Pronunciamento de Fátima Cleide em 28/04/2009
Discurso durante a 60ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Ponderações sobre a relação da sociedade e do estado brasileiro com a população indígena, por ocasião do recente transcurso do Dia do Índio, em 19 de abril. Registro da assinatura, pelas Secretarias de Educação e de Cultura, do Distrito Federal, de um acordo de cooperação que prevê a introdução da cultura indígena na educação básica do Distrito Federal.
- Autor
- Fátima Cleide (PT - Partido dos Trabalhadores/RO)
- Nome completo: Fátima Cleide Rodrigues da Silva
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
POLITICA INDIGENISTA.
EDUCAÇÃO.:
- Ponderações sobre a relação da sociedade e do estado brasileiro com a população indígena, por ocasião do recente transcurso do Dia do Índio, em 19 de abril. Registro da assinatura, pelas Secretarias de Educação e de Cultura, do Distrito Federal, de um acordo de cooperação que prevê a introdução da cultura indígena na educação básica do Distrito Federal.
- Publicação
- Publicação no DSF de 29/04/2009 - Página 13353
- Assunto
- Outros > POLITICA INDIGENISTA. EDUCAÇÃO.
- Indexação
-
- SAUDAÇÃO, PRESENÇA, SENADO, APOSENTADO, EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS (ECT), REITOR, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, ESTADO DE RONDONIA (RO).
- DEFESA, EXTINÇÃO, VOTO SECRETO, DECLARAÇÃO DE VOTO, ORADOR, DERRUBADA, VETO (VET), BENEFICIO, APOSENTADO.
- REGISTRO, COMEMORAÇÃO, SEMANA, INDIO, IMPORTANCIA, DEBATE, RELACIONAMENTO, SOCIEDADE, ESTADO, FORMAÇÃO, IDENTIDADE, BRASIL, COMENTARIO, ESTUDO, ANTROPOLOGIA, ARQUEOLOGIA, HISTORIA, INVASÃO, COLONIZAÇÃO, ORIGEM, EUROPA, INICIO, DISPUTA, TERRAS, AGRICULTURA, TENTATIVA, ESCRAVATURA, DESVALORIZAÇÃO, CULTURA, LEITURA, TRECHO, DECLARAÇÃO, ESPECIALISTA, NECESSIDADE, ENSINO, INTEGRAÇÃO, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO, FALTA, APLICAÇÃO, LEGISLAÇÃO, NEGLIGENCIA, UNIVERSIDADE, DIVULGAÇÃO, EXISTENCIA, DIVERSIDADE, POVO, LINGUAGEM.
- COMENTARIO, DECLARAÇÃO, MINISTRO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), RECONHECIMENTO, DESCONHECIMENTO, DIVERSIDADE, POVO, COMUNIDADE INDIGENA, ANTERIORIDADE, ATUAÇÃO, RELATOR, QUESTIONAMENTO, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), MOTIVO, NEGLIGENCIA, ENSINO, BRASIL, SAUDAÇÃO, ACORDO, COOPERAÇÃO, SECRETARIA, GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF), CULTURA, EDUCAÇÃO, INCLUSÃO, ESTUDO, INDIO, EDUCAÇÃO BASICA, QUALIFICAÇÃO, PROFESSOR.
- CONCLAMAÇÃO, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, RESPONSABILIDADE, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO, INDIO.
SENADO FEDERAL SF -
SECRETARIA-GERAL DA MESA SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA |
A SRª FÁTIMA CLEIDE (Bloco/PT - RO. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, só espero ser contemplada com o mesmo tempo.
Quero, nesta tarde, Sr. Presidente, registrar a presença entre nós, na Tribuna de Honra e nas galerias desta Casa, de servidores aposentados dos Correios, a quem saúdo em nome do meu companheiro Oscar Knightz, de Rondônia.
Quero dizer ao Senador Papaléo que sempre fui defensora do voto aberto em todas as ocasiões. Hoje, com certeza, mesmo votando secretamente e mesmo sendo da base do Governo, votarei com os aposentados deste País. Manifesto meu voto aqui da tribuna e o farei também na cédula.
Sr. Presidente, se falar de aposentado neste País já é problema, falar de índio, então, significa mais problemas.
Registro também a presença do Professor Jimenez, Reitor do Instituto de Educação Federal de Rondônia.
Sr. Presidente, neste final do mês de abril nós celebramos a Semana do Índio, referenciada no dia 19 de abril e instituída para revigorar a nossa reflexão sobre essa raiz nativa e mais profunda da identidade brasileira. Nesse sentido, quero trazer minha contribuição, oferecendo algumas ponderações sobre alguns aspectos da relação da sociedade e do Estado brasileiro com essa raiz profunda de nossa identidade.
Estudos históricos, Sr. Presidente, com a contribuição da Antropologia e da Arqueologia, apontam que o povoamento da América do Sul teve início por volta de 20.000 a.C. Tudo indica que a dispersão da espécie humana pelo atual território brasileiro aconteceu por volta de 9.000 a.C. Estima-se que, em 1500, somavam entre um e cinco milhões de habitantes.
Os Tupis ocupavam a região costeira que se estende do Ceará a São Paulo. Os Guaranis espalhavam-se pelo litoral sul do País e a zona do interior nas bacias dos rios Paraná e Paraguai.
Em outras regiões, havia grupos genericamente chamados de Tapuias, palavra tupi que se refere aos índios que falam outra língua.
Ao contrário do que consta na mal contada história oficiosa, os índios não assimilaram passivamente a ocupação da terra pelos europeus. Houve lutas e muita resistência, como, aliás, ainda hoje lutam e resistem bravamente contra os ataques aos seus direitos. Mas, dizem os pesquisadores, não se pode considerar que o contato inicial entre índios e brancos tenha sido inevitavelmente conflituoso.
Nos primeiros trinta anos de colonização, como eram poucos, os europeus sujeitavam-se aos costumes predominantes das comunidades nativas, até porque dependiam disso para garantir alimentação e segurança. Assim, enquanto os interesses dos europeus se limitavam ao extrativismo do pau-brasil, predominaram o intercâmbio comercial pacífico e as trocas de produtos entre europeus e populações nativas.
Quando, porém, o extrativismo foi substituído pela agricultura como principal atividade econômica, alterou-se drasticamente o tipo de convivência entre europeus e povos nativos. Desde então, na disputa por terras para a lavoura, os portugueses invadiram os territórios indígenas, expulsaram e escravizaram os habitantes originais.
A partir de então, também o Estado brasileiro assumiu o aniquilamento das identidades indígenas, o isolamento de muitas comunidades e a extinção da maioria delas, negando-lhes reconhecimento a quaisquer direitos: à cultura, às línguas, às crenças, às tradições e às formas de organização social.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, fomos educados para pensar que somos um só povo, com uma só cultura, como instrumento de apagar qualquer traço indígena no Brasil.
Ainda assim, vivemos rodeados e operamos cotidianamente com a herança cultural indígena, como tomar banho todos os dias; brincar de peteca; comer chocolate, amendoim, tapioca e farinha de mandioca; usar palhas, piaçava e sisal para cobrir habitações, tecer esteiras; descansar em redes.
Especialmente expressiva é também a influência das falas indígenas na língua portuguesa praticada no Brasil, que se diferencia da fala em Portugal, sobretudo pelo quanto incorpora das línguas nativas, principalmente o tupi e o guarani. O tupi, por exemplo, é a segunda língua mais utilizada para nomear lugares neste País.
(Interrupção do som.)
A SRª FÁTIMA CLEIDE (Bloco/PT - RO) - Sr. Presidente, peço que V. Exª seja generoso comigo, afinal de contas são poucos que falam sobre índio neste plenário.
O SR. PRESIDENTE (Bloco/PSB - SE) - E V. Exª tem competência para falar não só de índio, mas de muitas coisas mais.
A SRª FÁTIMA CLEIDE (Bloco/PT - RO) - Muito obrigada, Sr. Presidente.
Nas comemorações do Dia do Índio de 2009, o Ministro da Cultura, Juca Ferreira, menciona as grandes perdas culturais dos povos indígenas brasileiros, secularmente submetidos a uma relação quase sempre desigual e perversa. Em função do que ressalta que é necessário “acelerar a modernização das relações” da sociedade brasileira com essa base de sua identidade.
Para a professora indígena Rosani Fernandes, no nome de quem quero reverenciar todos os profissionais da educação envolvidos com a temática indígena:
Os alunos das escolas não-indígenas no Brasil não aprendem nos bancos escolares a respeitar a diversidade cultural como riqueza e continuam reproduzindo preconceitos e estereótipos que marcaram negativamente a relação do Estado brasileiro com os povos indígenas, onde a escola é em grande parte responsável.
Apesar de termos vivido a felicidade de aprovar uma lei que busca reparar essa realidade - a Lei nº 11.645 -, as universidades ainda negligenciam quanto à questão indígena nos cursos de formação de professores. Como consequência, formam-se professores que folclorizam o índio, incentivam o preconceito e reproduzem informações que mais nos distanciam da realidade indígena, em vez de construir e consolidar relações de respeito e sadia curiosidade.
A regra geral nas escolas não indígenas é falar de índios somente no Dia do Índio - e assim a gente repete em todos os ambientes da nossa sociedade -, quando muito, de forma genérica e descontextualizada: os índios, que moram em ocas, se enfeitam com penas e sementes, adoram Tupã, e os poucos que restam vivem na Amazônia.
Raros cidadãos e cidadãs brasileiros sabem que não somos um só povo, com uma só língua: há cerca de 250 povos indígenas diferentes ainda hoje habitando o imenso território brasileiro há milênios; há 180 línguas diferentes vivas nos falares indígenas brasileiros; mais de 20% dos índios do Brasil estão no Nordeste e outros tantos nas Regiões Sul e Centro-Oeste. Por ordem demográfica, os Estados com maior população indígena são: Amazonas, Mato Grosso do Sul, Roraima e Pernambuco (com cerca de 50 mil índios a mais do que o Estado do Pará); somos uma sociedade culturalmente megadiversa.
A escola é responsável por essa idéia de que não há mais índios perto de nós, nem no espaço nem no tempo. Nossos livros de geografia não os mencionam e os livros de história referem-se aos índios sempre no passado.
Com isso, nossa cultura escolar nutre a invisibilidade e o preconceito, não apenas quanto aos índios, mas quanto a nós todos, quanto a que tipo de sociedade nós somos e a que queremos ser: uma sociedade uniforme, culturalmente pobre e fundada num passado recente e emprestado, feito da riqueza, do conhecimento e da história de outros povos, de outros continentes - uma sociedade inferior.
(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)
A SRª FÁTIMA CLEIDE (Bloco/PT - RO) - Sr. Presidente, eu gostaria muito que meu pronunciamento fosse dado como todo lido.
O SR. PRESIDENTE (Antonio Carlos Valadares. Bloco/PSB - SE) - V. Exª termina em quanto tempo o discurso?
A SRª FÁTIMA CLEIDE (Bloco/PT - RO) - Em mais uns três minutos.
Sr. Presidente, gostaria aqui de citar, por exemplo, nessa história do preconceito que se reproduz nas escolas, que o Ministro Carlos Ayres Britto, Relator do caso da Reserva Raposa Serra do Sol, muito humildemente confessou a sua ignorância ao pegar aquela matéria para relatar. Mas foi, literalmente, palavra por palavra, na Constituição, lendo, relendo e aprendendo com os movimentos sociais, que o nosso querido Ministro Carlos Ayres Britto sentenciou que não foi, infelizmente, no banco das escolas que ele aprendeu sobre a sociedade indígena brasileira e que, agora, após o relatório sobre o caso da reserva indígena Raposa Serra do Sol, é que ele aprendeu efetivamente sobre essa riqueza e diversidade dos nossos povos indígenas.
Mas, para finalizar, Sr. Presidente, eu quero informar que, no último dia 15 de abril, as Secretarias de Educação e Cultura do Distrito Federal assinaram um acordo de cooperação que prevê a introdução da cultura indígena na educação básica.
A cerimônia ocorreu no Memorial dos Povos Indígenas (MPI), durante a abertura da programação da semana dedicada ao Dia do Índio.
O acordo prevê que, até o fim do ano, os professores serão capacitados para lecionar a cultura indígena nas escolas da rede pública do Distrito Federal.
Embora a LDB já estabeleça a obrigatoriedade do conteúdo da cultura indígena nas escolas, o Distrito Federal pretende ser a primeira unidade da Federação a trabalhar com a capacitação de professores com o objetivo de introduzir a cultura dos índios na rede pública.
Louvo, Sr. Presidente, e celebro essa iniciativa do GDF. Tanto mais porque temos aqui, no Distrito Federal, a felicidade de abrigar um fenômeno antropológico especialíssimo, inédito, num pequeno território apropriado pela prática indígena ecumênica, onde se formou o que se chama “Santuário dos Pajés”.
Uma reunião de brasilidades indígenas que só Brasília poderia compor.
E, por isso mesmo, Sr. Presidente, tenho a esperança de que - assim como se deu com o Ministro Ayres Britto, no contato com a Terra Indígena Raposa Serra do Sol - a Comunidade Indígena do Bananal e seu Santuário dos Pajés se constitua, efetivamente e em tempo, na oportunidade de conversão indigenista da capital do Brasil - seus habitantes e seus governantes.
Finalmente, quero ainda ressaltar a enorme responsabilidade que está posta aos meios de comunicação.
A maneira exótica como a questão indígena é tratada na mídia...
(Interrupção do som.)
O SR. PRESIDENTE (Antonio Carlos Valadares. Bloco/PSB - SE. Fazendo soar a campainha.) - V. Exª tem um minuto para concluir.
A SRª FÁTIMA CLEIDE (Bloco/PT - RO) - (...) com raras exceções, esconde suas lutas e enfrentamentos diários, as suas dificuldades e potencialidades, suas histórias de perdas e suas conquistas.
Sr. Presidente, eu quero concluir, agora, com os ensinamentos da professora indígena que, honrada, reverencio novamente - a professora Rosani Fernandes. Ela nos adverte que os povos indígenas não devem ser tratados como primitivos por primarem pela reprodução da cultura, das línguas e dos costumes milenares. Chama-nos a observar que os chineses, japoneses e outros povos orientais têm conciliado cultura e modernidade. E nós os admiramos e valorizamos por isso.
Mas queremos também fazer com que a nossa cultura indígena não seja apenas objeto de medíocres expressões de festividade apenas no Dia do Índio.
(Interrupção do som.)
A SRª FÁTIMA CLEIDE (Bloco/PT - RO) - E que o nó da questão é a efetividade. Mas isso se faz com consciência política, amor ao próximo, respeito ao outro e com o desejo de construir um mundo melhor.
Em apenas dez minutos é impossível dizer da importância da cultura indígena neste País.
Muito obrigada, Sr. Presidente.
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SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DA SRª SENADORA FÁTIMA CLEIDE
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A SRª FÁTIMA CLEIDE (Bloco/PT - RO. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, celebramos, neste período, a Semana do Índio - referenciada no dia 19 de abril -, instituída para revigorar nossa reflexão sobre esta raiz nativa, e a mais profunda, da identidade brasileira.
Nesse sentido, quero trazer minha contribuição, oferecendo algumas ponderações sobre alguns aspectos da relação da sociedade e do Estado brasileiro com essa raiz profunda de nossa identidade.
Sr. Presidente, estudos históricos, com a contribuição da antropologia e da arqueologia, apontam que o povoamento da América do Sul teve início por volta de 20.000 a.C.
Tudo indica que a dispersão da espécie humana pelo atual território brasileiro aconteceu por volta de 9000 a.C.
Estima-se que, em 1500, somavam entre um e cinco milhões de habitantes.
Os tupis ocupavam a região costeira que se estende do Ceará a São Paulo. Os guaranis espalhavam-se pelo litoral Sul do país e a zona do interior, na bacia dos rios Paraná e Paraguai.
Em outras regiões, havia outros grupos, genericamente chamados de tapuias - palavra tupi que se refere aos índios que falam outra língua.
Ao contrário do que consta na mal contada história oficiosa, os índios não assimilaram passivamente a ocupação da terra pelos europeus. Houve lutas e muita resistência - como, aliás, ainda hoje lutam e resistem bravamente.
Mas, dizem os pesquisadores, não se pode considerar que o contato inicial entre índios e brancos tenha sido inevitavelmente conflituoso.
Nos primeiros trinta anos de colonização, como eram poucos, os europeus sujeitavam-se aos costumes predominantes das comunidades nativas - até porque dependiam disso para garantir a alimentação e segurança.
Assim, enquanto os interesses dos europeus se limitaram ao extrativismo do pau-brasil, predominaram o intercâmbio comercial pacífico e as trocas de produtos entre europeus e populações nativas.
Quando, porém, o extrativismo foi substituído pela agricultura como principal atividade econômica, alterou-se drasticamente o tipo de convivência entre europeus e povos nativos.
Desde então, na disputa por terras para a lavoura, os portugueses invadiram os territórios indígenas, expulsaram e escravizaram os habitantes originais.
A partir de então, também, o Estado brasileiro assumiu o aniquilamento das identidades indígenas, o isolamento de muitas comunidades e a extinção da maioria delas - negando-lhes reconhecimento a quaisquer direitos à cultura, às línguas, às crenças, às tradições e às formas de organização social.
Sr. Presidente, fomos educados para pensar que somos um só povo, com uma só cultura, como instrumento de apagar qualquer traço indígena no Brasil.
Ainda assim, vivemos rodeados e operamos cotidianamente com a herança cultural indígena - como tomar banho todo dia; brincar de peteca; comer chocolate, amendoim, tapioca e farinha de mandioca; usar palhas, a piaçava e o sisal para cobrir habitações, tecer esteiras; descansar em redes.
Especialmente expressiva é também a influência das falas indígenas na língua portuguesa praticada no Brasil - que se diferencia da fala em Portugal, sobretudo pelo quanto incorpora das línguas nativas, principalmente o Tupi e Guarani. O tupi, por exemplo, é a segunda língua mais utilizada para nomear lugares neste País.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nas comemorações do Dia do Índio de 2009, o ministro da Cultura, Juca Ferreira, menciona as grandes perdas culturais dos povos indígenas brasileiros, secularmente submetidos a uma relação quase sempre desigual e perversa. Em função do que ressalta que é necessário "acelerar a modernização das relações" da sociedade brasileira com esta base de sua identidade.
Para a professora indígena Roseni Fernandes (no nome de quem quero aqui reverenciar todos os profissionais da educação envolvidos com a temática indígena):
“Os alunos das escolas não-indígenas no Brasil não aprendem nos bancos escolares a respeitar a diversidade cultural como riqueza e continuam reproduzindo preconceitos e estereótipos que marcaram negativamente a relação do Estado brasileiro com os povos indígenas, onde a escola é em grande parte responsável.”
Apesar de termos vivido a felicidade de aprovar uma lei que busca reparar esta realidade - a Lei 11.645 -, as universidades ainda negligenciam quanto à questão indígena nos cursos de formação de professores.
Como conseqüência, formam-se professores que folclorizam o índio, incentivam o preconceito e reproduzem informações que mais nos distanciam da realidade indígena, em vez de construir e consolidar relações de respeito e sadia curiosidade.
A regra geral nas escolas não-indígenas é falar de índios somente no dia do índio - quando muito, de forma genérica e descontextualizada: os índios, que moram em ocas; se enfeitam com penas e sementes; adoram Tupã; e, os poucos que restam, vivem na Amazônia.
Raros cidadãos e cidadãs brasileiros sabem que não somos um só povo, com uma só língua: há cerca de 250 povos indígenas diferentes ainda hoje, habitando o imenso território brasileiro há milênios; há 180 línguas diferentes vivas, nos falares indígenas brasileiros; mais de 20% dos índios do Brasil estão no Nordeste e outros tantos nas regiões Sul e Centro-Oeste - por ordem demográfica, os Estados com maior população indígena são Amazonas, Mato Grosso do Sul, Roraima e Pernambuco (com cerca de 50 mil índios a mais que o estado do Pará); somos uma sociedade culturalmente megadiversa.
A escola é responsável por essa idéia de que não há mais índios perto de nós, nem no espaço e nem no tempo - nossos livros de geografia não os mencionam e os livros de história referem-se aos índios sempre no passado.
Com isso, nossa cultura escolar nutre a invisibilidade e o preconceito, não apenas quanto aos índios, mas quanto a nós todos, quanto a que tipo de sociedade nós somos e ao que queremos ser: uma sociedade uniforme, culturalmente pobre e fundada num passado recente e emprestado, feito da riqueza, do conhecimento e da história de outros povos, de outros continentes - uma sociedade inferior.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como ensina a professora Rosani Fernandes, “O preconceito que corrói as relações e afasta as pessoas é construído e reproduzido em casa, na família, na escola, nos meios de comunicação, nos livros didáticos e se revelam cotidianamente nos comentários de mau gosto, nas piadinhas, no desconhecimento que ignora a diversidade como riqueza cultural, que é confundida com inferioridade.”
Seguramente, o preconceito com a comunidade indígena é a principal barreira a ser rompida pelos não-índios, e o principal instrumento para isso é a Educação.
Cito aqui um caso ilustre para ilustrar o que digo:
Relator do processo sobre a Terra Indígena Raposa Serra do Sol no Supremo Tribunal Federal, o ministro Ayres Brito confessa ter enfrentado o próprio preconceito, à medida que tecia seu relatório e seu voto sobre aquela questão.
Em entrevista ao jornal Correio Braziliense, o ministro da Suprema Corte confessa que, antes de se debruçar sobre os mais de 50 volumes do processo, entendia o índio como um ser primitivo, de cultura inferior. Com base nesse entendimento, questionava:
"Como é que se reserva tanta terra para índio?"
Mas reconheceu em tempo o seu próprio preconceito.
“A minha cultura me impunha esse condicionamento, de ver os índios como seres inferiores, à espera de tutela, como se fossem incapazes.” - disse o ministro Ayres Brito em sua entrevista ao jornal.
Mas o ministro foi transformando suas idéias à medida que foi explorando os veios da Constituição. Palavra por palavra. Literalmente, estudou cada termo do capítulo sobre os indígenas.
Finalmente entendeu que a Constituição diz que há duas civilizações: a do branco e a do índio; portanto, duas dignidades.
Ao fim, descobriu-se um admirador dos índios e se achou feliz com seu voto. Sobre esse aspecto, o ministro comenta que começou a julgar a questão como o atirador do Velho Oeste, Buffalo Bill, e terminou como Touro Sentado, o célebre líder sioux norte-americano, que morreu lutando por seu povo.
Mas isso, um homem culto, membro da Suprema Corte de Justiça do nosso País, não aprendeu na escola.
Pelo contrário, uma venturosa oportunidade do exercício profissional lhe propiciou superar um preconceito aprendido na escola, suprimindo um drástico espaço de ignorância, de que ele próprio não tinha consciência.
Hoje ele sabe que a relação com os povos indígenas é uma estrada de mão dupla, onde se aprende mutuamente.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no último dia 15 de abril, as secretarias de Educação e Cultura do Distrito Federal assinaram um acordo de cooperação que prevê a introdução da cultura indígena na educação básica.
A cerimônia ocorreu no Memorial dos Povos Indígenas (MPI), durante a abertura da programação da semana dedicada ao Dia do Índio.
O acordo prevê que, até o fim do ano, os professores serão capacitados para lecionar a cultura indígena nas escolas da rede pública do Distrito Federal.
Embora a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional já estabeleça a obrigatoriedade do conteúdo da cultura indígena nas escolas, o Distrito Federal pretende ser a primeira unidade da federação a trabalhar com a capacitação de professores com o objetivo de introduzir a cultura dos índios na rede pública.
Louvo e celebro esta iniciativa do Governo do DF. Tanto mais porque temos também aqui no Distrito federal a felicidade de abrigar um fenômeno antropológico especialíssimo, inédito, num pequeno território apropriado pela prática indígena ecumênica, onde se formou o que se chama “Santuário dos Pajés”.
Uma reunião de brasilidades indígenas que só Brasília poderia compor, já habituado a receber as crianças de nossas escolas públicas e nos ensinar, por meio delas, o que precisamos saber sobre nós mesmos, no contato direto com os fazeres e saberes mais antigos das diferentes regiões deste grande território.
Tenho muita esperança de que - assim como se deu com o ministro Ayres Brito, no contato com a Terra Indígena Raposa Serra do Sol - a Comunidade Indígena do Bananal e seu Santuário dos Pajés se constitua, efetivamente e em tempo, na oportunidade de conversão indigenista da capital do Brasil - seus habitantes e seus governantes.
Sr. Presidente, finalmente, quero ainda ressaltar a enorme responsabilidade que está posta aos meios de comunicação.
A maneira exótica como a questão indígena é tratada na mídia (com raras exceções), esconde suas lutas e enfrentamentos diários, as suas dificuldades e potencialidades, suas histórias de perdas e suas conquistas; esconde a violência física e simbólica com que sabotamos a existência desses povos, ainda hoje.
A influência nos meios de comunicação daqueles que têm interesse nas terras, nos recursos florestais e de subsolos, na construção de empreendimentos econômicos que impactam negativamente as terras e as culturas indígenas, geram intolerância e incompreensão, perpetuando injustiças e preconceitos, que sabotam nosso passado, nosso presente e nosso futuro.
Quero, portanto, concluir este pronunciamento com os ensinamentos da professora indígena que, honrada, reverencio nesta oportunidade - a professora Rosani Fernandes.
Ela nos adverte que os povos indígenas não devem ser tratados como primitivos por primarem pela reprodução da cultura, das línguas e dos costumes milenares.
Chama-nos a observar que os chineses, japoneses e outros povos orientais têm conciliado cultura e modernidade. E nós os admiramos e valorizamos por isso.
Mas, quando povos indígenas se apropriam dos recursos tecnológicos, nós logo sentenciamos: "deixou de ser índio"; quando preservam a cultura: "é atrasado"; quando se trata de garantir-lhes territórios, dizemos que "é muita terra para pouco índio" - sem considerar que os poucos que são hoje, são os que resistem ao extermínio que temos executado.
A professora indígena nos diz que a responsabilidade de construir relações de respeito e tolerância é de todos, cada um pode fazer sua parte, desde que se desafie a conhecer e respeitar os povos indígenas e a diversidade cultural do Brasil.
E que o nó da questão é a efetividade. Mas isso se faz com consciência política, amor ao próximo, respeito ao outro e com o desejo de construir um mundo melhor.
Era o que eu tinha a dizer.
Obrigada, professora.
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