Discurso durante a 61ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao centenário do nascimento de Dom Helder Camara.

Autor
Marco Maciel (DEM - Democratas/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao centenário do nascimento de Dom Helder Camara.
Publicação
Publicação no DSF de 30/04/2009 - Página 13458
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, PRESENÇA, DIRETOR, FILME, AUTORIDADE, APROVEITAMENTO, ENTIDADE, IGREJA CATOLICA, HOMENAGEM, CENTENARIO, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, HELDER CAMARA, ARCEBISPO, PARTICIPAÇÃO, CRIAÇÃO, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), CAMPANHA DA FRATERNIDADE, COMBATE, DESIGUALDADE SOCIAL, RELEVANCIA, ATUAÇÃO, CONFERENCIA, IGREJA, PAIS ESTRANGEIRO, VATICANO, BUSCA, MODERNIZAÇÃO, REFORMULAÇÃO, DESCENTRALIZAÇÃO, INSTITUIÇÃO RELIGIOSA, APROXIMAÇÃO, ASSISTENCIA RELIGIOSA, ASSISTENCIA SOCIAL, UNIÃO, POPULAÇÃO, RELIGIÃO, REGISTRO, DECLARAÇÃO, AUTORIDADE RELIGIOSA, DEMONSTRAÇÃO, ETICA, MORAL, CARATER PESSOAL, DEFESA, ORADOR, UTILIZAÇÃO, EXPERIENCIA, VIDA PUBLICA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Exmº Sr. Senador Mão Santa, que preside esta sessão do Senado Federal, S. Exª Rvmª Arcebispo emérito de Brasília Cardeal Dom José Freire Falcão, Srª. Myrna Câmara, sobrinha do ilustre homenageado, Rvmº Padre Ernane Pinheiro, Secretário Executivo do Centro Nacional de Fé e Política Dom Helder Câmara e Assessor Político da CNBB; Dr. Antonio Carlos Maranhão de Aguiar, membro do Conselho Curador do Instituto Dom Helder Câmara; prezada Srª Erika Bauer, Diretora do documentário “Dom Helder Câmara, o Santo Rebelde”; Ilustríssima Srª Maria de Lurdes Torres de Almeida Fonseca, Chefe do Departamento de Filatelia e Produtos da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos; prezado Senador Inácio Arruda, autor do requerimento de convocação da presente sessão; saúdo também o Senador Tasso Jereissati que igualmente subscreveu moção nesse sentido, assim como o Senador Pedro Simon, eu e tantos outros, muitos dos quais aqui não se encontram; saúdo os representantes de Embaixadas e membros do Corpo Diplomático; saúdo o Subprocurador da República, Dr. Ivaldo Olimpio de Lima, e Eliana Farias, Subprocuradora da Republica; a Conselheira Distrital de Proteção e Defesa dos Direitos Humanos, Srª Maria da Assunção Barreto Raynaud; o representante da Igreja Grego-Ortodoxa, Reverendíssimo Padre Manoel Sufulis e demais reverendíssimos Padres presentes; Dr. Murilo Grossi, narrador do documentário sobre Dom Helder Câmara. Quero fazer referência ao Secretário Executivo do Escritório de Representação do Governo de Pernambuco em Brasília, Dr. Carlos Siqueira. Quero registrar a presença do vereador Mauro Fonseca, representante da Câmara Municipal de Olinda - podemos destacar que Dom Helder Câmara foi Arcebispo de Olinda e Recife - e de Fernando Gondim Júnior, Diretor da Câmara Municipal de Olinda; Srªs e Srs. ilustres convidados, reúne-se o Senado Federal para fazer memória da passagem do centenário do nascimento de Dom Helder Pessoa Câmara.

A celebração enseja, por se tratar de um efeméride, lançar luzes sobre a vida e, acima de tudo, o pensamento, a obra e a ação pastoral do saudoso homenageado. É assim, na minha opinião, um convite a raciocinar conjuntamente a respeito da figura do preclaro Sacerdote, Bispo Auxiliar da Arquidiocese do Rio de Janeiro e Arcebispo de Olinda e Recife, Dom Helder Câmara. Ressalte-se ser ele portador da graça do carisma e de intensa atividade dialogal.

O carisma, como lembra a palavra de origem grega, sabe-se, é, antes de tudo, um dom, a significar uma atitude de vida que se expressa por meio de ações e gestos, que reverberam em toda a comunidade. É um chamado à vocação sacerdotal, que muito cedo nele, Dom Helder, se revelou, nos idos dos tempos de juventude no Ceará, seu torrão natal.

Intuíra Dom Helder que fé pressupõe ação missionária a exigir doação plena à causa abraçada e o percurso do tempo não fez esmaecer a flama com que exercia seu pastoreio.

O importante é embarcar”, como prescrevia o frade dominicano Louis-Joseph Lebret, no seu livro Princípios para a Ação. “Mesmo sem saber que navios se irão encontrar, que tempestades se irão sofrer, em que portos se irá descansar. Mesmo não tendo previsto tudo, a gente parte e chega. [...] Há risco. Isso não impede de partir. Uma grande obra é sempre, aos olhos do mundo, uma imprudência.

Estava determinado o Padre Helder a tudo entregar-se no plano de Deus, ou seja, subordinar-se a essa grande tarefa, pois, como dissera Camões num de seus cantos de Os Lusíadas:

 

Da determinação que tens tomada

Não tomes por detrás, pois é fraqueza

Desistir-se da causa começada.

Sr. Presidente, toda trajetória da existência de Dom Helder foi um belo exemplo de vida. Nascido em Fortaleza, como aqui à saciedade se lembrou, em numerosa família de treze filhos, da qual ele era o décimo primeiro. Ordenado padre aos vinte e dois anos, careceu de autorização especial da Santa Sé para iniciar sua missão sacerdotal. Precoce foi também sua entrega à ação social, antecipando-se, já naquela tempo, à opção preferencial pelos pobres, apelo profético que sempre caracterizou o seu desempenho de pastor, “clamando sem cessar”, como Isaías, erguendo a sua voz.

O seu trabalho perpassou as nossas fronteiras, pois, ainda como Bispo Auxiliar da Arquidiocese do Rio de Janeiro, subia os morros e visitou favelas na inexcedível defesa dos direitos humanos e sociais, condigno coetâneo de Martin Luther King, de Madre Teresa de Calcutá e, mais recentemente, por que não lembrar, de Irmã Dulce, nordestina também totalmente consagrada às obras de caridade.

Sr. Presidente, não se deve também ignorar a participação de Dom Helder Câmara nos albores da criação da CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil -, que logo se transformou em instituição prestigiosa e porta-voz não só da Igreja em nosso País e da mesma forma da sociedade civil, de que dão testemunho as Campanhas da Fraternidade, realizadas a cada ano durante o período quaresmal, que se repetem há mais de quarenta anos, algumas das quais de caráter ecumênico por associar-se a outras confissões religiosas.

Outro instante significativo para a vida da Igreja Católica e que contou com a presença do Bispo Helder Câmara, como aqui foi sucessivamente lembrado, foi a sua participação no Concílio Vaticano II, nos anos sessenta do século passado. Ele teve, de modo discreto, mas com seu talento e seu desassombro, destacado papel ao promover notável interlocução com conceituados teólogos da Europa e das Américas - entre os quais convém mencionar Lubac, Rahner, John Courtnay Murray, Congar e Daniélou, que tanto concorreram para a aceitação no Concílio de propostas relativas à descentralização da hierarquia, aproximação com outras igrejas cristãs, simplificação de ritos, e, por fim, a realização de visitas pastorais dos Pontífices aos países de diferentes partes do mundo, de que são exemplo as incansáveis viagens do Papa João Paulo II, que não cessaram, mesmo após o atentado que sofreu e tanto comprometeu sua saúde.

O Concílio Vaticano II não foi apenas eclesial, posto que foi acompanhado de perto e por dentro de observadores de várias igrejas cristãs e até - frise-se - não cristãs. Ecumenismo que se processou no reconhecimento de positivas contribuições à convivência pacífica entre homens de boa vontade, conforme apelo do Papa João XXIII, na Encíclica Pacem in terris e de seu sucessor Paulo VI. As conclusões do Concílio produziram densos resultados, que vêm sendo praticados pelos Pontífices que lhes sucederam.

Todas essas conquistas deram oportunidade para que a Igreja Católica, mãe e mestra, se afirmasse cada vez mais - malgrado muitas vicissitudes -, como um só pastor e um só rebanho.

A Igreja Católica saiu do Concílio Vaticano II fortalecida pelo sopro inovador que perpassou por quase todos os níveis da instituição eclesial, especialmente no campo da evangelização e no cravar o olhar, principalmente para o pobre e o carente.

Sr. Presidente Senador Mão Santa, Dom Helder nos legou inúmeros ensinamentos, produto de mais de sete mil meditações que fez ao longo de sua vida. Entre muitas, citarei algumas inspiradas sentenças: “Quem me dera ser leal, discreto e silencioso como a minha sombra”. Ou o conselho que dirige aos jovens: “O segredo de ser jovem, mesmo quando os anos passam deixando marcas no corpo, é ter uma causa a que dedicar a vida”.

É de Dom Helder, ainda, a frase muito atual em nossos dias: “Não queremos a paz dos pântanos, a paz enganadora que esconde a injustiça e a podridão”. A ele nunca faltou a coragem de, “oportuna ou inoportunamente”, como recomendava o apóstolo São Paulo, cujo bimilenário de nascimento estamos comemorando, advogar em defesa dos perseguidos e necessitados, mormente em período de nossa história recente, em que a liberdade e os direitos políticos e individuais foram desconhecidos ou desprezados.

Dele são, igualmente, as advertências que passo a ler: “Ninguém é tão pobre que não possa ajudar; ninguém é tão rico que não precise de ajuda”. E mais: “Melhor do que o pão é a sua partilha, sua divisão.

Finalmente, é de Dom Helder a assertiva, que parece expressar a sua opção de conduta: “Há gestos que valem um programa de vida: erguer um candeeiro, afastar as trevas, difundir a luz, mostrar o caminho”.

Sr. Presidente, as reflexões que colhemos das lições de Dom Helder servem, de igual forma, como válidos testemunhos para nós leigos, de modo particular para aqueles que se desincumbem de funções no sáfaro território da ação política.

Tudo isso nos leva a refletir que a atividade política não pode ser o meio da conservação, mas, sim, o instrumento da transformação. Daí decorre, como corolário, a necessidade também de buscarmos sempre, entre o que nos separa, aquilo que nos deve unir, pois, se desejamos viver juntos na divergência, que é princípio vital da democracia, estamos condenados a nos entender. O exercício do poder será efetivamente instrumento de justiça, de igualdade de oportunidades e de realização de interesses coletivos se a política for, de fato, praticada como ciência, virtude e arte do bem comum.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores e ilustres convidados, ao encerrar, lembro que Dom Helder, ou simplesmente Dom, como ele apreciava ser chamado, foi um ente movido pela solidariedade e voltado para a prática da caridade. A todos acolhia, independentemente de crença religiosa, condição social ou convicção política.

Mercê de inúmeras solicitações que recebia para participar de eventos no Brasil e no exterior, na ausência de Dom Helder, substituía-o Dom Lamartine Soares, seu modelar e discreto Bispo Auxiliar, nascido em Pernambuco e que, para nosso pesar, muito cedo nos deixou. Dom Lamartine era um sóbrio e operoso Bispo que muito colaborou para o êxito da missão episcopal de Dom Helder.

Para Dom Lamartine, a estima pelo silêncio era uma indispensável condição no ouvir e no agir. Num mundo sensibilizado pelo ruído, que nasça em nós - como queria o Papa Paulo VI - esse admirável estado de espírito. Não sem fundamento, diz a sabedoria popular considerar o silêncio “o santuário da prudência”.

Sr. Presidente, celebrar o centenário de Dom Helder Câmara é aviventar, portanto, a profunda mensagem que ele nos ofereceu ao longo de sua integral dedicação à Igreja de Cristo Jesus.

Daí, conforme se propala, cogitar-se da abertura de processo de beatificação de Dom Helder Câmara, rumo à canonização de um dos vultos mais reverenciados em nosso País.

Dom Pedro Casaldáliga observara, certa feita, que há séculos a igreja qualifica o dia da morte dos seus santos como Dies Natalis [ou seja, o dia do aniversário], dia natalício”, pois sabemos que o ser humano, segundo desígnio divino, está destinado à imortalidade e a repousar, portanto, na Casa do Senhor.

Muito obrigado. (Palmas.)


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/04/2009 - Página 13458