Discurso durante a 44ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Leitura de artigo do Deputado Aldo Rebelo, intitulado "O Erro em Roraima", publicado no jornal O Estado de S.Paulo, sobre decisão do Supremo Tribunal Federal acerca da constitucionalidade da demarcação da reserva indígena Raposa/Serra do Sol.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Leitura de artigo do Deputado Aldo Rebelo, intitulado "O Erro em Roraima", publicado no jornal O Estado de S.Paulo, sobre decisão do Supremo Tribunal Federal acerca da constitucionalidade da demarcação da reserva indígena Raposa/Serra do Sol.
Publicação
Publicação no DSF de 03/04/2009 - Página 9021
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTORIA, DEPUTADO FEDERAL, CRITICA, JULGAMENTO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), DECISÃO, RETIRADA, PEQUENO PRODUTOR RURAL, REGIÃO, REGISTRO, SUPERIORIDADE, AREA, FAIXA DE FRONTEIRA, AMEAÇA, SOBERANIA NACIONAL, POSSIBILIDADE, AMPLIAÇÃO, CONFLITO, INDIO, REPUDIO, INTERFERENCIA, COMISSÃO, DIREITOS HUMANOS, ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA), BRASIL, VIOLAÇÃO, DIREITOS, GRUPO INDIGENA, INCOMPETENCIA, ENTIDADE, AMBITO INTERNACIONAL, DELIBERAÇÃO, POLITICA INDIGENISTA, AMBITO NACIONAL, DISCORDANCIA, EXCESSO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), REGIÃO AMAZONICA.
  • DEFESA, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, DEPUTADO FEDERAL, GARANTIA, DELIBERAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, ANTERIORIDADE, HOMOLOGAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, RESERVA INDIGENA, CRITICA, POLITICA INDIGENISTA, GOVERNO FEDERAL, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), MINISTERIO, JUSTIÇA, INEFICACIA, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS.
  • DISCORDANCIA, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), MANUTENÇÃO, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), ELOGIO, MINISTRO, CONTESTAÇÃO, EXTENSÃO, TERRAS INDIGENAS, APREENSÃO, JURISPRUDENCIA, POSSIBILIDADE, FRACIONAMENTO, TERRITORIO NACIONAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente Lúcia Vânia, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, durante estes últimos dias, estamos em Roraima consternados com a decisão que o Supremo tomou de acolher só em parte a ação que eu e o Senador Augusto Botelho impetramos, diga-se de passagem, já há vários anos, contra a forma de demarcação que foi feita na reserva Raposa Serra do Sol, lá no meu Estado.

Mas, quando eu falo aqui, Senadora Lúcia Vânia, sempre há aquela interpretação de que eu estou advogando em causa própria, de que eu tenho interesses políticos, até dizer que, por exemplo, em vez de estar advogando no interesse de cerca de quinhentas famílias que lá viviam, ou vivem ainda há quatro décadas, em vez de dizerem, por exemplo, que eu advogo a parte da maioria dos índios que não queria essa demarcação assim, dizem que, por exemplo, tanto eu quanto o Senador Augusto Botelho estávamos defendendo meia dúzia de arrozeiros que produzem 25% do PIB do meu Estado, como se não fosse legítimo defendê-los também - repito, também -, porque, primeiramente, estava defendendo, estou defendendo e continuo defendendo, os interesses daquela maioria.

Mas, para não dizer que as palavras são minhas, eu quero ler um artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo, do dia 29 do mês passado, de autoria do Ilustre Deputado Aldo Rebelo, cujo título é “O Erro em Roraima”. O Deputado Aldo Rebelo, é preciso dizer, foi Presidente da Câmara dos Deputados; foi Presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados; Ministro do Governo Lula e é um eminente parlamentar do Partido Comunista do Brasil. Portanto, não tem vínculo com o capital, representado pelos arrozeiros; não tem vínculo, portanto, com as ONGs que manipularam essa questão.

Portanto, eu vou ler as palavras dele e fazê-las como se minhas fossem. Ele começa o artigo: “Pior que um crime, é um erro.”

E ele diz que essa frase é de Talleyrand, Ministro francês. E começa:

Ao saber que Napoleão Bonaparte mandara matar o Príncipe Louis Antoine Henri de Bourbon-Condé, mais conhecido como duque de d’Enghien, o poderoso Ministro das Relações Exteriores Charles-Maurice de Talleyrand-Périgord alertou sua majestade de que o ato era mais grave do que parecia e poderia trazer, como trouxe, dissabores ao imperador impetuoso. A advertência se aplica a decisões irrefletidas que o Brasil vem tomando em áreas estratégicas, como a de proteção geopolítica do território, de que é exemplo a recente decisão do Supremo Tribunal Federal de ratificar a destinação de 1,7 milhão de hectares da reserva Raposa Serra do Sol, numa zona de fronteira, para usufruto exclusivo de cinco tribos indígenas.

E aqui é bom dizer que, dessas cinco, a maioria, pelo menos, três - e digo mais, quatro, porque uma só que é o Conselho Indígena de Roraima, queria dessa forma. Então, esse usufruto não é, na verdade, exclusivo para um tipo só, uniforme de índios. Aliás, também é bom esclarecer: dos três Municípios atingidos, Senadora Lúcia Vânia, dois Prefeitos são índios; do terceiro, cujo Prefeito não é índio, o Vice-Prefeito é índio.

Do Município que está bem no núcleo da reserva, dos nove Vereadores, sete são indígenas e os outros, descendentes de indígenas ou miscigenados com indígenas.

Mas continua o Deputado Aldo Rebelo:

Conforme os Ministros votavam, até as pedras sabiam que o Supremo iria manter, em Roraima, a desastrada decisão do Executivo de agredir a formação social brasileira ao expulsar os não índios e edificar uma espécie de Muro de Berlim, que separa nacionais como se inimigos fossem. Até as pedras sabiam que a decisão correta a tomar era acomodar os direitos de índios (incluindo os que são contra a demarcação da reserva em área contínua e apoiam a presença de arrozeiros) e de outros brasileiros que lá se estabeleceram, no modelo secular de ocupação do território. É um truísmo reconhecer que os nordestinos, goianos e gaúchos que arribam para a Amazônia repetem a epopeia dos bandeirantes, e sua presença não significa um esbulho dos direitos indígenas. Até as pedras sabiam que a decisão correta era a abrangente, sem particularismos étnicos ou unilateralidades de ambições, e que o sagrado direito dos índios a terras que tradicionalmente ocupem seria mais bem respeitado pela demarcação da reserva em ilhas comunicantes, e não em área contínua. Até as pedras sabiam que nesses conflitos intestinos não pode haver derrotados, e só se admite um vencedor:

a Nação e os interesses permanentes de seu povo.

Se o Executivo, por intermédio da Fundação Nacional do Índio [a famigerada Funai; ele não chama de famigerada, eu chamo; ele acha que é um órgão nocivo ao País] e do Ministério da Justiça [comandada pelo Ministro Tarso Genro, que de justiça não tem nada - isso também acréscimo meu; não vou colocar na boca do Deputado], que demarcaram e homologaram a reserva, falhou ao separar brasileiros em castas beneficiadas e prejudicadas [quer dizer, brasileiros em classes privilegiadas e outras prejudicadas], ainda havia esperanças de que o Supremo, como tribunal político, formasse em conjunto o que apenas o Ministro Marco Aurélio de Mello foi capaz de fazer ao lavrar um voto de estadista no que chamou de “momentosa controvérsia”. O ministro atentou na História ao observar que é necessário conjugar “dispositivos que conferem proteção aos índios em conjunto com os demais princípios e regras constitucionais, de maneira a favorecer a integração social e a unidade política em todo o território brasileiro”. Foi assim que construímos uma Nação isenta do fratricídio racial que jorra desunião e sangue nos outros países, pois, como observou o ministro, o “convívio harmônico dos homens, mesmo ante raças diferentes, presente a natural miscigenação, tem sido, no Brasil, responsável pela inexistência de ambiente belicoso”.

Desunião e sangue parecem estar, no entanto, no horizonte dos pregam a fabricação e o acirramento do confronto. Como se pode ler na edição do dia 22 deste jornal, há quem preveja, se é que não deseja, que as naturais divergências entre nacionais assumam no Brasil a dimensão bélica que se verifica em Israel e o Hamas no Oriente Médio. Os que escrevem a imitação burlesca deste novo livro do Apocalipse são os mesmos que procuram internacionalizar as contradições internas. Agora mesmo, o Estado brasileiro é réu na Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), acusado por uma incerta Fundação Interamericana de Direitos Humanos de violar prerrogativas dos índios.

O recurso a organismos multilaterais é o meio mais rápido de abrir caminho para resoluções que viabilizem, e mesmo legalizem, a interferência estrangeira em assuntos exclusivos do Brasil. De qualquer forma, convém registrar a frequência e a estridência de ONGs em causas sempre associadas à exploração do território e a recursos naturais, sobretudo na Amazônia mais erma. Salta aos olhos que não se vejam ONGs tão eloquentes em socorro de índios que vegetam na árida cidade de São Paulo.

Realmente, fazendo um parêntese, Senadora, quando se trata de índios na Amazônia, existem cerca de 300 ONGs para cada índio. Mas, quando se trata de ONGs cuidando dos índios que estão em São Paulo, não há uma sequer.

Tampouco, na outra ponta, que se omitam na vigilância de interesses do conjunto do País, a exemplo do nosso próspero agronegócio estrangulado pelo protecionismo dos países que controlam os organismos multilaterais.

As decisões tomadas pelo aparelho de Estado, incluído o Judiciário, em relação à Raposa-Serra do Sol e mesmo à absurda área de 9,6 milhões de hectares reservada aos ianomâmis na fronteira com a Venezuela não podem ser admitidas como fato consumado.

Urge resistirmos, dentro da ordem e de forma não-violenta. Uma forma disponível de resistência democrática é o projeto de lei que apresentamos, em associação com o deputado Ibsen Pinheiro, para que o assunto seja submetido ao Congresso Nacional.

E aqui quero fazer um outro parêntese. É impressionante. Eu tenho uma emenda constitucional apresentada em 1999, uma proposta de emenda à Constituição, aprovada na CCJ; veio para o Plenário, passaram as cinco sessões de discussão em primeiro turno, quando chegou a quinta sessão, o Senador Aloizio Mercadante, que era Líder do Governo, junto com os Líderes que são da base, pediram que voltasse à CCJ para rediscussão. E lá, sucessivos mecanismos de protelação fizeram com que essa PEC ficasse mofando lá. Depois, o Senador Juvêncio apresentou uma PEC em 2004, que foi anexada a minha de 1999 e só agora foi para votação com o relatório do Senador Valter Pereira, que acolheu as duas emendas constitucionais, que, em suma, querem o quê, Senadora Lúcia Vânia? Que o Senado, que é a Casa da federação, examine as demarcações que a Funai faz antes que o Presidente homologue. Não é assim que o Senado faz com relação aos Ministros do Supremo, do STJ, dos Tribunais Superiores todos, dos Embaixadores, só para depois o Presidente nomear? Como é que se tira terra dos Estados sem sequer o Senado tomar conhecimento? E o Senado é o quê? É a Casa que representa os Estados. Então, a União - a União, não -, o Governo, o Poder Executivo, o Presidente da República está fazendo uma interferência, uma intervenção nos Estados ao bel-prazer, e nós não podemos falar.

Atualmente, as reservas são delimitadas com base em pareceres unilaterais da Funai e homologadas por decreto do presidente da República. O projeto [o projeto deles] mantém a prerrogativa do Poder Executivo [isto é, não se está tirando a prerrogativa do Presidente de demarcar ou da Funai de fazer o levantamento] para definir as terras indígenas, mas determina que a homologação seja feita por lei ordinária, sujeita à apreciação do Legislativo. Outra inovação é que não se fará demarcação de terra indígena em faixa de fronteira.

Nos Estados Unidos, onde há tantas ONGs defendendo essa questão, não há uma reserva na sua fronteira; nenhuma. Eles guerrearam e acabaram com todos os seus índios. Os que sobraram estão em reservas no meio do País. Não há uma reserva na faixa de fronteira.

         Tanto a Reserva Raposa-Serra do Sol quanto a Ianomâmi e outras estão na linha de fronteira; não estão nem na faixa. As reservas estão na linha, coladas com outro país. E o Brasil assiste a tudo isso como se nada estivesse acontecendo.

         Poder soberano e popular por excelência, o Parlamento poderá oferecer soluções isonômicas para um problema que se agrava e prevenir a implantação no Brasil de um Estado multiétnico e uma Nação balcanizada, fomentada pela leniência interna e por interesses externos.

Portanto, quero cumprimentar o Deputado Aldo Rebelo, que, não sendo de Roraima, mas conhecendo o problema de Roraima - lá foi, inclusive, conhecer o problema in loco -, escreve um artigo que nem eu, que nasci lá, que conheço o sofrimento de lá, escreveria com tanta perfeição. Já o li na íntegra, mas quero pedir que seja transcrito esse brilhante artigo do Deputado Aldo Rebelo para constar que foi publicado no jornal O Estado de S. Paulo.

Ao mesmo tempo, quero pedir a atenção dos Senadores para essa Emenda Constitucional de 99, que está juntada, agora, com a emenda do ex-Senador Juvêncio da Fonseca, para que nós possamos criar um marco regulatório nessa questão e apreciar as demarcações.

Nós não estamos pedindo que o Presidente deixe de homologar, não estamos pedindo que a Funai deixe de estudar as reservas indígenas. Se eles estão fazendo certo, por que temem que examinemos? Se o que eles estão fazendo é, como dizem, transparente, por que têm medo que o Senado investigue?

Nós somos suspeitos porque representamos os Estados, porque temos nossos interesses? Querem coisa mais legítima do que alguém que é eleito pela população para defender o seu Estado? Será que têm mais legitimidade do que nós os antropólogos, será que tem mais legitimidade a Funai ou o próprio Ministro da Justiça? Será que têm? Não têm, com certeza. Não conhecem, esse é que é o problema.

Relativamente a essa questão da Raposa-Serra do Sol, eu vou, inclusive, Senadora Lúcia Vânia, fazer uma coletânea de todos os dados, desde o primeiro passo, para ficar marcada na história, inclusive com o voto do Ministro Marco Aurélio, porque o que o Supremo fez, lamentavelmente, acolhendo em parte, mesmo botando uma série de condicionantes, foi chancelar uma fraude que o Poder Executivo fez: o Poder Executivo induziu o Poder Judiciário maior do País a chancelar um erro.

Na verdade, essa demarcação da Raposa-Serra do Sol é um conjunto de fraudes, de crimes, que se montou para impor à Nação brasileira esse absurdo. E, como disse o ex-ministro e Deputado Federal Aldo Rebelo, na verdade, nós não podemos ser lenientes numa situação dessa. Vamos continuar a luta. A mim, ninguém vai imputar o fato de ter ficado com medo, ter ficado calado e não ter agido.

Agi como parlamentar, agi como cidadão ao entrar com uma ação no Supremo, e agi várias vezes em nome do Senado indo à reserva - vou continuar indo, inclusive. Não vou me comportar como um daqueles três macaquinhos - um está com as duas mãos nos olhos para dizer que não está vendo; o outro, com as duas mãos nos ouvidos para dizer que não está ouvindo; e o terceiro está com as duas mãos na boca para dizer que não está falando. Eu vi, ouvi e vou continuar falando.

Muito obrigado, Srª Presidente.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

Artigo do Deputado Aldo Rebelo intitulado “O Erro em Roraima”.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/04/2009 - Página 9021