Discurso durante a 56ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Análise das razões que levam trabalhadores rurais sem-terra a sua jornada de lutas. Registro de nota de esclarecimento, expedida pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra - MST, sobre confronto armado havido, na última semana, entre trabalhadores sem-terra e agentes de segurança privada, em Xinguara/PA.

Autor
José Nery (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/PA)
Nome completo: José Nery Azevedo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO. REFORMA AGRARIA. ESTADO DO PARA (PA), GOVERNO ESTADUAL. JUDICIARIO.:
  • Análise das razões que levam trabalhadores rurais sem-terra a sua jornada de lutas. Registro de nota de esclarecimento, expedida pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra - MST, sobre confronto armado havido, na última semana, entre trabalhadores sem-terra e agentes de segurança privada, em Xinguara/PA.
Publicação
Publicação no DSF de 23/04/2009 - Página 12390
Assunto
Outros > SENADO. REFORMA AGRARIA. ESTADO DO PARA (PA), GOVERNO ESTADUAL. JUDICIARIO.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, PRESENÇA, SENADO, PRESIDENTE, AUTORIDADE, TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO (TRT), ESTADO DO PIAUI (PI).
  • JUSTIFICAÇÃO, SOLIDARIEDADE, ORADOR, ESCLARECIMENTOS, LUTA, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, ALTERNATIVA, INVASÃO, PROPRIEDADE RURAL, RODOVIA, EDIFICIO, ORGÃO PUBLICO, TENTATIVA, ATENÇÃO, PODERES CONSTITUCIONAIS, REIVINDICAÇÃO, APRESENTAÇÃO, DADOS, DEMISSÃO, TRABALHADOR RURAL, LATIFUNDIO, AGRICULTURA, AGROINDUSTRIA, EXPORTAÇÃO, DENUNCIA, INJUSTIÇA, CONTINUAÇÃO, RECEBIMENTO, APOIO, GOVERNO, FALTA, RESPONSABILIDADE, DESEMPREGO, PROTESTO, CORTE, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, DESTINAÇÃO, PEQUENO PRODUTOR RURAL, ASSENTAMENTO RURAL, ASSISTENCIA TECNICA, PROGRAMA, EDUCAÇÃO, REFORMA AGRARIA, HABITAÇÃO, ZONA RURAL, RECLAMAÇÃO, DEMORA, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), REAVALIAÇÃO, INDICE, PRODUTIVIDADE, CLASSIFICAÇÃO, PROPRIEDADE IMPRODUTIVA.
  • DENUNCIA, GOVERNO, DESCUMPRIMENTO, PROMESSA, LIBERAÇÃO, RECURSOS, AGROINDUSTRIA, ASSENTAMENTO RURAL, AUXILIO, CRISE, SETOR, EXPORTAÇÃO, QUESTIONAMENTO, AUTORIZAÇÃO, SEMENTE, PRODUTO TRANSGENICO, ABANDONO, POLITICA, REFORMA AGRARIA, INCONSTITUCIONALIDADE, MEDIDA PROVISORIA (MPV), REGULARIZAÇÃO, TERRAS, GRILAGEM, REGIÃO AMAZONICA.
  • PROTESTO, PARALISAÇÃO, TRAMITAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, DESAPROPRIAÇÃO, TERRAS, PUNIÇÃO, TRABALHO ESCRAVO, REGISTRO, DADOS, POLICIA FEDERAL, MINISTERIO PUBLICO DO TRABALHO, REINCIDENCIA, CRIME.
  • DETALHAMENTO, GRAVIDADE, OCORRENCIA, ESTADO DO PARA (PA), VIOLENCIA, VITIMA, SEM-TERRA, OCUPAÇÃO, LATIFUNDIO, PROPRIETARIO, BANQUEIRO, REU, CORRUPÇÃO, SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, NOTA OFICIAL, MOVIMENTO TRABALHISTA, ESCLARECIMENTOS, REGISTRO, ILEGALIDADE, SITUAÇÃO, PESSOAS, TERRAS.
  • REPUDIO, ATUAÇÃO, CONFEDERAÇÃO DA AGRICULTURA E PECUARIA DO BRASIL (CNA), PEDIDO, INTERVENÇÃO FEDERAL, ESTADO DO PARA (PA), OFENSA, POVO, INSTITUIÇÃO DEMOCRATICA.
  • DENUNCIA, HOMICIDIO, LIDER, SINDICALISTA, ESTADO DO PARA (PA).
  • LEITURA, MENSAGEM (MSG), INTERNET, JUIZ FEDERAL, DESTINAÇÃO, CONGRESSISTA, AGRADECIMENTO, MANIFESTO, SOLIDARIEDADE, INJUSTIÇA, PERSEGUIÇÃO, TRABALHO, OPERAÇÃO, POLICIA FEDERAL.
  • PROPOSTA, REQUERIMENTO, COMISSÃO, DIREITOS HUMANOS, SENADO, REALIZAÇÃO, DILIGENCIA, REGIÃO, CONFLITO, VISITA, MUNICIPIO, MARABA (PA), XINGUARA (PA), ESTADO DO PARA (PA), RECEBIMENTO, DEPOIMENTO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Eduardo Suplicy; Srªs e Srs. Senadores, em primeiro lugar, quero registrar a presença, na galeria de honra da Casa, do Desembargador da Justiça do Trabalho, Presidente do Tribunal Regional do Trabalho do Piauí da 22ª Região, Dr. Manoel Edilson Cardoso, acompanhado do seu Diretor-Geral de Administração, Dr. Francisco Marques, que muito nos honram com suas presenças.

Senador Suplicy, permita-me compartilhar com V. Exª que tanto o Desembargador Edilson Cardoso quanto o Diretor-Geral do Tribunal Regional do Trabalho do Piauí são pessoas com as quais temos uma relação de profunda amizade, ainda da juventude, no Estado do Ceará, em Independência, de onde são oriundos e onde iniciei minha militância nas comunidades da Igreja Católica e na luta social, naquele tempo enfrentando os dissabores da ditadura, lutando justamente por aquilo que existe hoje: um País que ainda está distante daquilo que queremos, mas no qual pelo menos temos o direito de nos manifestar, de expor nossas opiniões, sem a ameaça da perda de mandato, sem que as pessoas sejam caladas e não se possam manifestar livremente.

Então, é com muita satisfação que registro a presença desses dois ilustres visitantes no Senado Federal, ao mesmo tempo em que agradeço a V. Exª, Sr. Presidente, a gentileza de presidir a sessão, porque, mais uma vez, eu teria de polemizar com o Senador Mão Santa sobre a questão da utilização desta tribuna e do tempo, visto que, na semana passada, tive de lhe dizer algumas verdades que considero fundamentais, já que as coisas aqui devem ser tratadas com um mínimo de isonomia, com igualdade.

Sr. Presidente, quero especialmente tratar aqui da luta dos trabalhadores rurais sem-terra, em suas jornadas nacionais de luta, no chamado Abril Vermelho, e falar das motivações que levam esses trabalhadores sem-terra a realizar essas jornadas de lutas nacionais.

Em segundo lugar, mais uma vez, quero comentar, trazendo aqui outros elementos, a situação de violência e de insegurança, uma situação absolutamente grave que ocorre no meu Estado do Pará, relacionada a questões agrárias, especialmente nesta última semana, no Município de Xinguara, no sul do Pará. Inclusive, vou retomar aspectos do debate que travamos nesta tarde, quando aparteamos a Senadora Kátia Abreu e quando manifestamos algumas opiniões a respeito dessa questão.

Na verdade, Sr. Presidente, em primeiro lugar, gostaria de tratar das manifestações, neste mês de abril, de mais essa jornada de luta do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). E divulgo aqui os principais motivos que levam milhares de trabalhadores a voltarem a ocupar fazendas, estradas e prédios públicos, única forma encontrada para que suas reivindicações sejam ouvidas neste Congresso Nacional, no Poder Executivo e também no Poder Judiciário.

A crise chegou com força ao campo brasileiro. Os latifúndios do agronegócio, tão bem defendidos hoje aqui pela nossa colega Senadora Kátia Abreu, já desempregaram 270 mil assalariados desde novembro de 2008. As vinte maiores agroindústrias desempregaram quase cem mil operários de suas fábricas. O MST denuncia que essas empresas continuam recebendo apoio governamental, enquanto os trabalhadores rurais pobres do campo ficam em segundo plano.

As verbas federais para apoiar a pequena produção e assentar famílias foram cortadas, senão vejamos: primeiro, os recursos para a desapropriação, que foram aprovados no Orçamento de 2009, eram de R$957 milhões e foram cortados em função da crise, foram reduzidos em 41%, baixando o Orçamento para R$561 milhões, e, de acordo com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), com essa redução, será possível assentar apenas dezessete mil famílias, não as 75 mil, meta anteriormente prevista pelo Governo para o ano de 2009; segundo, os recursos aprovados para a assistência técnica das famílias assentadas, previstos para 2009, eram de R$224 milhões, mas foram reduzidos para R$135 milhões, redução também de 41%; terceiro, para o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), os recursos aprovados para 2009 eram de R$69 milhões, mas foram cortados em 62%, baixando para apenas R$26 milhões; quarto, no ano passado, foi acordada com o Governo a liberação de R$18 mil por família para o Programa de Habitação Rural, a ser implementado em 2009, para a construção e reforma de moradia no campo, mas o MST denuncia que os recursos foram baixados para R$10,6 mil por família neste ano. E perguntam: “Alguém consegue construir uma casa com R$10,6 mil?”.

Outra queixa dos trabalhadores rurais é que o Incra vem usando índices de produtividade que fixam os parâmetros necessários para a desapropriação das áreas, com dados de produção ainda de 1975, totalmente defasados, o que dificulta classificar as fazendas como improdutivas. A lei agrária determina que os índices sejam atualizados a cada cinco anos. É urgente que eles sejam atualizados com os dados do Censo Agropecuário de 2006 e que se publique uma nova portaria do Ministério da Agricultura e Pecuária para tratar exatamente dessa atualização.

Afirmam também que o Governo se comprometeu, na chegada da Marcha a Brasília em maio de 2005, a abrir uma linha de crédito para financiamento especial de agroindústrias em assentamentos. A demanda era de R$150 milhões, mas apenas R$20 milhões estão assegurados para os próximos dois anos. Por outro lado, o Governo liberou R$12 bilhões, via Banco do Brasil e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), como socorro de capital de giro para as vinte maiores agroindústrias do País, que estão em crise e que já demitiram quase cem mil trabalhadores.

Sr. Presidente, Senador Eduardo Suplicy, um dos pontos mais questionados pelos movimentos sociais é a liberação de sementes transgênicas. Concordo com eles quando afirmam que o Governo sempre se deixou influenciar pelos interesses econômicos das empresas transnacionais do agronegócio, para liberar vergonhosamente as sementes transgênicas, sem nenhum estudo sério de impacto ambiental e de saúde. Na fila da CNTBio, estão novas licenças de arroz, de milho etc. Nesta semana, porém, um juiz do Rio Grande do Sul aceitou uma demanda dos agricultores gaúchos contra o pagamento de royalties para a Monsanto. Além disso, o governo da Alemanha proibiu em seu território o cultivo da soja Roundup, da Monsanto. No ano passado, o Governo liberou três variedades de milho transgênico da Bayer, Syngenta e Monsanto. A produção de semente de milho transgênico estava proibida. Assim que liberaram, milagrosamente, em apenas uma safra, as empresas forneceram sementes para atender 40% da demanda. Isso terá um impacto futuro destruidor na agricultura familiar, como já aconteceu no México.

Sr. Presidente, comentei anteriormente e reforço aqui o olhar dos movimentos sociais, em especial os movimentos dos trabalhadores rurais, sobre a Medida Provisória nº 458, que se encontra em discussão na Câmara dos Deputados e que, depois, será aqui apreciada e votada pelo Plenário do Senado Federal. Essa Medida define novos critérios e praticamente legaliza todas as terras públicas griladas na Amazônia em até 1,5 mil hectares por pessoa. Isso demonstra claro abandono da política de reforma agrária, pois, em vez de exigir a imediata arrecadação pela União das terras acima de quinze módulos fiscais e sua destinação para o Incra, designam essas áreas para licitação com direito de preferência para o atual grileiro.

Portanto, estaria consumada a regularização da grilagem, mas, Senador Paulo Duque, eu ainda tento trabalhar na expectativa de que, com a compreensão dos Srs. Senadores e das Srªs Senadoras sobre o conteúdo dessa Medida Provisória altamente danosa à luta dos agricultores e dos amazônidas, não se oficialize a grilagem de terra, como prevê a Medida Provisória nº 458. Ainda espero vê-la rejeitada pela maioria do Plenário do Senado Federal.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, segundo denunciaram todas as entidades do Fórum Nacional de Reforma Agrária, a proposta da MP nº 458 tem clara afronta a preceitos constitucionais e, se aprovada nesta Casa, deverá ser contestada no Supremo Tribunal Federal.

Está na pauta do MST, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, também nessa jornada nacional, a necessidade de se atacar a prática de trabalho escravo. Como todos sabem - Senador Suplicy, V. Exª, como eu, integra a Subcomissão de Combate ao Trabalho Escravo, da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal -, queremos que seja aprovada a proposta de emenda constitucional que determina a desapropriação de todas as fazendas onde forem encontrados trabalhadores em situação análoga à escravidão. O Senado Federal já fez sua parte, mas, por articulações políticas dos ruralistas, o Governo tem sido pouco afirmativo e não tem mobilizado sua base para aprovar essa medida absolutamente imprescindível para o combate e a erradicação do trabalho escravo no Brasil.

Enquanto isso, Sr. Presidente, a Polícia Federal e o Ministério Público do Trabalho continuam libertando pessoas que vivem em condições de trabalho escravo nas fazendas. E já registrou que 58 das fazendas investigadas nos últimos treze anos são reincidentes.

Portanto, são essas as razões que levam os milhares de trabalhadores rurais sem terra a marcharem por todo o Brasil em sua jornada de luta. Daí a necessidade de compreendermos a razão e as motivações para essa mobilização ter, da nossa parte, o apoio e o incentivo, porque, só assim, o Governo, o Judiciário, o Congresso e a sociedade têm a noção da importância e da necessidade de uma política de reforma agrária realmente efetiva, que, uma vez implementada, diminua as ocupações, que não são invasões, Senador Eduardo Suplicy e Senador Paulo Duque. A imprensa, os parlamentares, os agentes do Governo e do Judiciário chamam de invasão o que, para nós, é ocupação, é o direito de luta para ter um pedaço de terra para trabalhar e sobreviver com dignidade, com suas famílias. Na nossa visão, quem invade é rico, quando promove a grilagem insana que tira a oportunidade das pessoas de terem acesso à terra.

Exemplo disso, Sr. Presidente, é o que ocorreu no Pará nessa última semana. No sábado, sete trabalhadores sem-terra e um segurança da Agropecuária Santa Bárbara, pertencente ao banqueiro Daniel Dantas, que, atualmente, tem no Pará um milhão de hectares de terra adquiridos de forma muito rápida e instantânea... Nessas áreas, Sr. Presidente, há um rebanho bovino com mais de 600 mil cabeças. Então, de nossa parte, temos dito, por mais de uma vez, neste plenário e nesta tribuna, que há uma suspeita de que boa parte dos recursos para comprar essas fazendas e esse rebanho seja fruto da corrupção que campeou o período das privatizações no Governo Fernando Henrique Cardoso.

Inclusive, quando digo que aquela área, sobretudo a fazenda que foi ocupada nos últimos dias e que foi palco daquela cena de violência patrocinada pelos seguranças particulares, contratados pelos fazendeiros, ou pelo fazendeiro Daniel Dantas... O Brasil todo viu quem estava atirando, tentando ceifar a vida de trabalhadores desarmados. O Brasil todo viu porque, coincidentemente, encontrava-se lá uma equipe de TV, encontrava-se lá uma representação de jornalistas de várias partes do País, que justamente estava ali, naquele momento, para acompanhar, fotografar, filmar aquela situação de confronto - aliás, de violência, porque não foi confronto. Os trabalhadores foram surpreendidos pelos capangas, pelos pistoleiros travestidos de segurança privada, que ameaçaram a vida de vários trabalhadores, quando sete foram baleados e levados a hospitais da região.

Quero que seja consignada, nos Anais do Senado, a nota de esclarecimento sobre os acontecimentos no Pará, emitida pelo MST, que acredito ser uma versão esclarecedora dos fatos ali ocorridos. 

Ao mesmo tempo, não aceitamos que a CNA, a Confederação Nacional da Agricultura, e que outros organismos venham, pelos fatos que vêm ocorrendo no Pará e sob o argumento de que lá não se cumprem as reintegrações de posse decididas pela Justiça... Queremos repudiar o pedido de intervenção federal no Pará feito pela Confederação Nacional da Agricultura junto ao Tribunal de Justiça do Estado do Pará, e hoje - aqui dito pela Senadora Kátia Abreu - protocolado na Procuradoria da República. Os paraenses e suas instituições se sentem agredidos por esse ato, porque o Pará tem feito aquilo que é possível para cumprir, de fato, a lei, mas é de se perguntar: quem são os criminosos que realmente merecem estar na cadeia, que devem ter a polícia em seu encalço? São os trabalhadores sem terra, desvalidos, acampados, empobrecidos, que devem merecer todo tipo de violência, de desprezo, ou são os criminosos da grilagem?

Inclusive, quanto a essa fazenda do Grupo Santa Bárbara, lá, em Xinguara, no Pará, onde ocorreram os fatos da última semana, Sr. Presidente, o Governo do Estado do Pará requereu à Justiça o cancelamento da matrícula daquela fazenda, tendo em vista ela não pertencer às antigas oligarquias que venderam a fazenda para o banqueiro Daniel Dantas. Há um questionamento quanto à legalidade da posse daquela área. Portanto, é uma terra que está sub judice e que deveria, evidentemente, estar, preferencialmente, destinada aos agricultores, e não aos grileiros, banqueiros, da estirpe do Sr. Daniel Dantas. Inclusive, a Vara Agrária de Redenção mandou bloquear a matrícula de todos os seus títulos daquela Fazenda Espírito Santo, no Município de Xinguara, no Pará, ainda em 30 de janeiro passado, nos autos da Ação Civil Pública nº 200810022166-4, na qual o Governo do Estado do Pará reivindica para si a legítima propriedade da área.

Ou seja, uma área pertencente ao Estado, apropriada indevidamente, é palco de violência inominada contra os trabalhadores rurais e ainda encontra aqui, no Senado Federal, como encontra no Congresso Nacional e encontra no Judiciário... O Judiciário tem sido tão célere para mandar libertar um banqueiro, para condenar os movimentos sociais, para falar sobre tudo e sobre todos, quando, muitas vezes, deveria falar nos autos dos processos. E até acho que deveríamos concordar com o Ministro Gilmar Mendes quando ele pediu celeridade ao Poder Judiciário, às Varas Agrárias, mas nós queremos a celeridade para fazer justiça aos mais pobres, e não para proteger o direito dos ricos.

Portanto, eu queria repudiar, sob todas as formas - e tenho certeza que o faço em nome do povo do Pará, de suas instituições, da Assembleia Legislativa, do Poder Judiciário do meu Estado, do Governo do Estado, dos trabalhadores e do povo -, repudiar esta ideia de que, no Pará, por mais problemas que tenhamos, Sr. Presidente... E temos muitos. Lá, temos trabalho escravo. Lá, temos crianças violadas em seus direitos básicos, temos estudantes fora da escola, temos pessoas sofrendo violência no campo por conta da terra. Mas o Pará não pode admitir que interesses estranhos aos seus mais legítimos filhos, sejam eles adotados ou que lá nasceram... Não pode, de forma alguma, aceitar calado a tentativa de uma intervenção no Pará.

Inclusive, cobrando aqui que o Ministério da Justiça estaria enviando a Força Nacional para mediar e acompanhar esses conflitos agrários, a bem da verdade, a Governadora Ana Júlia, em nome do Estado, solicitou, no dia 2 de abril, ao Ministro da Justiça, a designação da Força Nacional para acompanhar esses conflitos nas regiões sul e sudeste do Pará. Efetivamente, não haviam sido enviadas as forças federais para o Pará, razão por que nós, aqui, fazemos um apelo ao Ministro da Justiça para que atenda este pleito: envie a força federal para acompanhar aqueles processos que estão ocorrendo no Estado do Pará, especialmente os que dizem respeito aos conflitos agrários. O Governo solicitou, nós estamos de acordo e aqui reforçamos esse pleito junto ao Ministério da Justiça.

Por último, Sr. Presidente, sei que já abusando da paciência de V. Exª... A sua gentileza e bondade fazem com que V. Exª tenha sempre paciência para escutar seus colegas e todas as pessoas que lhe dirigem a palavra. Um atributo que muito admiramos, Senador Paulo Duque, é a capacidade de ouvir que tem o Senador Suplicy. E, com certeza, também a capacidade de ouvir que tem o Senador Mão Santa, que tantas vezes concede a palavra pelo tempo que se quiser falar da tribuna, mas que, muitas vezes, não me concede esse direito. Por isso, reclamei duramente dele semana passada. Digo a V. Exª, com essa sua paciência e entendendo a razão e a motivação do que estamos aqui falando - porque, tenho certeza, há muita concordância do senhor em relação a esses fatos que estamos aqui relatando -, que nós, como paraenses, não aceitamos, não queremos e repudiamos a tentativa de intervenção federal no Pará. Queremos, sim, que haja mais recursos para a reforma agrária, que o Governo Federal cumpra a sua parte, que o Governo estadual cumpra sua parte e que os trabalhadores lutem incansavelmente para ver garantidos os seus direitos.

Fica aqui, então, a solidariedade à jornada de luta do MST e mais uma denúncia e uma inconformidade: semana passada, foi ceifada a vida do líder sindical Raimundinho, de Tucuruí. Ex-Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, companheiro nosso de muitas lutas, de muito trabalho em defesa da reforma agrária, foi assassinado o Raimundinho. E não vi aqui, por parte daqueles que são acostumados a bradar os crimes, a violência do MST, eu não vi aqui daqueles que costumam fazer isso em nome do latifúndio, em nome do agronegócio, eu não vi aqui uma manifestação de pesar pelo falecimento do nosso companheiro de luta, do companheiro Raimundinho, do sindicato de Tucuruí, no Estado do Pará.

Por último, Sr. Presidente, mesmo, quero aqui tratar de um outro assunto, que tem relação até com esta questão da luta contra a corrupção, para apoiar aqueles que estão nesta trincheira.

Trago aqui, para conhecimento do Plenário, uma palavra, um e-mail do Juiz Dr. Fausto Martins de Sanctis, cujo trabalho temos apoiado. V. Exª, Senador Eduardo Suplicy, o visitou há mais ou menos vinte dias em São Paulo. Eu tive oportunidade de visitá-lo na última terça-feira, levando um manifesto de dezesseis Senadores e mais de vinte Deputados Federais, entre os quais, o Senador Eduardo Suplicy, Senador Inácio Arruda, Senador Cristovam Buarque, Wellington Salgado, João Pedro, Augusto Botelho, Marina Silva, e tantos outros. São dezesseis Senadores...

O SR. PRESIDENTE (Eduardo Suplicy. Bloco/PT - SP) - Pedro Simon.

O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Pedro Simon, vários Srs. e Srªs Senadoras, Fátima Cleide, que assinaram um manifesto, além de vários Deputados Federais, como o Deputado Antonio Carlos Biscaia, do Rio de Janeiro; Domingos Dutra, do PT do Maranhão - bravo lutador, cujo trabalho em defesa do povo do Maranhão e do Brasil sempre merece ser reconhecido -; Deputado Luiz Couto, Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados; a Deputado Vanessa Grazziotin, do PCdoB do Amazonas, além de outros Srs. Deputados, como Ivan Valente, Deputado Chico Alencar, entre outros, enviamos aquele manifesto.

O Juiz Fausto de Sanctis enviou um e-mail dirigido a todos os Srs. Senadores e Deputados que enviaram aquele manifesto, nos seguintes termos, que faço questão de registrar para conhecimento de todo o Plenário, para conhecimento do País, em especial, a manifestação que ele nos dirige:

            Prezados Congressistas: (...).

            Sinto-me lisonjeado pelo Manifesto de Solidariedade, apartidário e datado de 14.04.2009, a mim dirigido e firmado por notáveis membros do Poder Legislativo Federal, referências nacionais.

            Todos nós, movidos pelo espírito de justiça e de benquerença, servimos ao nosso povo amigo e querido, que tanto nos motiva. Meu desempenho funcional, como certamente o de Vossas Excelências, pauta-se na correção e na tentativa de oferecer o melhor ao país: dignidade, respeito e transparência.

            Minha atuação busca a imparcialidade no trato das questões sensíveis ao Judiciário, sem desprezar os consagrados direitos fundamentais, dentre eles o direito de defesa e o direito/dever de punir. O equilíbrio entre ambos é tarefa difícil, pior quando exista hipertrofia de um que aniquila outro, desguarnecendo o Estado e as pessoas dos valores institucionais tão caros à nossa sociedade.

            O Manifesto de Solidariedade representa muito para mim, mormente neste momento delicado por que passo, motivando-me mais e permitindo-me a continuidade da prestação de serviço público judicial e essencial.

            Muitíssimo obrigado pelo gesto, pelas palavras e pela atitude.

            Fausto Martin de Sanctis.

            Juiz Federal.

Com isso, encerro o meu pronunciamento, dizendo também que, amanhã, Senador Suplicy, o mesmo manifesto que enviamos ao juiz De Sanctis devemos enviar ao Presidente do Tribunal Regional Federal, da 6ª Região, de São Paulo, para que todos os senhores desembargadores federais tomem conhecimento do nosso apoio, Senador Paulo Duque, à luta que realiza o juiz Fausto Martin de Sanctis.

Muito obrigado pela sua paciência, pela gentileza, Senador Suplicy, porque só a sua grandeza é capaz de ficar aqui até às 21h. É claro que ficamos até muitas madrugadas. Mas agradeço ao senhor, com mais esse gesto, que só o engrandece, motivo por que é portador de toda a nossa confiança, de todo o nosso respeito, não só dos seus colegas, mas do povo de São Paulo e do Brasil.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

O SR. PRESIDENTE (Eduardo Suplicy. Bloco/PT - SP) - Prezado Senador José Nery, acho importante essa manifestação de apoio à ação séria, de acordo com a legislação, com a constituição do juiz Fausto de Sanctis.

Gostaria também de transmitir aqui a sugestão que formulei à Senadora Kátia Abreu, que preferiu não acatá-la, mas quem sabe o faria V. Exª, como Senador pelo Pará. Avalio que, diante dessa situação tão séria que aconteceu, tendo em conta, inclusive, os objetivos, que acredito sejam de todos nós, de promover um entendimento sem o uso da violência por parte de quem quer que seja, talvez possamos ter, aqui no Senado Federal, na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária e, quem sabe, em conjunto com a Comissão de Direitos Humanos, a presença da Governadora Ana Júlia e de outras pessoas que poderiam contribuir, inclusive, como um passo de mediação nesse grave conflito que aconteceu. 

Então, quem sabe possamos depois refletir melhor sobre a melhor maneira de assim proceder.

O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - O senhor me permite acrescentar algo, Sr. Presidente, antes de ouvirmos o Senador Paulo Duque, do PMDB, do Rio de Janeiro?

Eu queria propor, na verdade, dialogando com V. Exª, Senador Suplicy, a idéia de apresentarmos na Comissão de Direitos Humanos do Senado um requerimento para a realização de diligências no Estado do Pará, ouvindo todas as partes que estão envolvidas naquele conflito, visitando Marabá e Xinguara, todos os órgãos do Estado, o Poder Judiciário, o Governo do Estado - poderíamos convidar a Governadora Ana Júlia - e os movimentos sociais que estão envolvidos naquela luta. Poderíamos visitar, em diligência, aquela região marcada por conflito. Eu convido V. Exª para avaliar comigo essa possibilidade de propormos essa iniciativa na Comissão de Direitos Humanos.

Ainda solicito a V. Exª, porque isto tem de ser acatado pelo Presidente, que seja acolhida nos Anais do Senado a nota de esclarecimento sobre os acontecimento no Pará, de origem do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR JOSÉ NERY EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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            Matéria referida:

            “Nota. Esclarecimentos sobre acontecimentos no Pará.”


Modelo1 5/23/245:11



Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/04/2009 - Página 12390