Discurso durante a 40ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro dos 45 anos do "movimento militar" de 1964 e comentário sobre fatos correlatos. Condenação às mordomias, criadas pela ditadura, e ainda mantidas pelo Poder Público.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DEMOCRATICO. ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.:
  • Registro dos 45 anos do "movimento militar" de 1964 e comentário sobre fatos correlatos. Condenação às mordomias, criadas pela ditadura, e ainda mantidas pelo Poder Público.
Aparteantes
João Pedro.
Publicação
Publicação no DSF de 02/04/2009 - Página 8191
Assunto
Outros > ESTADO DEMOCRATICO. ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
Indexação
  • REGISTRO, ANIVERSARIO, GOLPE DE ESTADO, DITADURA, REGIME MILITAR, IMPORTANCIA, ANALISE, PERIODO, REPRESSÃO, LIBERDADE, CENSURA, IMPRENSA, PERDA, DEBATE, FUTURO, PAIS, ESCLARECIMENTOS, FATO, HISTORIA, SUSPEIÇÃO, HOMICIDIO, JOÃO GOULART, JUSCELINO KUBITSCHEK, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, NECESSIDADE, DIVULGAÇÃO, NOME, VITIMA, OBJETIVO, RECEBIMENTO, HOMENAGEM POSTUMA.
  • REPUDIO, UTILIZAÇÃO, DADOS, SERVIÇO NACIONAL DE INFORMAÇÕES (SNI), DIFAMAÇÃO, ACUSAÇÃO, LEONEL BRIZOLA, POLITICO.
  • DENUNCIA, CONTINUAÇÃO, AMPLIAÇÃO, MORDOMIA, REGIME MILITAR, FAVORECIMENTO, TITULAR, PODER PUBLICO, PREJUIZO, DEMOCRACIA, ATUALIDADE, PERDA, REPUTAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, SEMELHANÇA, SITUAÇÃO, JUDICIARIO, EXECUTIVO, DETALHAMENTO, PRIVILEGIO, DESNECESSIDADE, EXERCICIO PROFISSIONAL.
  • REGISTRO, PRIVILEGIO, SETOR PRIVADO, ABATIMENTO, IMPOSTO DE RENDA, ESCOLA PARTICULAR, FILHO, DEPENDENTE.
  • DEFESA, ANALISE, VANTAGENS, RECEBIMENTO, CONGRESSISTA, RETIRADA, MORDOMIA, RECUPERAÇÃO, REPUTAÇÃO, LEGISLATIVO, PRESERVAÇÃO, ESTADO DEMOCRATICO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Cumprimento o Sr. Presidente; as Srªs Senadoras e os Srs. Senadores; as Srªs Prefeitas e os Srs. Prefeitos aqui presentes. Agradeço ao Senador Valadares, que me cedeu a vez.

Sr. Presidente, hoje, completamos 45 anos de um movimento militar que derrubou um presidente, que exilou milhares de pessoas, que prendeu outras milhares de pessoas, que censurou durante 21 anos a imprensa e que deixou o Brasil com 20 anos perdidos no debate sobre o futuro que deveríamos seguir. São 45 anos desse movimento. Por coincidência, neste mesmo dia, houve o falecimento daquele que liderou a redemocratização no País vizinho: a Argentina.

Não podemos deixar passar estes 45 anos em branco, até porque, Senador João Pedro, até hoje, não estão esclarecidos todos os fatos daquele momento. O Presidente João Goulart foi ou não assassinado? O Presidente Juscelino Kubitscheck foi ou não assassinado? Ainda há segredos escondidos. Os nomes das vítimas que desapareceram ainda não estão consolidados, ainda não apareceram, para receberem as homenagens que devem. E há algo ainda pior: 45 anos depois, um homem como Leonel Brizola, que dedicou sua vida à luta por um Brasil melhor, é acusado com base em informações do Serviço Nacional de Informações (SNI). E são informações selecionadas, porque o conjunto das informações não soltam, ou seja, soltam as informações que lhes interessam para difamar um homem já morto, que, até o final de sua vida, com mais de 80 anos, lutou, sempre do mesmo lado, na mesma posição, por um Brasil melhor.

Mas o que quero falar mesmo hoje, Sr. Presidente, é que, apesar de nestes últimos 24 anos haver aqui uma democracia, apesar de termos feito a anistia, apesar de termos legalizado todos os partidos, apesar de haver absoluta liberdade política e de imprensa, deixamos algo criado pela ditadura que não acabou ainda: a malfadada instituição das mordomias do Poder Público. Sobre isso, é preciso fazer uma reflexão, até porque são essas mordomias que, neste momento, começam a ameaçar a própria democracia, pela desmoralização que sofremos no Congresso. É possível, sim, que tenhamos aqui alguns benefícios não necessários para o exercício da profissão. O que caracteriza uma mordomia é a existência de algo que não é necessário para o exercício da profissão, da atividade ou da função ou de algo incompatível com a necessária austeridade de um país que não é rico do ponto de vista da sua população.

Temos de fazer uma reflexão para sabermos se aquilo que usamos aqui com recursos públicos faz parte do necessário para o bom exercício da atividade ou se é um excesso. É claro que um Parlamentar precisa de passagens para ir às suas bases. Num País como o Brasil, isso não é mordomia, salvo se o dinheiro é usado para benéfico próprio, para férias, para concessão de passagens - aí vira mordomia. É possível, sim, que se precise de um automóvel - nem garanto que seja necessário - para que haja o bom funcionamento do seu cargo; se isso for necessário, não é mordomia. É claro que Parlamentares que moram fora do Distrito Federal têm de ter um lugar onde viver; isso não é mordomia. Mas, se quem mora no Distrito Federal usa apartamento funcional, isso é mordomia. Se, pior ainda, recebe recursos que seriam para ajudar a pagar aluguel, morando em casa própria no Distrito Federal, isso é mordomia. O que nos está desmoralizando hoje é que misturamos o que é necessário para o bom exercício da função e aquilo que caracteriza excesso de privilégios, de benefícios, em valores superiores ao que a pobre população brasileira pode pagar. Horas extras? Se a pessoa, de fato, trabalha, hora extra devia ser uma condecoração ao excesso de trabalho, mas, se não trabalha, é uma mordomia que não deve ser tolerada.

Por isso, aquilo que tanto criticamos na ditadura hoje sobrevive na República brasileira. Talvez, seja isso que está ameaçando tanto a honra de cada um de nós e do conjunto desta Casa. Mas vamos falar com franqueza: não é só aqui que ainda continuam mordomias criadas e ampliadas depois que terminou o regime militar, porque hoje são maiores ainda; se olharmos os outros dois Poderes, veremos que neles não há menos mordomias do que aquelas que pode ser que tenhamos, dependendo da análise do que necessitamos, do que é excesso ou não.

Muitos não gostam de tocar no assunto, mas, no Poder Judiciário, da maneira como funciona no Brasil, há ou não um conjunto de regalias que a gente pode considerar das velhas mordomias que criticávamos no regime militar? Há uma diferença: naquele tempo, Senador Osmar, o número dos que recebiam essas mordomias era muito menor do que o número dos que hoje delas se beneficiam, sem falar também que o tamanho delas seja igualmente grande.

Felizmente, agora, há transparência, e a imprensa, com uma lupa, inclusive, sedenta às vezes até, identifica, aponta e mostra essas mordomias para que aprendamos e corrijamos nossas falhas.

Os prédios do Poder Judiciário são ou não são uma mordomia em um País onde mais de sessenta milhões vivem em casebres? Há mordomias espalhadas por este País. E os cartões de crédito usados pelo Poder Executivo para comprar coisas que a gente sabe que nada têm a ver com o exercício da atividade? Isso é ou não mordomia, em um nível talvez maior do que aquele que havia durante o regime militar?

Tudo isso é mordomia. Mas não fiquemos aí. Vamos falar com franqueza. Há mordomias, sim, no setor privado, quando se usa de artifícios para descontar no Imposto de Renda gastos feitos em interesses pessoais. Ou será que não há setores do setor privado que financiam viagens, almoços ou jantares com recursos deles, mas que depois descontam no Imposto de Renda? E até mesmo, vamos dizer, há o nobre uso de recursos para pagar uma boa escola privada para seus filhos, mas com dinheiro público, porque descontam no Imposto de Renda o dinheiro que se gastou com educação. Isso é ou não é mordomia? E, neste País, para se dar educação a uma criança pobre, gastam-se R$1,4 mil por ano, sendo que as classes média e alta chegam a gastar, com cada filho, R$2,5 mil dos recursos que recebem do Tesouro Nacional.

Somos um País de mordomias. Somos uma democracia de mordomias. Logo, não somos uma democracia completa. O mais grave ainda é que não somos uma República, porque, em uma República, os direitos têm de ser iguais para todos. E não se podem tolerar privilégios. Tolera-se, sim, conceder mais recursos para uns do que para outros quando são necessários esses recursos para o exercício da atividade, para o exercício da profissão, e aí não é mordomia.

Por isso, antes de dar um aparte ao Senador João Pedro, quero dizer que todos me perguntam como moralizar, como resolver. Um verbo resolveria tudo isso: é preciso “desmordomizar” a República brasileira, é preciso acabar com a mordomia. É preciso “desmordomizar” a República brasileira, acabando com os privilégios por meio do uso dos recursos públicos.

E vou mais longe: quando uma pessoa, com seu dinheiro, constrói uma casa maravilhosa, graças ao salário mínimo ridículo de um trabalhador, de um pedreiro, isso é uma mordomia também. Isso é uma mordomia dentro do próprio setor privado, em que uns podem se beneficiar de privilégios que os outros não têm.

           Temos de “desmordomizar” a República brasileira. Para mim, esse é o caminho para retomarmos a credibilidade do setor público. E, dentro do setor público, há o que mais nos interessa individualmente: o prestígio desta Casa. É preciso analisar com franqueza, analisar com detalhes o que aqui recebemos que faz parte do necessário para o bom exercício da profissão e o que usamos sem ser para o firme e correto exercício da profissão: que parte é de recursos para atividade e que parte é de recursos para mordomia?

           Importamos isso do regime militar, em vez de com isso acabar, como acabamos com a censura, como acabamos com as prisões políticas, como acabamos com os exílios. Não acabamos com as mordomias. Passamos a usá-las, de forma ampliada, dentro da democracia. Somos uma democracia dividida em castas: uma que pode se apropriar de mordomias e outra que fica vivendo no limite do mínimo necessário. Vamos “desmordomizar” a República brasileira. Só assim, a gente vai poder completar a democracia e ganhar o respeito da opinião pública.

Sr. Presidente, esse era meu discurso, mas eu gostaria de dar um aparte ao Senador João Pedro, que muito me orgulha e honra com seu pedido de fala.

           O Sr. João Pedro (Bloco/PT - AM) - Serei rápido, Senador Cristovam. Eu gostaria de parabenizá-lo pelo pronunciamento. Esse debate não está no âmbito apenas do Senado. V. Exª chama a atenção do Estado brasileiro para as providências que precisamos adotar. O Senado pode adotar providências, tirar lições, com o princípio da transparência. Podemos, sim, dar demonstração de transparência, com firmeza e com gestão competente, e melhorar esses números do Senado. Precisamos abrir isso, para que outros não o façam com essa lógica do escândalo, da desqualificação. Isso é muito ruim para a democracia. Da primeira parte do pronunciamento de V. Exª, quero destacar - por conta de refletir sobre os 45 anos da ditadura militar, que, agora, alguns historiadores falam em abrandar, em justificar - que a ditadura foi um golpe contra a democracia e contra as instituições democráticas do nosso País, e precisamos repudiá-la. Assusta-me quando o Clube Militar, no Rio de Janeiro, reúne-se para reafirmar aquele que foi o período mais obscuro da recente história do Brasil, que foi período da ditadura. No corredor que dá acesso a este plenário, existem fotos de tanques e de carros militares cercando este Senado, cercando o Congresso Nacional. Então, deve ser repudiado aquele período, e, sobre ele, deve-se refletir. Ditadura nunca mais! Desse processo, conquistado com muita luta, precisamos tirar lições. O Senador Arthur Virgilio está aqui.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

           O Sr. João Pedro (Bloco/PT - AM) - Já encerro, Sr. Presidente. Gostaria de fazer um aparte. O Presidente Sarney fez um apelo, por conta do avançado da discussão. Chama-se o Ministro da Justiça, chama-se o Delegado-Geral da Polícia Federal, mas para que o debate seja completo tem de estar aqui também o Ministério Público, o Juiz, Dr. Fausto, para fazermos a discussão. Não se trata de culpar este ou aquele, mas de construir um Estado brasileiro democrático que possa ser capaz de fazer investigações sem macular, sem transgredir. Enfim, precisamos tirar dessa conjuntura lições. O Senado pode fazer um debate profundo no sentido de avançarmos para um Estado Democrático de Direito. Muito obrigado.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Concluo, Sr. Presidente. Peço apenas um minuto para dizer que não podemos deixar passar em branco os 45 anos em que este Congresso Nacional foi cercado, não podemos deixar em branco a preocupação de que isso possa voltar a ocorrer, com o aplauso do povo brasileiro, se nos desmoralizarmos. Às vezes, surpreende-me o fato de que nenhum general ainda não tenha dito que é preciso fechar o Congresso por conta dos desmandos que a imprensa aponta como existentes.

Por isso, faço um apelo para que completemos a democracia. Não basta a anistia, não basta a legalização dos partidos. Precisamos, sim, acabar com os privilégios, com esse distanciamento, com as mordomias. Precisamos “desmordomizar”, precisamos acabar com as mordomias que este País oferece para suas classes privilegiadas.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/04/2009 - Página 8191