Discurso durante a 54ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Manifestação contrária ao projeto que institui cotas com critérios raciais e sócio-econômicos, nas universidades públicas.

Autor
Gerson Camata (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Gerson Camata
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. EDUCAÇÃO.:
  • Manifestação contrária ao projeto que institui cotas com critérios raciais e sócio-econômicos, nas universidades públicas.
Publicação
Publicação no DSF de 18/04/2009 - Página 12070
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • DISCORDANCIA, PROJETO DE LEI, CRIAÇÃO, COTA, GARANTIA, VAGA, GRUPO ETNICO, NEGRO, POPULAÇÃO, BAIXA RENDA, UNIVERSIDADE FEDERAL, COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, EPOCA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), POSSIBILIDADE, INSTITUCIONALIZAÇÃO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, DEFESA, DIREITOS, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, IGUALDADE, SOCIEDADE.
  • COMENTARIO, OBRA INTELECTUAL, QUESTIONAMENTO, INCOERENCIA, UTILIZAÇÃO, CONCEITO, RAÇA, DEMONSTRAÇÃO, IGUALDADE, POPULAÇÃO, DIFICULDADE, CLASSIFICAÇÃO, ESTUDANTE, ENTRADA, UNIVERSIDADE, COTA, NEGRO, INDIO, POSSIBILIDADE, ADMISSÃO, CIDADÃO, AUSENCIA, PREPARAÇÃO, UNIVERSIDADE FEDERAL, ESPECIFICAÇÃO, UNIVERSIDADE DE BRASILIA (UNB), CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLOGICA (CEFET).
  • QUESTIONAMENTO, IMPORTAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), POLITICA, BRASIL, GARANTIA, COTA, NEGRO, UNIVERSIDADE.
  • REGISTRO, EXISTENCIA, LEGISLAÇÃO, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, QUESTIONAMENTO, NECESSIDADE, CRIAÇÃO, COTA, RAÇA, UNIVERSIDADE, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, DEFESA, MELHORIA, EDUCAÇÃO BASICA, POPULAÇÃO.

  SENADO FEDERAL SF -

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SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR GERSON CAMATA (PMDB - ES) - Sr Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Plenário desta Casa deve votar em breve um projeto polêmico, que atenta contra um princípio fundamental da democracia, o da igualdade de oportunidades, inscrito na própria Constituição brasileira. Trata-se da instituição do sistema de reserva de vagas com critérios raciais e sócio-econômicos nas 55 universidades federais do País. Em sua edição desta semana, a revista Época dedica a capa ao tema, e anuncia que o projeto, se aprovado, “criará a primeira lei racial do Brasil em 120 anos de história republicana”.

O significado e as conseqüências desse projeto, portanto, vão muito além da mera reparação de supostas injustiças cometidas contra estudantes negros ou índios. Ele institui uma política pública racista, ao prever direitos distintos com base na cor da pele. Na prática, oficializa o racismo, estigmatizando negros e índios como seres inferiores que, sem a concessão de favorecimento pelo Estado, jamais poderiam ingressar em universidades.

Legislar sobre raça é algo que não deveria ser permitido em hipótese alguma, pois não há como encontrar bases sólidas para sustentar qualquer tentativa, a não ser que o propósito seja o de patrocinar o ódio e a divisão racial. “A imagem da Justiça tem os olhos vendados. Sua filha, a lei, não pode distinguir cor”, já dizia, no século passado, um juiz norte-americano.

Por falar em raça, vamos começar por esse conceito, que ampara o projeto, que é, podemos dizer, o seu alicerce. Como disse o escritor baiano João Ubaldo Ribeiro, “quem tem raça é cachorro, gente não tem raça”. É um conceito ultrapassado, desacreditado há muitas décadas. Classificação racial é algo que vigorava no regime nazista e durante o apartheid na África do Sul. E a noção da existência de raças humanas é um produto da nossa imaginação cultural. Sabe-se hoje que não tem fundamento a crença na existência de significativas diferenças biológicas demarcadas entre seres humanos.

Em seu livro “Humanidade sem Raças?”, publicado no ano passado, o geneticista Sérgio Pena sintetiza, num trecho, o absurdo contido nesse conceito perverso. Diz ele:

“Como é possível que o fato de possuir ancestrais na África faça o todo de uma pessoa ser diferente de quem tem ancestrais na Ásia ou Europa? O que têm a pigmentação da pele, o formato e a cor dos olhos ou a textura do cabelo a ver com as qualidades humanas singulares que determinam uma individualidade existencial?

“Tratar um indivíduo com base na cor da sua pele ou na sua aparência física é claramente errado, pois alicerça toda a relação em algo que é moralmente irrelevante com respeito ao caráter ou ações daquela pessoa.”

Existem mais variações genéticas entre duas pessoas loiras que entre uma loira e uma negra. Apesar disso, estamos prestes a ressuscitar essa crença arcaica, navegando na contramão do resto do mundo. Provavelmente, como é flagrante o anacronismo da idéia, precisaremos recorrer a manuais do século 19 e da primeira metade do século 20, para definir critérios confiáveis que estabeleçam a “raça” dos concorrentes a vagas nas universidades.

Vale citar o caso narrado pela reportagem da revista Época, de Thiago Lugão, formado em engenharia de produção no Cefet, o Centro Federal de Educação Tecnológica. Sete anos atrás, em 2002, ele ficou em décimo-quarto lugar no vestibular da Universidade do Norte Fluminense, no vestibular para o curso de engenharia de exploração e prospecção de petróleo. Havia 20 vagas.

Apesar de ter obtido 14,2 pontos na prova de Física, que valia 20 pontos, não conseguiu lugar no curso, pois concorrentes que se declararam negros e obtiveram pontuação de 0,25 na mesma prova ficaram à sua frente. Thiago recorreu aos tribunais e venceu, mas quando já estava formado e pós-graduado por outra universidade. Detalhe: Thiago tem um avô negro, e poderia ter se declarado pardo, para obter o benefício da inclusão no sistema de cotas.

Este é apenas um exemplo das distorções podem ocorrer sob o sistema de cotas raciais, já em vigor em algumas universidades. Não há como encontrar uma explicação que convença um aluno da racionalidade dessa prática: ela contraria a lógica, ao anular sua classificação para dar preferência a alguém que obteve uma nota insignificante, em claro sinal de completo despreparo para o curso. Para não falar em casos que viraram motivo de piada - como o ridículo “tribunal racial” da Universidade de Brasília, que conseguiu a proeza de, ao se ver diante de dois gêmeos idênticos, classificar um como branco e o outro como negro.

De onde importamos a idéia das cotas? Dos Estados Unidos, país em que o racismo era institucionalizado, com amparo em leis que oficializavam a segregação, separando escolas públicas, bancos de ônibus e banheiros para uso dos negros. Em 1971, quando a discriminação sancionada pelo Estado já pertencia ao passado, embora recente, foram instituídas as cotas raciais.

Décadas depois, admite-se que elas de pouco adiantaram para mudar a vida dos negros norte-americanos. Num voto sobre políticas de ação afirmativa, o juiz Anthony Kennedy, da Suprema Corte, afirmou: “Preferências raciais, quando corroboradas pelo Estado, podem ser a mais segregacionista das políticas, com o potencial de destruir a confiança na Constituição e na idéia de igualdade”.

Hoje em dia, nos Estados Unidos, vigoram políticas destinadas a assegurar a diversidade nas universidades, o que inclui a admissão não só de candidatos negros, mas também de atletas que se destacam no esporte que praticam, de mulheres, de estrangeiros. Mas não há favorecimento: para entrar, é preciso primeiro tirar boas notas.

Deixemos de lado os aspectos confusos do projeto, que procura conciliar cotas sociais com cotas raciais, mas torna-se de compreensão praticamente impossível ao procurar definir como tais benefícios seriam aplicados simultaneamente. Vamos a outro argumento utilizado para justificar as cotas, o do racismo.

Seria ingênuo negar a persistência do preconceito racial, tanto no Brasil quanto em outros países. Ele está presente em todo o planeta, assim como as desigualdades sociais. Mas em nosso país ele não é avalizado por instituições públicas, nunca foram criadas barreiras legais devido à cor da pele. Temos leis - e a mais conhecida é a Lei Afonso Arinos - que punem os infratores com rigor.

É também verdade que um abismo separa ricos e pobres em nosso país, mas a pobreza não é exclusividade dos negros, ou dos índios. Por sinal, a pobreza não discrimina, não distingue entre cores da pele. Negros e pardos, somados, representam a maioria dos pobres brasileiros, cerca de 38 milhões. Mas há 19 milhões de brancos pobres. Num modelo econômico em que a tendência sempre foi de concentração de renda, a saída para reduzir desigualdades não consiste em separar a população por raças, muito menos em facilitar o ingresso na universidade por meio da discriminação.

O que precisamos é garantir educação de qualidade, a todos, desde o ensino fundamental. Temos bons indicadores de universalização do ciclo básico, mas ainda não enfrentamos como deveríamos o problema da falta de qualidade do ensino nos dois primeiros ciclos. Quem, devido à pobreza, não tem acesso à preparação básica chega à universidade como um analfabeto funcional, sem habilidades de leitura compreensiva, escrita e cálculo, que o incapacitarão durante toda sua vida.

Reservar cotas para quem não teve a formação que deve anteceder a chegada à universidade não resolverá nada. Pelo contrário, despejará no mercado de trabalho ainda mais profissionais despreparados e condenados a carreiras medíocres, sempre em empregos de segunda linha.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/04/2009 - Página 12070