador Cristovam, fui questionada pela imprensa sobre as declarações de V. Exª e coloquei, de forma muito clara, que, como não tinha ouvido o discurso, não sabia em qual contexto a declaração tinha sido feita. E fui, talvez, até muito dura na minha observação a respeito dessa questão de um plebiscito para a população avaliar o fechamento ou não do Congresso.

(Interrupção do som.)

A Srª Ideli Salvatti (Bloco/PT - SC) - Reputo uma discussão desta natureza como, mais ou menos, o equivalente a submeter a população à decisão de se deve haver pena de morte ou não. A tendência das pessoas, até pelo sentimento, até por uma avaliação no sentido de eliminar o problema, eliminar a violência, seria dar a pena máxima para quem comete a violência. É algo muito parecido com a situação que vivemos aqui: já que tem tanta mazela, já que tem tanta denúncia, já que tem tanto problema, já que tem tanto desvio, já que tem tanta situação que a população não consegue entender, vamos também aplicar a pena máxima, vamos aplicar a pena de morte, isto é, fechar o Congresso. Então, eu fiquei muito assustada, porque todos nós sabemos, e sou convicta de que...

(Interrupção do som.)

A Sra. Ideli Salvatti (Bloco/PT - SC) - ... é impossível admitirmos que se queira eliminar a vida - eu, pelo menos, não consigo vislumbrar pessoas que queiram isso - por mais hediondo que seja o crime. Sempre queremos fazer com que a vida possa florescer, que ela possa se realizar, conforme os desígnios do Criador, para aqueles que acreditam, ou da convivência entre as pessoas. E também não consigo vislumbrar a possibilidade de a democracia funcionar de forma adequada sem o Parlamento. É muito interessante, porque somos permanentemente criticados. Entre os Poderes, somos o mais devassado mesmo. Não há reunião que façamos onde não esteja a imprensa toda. Os nossos gabinetes são abertos; as pessoas nos param nos corredores, cobram-nos e nos questionam. Então, não tenho dúvida de que muitas das questões têm a ver exatamente com a abertura que o Parlamento tem, que o Executivo tem em menor grau e o Judiciário, em muito menor grau. Por isso, essa discussão em um momento como esse me causou muita apreensão, porque não quero fazer coro com aqueles que têm saudade da ditadura - alguns até resolveram renominá-la “ditabranda”, tentando fazer comparativos no sentido de que a ditadura brasileira não teria sido tão dura quanto a de outros países -, não quero fazer coro com todos esses saudosos. Não podemos dar o argumento e a oportunidade de fazer coro com aqueles que não querem o saneamento da instituição. Eles querem, efetivamente, que ela tenha pena de morte, que ela deixe de existir, porque obviamente, sem o Parlamento, a caixa de ressonância, o acesso, a possibilidade de significativos setores da sociedade poderem atuar e agir deixaria de existir. Por isso que eu fiquei muito preocupada. V. Exª, hoje, está dando toda a explicação do contexto em que essa frase foi colocada, e eu fico mais tranquila, porque acho que assustar da forma como assustou - se fechar, como é que vai ficar - acabou produzindo um efeito positivo, porque se é ruim com, com certeza será muito pior sem. Não tenho nenhuma dúvida disso. E nós temos o trabalho de aprimorar, de aperfeiçoar, de fazer as mudanças para que não tenhamos essas situações constantes de denúncias a respeito da atuação, dos posicionamentos e de determinadas situações que vêm acontecendo no Parlamento brasileiro.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Senadora, eu fico satisfeito, porque V. Exª trouxe a frase que deveria ser para encerrar o discurso: “assustou”. Eu acho que isso foi bom, assustar é bom, mas quero fechar com outra frase, Senador Mão Santa, se me permitir, mas uma frase que dura um pouquinho mais do que dez segundos.

         Espero que os Presidentes tratem o Mão Santa do mesmo jeito que ele está nos tratando ultimamente.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Vou dar a V. Exª dois minutos, mas lembro-lhe que, em um minuto, Cristo fez o Pai-Nosso, que, se rezarmos, vamos para o Céu; e são 56 palavras.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Não vou precisar de dois minutos.

Senadora Ideli, acho que a sua frase de que “assustou” seria a boa maneira de encerrar o meu discurso, mas vou fechar de outra maneira.

Quero dizer que é possível democracia sem presidente, mas não é possível democracia sem Congresso. Democracia sem presidente existe no parlamentarismo. O presidente é o chefe de Estado, não governa. O governante fica dentro do congresso, fica sentado ao lado dos outros parlamentares. Então, é possível democracia sem ter um Poder Executivo independente, mas não é possível uma democracia sem um Congresso independente.

Por isso, temos que zelar para que esta Casa, o Congresso inteiro seja não apenas um Poder, mas um Poder sintonizado, querido pelo povo, senão vai surgir aquela hipótese, sim, com Senador ou não propondo, de que o Congresso não é necessário. Até porque quando a gente compara com a pena de morte, é preciso lembrar que a pena de morte é contra bandidos e fechar o Congresso é contra parlamentares. Se a gente fizer a semelhança, a gente não está em boa companhia. É muito diferente.

E sou contra plebiscito para pena de morte também e, portanto, contra o plebiscito para fechar ou não o Congresso, até porque quando querem fechar não fazem plebiscito, chegam aqui e fecham, só precisando ter a legitimidade diante da opinião pública. E não podemos dar à opinião pública o pretexto para apoiar golpistas.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/04/2009 - Página 9855