Discurso durante a 61ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao centenário do nascimento de Dom Helder Camara.

Autor
José Nery (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/PA)
Nome completo: José Nery Azevedo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao centenário do nascimento de Dom Helder Camara.
Aparteantes
Jarbas Vasconcelos, José Agripino, José Sarney.
Publicação
Publicação no DSF de 30/04/2009 - Página 13466
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, HELDER CAMARA, ARCEBISPO, ELOGIO, EMPENHO, COMBATE, DESIGUALDADE SOCIAL, POBREZA, PARTICIPAÇÃO, CRIAÇÃO, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), CONSELHO, IGREJA CATOLICA, AMERICA LATINA, DEFESA, PRESO POLITICO, PERIODO, REGIME MILITAR.
  • REPUDIO, INJUSTIÇA, REGIME MILITAR, RETIRADA, CONFIANÇA, HELDER CAMARA, ARCEBISPO, IMPEDIMENTO, RECEBIMENTO, PREMIO, PAZ, APOIO, REFORMA AGRARIA, BUSCA, GARANTIA, DIREITOS HUMANOS.
  • DEFESA, TRANSFORMAÇÃO, PREMIO, DIREITOS HUMANOS, SENADO, HOMENAGEM, HELDER CAMARA, ARCEBISPO.
  • LEITURA, TRECHO, OBRA INTELECTUAL, AUTORIA, HELDER CAMARA, ARCEBISPO, DEFESA, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, DESIGUALDADE SOCIAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Marconi Perillo; Srªs e Srs. Senadores; ilustres convidados da CNBB; familiares de Dom Helder; representantes da Igreja do nosso País que se fazem presentes nesta sessão destinada a homenagear Dom Helder Câmara pelo transcurso de seu centenário de nascimento; cumprimento especialmente o Padre Policarpo Menezes, Monge Beneditino, com quem tive a honra de conviver e trabalhar na Diocese de Crateús, no Estado do Ceará.

Essa homenagem a Dom Helder nesta sessão especial por ocasião do transcurso do centenário de seu nascimento, ocorrido em 7 de fevereiro de 2009, merece, aqui, primeiro, o reconhecimento das Srªs e dos Srs. Senadores que subscreveram o requerimento para sua realização. Mas esta sessão, em si mesma, representa, na minha forma de avaliar, um ato de desagravo à história, à memória, à trajetória de Dom Helder Pessoa Câmara, por que quantas vezes - é bom perguntar - sua luta, sua dedicação e seu compromisso com os pobres e oprimidos foram, Senador Marconi Perillo, questionados das tribunas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal?

Está na nossa história, Senador Jarbas Vasconcelos, Senador Tasso, meu caro Senador Arthur Virgílio, mas não só nos Anais do Congresso Nacional está registrado o papel que muitos desempenharam para tentar desmerecer, achincalhar, humilhar e denegrir a imagem de D. Helder Câmara.

Portanto, minhas primeiras palavras aqui, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ilustres convidados, precisa ser uma palavra de desagravo à memória de um dos mais dignos pastores da Igreja Católica em toda a sua história, porque junto aos pobres fez do seu apostolado, de seu ministério um exemplo inesquecível do compromisso de um pastor que trabalhou não para os pobres, mas trabalhou com os pobres.

Por isso, ao rendermos esta homenagem, nós o fazemos também a todos aqueles e aquelas que estiveram junto a Dom Helder na caminhada da Igreja pós-Concílio Vaticano II, um momento de renovação da Igreja, sua abertura para o mundo, seus problemas e seus desafios. Dom Helder, ao lado de tantos bispos, padres, religiosas e leigos, foi capaz de marcar o seu trabalho com a dedicação e com a humildade de um filho de Deus nascido em terra nordestina, no Estado do Ceará.

Sem dúvida, em sua história, marcada por este compromisso de luta pela libertação do nosso povo, Dom Helder foi tantas vezes incompreendido não apenas pelos Governos, pelos parlamentares, pelos grandes e poderosos do nosso País; Dom Helder muitas vezes enfrentou desafios e questionamentos dos seus irmãos bispos - alguns também porque não compreendiam a grandeza da sua missão e de seu profetismo, a capacidade de denunciar as injustiças, ocorressem onde elas ocorressem, fossem no Brasil, fossem no Nordeste, fossem em sua amada Arquidiocese de Olinda e Recife. Onde quer que fosse, Dom Helder era a voz do profeta que, ao mesmo tempo em que denunciava as desigualdades econômicas, políticas e sociais, aproveitava cada momento para anunciar a possibilidade da conversão de todos os homens e mulheres para a construção de um mundo de paz, de justiça e de fraternidade.

Fez isso com a radicalidade do seu amor e devoção ao Evangelho e, na mesma medida, aos seus irmãos de sorte, de luta, de trabalho, de profetismo, porque, junto com Dom Helder, estavam Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Marcelo Pinto Carvalheira, Dom Francisco Austregésilo, Dom Antonio Batista Fragoso, da Diocese de Crateús, no Ceará, Dom Ivo Lorscheiter e tantos outros pastores. Construíram, nesse último período da nossa história, algo muito relevante no sentido do compromisso inarredável com as transformações sociais, comunitárias, para orientar o caminho de um mundo melhor.

Tenho a honra de ouvir, antes de concluir, Sr. Presidente, o aparte do Senador Agripino Maia. (Pausa.)

         Ouço, com atenção, o aparte do Senador Agripino Maia, do Rio Grande do Norte.

O Sr. José Agripino (DEM - RN) - Senador José Nery, sou muito grato pela concessão do aparte. Com muito gosto, assinei, hoje pela manhã, uma designação partidária para que o Senador Marco Maciel fizesse a manifestação oficial do meu partido a essa figura admirável de Dom Helder Câmara, o que ele já fez com brilhantismo. Mas não podia deixar de manifestar, como nordestino que sou, uma opinião muito sincera sobre uma figura que acompanhei de perto - eu, na minha juventude; ele, já Arcebispo de Olinda e Recife, Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro, onde morei. Ele foi, à sua época, uma referência especialíssima. A Igreja brasileira tem grandes talentos, cada qual ao seu tempo. Não me lembro de, à época em que Dom Helder esteve ativo, ter assistido a manifestações de ações efetivas mais marcantes do que as de Dom Helder. Uma figura franzina, magrinha, de voz muito característica. Lembro-me muito bem das imitações de que Dom Helder era objeto, até nos programas de rádio e televisão. Ele foi uma figura emblemática, mas emblemática pela sua ação; muito mais do que pela pessoa física, pelo aspecto físico, pela ação. Dom Helder foi um dos motivadores ou inspiradores de uma organização primorosa que até hoje presta grandes serviços à Igreja e ao Brasil, que é a CNBB. Foi ele talvez o principal vetor que, com a sua voz forte, com a sua opinião consistente, levou à consolidação pioneira no Brasil e no mundo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, coisa que não é normal nas nações do mundo, mas o Brasil, pelo tamanho e pela sua população católica, ensejou, por inspiração e por esforço de muitos, entre os quais ele, que surgiu de forma proeminente. Em favor de quem? Dos pobres. E aí entra a ação dele no Vaticano II, na opção preferencial pelos pobres. A Cruzada São Sebastião. Eu morei no Rio de Janeiro e me lembro da experiência, que não foi nem ao menos muito exitosa, mas foi pioneira. E ela fez escola, porque foi uma construção feita por inspiração da Igreja, que tinha uma opção preferencial pelos pobres, para juntar favelados numa construção vertical. Talvez tenha sido uma escola para avaliar modelo do que podia dar certo e do que podia não dar certo. E o Banco da Providência. Eu não poderia deixar de fazer esta manifestação, que faço com nordestinidade, como católico, e muito orgulhoso em ter vivido à época em que Dom Helder mais prestou serviços a este País. Em muito boa hora o Senado se manifesta para prestar esta homenagem sincera a uma das melhores figuras da minha Igreja, da Igreja Católica do Brasil. Cumprimentos a V. Exª.

O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Muito obrigado, Senador Agripino Maia, o seu testemunho é importante, porque, sendo do Rio Grande do Norte e estando também como esteve no Rio de Janeiro durante muito tempo, acompanhou de perto o trabalho e a referência que Dom Helder significou, e significa, para a Igreja Católica. Mas não só para a Igreja, para todos os pobres do mundo o seu exemplo, sem dúvida, deve nos animar e nos impulsionar a continuar a sua luta.

Dom Helder, ao lado da CNBB, como o senhor muito bem disse, também foi o incentivador da criação do Celan, Conselho Episcopal Latino-Americano. Dom Helder motivou a criação da Campanha da Fraternidade.

Dom Helder se notabilizou também pela defesa dos perseguidos políticos. Por isso, inclusive, seu nome foi censurado, foi proibido de ser citado nas rádios, nos jornais, nas emissoras do País. Dom Helder esteve ao lado dos mais pobres. Não consigo esquecer aquela imagem, lá de 1980, quando, ao lado de outros bispos no interior de Pernambuco, Dom Helder saiu em defesa dos agricultores que lutavam pela terra e, junto com outros bispos, foi retirar, foi tanger -como se diz no Nordeste - o gado das terras dos camponeses que estavam ali sendo humilhados. Essa imagem é símbolo da luta em defesa da reforma agrária. E há muitas outras imagens e histórias que podemos lembrar nessa trajetória inigualável.

Concedo um aparte ao Senador Jarbas Vasconcelos, que, por ser pernambucano, também vivenciou, experimentou e compartilhou muitas dessas histórias, muitas dessa lutas.

O Sr. Jarbas Vasconcelos (PMDB - PE. Com revisão do orador.) - Obrigado Senador José Nery. Eu estava fora do Senado quando a sessão foi iniciada e não tive condições de me inscrever como orador. Tenho divergência com meu Partido, o PMDB, e não poderia pedir tempo para representá-lo aqui. V. Exª, fez uma colocação muito importante. Dom Helder não foi perseguido apenas pelo regime militar, mas também por uma parcela dos que integram essa população do Brasil, pessoas intolerantes, que não assimilavam a liderança que ele tinha dentro do setor progressista da Igreja e já haviam acompanhado a sua missão no Estado do Rio de Janeiro. Quando Dom Helder chegou ao Recife, alguns meses após o Golpe de abril de 1964, a ditadura estava em plena efervescência. Num Estado muito politizado, como é o nosso Pernambuco, ele assumiu a Diocese de Olinda, em Recife, já sob a desconfiança dos militares e daqueles que comandavam o regime militar. É evidente que a opção de Dom Helder era a mesma que já tinha feito na sua trajetória de bispo, religioso, cristão, por onde tinha passado. Seguir caminho ao lado dos oprimidos, dos pobres e dos despossuídos, para defender a liberdade, a democracia e os direitos humanos. Isso tudo representava uma forma de afrontar o regime ditatorial. Acusavam - no de vaidoso, personalista, de usar tribunas fora do País para denunciar a falta de liberdade no Brasil. Dom Helder era simplesmente censurado e não tinha espaço para levar a sua mensagem, o seu protesto. Ele tinha de se utilizar, muitas vezes, de tribunas na França, na Itália, e, se não me falha a memória, nos Estados Unidos. A opção clara que fez, incomodava e trazia transtornos para aqueles que cercearam a liberdade, a democracia, os direitos humanos, que fecharam sindicatos, perseguiram estudantes, cassaram mandatos de políticos. Ao contrário do que se poderia imaginar, não era um homem em busca de holofotes, crítica que ouvi muitas vezes no Recife, onde fui Prefeito e Governador de Estado. Era uma pessoa simples, morava num lugar modesto, tinha pessoas como ele ao seu lado, que cuidavam da missão que ele tinha escolhido. Teve papel destacado no sentido de mostrar aos estudantes, operários, líderes políticos, que ninguém ia enfrentar a ditadura resignado. Não era possível supor que o regime militar desapareceria, um dia, sem mobilização, protesto, ou um mínimo de organização do povo. Ele pregava não tolerar a pobreza, os desajustes, as desigualdades. E, por isso, pagou um preço alto, junto não só ao governo discricionário e ditatorial daquela época-, mas a setores conservadores da nossa sociedade. Dom Helder era proibido de falar. Muitas vezes sua fala não tinha repercussão. Tinha que escrever e mimeografar seus textos. Não se tinha conhecimento do que ele dizia, exatamente porque havia uma censura expressa, recomendada, para todos os seus atos e palavras. De forma que, dentro dessa mediocridade em que vive o Brasil - e o Senado está mergulhado nela -, hoje é um dia marcante para a Casa e para os Senadores por poderem homenagear os cem anos de Dom Helder. Nós colocamos uma estátua em Recife, numa homenagem aos torturados. Realizou-se uma licitação nacional e quem ganhou é de fora da cidade. A estátua é a figura de uma pessoa em um pau de arara, e foi posta em um local visível, público. É preciso que se faça homenagens como esta, pois quando uma pessoa pensar em atos de força que arrebentem a dignidade humana, vai lembrar que a tortura um dia vem à tona e surgem os nomes dos torturadores. A sentença de condenação de Fujimori, ex- presidente do Peru, responsável por massacres no país, é muito importante. Todos os golpistas e os que querem a ditadura vão se lembrar que um dia podem ser condenados. É importante que o Senado faça essa reverência a Dom Helder para que não caia no esquecimento a grande obra, não apenas religiosa, desta ilustre figura. E mais importante é que os membros desta Casa, progressistas ou não, simpatizantes ou não de Dom Helder Câmara, possam prestar esse depoimento. Que fique registrado nesta tribuna, que é considerada a mais alta do País, essa justa homenagem. Ninguém melhor do que V. Exª senador José Nery, como integrante desta Casa, defensor das causas populares e democráticas, para ser um desses oradores. Quero saudar o Senador Tasso Jereissati que pensou e formalizou essa homenagem e quero incorporar meu aparte ao discurso de V. Exª, pedindo desculpas, pois o atraso foi meu. Não tive condições de me inscrever e tive que aparteá-lo para não passar em branco meu registro a favor de um homem que tanto defendeu a liberdade, os direitos humanos e que condenou, com tanta firmeza, as desigualdades sociais.

O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Senador Jarbas Vasconcelos, o aparte, ou melhor, o depoimento de V. Exª com esse testemunho, não por ouvir dizer, mas porque vivenciou aqueles fatos, acompanhou de perto, como parlamentar e político comprometido com a luta pela redemocratização do País e em defesa dos oprimidos, é muito importante. V. Exª, ao falar, não falava apenas de Dom Helder, falava do senhor também, porque, tal como Dom Helder, o senhor também sofreu pressões, perseguições, naqueles tempos tão terríveis da nossa história.

E justamente para não esquecê-los, e não é que queiramos lembrar de coisas tão perversas, mas para que sirva de lição, no sentido de não repetirmos aqueles equívocos e erros, possamos contar e ter, na referência da história de Dom Helder, uma luz para continuar o nosso compromisso em defesa do Brasil e dos empobrecidos.

Quero registrar a presença do Deputado Lula Morais, do PCdoB do Ceará. Eu estive recentemente, Senador Tasso Jereissati, na Assembléia Legislativa do Ceará, quando os deputados cearenses prestavam homenagem a Dom. Helder, como faz hoje o Senado Federal.

Então, como eu disse no início do meu pronunciamento, ao cumprimentar todos os Srs. Senadores, aqui fiz referência especial aos autores do requerimento, encabeçado por V. Exª, Senador Tasso.

Mas, ainda, Sr. Presidente, peço a sua paciência para mencionar dois aspectos que considero importantes e, ao final, vou encerrar o meu pronunciamento.

Quero lembrar que Dom Helder não foi Prêmio Nobel da Paz por absoluta campanha difamatória patrocinada pelo Governo brasileiro à época, que se utilizou do nosso Embaixador na Noruega, para, junto com empresários, com órgão de comunicação da Noruega e de outros países da Europa, engendrar uma campanha difamatória contra Dom Helder, atuando junto a cada um dos membros do Comitê Nobel, para influenciar o resultado. E, apesar de três vezes indicado, em 1970, 1971 e 1972, não foi escolhido por conta da pressão política indigna do Governo brasileiro, que merece aqui o nosso repúdio e o nosso sentimento, de todos nós, de desagravo.

Sr. Presidente, este Senado Federal tem mais uma oportunidade de homenagear Dom Helder Câmara. Propus, em dezembro último, quando dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, causa a que Dom Helder dedicou a sua vida e a sua luta, um projeto de resolução instituindo o Prêmio de Direitos Humanos do Senado Federal, Presidente Sarney, a quem apelo também no sentido de que nós possamos, no Senado Federal, aprová-lo, primeiro na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, presidida pelo Senador Demóstenes Torres, e, em segundo lugar, no Plenário. Presidente Sarney, trata-se de projeto de resolução instituindo o Prêmio de Direitos Humanos Dom Helder Câmara, para, anualmente, homenagear cinco brasileiros ou cinco instituições brasileiras que se dediquem à defesa e à promoção dos direitos humanos.

Então, quero encarecer...

O Sr. José Sarney (PMDB - AP) - V. Exª me permite?

O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Com prazer, Senador Sarney.

O Sr. José Sarney (PMDB - AP) - Quero associar-me a todas as homenagens que estão sendo prestadas nesta tarde à memória de Dom Helder Câmara. Sem dúvida alguma, foi uma figura solar do nosso País, que ocupou a metade do século passado com seu exemplo, com a sua atividade, com o seu sacerdócio. Fui testemunha, no Rio de Janeiro, do seu trabalho, pois conheci Dom Helder Câmara quando ele era o padre do Rio de Janeiro, das favelas do Rio de Janeiro, das campanhas de solidariedade do Rio de Janeiro. E, se não fomos, posso dizer, amigos estreitos, pelo menos ao longo da vida sempre tivemos boas relações, tanto assim que, quando fui visitar o Vaticano e ser recebido pelo Papa, antes de fazê-lo, pedi a Dom Helder que viesse a Brasília e fosse não só o meu conselheiro, mas também o meu confessor, para que eu pudesse empreender aquela viagem e, com ele, dele recebesse os conselhos e, sobretudo, a orientação que devia proceder nesse contato com o Vaticano. Mas não era essa parte, que é uma parte adjetiva, que quero louvar, mas sobretudo louvar o grande homem, o homem extraordinário, o sacerdote que dedicou a sua vida. Dedicou a quem? Dedicou por amor de quem? Dedicou por amor de Deus e por amor dos homens e por amor dos pobres. Portanto, nós, neste momento, estamos recordando e prestando uma homenagem do Senado, por meio do Conselho Editorial do Senado, presidido por mim e pelo qual tenho muito carinho - há tantos anos o presido -, com a reedição do livro Dom Helder: o Artesão da Paz. Essa é a homenagem da nossa Casa, homenagem imperecível, como são aquelas guardadas pelas palavras dos livros. Muito obrigado. (Palmas.)

O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Obrigado, Presidente Sarney, pela homenagem que o senhor faz durante este pronunciamento e, sobretudo, por essa medida, pela providência tão especial de registrar num livro a memória, a história, fatos da vida de Dom Helder Câmara, perpetuando, assim, perante esta Casa e perante o País, a sua mensagem, a sua luta.

Muito obrigado, Presidente Sarney.

Peço ao Presidente Marconi Perillo três minutos apenas. Permita-me V. Exª, para que eu possa...

O SR. PRESIDENTE (Marconi Perillo. PSDB - GO) - V. Exª terá mais quatro minutos.

O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Agradeço muito a V. Exª, porque, nestes quatro minutos, Presidente Sarney, quero, Presidente Perillo, recitar aqui um trecho da homilia e uma verdadeira louvação à Nossa Senhora na Missa dos Quilombos, realizada no Recife, parece-me que em 1982. Um canto, um chamado à luta contra a escravidão, pelas liberdades, uma mensagem que, espero, sirva para tocar todos os nossos corações, dos que estão aqui e dos que nos escutam, Padre Ernane, que representa a CNBB, Dom Freire Falcão e demais ilustres convidados à Mesa, Senador Inácio Arruda. Quero recitar o que Dom Helder nos diz, naquela Missa dos Quilombos, no Recife,

É um verdadeiro chamamento à justiça, à luta por igualdade e à fraternidade. Ele, dirigindo-se à Nossa Senhora, diz assim, em O Magnífico, na Missa dos Quilombos:

      Mariama, Nossa Senhora,

      Mãe de Cristo e Mãe dos homens!

      Mariama, mãe dos homens de todas as raças,

      De todas as cores, de todos os cantos da Terra.

      Pede ao teu Filho que esta festa não termine aqui

      a marcha final vai ser linda de viver.

      Mas é importante, Mariama, que a Igreja de teu Filho

      não fique em palavra, não fique em aplauso.

      O importante é que a CNBB, a Conferência dos Bispos,

      embarque de cheio na causa dos negros

      como entrou de cheio na Pastoral da Terra e na Pastoral dos Índios.

      Não basta pedir perdão pelos erros de ontem.

      É preciso acertar o passo de hoje

      sem ligar ao que disserem.

      Claro que dirão; Mariama, que é política,

      que é subversão, que é comunismo.

      É Evangelho de Cristo, Mariama.

      Mariama, Mãe querida, problema de negro,

      acaba se ligando com todos os grande problemas humanos,

      com todos os absurdos contra a humanidade,

      com todas as injustiças e opressões.

      Mariama, que se acabe, mas que se acabe mesmo

      a maldita fabricação de armas:

      o mundo precisa fabricar é Paz.

      Basta de injustiça: de uns sem saber o que fazer com tanta terra

      e milhões sem um palmo de terra onde morar.

      Basta de uns tendo que vomitar pra poder comer mais

      e 50 milhões morrendo de fome num ano só.

      Basta de uns com empresas se derramando pelo mundo todo

      e milhões sem um canto onde ganhar o pão de cada dia.

      Mariama, Nossa Senhora, Mãe querida,

      nem precisa ir tão longe como no teu hino:

      nem precisa que os ricos saiam de mãos vazias

      e o pobres, de mãos cheias.

      Nem pobre, nem rico.

      Nada de escravo de hoje ser senhor de escravo de amanhã:

      Basta de escravos.

      Um mundo sem senhor e sem escravos,

      um mundo de irmãos.

 

       De irmãos não só de nome e de mentira,

      de irmãos de verdade, Mariama.

Muito obrigado, Sr. Presidente. (Palmas.)


Modelo1 7/18/248:24



Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/04/2009 - Página 13466