Discurso durante a 48ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com a desocupação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.

Autor
Augusto Botelho (PT - Partido dos Trabalhadores/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Preocupação com a desocupação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 09/04/2009 - Página 10331
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • COMENTARIO, BIOGRAFIA, PEQUENO PRODUTOR RURAL, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RONDONIA (RO), APREENSÃO, NECESSIDADE, DESOCUPAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, CUMPRIMENTO, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), EXPECTATIVA, GOVERNO FEDERAL, PAGAMENTO, INDENIZAÇÃO, BENFEITORIA, REASSENTAMENTO, FAMILIA.
  • REGISTRO, APREENSÃO, DESEMBARGADOR, RESPONSAVEL, DESOCUPAÇÃO, PROPRIEDADE RURAL, POSSIBILIDADE, CONFLITO, TERRAS INDIGENAS, MOTIVO, DIVERSIDADE, GRUPO INDIGENA, AUSENCIA, SEPARAÇÃO, TERRAS.
  • COMENTARIO, PROBLEMA, EXCESSO, GADO, PRODUTOR, ARROZ, RESERVA INDIGENA, SUGESTÃO, GOVERNO FEDERAL, AQUISIÇÃO, ANIMAL, DISTRIBUIÇÃO, INDIO, REGIÃO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. AUGUSTO BOTELHO (Bloco/PT - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ocupo a tribuna na tarde de hoje para fazer alguns comentários sobre a minha gente lá de Roraima, a minha gente que está saindo de suas casas, dos seus lugares, para ir não sei para onde. Não sabem para onde vão, não sabem como vão viver.

O grupo de arrozeiros é um grupo estruturado, tem condições de viver. Mas vou falar aqui mais em nome das 100, 150 famílias que permanecem na área Raposa Serra do Sol.

Vou começar falando de um cidadão, que deve ter de 85 a 90 anos, o Sr. Joaquim Correia. O Sr. Joaquim Correia era dono do lago do Caracaranã, que é um ponto turístico tradicional em meu Estado. Os avós dele pagaram imposto para o Estado do Amazonas - eu vi os documentos, não estou falando em hipótese -, em 1890, sobre a propriedade que eles tinham ali. O Sr. Joaquim Correia, depois que saiu a decisão da Raposa Serra do Sol, já velhinho - sua esposa, D. Odete, morreu há uns dois anos -, pegou umas garrafinhas com água do lago do Caracaranã, que deve ter cerca de 100 hectares, um lago natural, pegou também uns saquinhos de areia da praia do lago do Caracaranã, colocou na bagagem dele, conversou com os netos, com os filhos, e saiu, foi para Boa Vista, para a fazenda de um outro filho, em outra região. E perguntaram a ele: “Vovô, por que você quer levar esse negócio?”. E ele disse: “Estou levando para que, quando eu morrer, vocês coloquem dentro do meu caixão”. Eu espero que ele viva bastante, mas, com o sofrimento por que está passando, é possível que morra. Rezo até para que não aconteça isso com ele.

O Sr. Joaquim Correia já passou um dia conversando com o nosso Presidente lá, quando ele não era Presidente, era apenas um militante do PT, dentro de sua sala. Ele me mostrou a sala. Eu conversei com ele, e ele me disse: “Eu passei um dia conversando com o Lula aqui. Será que ele vai me entender? Será que ele vai entender as coisas?”. Então, este está, desde 1890, com documentos comprovados.

Segundo o entendimento do Supremo, a fotografia que vale para definir as áreas indígenas é uma fotografia do País do dia 5 de outubro de 1988, dia da Constituição. Se o pai do Seu Joaquim e o avô dele já pagavam imposto em 1890, então, no lago do Caracaranã não tinha índio. Por que virou área indígena lá também? Porque um grupo de antropólogos falsificou um laudo e botou que havia índios, e aprovaram. O Supremo fez a sua decisão baseado num laudo antropológico viciado.

O Ministro Marco Aurélio mostrou bem os relatórios do Senado e da Câmara e também o relatório daquela comissão nomeada pelo juiz federal, que não tinha vício nenhum e que falava como era a situação. Mas foi a lei que tomou a decisão. A lei é suprema, e o Sr. Joaquim Correia está para lá.

Perto do Sr. Joaquim Correia, tem o Sr. Hart e a Dona Leonor também, dois cidadãos também idosos, que já estão há várias gerações no lugar. O Sr. Joaquim não tinha muito gado, mas o Sr. Hart deve ter umas 700 a 1.000 cabeças de gado. Ele vai botar o gado onde? Já velhinho, onde é que vai começar a vida de novo?

Então, são injustiças que a Nação brasileira está fazendo com brasileiros que foram para lá há séculos, com o intuito de resguardar a fronteira, de definir o que era território brasileiro.

         Tem também o Sr. Newton Tavares, que, apesar de ter ganho na Justiça, de ter uma decisão transitada no Supremo Tribunal Federal reconhecendo seus direitos sobre sua propriedade, retirou-se de lá porque a coisa ficou muito violenta.

           O Tribunal não falou nessas pessoas. Não ouviu essas pessoas para tomar a decisão.

           Tem o Domício Cruz, que já foi posto para fora duas ou três vezes. E outros. Estou citando só três, aqui, emblemáticos. São três pessoas com idade superior a 80 anos, que já viviam da agricultura e da pecuária nessa área, e que vão ser injustiçadas.

Concedo um aparte ao Senador Mozarildo Cavalcanti.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador Augusto, quero, na verdade, me solidarizar com V. Exª, porque nós dois temos travado aqui uma luta muito grande. Primeiro, foi na conversa, quer dizer, administrativamente, mostrando para o Governo e também para diversos governadores do Estado, para convencer tanto, antes, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, que não demarcou, como, depois, o Presidente Lula, para que não fizessem a demarcação desse jeito. Fizemos uma comissão temporária externa do Senado, que eu presidi, da qual V. Exª fez parte e o Senador Delcídio foi o Relator. Propusemos uma demarcação não conflituosa, harmônica, que pudesse atender pelo menos a grande parte das pessoas que estavam lá, como V. Exª frisou, as cerca de 500 famílias que estavam lá há quatro gerações, miscigenadas, a maioria delas, com índios; quer dizer, maridos índios casados com não índias, e vice-versa. Depois, não atendidos, entramos no Supremo Tribunal Federal. Inicialmente, tivemos uma liminar da Ministra Ellen Gracie. Depois, houve uma traquinagem do Ministro Márcio Thomaz Bastos, que cancelou uma portaria e editou outra, e o Presidente demarcou a área, sem que a portaria estivesse publicada. Entramos com uma nova ação, que terminou agora, com a decisão do Supremo pelo acolhimento em parte da nossa ação, porque, em parte, foi acolhida. Sem que seja publicado o acórdão, já estão tirando o restante das pessoas que estão lá; quer dizer, estão desterrando-as. Queremos entrar com embargos declaratórios para esclarecer pontos obscuros, como V. Exª colocou. Como fica fulano, que está numa área que não tinha índios, mas que está dentro do contorno estabelecido? Queremos, sim, apresentar embargos à decisão do Supremo. Ao mesmo tempo, nós dois, V. Exª e eu, já requeremos e fomos designados para acompanhar, do dia 20 ao dia 30, o final dessa operação, que não vejo como terminar nesse período. O Supremo foi tão lento, de 1999 até 2009, para decidir, e agora quer resolver em cerca de 30 dias. Então, espero que nós dois, estando lá, juntamente com o Governo do Estado, com a Assembléia Legislativa, possamos acompanhar passo a passo, para que as pessoas tenham um mínimo de tratamento digno e justo em uma hora tão dolorosa como essa, como V. Exª está frisando muito bem.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (Bloco/PT - RR) - Então, quanto a essas famílias que ainda estão lá e que serão retiradas, há promessa do Governo... de todos os governos, que fazem isso há 30 anos no meu Estado. Já existem mais de 2.500 famílias desterradas de suas casas, com promessa de indenização justa das benfeitorias e reassentamento em uma gleba onde pudessem viver. Dessas famílias, muitos já morreram. Os descendentes deles estão lá por Boa Vista. Há os que ainda estão no Mutum, no Socó, na Água Fria e no Surumu, quatro vilas que surgiram naturalmente como ponto de apoio daquelas comunidades e que vão ser extintas também por essa atitude insana que está sendo tomada.

Agora, também quero falar um pouco dos indígenas que estão lá. Do jeito que foi feito, com as cinco etnias numa área só, sem se definir o território de cada uma, haverá conflito, e não vai demorar muito. Os ingaricós já tinham até demarcado a área deles, mas foram englobados no pacote. Os macuxis, as comunidades de Contão, de Raposa, de Xumina e várias outras comunidades gostariam de ter suas áreas definidas. Por isso, eles são contra essa forma como foi feita. Se a área não for definida, vai-se estabelecer conflito.

Agora, quando forem desocupar as fazendas dos arrozeiros, quem vai ficar dentro da fazenda dos arrozeiros? São os índios do Cir, ou os índios da Sodiur, ou os índios da Alidicir, ou de outra organização? É aí que vai surgir o primeiro conflito. E o Desembargador Jirair, que está responsável pela execução, já está preocupado com esses fatos. São fatos que podem ocorrer. E podem acontecer coisas desagradáveis.

Então, eu quis aqui apenas trazer essa minha preocupação e dizer da minha solidariedade às pessoas que estão saindo das suas casas. Os próprios indígenas, muitos, também já estão saindo de lá e indo para a periferia da cidade, para viver em condições muito menos dignas do que aquelas em que viviam em suas comunidades. Essas pessoas dessas vilas são pobres. A indenização da casa delas mesmo não vai passar de R$10 mil ou R$15 mil. Com R$10 mil ou R$15 mil, elas não vão ter como viver na cidade. Lá, nas comunidades, viviam assim: era ele, um cunhado, um parente, um amigo. Quando ele não tinha farinha, o amigo fornecia; quando trabalhava e tinha, pagava ou dava. Ele tinha uma roça perto da casa dele de onde podia tirar o seu sustento. Ele tinha um trabalho, que fazia por lá. Vai para a cidade, onde há um nível de violência diferente, onde tudo é diferente. Essas pessoas vão sofrer muito.

Mas tenham certeza de que a justiça vai ser feita. Um dia vocês receberão uma indenização justa e um lugar para ficar. Márcio Thomaz Bastos prometeu que reassentaria todos e que pagaria uma indenização justa. Geralmente, justa não é, e não dá muita coisa. É preciso reassentar num local onde haja estrada, uma casa, luz elétrica. É assim que tem de ser reassentado. Já reassentaram algumas pessoas, mas nada disso que falei existe no lugar em que foram reassentados. Estamos trabalhando para ver se conseguimos isso. E, nesse período, vão viver onde, vão viver como?

Trago a público essa minha preocupação. Quero dizer que vamos ficar uns dias lá em Boa Vista, acompanhando os fatos, para evitar que haja violência e fazer tudo para que a coisa seja pacífica, para que não haja derramamento de sangue. Tristeza não há jeito de não ter. Que os indígenas que vão ficar entrem em um acordo, para que não haja conflito, definindo-se áreas para cada um e equilíbrio para os que ficarem na região.

Com essa pressa com que vão fazer, existem dois ou três mil hectares de arroz que ainda não foram colhidos e que serão perdidos. A média de tonelada por hectare de arroz, lá naquela região, é de 6,5 mil quilogramas de arroz por hectare. Mil hectare, dois mil hectares são 130 mil quilogramas de arroz. Bem, vamos ver o que vai ser feito. Espero que haja bom senso.

E também há o problema do gado, Mozarildo, que fica lá, que existe na região. Somando-se todo o gado dos arrozeiros e de algumas pessoas, isso talvez dê umas doze ou quinze mil cabeças. Por que o Governo não compra essas cabeças de gado por preço de mercado - isso, se os donos quiserem vender; muitos vão vender, porque não têm onde botar - e entrega para os indígenas? Os indígenas já são vaqueiros há 200 anos. Sugiro que o Governo pense realmente em comprar o gado dos produtores de lá para distribuir para os indígenas, que sabem cuidar e viver muito bem com o gado.

Era isso que tinha a dizer. Era só uma lembrança, só um desabafo sobre a situação da minha gente lá de Roraima.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/04/2009 - Página 10331