Discurso durante a 67ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre a redução da maioridade penal. Comentário sobre o resultado do Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM, de 2008. Solicitação de políticas públicas voltadas para a população infanto-juvenil.

Autor
Lúcia Vânia (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/GO)
Nome completo: Lúcia Vânia Abrão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. EDUCAÇÃO.:
  • Reflexão sobre a redução da maioridade penal. Comentário sobre o resultado do Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM, de 2008. Solicitação de políticas públicas voltadas para a população infanto-juvenil.
Aparteantes
João Pedro.
Publicação
Publicação no DSF de 08/05/2009 - Página 16285
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, DESNECESSIDADE, DEBATE, REDUÇÃO, LIMITE DE IDADE, IMPUTABILIDADE PENAL, PRIORIDADE, NECESSIDADE, LEVANTAMENTO, PROBLEMA, DEFICIENCIA, POLITICA, SETOR PUBLICO, DESTINAÇÃO, INFANCIA, JUVENTUDE, ESPECIFICAÇÃO, FALTA, INCENTIVO, EDUCAÇÃO, CONFIRMAÇÃO, INSUFICIENCIA, RESULTADO, AVALIAÇÃO, ALUNO, ENSINO MEDIO, ESTADOS, PAIS.
  • DEFESA, NECESSIDADE, CORREÇÃO, DEFICIENCIA, EDUCAÇÃO, COMENTARIO, ESTUDO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), FALTA, INVESTIMENTO, SELEÇÃO, PROFESSOR, QUALIFICAÇÃO, RECICLAGEM, CORPO DOCENTE, VALORIZAÇÃO, CARREIRA, REFORMULAÇÃO, MODELO, ENSINO, PREPARAÇÃO, GESTOR, EFICACIA, ADMINISTRAÇÃO, RECURSOS, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, INCENTIVO, APRENDIZAGEM.
  • IMPORTANCIA, IMPLEMENTAÇÃO, ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, SOLUÇÃO, PROBLEMA, DELINQUENCIA JUVENIL.

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A SRª LÚCIA VÂNIA (PSDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, subo a esta tribuna hoje para fazer uma reflexão a respeito do debate que tivemos ontem, na Comissão de Constituição e Justiça, em relação à redução da maioridade penal.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Senadora Lúcia Vânia, regimentalmente, tenho de prorrogar a sessão por mais 30 minutos, para ouvir os dois oradores.

A SRª LÚCIA VÂNIA (PSDB - GO) - Repito o início da minha fala: tivemos, ontem, Sr. Presidente, na Comissão de Constituição e Justiça, um debate acirrado a respeito da redução da maioridade penal. Naquela ocasião, aqueles que defendiam a redução e os que não a defendiam travaram um debate que considero importante, embora acredite que a maioridade penal não deva ser objeto de discussão desta Casa. Aliás, de discussão, sim, mas não é esta Casa a responsável pela definição da idade que deve ter o menor para receber uma pena.

Na verdade, sabemos que o jovem, hoje, tem um desenvolvimento psíquico bastante adiantado, em função das informações, mas quem poderá dizer realmente a idade correta que deve ter o menor para receber a pena que lhe for imputada, sem dúvida nenhuma, é a ciência. Não podemos, de forma nenhuma, aleatoriamente, achar que essa idade seja 14, que essa idade seja 12, que essa idade seja 18 ou 16 anos. Quem poderá realmente definir esse marco é a ciência.

Para isso, quero aqui dizer que esta Casa deveria, sim, debater as políticas públicas em relação ao adolescente, em vez de tentar colocar na cadeia esse jovem, de certa forma, argumentando em cima da vontade, que é óbvia, da sociedade brasileira, que, hoje, deseja que esses adolescentes delinquentes sejam colocados na cadeia. No entanto, essa questão é extremamente complexa e precisa ser debatida não em cima da vontade das pessoas, mas principalmente em cima da verdade. E quem poderá dizer, na verdade, se essa criança está madura ou não para ir para um sistema penitenciário, caótico como o nosso, será a ciência.

Quando discutimos isso, resolvi, a partir daí, fazer aqui uma série de reflexões sobre a dívida que temos com a população infanto-juvenil deste País. Vou hoje falar sobre educação e, na próxima semana, deverei falar sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Muitos acreditam que o Estatuto da Criança e do Adolescente falha ou tem uma lacuna expressiva, mas muitos destes não conhecem a extensão e a profundidade do próprio Estatuto.

Mas, hoje, aqui, quero falar sobre o resultado do Enem. Falando sobre o resultado do Enem, espero que tenhamos oportunidade de renovar nossa mente no sentido de ver o que aconteceu a semana passada, quando o Enem publicou o resultado do exame nacional; quando a imprensa nacional divulgou o resultado do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

Portanto, é preciso que saibamos que, a partir de hoje, aqui, nesta Casa, temos a obrigação, antes mesmo de discutir a redução da maioridade penal, de levantar todos os problemas que envolvem a deficiência das políticas públicas voltadas para a população infanto-juvenil.

Quero falar aqui do lamentável desempenho dos alunos do ensino médio nas provas a que foram submetidos, conforme consta, como disse aqui, do resultado do Exame Nacional do Ensino Médio de 2008, divulgado no último dia 28 de abril. Pelos resultados do Enem, os melhores desempenhos ocorreram em dois Estados do Sudeste e em um Estado do Sul, sendo que os demais Estados tiveram resultado e desempenho inferior à media nacional - isso vale, inclusive, para o meu Estado, o Estado de Goiás. Esse resultado mostra que continuamos tendo, cada vez mais, a escola do rico e a escola do pobre. É essa escola, é essa deficiência da escola que não é debatida em profundidade. Enquanto não debatermos essa deficiência ou buscarmos soluções efetivas para corrigir essas deficiências, estaremos aqui discutindo o ingresso dessas crianças na cadeia.

Não é nada surpreendente que o resultado das escolas públicas, comparativamente aos colégios federais e particulares, infinitamente inferior, siga piorando.

Segundo o Ministério da Educação, o problema das escolas públicas é a falta de investimento. É uma informação que nos deixa perplexos, porque, se é falta de investimentos, temos que buscar, cada vez mais, esse investimento. Estatísticas demonstram, entretanto, que educação com qualidade se faz com recursos, sim, mas também com dedicação e compromisso.

Um estudo publicado pela revista Nova Escola revelou como os países com melhores índices de educação chegaram a esses indicadores e como conseguem se manter entre os melhores.

Acho que esse estudo é, sem dúvida nenhuma, uma cartilha que devemos repetir aqui todos os dias, até que tenhamos os primeiros resultados positivos.

O documento revela quatro caminhos principais, para que se consiga implementar uma educação de qualidade.

Eu gostaria que os defensores da redução da maioridade penal estivessem aqui, para, como eu, neste momento, analisar o processo educacional desse Estado e analisar a dívida que este País tem com a nossa juventude.

A primeira lição revelada pelo documento trata da necessidade da seleção dos professores. Isso demanda vontade, isso demanda compromisso, isso demanda, acima de tudo, crença de que o professor bem pago e bem preparado é quem vai, realmente, ter condições de melhorar esses índices.

Enquanto os docentes brasileiros - é bom que a gente observe isso -, em sua maioria, foram alunos que pertenciam ao grupo dos 20% piores estudantes, no “primeiro mundo da educação” a situação é bem diferente: os futuros professores do ensino fundamental, por exemplo, quando estudantes, se encontravam no seleto grupo dos 5% melhores.

Tal discrepância tem raiz na ausência de valoração dos professores no Brasil. Por aqui, os salários não são atraentes e a profissão, em si, muitas vezes é depreciada.

Neste momento, quando conseguimos aqui um piso nacional para os professores, de R$900,00, nós nos deparamos, nos Estados, com a dificuldade que os Governos têm de priorizar os seus orçamentos para que possa ser efetivado esse piso. Isso é geral.

Essas são algumas das razões pelas quais ser professor não é tão convidativo, mas o que essa situação acarreta é preocupante: estudos têm mostrado que a qualidade do professor tem reflexo direto no desempenho dos estudantes. Isso, aqui, é velho. Todo mudo sabe disso.

Já a lição de número dois trata da necessidade de se formar bem os docentes. Além, claro, de atrair os melhores alunos para se tornarem professores, com políticas que valorizem a carreira, é preciso que se dê uma formação com qualidade para esse futuro instrutor.

Repensar os atuais modelos de ensino é um caminho, mas não basta. Com a velocidade de transformação do mundo, deveria ser obrigatória a aplicação de constantes cursos de reciclagem, que consigam trazer os grandes temas da atualidade para a pauta de discussões dos professores e, logo, das escolas.

Outra lição apontada pelo estudo diz que não se pode deixar nenhum aluno para trás. Embora controversa, nos diferentes moldes pelos quais se tentou aplicar, essa lição, na verdade, relaciona o alto desempenho ao fato de que todas as crianças devem ser bem sucedidas. Assim, se todos os alunos aprendem, a média aumenta e há uma continuidade, por parte dos próprios estudantes, na manutenção da qualidade do ensino.

No Brasil, as taxas de repetência estão em torno de 20%. Embora pouco preciso, esse número é alarmante e se configura entre os maiores do Planeta.

Por isso, digo mais uma vez: com toda essa dívida, querer colocar a criança e o adolescente na cadeia é, realmente, inexplicável.

Por fim, a quarta e última lição aponta para a preparação de grandes gestores. Um bom administrador precisa aliar a gerência dos recursos da escola com a criação de um bom ambiente de aprendizagem.

É fato que para uma educação de qualidade os recursos são imprescindíveis. Todavia, há outros fatores a serem considerados, conforme ficou evidenciado no estudo que acabo de citar.

Para exemplificar isso, o resultado do Enem colocou o meu Estado, Goiás, entre aqueles com desempenho inferior à média nacional. Entretanto, nós tivemos algumas ilhas de referência em escolas de Municípios pobres e pequenos, mas que foram capazes, por meio das boas práticas, de garantir o direito das crianças de aprender.

Isso, sem dúvida nenhuma, comprova a efetividade desse estudo, que mostra que não basta apenas investimento. Uma série de componentes precisa ser olhada para que tenhamos, realmente, um resultado positivo.

É de se espantar, Sr. Presidente, que aqueles que defendem a redução da maioridade penal, para aliviar a suas consciências, digam o seguinte: “Nós somos defensores da escola integral”. Como se educação integral se fizesse por decreto. Com todo esse quadro que acabamos de desenhar, pensar que vamos ter, em curto prazo, a escola integral é apenas buscar fugir da discussão.

Sr. Presidente, diagnosticar corretamente é necessário. Agir em função do diagnóstico é imperioso para que a população brasileira possa ter à sua disposição esse instrumento de cidadania, a educação de qualidade, e para que a população possa ter, através dessa análise que busca a verdade e não a vontade...

O Sr. João Pedro (Bloco/PT - AM) - Senadora Lúcia Vânia?

A SRª LÚCIA VÂNIA (PSDB - GO) - Pois não, Senador João Pedro.

O Sr. João Pedro (Bloco/PT - AM) - V. Exª faz, no seu pronunciamento, uma análise importante desse debate da redução da maioridade penal no Brasil. Acompanhei a opinião de V. Exª na última reunião da CCJ, da nossa Comissão de Constituição e Justiça. V. Exª aborda esse tema fazendo toda uma análise, uma reflexão, como V. Exª falou no início, a respeito do papel da educação, do papel e da responsabilidade do Estado. Faz uma análise profunda e não essa justificativa que tenta nos convencer para reduzirmos a maioridade penal. Isso é um retrocesso. Eu estou muito preocupado com o rumo do debate que aconteceu na Comissão de Constituição de Justiça, porque, ali, ela foi aprovada. Eu espero ficar ao lado de V. Exª e de muitos Senadores e Senadoras para travarmos um debate, aqui, com os 81 Senadores. Espero que a nossa postura, que o nosso compromisso seja com o Estado democrático de direito e que nós possamos reverter essa decisão emocional, superficial, que não vai ao fundo da problemática por que passa a juventude brasileira - e não todos os jovens, porque tem um grupo que vai bem, que tem casa, que tem educação, que pode pagar ensino privado...

A SRª LÚCIA VÂNIA (PSDB - GO) - Que tem família.

O Sr. João Pedro (Bloco/PT - AM) - (...) sim; que tem família. Agora, a juventude brasileira, os jovens precisam de escolas, de ambientes que possam dignificar a vida, a cidadania, o caráter. Então, eu quero dizer que V. Exª faz um debate coerente e com a responsabilidade que o debate nos impõe. Eu espero que o Senado não trilhe pelas pesquisas da Globo. Não é por aí. Nós precisamos travar com serenidade esse debate. Assim, nós vamos ajudar a sociedade brasileira, dando ao Estado brasileiro condições para que possa reverter quadros com os quais não concordamos, mas não punindo a juventude, não seguindo o rumo que é o pior caminho, que é o das penitenciárias brasileiras. Então, V. Exª faz uma análise muito profunda - e estou atento - nesta sessão noturna do Senado. Parabéns pelas preocupações e pela análise que V. Exª faz, combatendo a redução da maioridade penal.

A SRª. LÚCIA VÂNIA (PSDB - GO) - Agradeço-lhe, Senador João Pedro.

Quero dizer o seguinte: muitos conhecem pouco o poder do Estatuto. O Estatuto tem condições, se aplicado, de resolver o problema da delinquência. No entanto, o Estatuto foi ignorado. A sua aplicação, a estrutura para operacionalização do sistema é inteiramente falida, porque o Governo, a sociedade, não se preocupou em instrumentalizar o próprio Estatuto, e prefere, ao invés de instrumentalizá-lo, apelar para a redução da maioridade penal.

Como nós, aqui, no Congresso Nacional - já disse isso no início da minha fala - podemos abrir um debate em cima da vontade? Se fizermos uma pesquisa hoje, sabemos que a sociedade brasileira deseja a redução da maioridade penal pela impunidade decorrente da falta da presença do Estado na aplicação do Estatuto. No entanto, temos que fazer o julgamento aqui em cima da verdade. O que está acontecendo para que esse menor, que é delinquente, não seja punido da forma adequada como determina o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente.

Portanto, gostaria de agradecer o Senador João Pedro, Sr. Presidente, e dizer que a partir de hoje, todos nós, Senadores, que acreditamos ser preciso abrir esse debate de forma mais profunda, temos de trazer para cá, todos os dias, um tema que afete às políticas públicas voltadas para a juventude. Há um vácuo aí. Há um descaso. É muito mais fácil prender, isolar, jogar em um sistema penitenciário falido do que buscar a raiz do problema e enfrentá-la com coragem e determinação.

Muito obrigada, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/05/2009 - Página 16285