Discurso durante a 52ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre o atual estágio da crise financeira internacional.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PARTIDARIA. ECONOMIA NACIONAL.:
  • Considerações sobre o atual estágio da crise financeira internacional.
Publicação
Publicação no DSF de 16/04/2009 - Página 11038
Assunto
Outros > POLITICA PARTIDARIA. ECONOMIA NACIONAL.
Indexação
  • REGISTRO, INICIATIVA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DEMOCRATICO TRABALHISTA (PDT), REALIZAÇÃO, SEMINARIO, DISCUSSÃO, POSSIBILIDADE, BRASIL, COMBATE, EFEITO, CRISE, SISTEMA FINANCEIRO INTERNACIONAL, ECONOMIA NACIONAL.
  • IMPORTANCIA, COMISSÃO, SENADO, ESTUDO, CRISE, PROPOSIÇÃO, ALTERAÇÃO, ESTRUTURAÇÃO, ECONOMIA NACIONAL, CARACTERISTICA, TRABALHADOR, BRASIL, PRIORIDADE, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, INVESTIMENTO, CRIAÇÃO, EMPREGO, SETOR, TECNOLOGIA, EDUCAÇÃO, EMPENHO, ATENDIMENTO, INTERESSE PUBLICO.

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O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ontem, à tarde, ouvimos aqui um discurso, que me impressionou muito, do Senador José Agripino, uma análise extremamente correta, a meu ver, da crise que a gente vive - embora, do ponto de vista de propostas, eu tenha visões diferentes.

Ontem, à tarde também, meu partido, o PDT, realizou um encontro de debates, um seminário, para discutir para onde devemos conduzir o Brasil a partir deste momento de crise, Senador Adelmir, e V. Exª é um dos que participam de tudo isso como empresário.

O que a gente está vendo neste momento, a meu ver, é a discussão sobre o tamanho da crise: se é marola, marolinha, tsunami; a gente está discutindo pouco qual é a verdadeira e profunda causa dessa crise. O problema do qual temos que ter consciência para encontrar a saída não é o tamanho da crise; é aquilo que a causa. E, na análise da causa, lamentavelmente, aqueles que a procuram têm-se limitado a um aspecto superficial, à parte que aparece da crise, sem mergulhar fundo, sem tentar encontrar a raiz da crise.

Colocar a crise no sistema bancário, a meu ver, é um equívoco, porque o sistema bancário reage ao que o setor produtivo produz. O que acontece no mundo inteiro - e os Estados Unidos foram um exemplo, mas o Brasil também é - é que a soma de tudo o que a gente produz na economia tem um valor muito maior do que a quantidade de dinheiro que a gente tem no bolso ou na conta bancária. E, se o valor do que é produzido é maior do que aquela quantidade de dinheiro de que a gente dispõe para comprar, só tem uma maneira de resolver: é comprando fiado, é financiando, é tirando crédito, é usando cartões de crédito, é usando empréstimos bancários, como, aliás, o Senador José Agripino, ontem, alertou. Mas volto a dizer: o Senador Mão Santa falou nisso há mais de um ano, quando ele lembrou aqui a crise que viria do excesso de empréstimos feitos no Brasil.

Então, o que está por trás da crise, Senador Osmar, é o fato de que o produto da economia é maior do que a disponibilidade de dinheiro. Aí, para comprar, a gente precisa tirar dinheiro emprestado; e, um dia, quebra, porque a pessoa descobre que não pode pagar.

O Presidente, ontem, disse que metade da crise vem da psicologia e do pânico. Até pode ser que ele tenha razão, mas o pânico coletivo é o resultado da inteligência individual. É o indivíduo que diz: “Vai faltar dinheiro no banco para pagar a conta que tenho lá”. E corre ao banco. Quando ele vai sozinho, inteligentemente, a massa vai atrás. E, mesmo que tenha dinheiro sobrando, todos correm, e aí falta dinheiro. Por que falta dinheiro no banco, se a gente depositou lá? É porque cada vez que a gente deposita R$1,00, o banco empresta R$2,00, R$3,00, R$4,00, R$5,00, porque o dinheiro volta a ser depositado depois que ele empresta.

O que acontece é que, para a economia crescer na velocidade que crescia, para financiar aquelas casas imensas americanas, os automóveis no Brasil, foi preciso que o banco emprestasse não cinco, seis vezes o que recebe, mas até 70 vezes o que recebia; houve a chamada alavancagem irresponsável. Mas essa alavancagem irresponsável dos bancos - e não há dúvida de que é irresponsável -, foi o que manteve a taxa de crescimento na economia mundial. É isso o que, a meu ver, as pessoas não querem entender. A taxa de crescimento que tivemos nas últimas décadas, esse milagre, esse mundo geral, global, veio da alavancagem irresponsável dos bancos.

E a saída para essa crise? Tem a saída tradicional: já que os bancos não têm mais dinheiro, porque se descobriu que não tinham - e eles não têm -, o Governo passa a colocar dinheiro nos bancos para financiar os mesmos produtos. Isso é um adiamento da crise com dinheiro público! Essa não é a saída da crise. A saída da crise, neste momento, implica colocar dinheiro, sim, para se retomarem as vendas imediatamente; mas implica, sobretudo, mudar o perfil do produto da economia mundial e da economia brasileira. E foi isso que se fez na última crise e foi isso que discutimos ontem no PDT, no seminário que fizemos.

Em 1929, uma crise tão grande ou maior do que essa chegou ao Brasil. E um Presidente chamado Getúlio Vargas conduziu o Brasil para sair da crise. E o que fez ele naquele momento? Duas coisas. Primeiro, a crise, qual era? Hoje, é de não vender carro; ali, era de não vender café; hoje, é de não vender para o público interno; ali, era de não vender para os Estados Unidos e Europa o café que a gente produzia. O que fez Getúlio? Passou a comprar o café e a queimá-lo, o que parece estupidez, mas era a saída para manter o emprego na produção cafeeira e manter o pé em pé, porque senão iam derrubá-lo e vender como lenha. Mas isso não foi o que trouxe um novo momento para o Brasil. O que trouxe um novo momento para o Brasil foi que o Presidente Getúlio Vargas percebeu, pela intuição política provavelmente dele, que a crise vinha também de uma disputa interna entre dois projetos alternativos: o projeto rural, agrícola, exportador e um projeto novo, que queria nascer, industrial, urbano, produzindo para o mercado interno. E ele fez a opção dele; a opção dele foi pela indústria, foi pelo urbano, foi pelo mercado interno. Claro que manteve a compra do café durante algum tempo, para que a economia agrícola não quebrasse, como a gente tem que fazer para não deixar que quebre a indústria automobilística. Mas ele não ficou nisso. E o que fez com que entrássemos em um período de décadas de crescimento foi o fato de que mudamos o eixo da economia brasileira. Fizemos uma inflexão na história do Brasil: saímos daquela economia agrícola, rural, para exportação, e entramos numa economia industrial, urbana, para o mercado interno.

Hoje, estamos novamente numa situação parecida. Vivemos uma crise financeira, uma crise econômica de produção, mas temos também, no subterrâneo da sociedade, uma disputa entre dois projetos: o projeto de uma economia produtora, depredadora da natureza, incompatível com o meio ambiente, ou o de uma economia sustentável, sustentada com a natureza. Temos uma briga entre a economia dos produtos de alto preço, para o topo da pirâmide rica, e uma economia voltada para a base da pirâmide, pobre.

E, aqui, entra a grande chance que o Brasil tem hoje: aproveitar essa crise para fazer uma inflexão, Senadora Serys, em direção a uma nova estrutura econômica. Não falo nova estrutura do ponto de vista da propriedade, como a gente falava antigamente. Falo nova do ponto de vista do produto: sairmos da economia industrial mecânica para a economia da inteligência, do conhecimento, porque aí está o futuro, como, em 1930, estava o futuro na indústria mecânica. Hoje, está na indústria do conhecimento, na indústria da produção de saber. É aí que está o futuro, e, ao mesmo tempo, em uma economia que venha compatível, equilibrada com o meio ambiente.

Esse desafio, a meu ver, não está passando na cabeça daqueles que estão procurando alternativas no Brasil. Continuamos prisioneiros da visão do curto prazo, do imediato; a mesma coisa que fez Getúlio ao comprar café e queimar. Mas Getúlio pensou mais do que isto: comprava café, queimava, mantinha o nível da demanda imediata funcionando, mas passou a proteger a indústria nacional, criou os instrumentos necessários para que este País se industrializasse, e, de fato, mudou o Brasil.

O Presidente Lula precisa trazer uma inspiração nova para este País. Precisa, sim, manter esses financiamentos, o que está fazendo, no sentido de que a indústria automobilística não tenha quebra. Mas tem de entender que não tem futuro por aí. Esse não é o futuro, esse é o passado. Não é o futuro, porque não vão caber mais carros daqui a cinco, dez anos nas ruas das grandes cidades brasileiras, porque a atmosfera não aguenta mais o dióxido de carbono que a gente está jogando, porque as florestas terão que ser derrubadas na hora em que a gente quiser de fato ser um país que produza etanol na quantidade suficiente para substituir todo o petróleo que utiliza, e porque o valor agregado, a quantidade de dinheiro que se ganha exportando ferro, exportando soja, é muito menor do que o que se ganha exportando chips, exportando ciência e tecnologia.

Agora, como casar o longo e o curto prazo? É simples: investindo para criar empregos nesses setores de ponta na tecnologia. Ao mesmo tempo em que mantém a demanda agregada funcionando para que comprem os produtos que hoje são produzidos, a gente vai reorientando a estrutura da economia brasileira, vai reorientando as características do trabalhador brasileiro.

Isso, outros países já fizeram. O Canadá fez isso em uma crise dos anos 80. O próprio Presidente Obama, hoje, dos US$800 bilhões que está colocando na economia para financiar a demanda já, quase US$200 bilhões ele está colocando na área de ciência e tecnologia e educação.

Nós podemos fazer isso. Podemos, sim, retomar a demanda, por exemplo, de automóveis, comprando mais veículos para o serviço de saúde, ambulâncias. Não é só através do financiamento do automóvel privado que a gente dinamiza a indústria automobilística. Os Estados Unidos, depois de 1929, financiaram a transformação da sua indústria automobilística em indústria de tanques de guerra, porque estava em guerra. Nós não estamos em guerra, mas podemos transformar na produção de tratores, podemos transformar na produção de ônibus, podemos transformar na produção de transporte escolar, de ambulâncias. Você tem a produção de um produto diferente, ao mesmo tempo em que mantém o nível da demanda agregada.

Esse é o desafio, Senadora Serys, que acho que a gente precisa levar ao Governo brasileiro. Esse é o desafio que a gente deveria debater aqui nessa Comissão que foi criada para estudar a crise - e eu temo que a gente fique apenas no aspecto financeiro, como consultores, e não como líderes de um novo momento para o Brasil. Para fazer as soluções apenas financeiras, contratam-se consultores e eles fazem melhor do que os Senadores. Agora, o que eles não fazem, os consultores, é terem a visão de estadista, é olharem o futuro distante, é terem consciência de quais são as forças políticas que apoiarão, quais são as forças políticas que teremos que ganhar através da liderança que tenhamos.

Está na hora de lembrar 29 neste momento em que a gente enfrenta o 2009. Está na hora de lembrar que a saída não pode ser apenas colocar mais dinheiro, mas sim reorientar o projeto nacional. Isso é possível. Creio que o momento nunca foi tão favorável a se fazer isso. Falta imaginação, falta vontade, falta um pouco de criatividade, mas falta, sobretudo, desprender-se desse modelo que nos viciou ao longo dos oitenta anos, desde a última crise de 30, e que não nos fez perceber que, outra vez - Senadora Presidenta, peço um pouquinho mais de tempo, não muito -, por baixo do que aparece da crise, há um conflito entre dois brasis: o Brasil da indústria mecânica, depredadora, produzindo para poucos, que exige altos financiamentos e, portanto, endividamento, que termina se esgotando; e um Brasil novo, diferente, da indústria não depredadora, da indústria da produção de bens com alto conteúdo de inteligência, ciência e tecnologia, capaz de transformar e não apenas de tirar da crise. E a base disso tudo, sem dúvida alguma, é gastar dinheiro na educação.

         As pessoas todas pensam que comprar carro cria emprego, e é verdade, mas contratar professores também cria emprego. Aumentar salário de professores também gera demanda. Construir escolas também gera demanda, também gera emprego. Comprar equipamentos escolares, como televisão e computador, gera demanda para a indústria de computador e televisão. Não é só através da venda para o consumidor privado que a gente vai criar demanda. Pode ser também o próprio Estado comprando aquilo de que o público precisa.

Concluo, Senadora, dizendo que o principal, a meu ver, desse novo tempo é o choque entre uma economia olhando apenas para o consumidor privado e uma economia olhando para os interesses públicos, coletivos. Se soubermos escolher bem, este é um grande momento. Se não soubermos, vamos perder mais uma chance na história do Brasil.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/04/2009 - Página 11038