Discurso durante a 61ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao centenário de nascimento de Dom Helder Câmara.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA SOCIAL.:
  • Homenagem ao centenário de nascimento de Dom Helder Câmara.
Publicação
Publicação no DSF de 30/04/2009 - Página 13462
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, HELDER CAMARA, ARCEBISPO, LEITURA, DISCURSO, DEFESA, COMBATE, MISERIA, IMPORTANCIA, PARTICIPAÇÃO, CRIAÇÃO, CONFERENCIA, IGREJA CATOLICA, AMERICA LATINA, FUNDAÇÃO, BANCOS, ASSISTENCIA SOCIAL, DENUNCIA, OCORRENCIA, TORTURA, PERIODO, REGIME MILITAR, RECEBIMENTO, PREMIO, DEFENSOR, DIREITOS HUMANOS, RELEVANCIA, ATUAÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL.
  • REGISTRO, ATUAÇÃO, ORADOR, BUSCA, CUMPRIMENTO, SOLICITAÇÃO, CRIAÇÃO, PROJETO, RENDA MINIMA, GARANTIA, RENDA, TOTAL, POPULAÇÃO, OCORRENCIA, SANÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, EXPECTATIVA, IMPLANTAÇÃO, GRADUAÇÃO, PROGRAMA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Caro Presidente Mão Santa, hoje, seu nome está tão condizente com o espírito da sessão, ainda mais ao lado do prezado Arcebispo Emérito de Brasília, Reverendíssimo Cardeal Dom José Freire Falcão; Srª Myrna Câmara, sobrinha de Dom Helder Câmara; Sr. Secretário Executivo do Centro Nacional Fé e Política Dom Helder Câmara, Padre Ernane Pinheiro; Sr. Antônio Carlos Maranhão de Aguiar, do Conselho Curador do Instituto Dom Helder Câmara; Diretora do Filme “Dom Helder Câmara - O Santo Rebelde”, Srª Érika Bauer; Srª Maria de Lourdes Torres de Almeida Fonseca, da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos; meu caro Senador Inácio Arruda, meus cumprimentos por esta tão bela iniciativa.

Os Senadores que aqui me antecederam, Mão Santa, Inácio Arruda, Cristovam Buarque, Pedro Simon, Marco Maciel e ainda os que vão falar, já detalharam tanto a biografia desse extraordinário brasileiro, Dom Helder Câmara, que solicitarei, Sr. Presidente, que a parte que eu havia colocado em meu pronunciamento de homenagem a Dom Helder Câmara seja dada como lida e transcrita, na medida em que eu aqui repito algumas das coisas já ditas pelos meus colegas.

Eu gostaria de fazer uma referência especial a um dos pronunciamentos feitos em 3 de dezembro de 1991, na Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco, quando Dom Helder Câmara disse que o ano 2000 deveria ser um ano sem miséria:

        O mundo está bem próximo de uma data cujo significado transcende a simbologia tradicionalmente associada às mudanças convencionais no calendário. O Ano 2000, com efeito, não é só mais um ano e sim o início de um novo século que falamos. E qual a importância do Ano 2000, para dele falarmos de forma tão especial e com uma insistência que pode ser encarada como sendo até obsessiva?

      O Ano 2000 assinala o advento do 3º milênio desde o nascimento de Cristo. O Cristo, que para nós cristãos é Redentor.

      Ora, se o Cristo tem este papel redentor é inadmissível para os cristãos que, no limiar do 3º milênio, desde o seu nascimento o mundo continue abrigando situações de vida deploráveis por estarem tão distantes de uma vida realmente digna de tal nome. Não podemos aceitar que haja pessoas, formando em todo o mundo um contingente impressionante que ascende à casa dos bilhões, desprovidas das condições elementares de sobrevivência. Não falamos da pobreza, que é o estágio no qual a pessoa possui apenas o indispensável à sua sobrevivência e à dos seus, mas possui!

      Falamos, sim, da miséria, em que nem mesmo esse indispensável existe!

      Que contradição, que negação clamorosa: cristãos, crentes no papel redentor de um Deus de Vida, excluindo do acesso às mais elementares condições de vida muitos daqueles a quem proclamamos admitir como irmãos. Mais inaceitável é que esta situação se verifique - e em proporções estarrecedoras - em nosso país.

      Será por incompetência?

      Será por inconsciência?

      Será por alienação?

      Ou será por impiedade mesmo?

      Afinal, o Brasil possui condições comparativamente privilegiadas para que a miséria não fizesse parte de sua realidade. O Brasil possui uma das 10 ou 11 economias mais fortes do mundo, quando medida pelo valor do seu PNB.

      Seu parque produtivo alcançou níveis de consistência e diversificação sem paralelo no ainda chamado 3º Mundo. É muito bem provido de fatores de produção relevantes, tais como recursos naturais, mão-de-obra, inclusive qualificada, e conseguiu avanços expressivos no domínio de certas tecnologias.

Mais adiante, ele conclui dizendo:

      As preocupações decorrentes deste quadro deram origem a uma idéia compartilhada com amigos daqui e de outras partes: a de um movimento que sensibilizasse a sociedade brasileira no esforço pela erradicação da miséria em nosso país até o Ano 2000. Surgiu então a Campanha Ano 2000 sem Miséria, que não se arroga produtora de fórmula para alcançar tal fim, sugerindo, antes, que as pessoas interessadas pensem suas formas e meios mais adequados. Apesar deste ponto de honra, pensamos que o processo pode ter início com a sensibilização das pessoas, a partir do conhecimento dos dados pertinentes ao quadro de miséria existente. Em seguida cada pessoa ou grupo interessado procuraria identificar casos de miséria perto de si ou de sua cidade, sempre tomando como base a distinção entre pobreza e miséria para, de preferência, em conjunto procurar soluções efetivas para essas situações. A campanha, como insistimos em afirmar, não tem dono, nem padroniza fórmulas. No entanto, é premissa estabelecida que seu sucesso requer o congraçamento solidário de todos.

Os que fazem esta Casa Legislativa têm um papel, uma responsabilidade redobrada: como cidadãos, como representantes legítimos do povo, investidos da prerrogativa de legislar, portanto, com poderes de fato para modificar essa realidade.

Eis que aquele querido Cardeal, de baixa estatura, franzino, falava isso ali, na Casa Legislativa de Recife, onde ele era Cardeal Arcebispo. Isso foi em 3 de dezembro de 1991. Na manhã de 16 de dezembro de 1991, tendo esse pronunciamento e essa sua proposta tido grande repercussão - os Senadores Marco Maciel e Pedro Simon são testemunhas do que ocorreu na noite do dia 16 -, eu telefonei a Dom Helder Câmara e tive uma amistosa conversa, em que disse a ele - eu já lhe havia enviado a proposição do projeto que institui a garantia de uma renda para todos os brasileiros e brasileiras - como aquela proposição era consistente com esse objetivo de erradicar inteiramente a miséria em nosso País, no conceito de um padrão de pobreza considerada, nos termos em que ele falou, de miséria.

Portanto, para se erradicar a pobreza absoluta seria possível se instituir, neste País, o direito de todas as pessoas e, naquela oportunidade, era através de um programa de garantia de renda mínima e através de um Imposto de Renda negativo.

Depois de quatro horas e meia de debate aqui, numa sessão memorável neste plenário, o Senado Federal, por consenso de todos os Partidos, aprovou aquela proposição, que foi para a Câmara e lá recebeu parecer favorável do Deputado Germano Rigotto, do PMDB. Depois, surgiu do debate daquelas idéias a proposição da garantia de uma renda associada às oportunidades de educação, tão bem abraçada pelo Senador Cristovam Buarque, então Governador do Distrito Federal, e pelo Prefeito de Campinas, Magalhães Teixeira. Daí, as primeiras experiências de renda mínima associadas à educação se espalharam por mais e mais Municípios, tornando-se lei nacional, primeiro no formato do Bolsa Escola e, depois, do Bolsa Família de hoje.

Durante os anos 90, inspirado em muitos por esse impulso extraordinário de Dom Helder Câmara, cheguei à conclusão, com filósofos e economistas do mundo inteiro, que ainda mais eficaz seria instituirmos simplesmente, para simplificar todo o procedimento, uma renda básica como um direito à cidadania para, hoje, 190.300 habitantes.

Eis que em 2002 e 2003, tendo eu apresentado a nova proposta da renda básica de cidadania incondicional, ambas as Casas, por todos os Partidos, aprovaram a proposta, que em 2004 foi sancionada pelo Presidente, com uma característica. O Senador Francelino Pereira, num exemplo da interação entre um Senador do PFL, então, e um do PT, disse: “Olha, Eduardo, é uma boa ideia, mas coloque aqui um parágrafo para que se torne compatível com a Lei de Responsabilidade Fiscal, segundo a qual para cada despesa é necessária a receita correspondente. Coloque que será instituída por etapas, gradualmente, iniciando pelos mais necessitados, como faziam, com a garantia de uma renda associada às oportunidades de educação, o Bolsa Escola e, depois, o Bolsa Família, até que tenhamos, um dia, essa proposição universalizada para todos os brasileiros.”.

Pois bem, estamos, agora, em 29 de abril de 2009. Passamos, já, o limiar do início do ano 2000. Estamos no Século XXI e eu acredito, Dom Falcão e prezado Senador Mão Santa, que é possível, na medida em que a consciência que nos foi legada por Dom Helder Câmara se espalhe com maior força, daí a relevância desta sessão, para que em breve possamos, de fato, realizar aquilo que foi um dos objetivos maiores de Dom Helder Câmara, que, neste século XXI, e o quanto antes, se erradique de vez a miséria, a pobreza absoluta, com a combinação de investimentos, de tal maneira que toda criança, todo menino, toda menina, todo jovem, no Brasil, tenha a melhor oportunidade de boa educação, Senador Cristovam Buarque. E para que isso inclusive aconteça, efetivamente, possam todos aqueles que são pais e mães, ou mesmo as suas crianças ou os seus avós e bisavós, terem a garantia de uma renda como um direito inalienável da pessoa humana.

Dom Helder diria ao Presidente e à futura Presidenta ou Presidente: “Está na hora; chegou o momento. Vamos instituir uma renda como um direito inalienável de todo e qualquer ser humano no Brasil.”

Muito obrigado. (Palmas.)

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY).

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/04/2009 - Página 13462