Discurso durante a 67ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a histórica seca no Estado do Rio Grande do Sul.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CALAMIDADE PUBLICA.:
  • Considerações sobre a histórica seca no Estado do Rio Grande do Sul.
Publicação
Publicação no DSF de 08/05/2009 - Página 16291
Assunto
Outros > CALAMIDADE PUBLICA.
Indexação
  • APREENSÃO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, SECA, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), SOLICITAÇÃO, URGENCIA, PROVIDENCIA, AUXILIO, AGRICULTOR, IMPEDIMENTO, MIGRAÇÃO, CIDADE, REFORÇO, PROBLEMA, FALTA, INFRAESTRUTURA, ESPECIFICAÇÃO, HABITAÇÃO, SANEAMENTO BASICO, TRANSPORTE.
  • COMENTARIO, DEBATE, BANCADA, PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO (PMDB), ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), ENCAMINHAMENTO, DOCUMENTO, GOVERNO FEDERAL, GOVERNO ESTADUAL, REIVINDICAÇÃO, MEDIDA DE EMERGENCIA, AUXILIO, ATENDIMENTO, NECESSIDADE, POPULAÇÃO, CAMPO, CIDADE, SITUAÇÃO, CALAMIDADE PUBLICA.

  SENADO FEDERAL SF -

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O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não faz muito tempo, para nós brasileiros, seca era quase sinônimo de Nordeste, ou, melhor traduzido, de semi-árido. As secas nordestinas construíram muito da nossa história, escrita muitas vezes com tintas de dor, e moldaram a nossa geografia, traçada em alguns casos por suor e sangue. Foi uma grande estiagem que levou os nordestinos para o Acre e trouxe aquela terra para o nosso mapa. Essas grandes correntes migratórias, válvula de escape para grandes períodos de seca, também foram responsáveis, em muito, pela colonização de Rondônia e para preencher a “terra sem gente”, com “gente sem terra”, na Amazônia brasileira. As grandes secas viabilizaram a mão de obra que construiu São Paulo, a maior metrópole brasileira.

“Inté mesmo a Asa Branca/Bateu asas do sertão”, disse o poeta maior do sofrimento nordestino, ao encontrar inspiração para, em versos, não só perguntar a “Deus do céu/por que tamanha judiação”, como para comparar a “terra ardendo” a uma “fogueira de São João”. A dor, a poesia e a perseverança.

Não faz muito tempo, e o tempo parece ter começado a demonstrar sinais dos tempos. Tempos de ganância e de destruição da natureza. Hoje, não há que se andar, apenas, pelas terras nordestinas, para sentir o “braseiro”, a “fornalha”. São outros lugares e outra gente, “longe, muitas léguas” que, “por falta d’água, (perderam seu) gado”, ou que, apesar da labuta, também não têm mais “nem um pé de plantação”.

Hoje, a seca também migrou para as terras gaúchas. Exatamente hoje, já são quase duzentos municípios em situação de emergência no Rio grande do Sul, porque lá, também, há muito tempo, a população “espera a chuva cair de novo”. Uma situação que atinge limites dramáticos, e que reclama solução urgente, para que o povo gaúcho não precise, também, deixar a sua terra, o seu chão. 

O povo gaúcho também construiu a história brasileira e demarcou a nossa geografia. Quantos serão os cantos e os recantos deste imenso país de tamanhos contrastes que foram desbravados pela tenacidade do povo do Rio Grande do Sul? Pelo trabalho, pelo suor, pela cultura e pela audácia dos gaúchos. Soja, arroz, feijão, milho, uva, charque. Conhecimento e muito trabalho gaúcho a serviço do desenvolvimento do Brasil.

Mas, qual é o berço do grande aprendizado para que o povo gaúcho tenha desenvolvido tamanha habilidade? Nas próprias terras gaúchas! O Rio Grande do Sul sempre foi um verdadeiro campo de demonstração para a agricultura e a pecuária brasileira. Principalmente para a agricultura familiar, em função do seu próprio processo histórico de ocupação territorial, fundado na pequena produção. Então, as perdas da atual calamidade da seca gaúcha não são só quantitativas. Não são só, segundo estimativas, até aqui, da nossa Emater, de uma quebra de mais de cinco milhões de toneladas de milho. Nem de outros produtos agrícolas, cujas perdas chegam a ultrapassar os 60%. Nem de mais da metade do leite que se esperava produzir, como em muitas áreas mais atingidas pela falta d’água no Rio Grande do Sul.

A calamidade causada pela seca no Rio Grande, que parece teimar acontecer com cada vez maior assiduidade, pode se constituir, também, em perda irreparável enquanto referência para a agricultura familiar no Brasil. O Rio Grande, assim como Santa Catarina, é um verdadeiro campo de experimentação e de difusão de tecnologias voltadas para a agricultura familiar no País, e que, embora se modernize e se torne mais produtiva, ainda se mantém como grande absorvedora de mão-de-obra.

A possível, muitas vezes necessária, e sempre dolorida, saída destas populações do campo vai causar múltiplos efeitos negativos. Em primeiro lugar, elas deixam de produzir para o seu próprio alimento e passam a adquiri-los no comércio. Os seus excedentes também deixam de ser encaminhados para o mercado. Essas duas situações pressionam o preço dos seus produtos no comércio local. A mão-de-obra expulsa do campo não é facilmente absorvida nas cidades. A migração rural-urbana vai fortalecer outros problemas já existentes, a falta de infra-estrutura urbana, como moradia, saneamento básico, transporte, entre outros tantos.

Eu não sei se a questão da seca no Rio Grande do Sul é, ainda, conjuntural, ou se já é fruto do descaso com a natureza, em uma escala maior, o que é chamado de “aquecimento global”. Os cientistas colocam como um dos principais efeitos do aquecimento global uma verdadeira mudança no regime de chuvas em diferentes regiões do mundo. Se a questão das secas já é estrutural, em diversas regiões do País, inclusive o Rio Grande do Sul, temos que pensar, já, sob pena de efeitos ainda maiores, em soluções de curto, médio e longo prazos para os agricultores brasileiros. Os gaúchos, em especial, porque já estão sofrendo, na pele, no bolso e na alma, os seus efeitos.

A minha preocupação é que, conhecendo de perto a situação dos agricultores do Rio Grande do Sul, temos que adotar medidas de caráter urgentíssimo. De curtíssimo prazo. Para hoje! Isso, sem detrimento da discussão de medidas para o futuro. É que pode não haver tempo para o futuro, se não se cuidar, devidamente, do presente. Do momento atual. O futuro pode ser tarde, se nem houver, nem mesmo, o amanhã.

A Bancada do PMDB da Assembléia do Rio Grande do Sul, ciente e consciente da gravidade do problema, discutiu, profundamente, o tema e encaminhou aos Governos estadual e federal uma série de medidas urgentes, em socorro aos mais de um milhão de gaúchos, do campo e da cidade. A situação é tão aflitiva que, a partir da próxima semana, 21 cidades do Rio Grande do Sul vão suspender todos os seus serviços públicos, pelo menos por uma semana, por total escassez de água. Serão mantidos, apenas, serviços essenciais de saúde.

As medidas encaminhadas pela bancada estadual gaúcha do PMDB são as seguintes:

Ao Governo Estadual:

* Isenção total do pagamento do Programa Troca-troca de sementes de milho;

* Distribuição de sementes de forrageiras de inverno no sistema troca-troca;

* Abertura de poços tubulares profundos, assim como a construção de redes de distribuição de água em comunidades rurais para consumo humano;

* Abertura de bebedouros para animais, construção de cisternas e disponibilização de carros-pipas;

*Ampliação de recursos financeiros e técnicos para o Programa Pró-irrigação.

Ao Governo Federal:

* Isenção de 100% dos financiamentos de custeio pecuário e agrícola das lavouras perdidas, que não tenham cobertura de seguro;

* Revisão dos critérios e índices para homologação de situação de emergência dos municípios, considerando as perdas do setor primário;

* Revisão dos critérios de amparo do Proagro (retirar o critério exclusivo dos agricultores com três Proagros no período de 60 meses);

* Inclusão de outras regiões do Estado no Programa Territórios da Cidadania;

* Maior incentivo às lavouras de inverno da próxima safra, em especial do trigo, para amenizar os efeitos da estiagem;

* Refinanciamento das dívidas de investimento e custeio com rebatimento do saldo devedor, redução dos juros e alongamento dos prazos;

* Revisar os critérios de aval solidários no Pronaf e exclusão de municípios com alta inadimplência;

* Bolsa família com fornecimento de cesta básica de alimentos e remédios para os pequenos agricultores atingidos.

O noticiário do dia, para o nosso espanto, dá conta das tamanhas enchentes no Norte e partes do Nordeste, ao mesmo tempo da calamidade da seca no sul. Isso, pouco tempo depois que se mostrou, também falta d'água em extensas regiões da Amazônia. Rios secos, sede entre a população. Parece, até, para os menos avisados, que se trata de uma inversão na notícia, fruto de um erro geográfico do editor do telejornal. Ou da concretização das premonições dos nossos antepassados: “um dia, ainda conseguem virar o mundo de cabeça para baixo”. Pois bem, esse mesmo mundo, se invertido, não pode sofrer as conseqüências de uma asfixia. É preciso ação imediata. Em todas essas regiões em que se justificam atos normativos de estados de calamidade. Tais atos se justificam por fatos. E estes fatos já justificam outros atos, concretos. É o que se espera, no menor tempo possível. Antes que se torne impossível o tempo para as populações do nosso tempo. É o que espera o povo gaúcho das áreas atingidas pela seca! Não há mais tempo!

Lembro-me, de Euclides da Cunha, em “Os Sertões”, na clássica comparação entre o nordestino e o gaúcho:

Os sintomas do flagelo despontam-lhe, então, encadeados em série, sucedendo-se inflexíveis, como sinais comemorativos de uma moléstia cíclica, da sezão assombradora da Terra. Passam as "chuvas do caju" em outubro, rápidas, em chuvisqueiros prestes delidos nos ares ardentes, sem deixarem traços; e "pintam" as caatingas, aqui, ali, por toda a parte, mosqueadas de tufos pardos de árvores marcescentes, cada vez mais numerosos e maiores, lembrando cinzeiros de uma combustão abafada, sem chamas; e greta-se o chão; e abaixa-se vagarosamente o nível das cacimbas... Do mesmo passo nota que os dias, estuando logo ao alvorecer, transcorrem abrasantes, à medida que as noites se vão tornando cada vez mais frias. A atmosfera absorve-lhe, com avidez de esponja, o suor na fronte, enquanto a armadura de couro, sem mais a flexibilidade primitiva, se lhe endurece aos ombros, esturrada, rígida, feito uma couraça de bronze. E ao descer das tardes, dia a dia menores e sem crepúsculos, considera, entristecido, nos ares, em bandos, as primeiras aves emigrantes, transvoando a outros climas.

Pois é, se Euclides escrevesse hoje a sua obra mais clássica, talvez ele pudesse, nesta parte do texto, estar se referindo, da mesma maneira, do nordestino do semi-árido e do gaúcho das áreas atingidas pela seca. A história da seca do semi-árido já é bem conhecida. Pode servir, então, como referência para que a história da seca do Rio Grande possa, ainda, ser mudada. O gaúcho, antes de tudo, é, também, um forte!

Era o que eu tinha a dizer.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/05/2009 - Página 16291