Discurso durante a 68ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Associação à homenagem pelo transcurso do Dia do Taquígrafo. Preocupação com a aprovação, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, da proposta de emenda à Constituição que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos, tema complexo, que precisa de mais discussão pela sociedade e pelos legisladores brasileiros.

Autor
João Pedro (PT - Partido dos Trabalhadores/AM)
Nome completo: João Pedro Gonçalves da Costa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. LEGISLAÇÃO PENAL.:
  • Associação à homenagem pelo transcurso do Dia do Taquígrafo. Preocupação com a aprovação, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, da proposta de emenda à Constituição que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos, tema complexo, que precisa de mais discussão pela sociedade e pelos legisladores brasileiros.
Publicação
Publicação no DSF de 09/05/2009 - Página 16327
Assunto
Outros > HOMENAGEM. LEGISLAÇÃO PENAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA, TAQUIGRAFO, ELOGIO, RELEVANCIA, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO.
  • APREENSÃO, APROVAÇÃO, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, REDUÇÃO, LIMITE DE IDADE, IMPUTABILIDADE PENAL, DEFESA, AMPLIAÇÃO, DEBATE, POLEMICA, ESCLARECIMENTOS, EXISTENCIA, TRATADO, PROTEÇÃO, DIREITOS HUMANOS, COMPROMETIMENTO, BRASIL, AUXILIO, JUVENTUDE.
  • COMENTARIO, PARTICIPAÇÃO, ADOLESCENTE, CRIME, ALEGAÇÕES, OPINIÃO PUBLICA, INEFICACIA, ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, REGISTRO, OCORRENCIA, PUNIÇÃO, NECESSIDADE, MELHORIA, ENTIDADE, RECUPERAÇÃO, MENOR.
  • APRESENTAÇÃO, DADOS, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), SECRETARIA, DESENVOLVIMENTO, NATUREZA SOCIAL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (CONANDA), DEMONSTRAÇÃO, INFERIORIDADE, RETORNO, PRISÃO, JUVENTUDE, COMPARAÇÃO, ADULTO, SUPERIORIDADE, ADOLESCENTE, VITIMA, VIOLENCIA, DIVULGAÇÃO, CORRELAÇÃO, CRIANÇA, CRIMINOSO, RESIDENCIA, BAIRRO, EXCESSO, CRIME, INEFICACIA, PROPOSIÇÃO, LEGISLAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, CHIPRE, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), GRECIA, HAITI, INDIA, INGLATERRA, MARROCOS, NICARAGUA, GRANADA, REDUÇÃO, LIMITE DE IDADE, MAIORIDADE, INFRAÇÃO PENAL, DEFESA, AUXILIO, INCLUSÃO, SOCIEDADE, CIDADANIA, EDUCAÇÃO, OPOSIÇÃO, IMPUTABILIDADE PENAL, POSSIBILIDADE, AMPLIAÇÃO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, o Senador Marco Maciel, na manhã de hoje, congratulou-se e fez um registro histórico da presença desses profissionais especiais que são os taquígrafos. Também quero, Senador Marco Maciel, me congratular com a reflexão de V. Exª e com esses profissionais.

Passei pela Câmara Municipal de Manaus, onde estavam presentes esses profissionais. As Casas Legislativas, na realidade, não vivem sem a taquigrafia, sem a eficiência desse trabalho que, muitas vezes, é o parâmetro fundamental não só para o registro do dia a dia, mas para dirimir dúvidas no Parlamento.

Passei também pela Assembléia Legislativa do meu Estado, o Amazonas, e lá estavam esses competentes profissionais.

Aqui no Senado não é diferente. E quero parabenizar a data que há dois dias foi comemorada. O Senador Marco Maciel registrou que esses profissionais começaram lá atrás, no Império Romano, com a presença da taquigrafia. Parabéns!

Sr. Presidente, Srªs Srs. Senadores, foi com enorme preocupação que recebi, na quinta-feira última, a notícia da aprovação, pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, da PEC que versa sobre a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. A votação polêmica, apertada, reflete a equilibrada divisão de opiniões e remonta à complexidade de um tema que precisa ser mais bem discutido por toda a sociedade e pelo corpo de legisladores brasileiros.

Por imperioso, gostaria de chamar a atenção aqui, fazendo o contraponto com as opiniões favoráveis à aludida redução, para o fato de que a fixação da idade de 18 anos para imputabilidade penal se deu em consonância com o espírito dos organismos internacionais preocupados com o problema do conflito com a lei.

Esse limite de idade coaduna-se com parâmetros internacionais de proteção dos direitos humanos, tais como: a Convenção dos Direitos das Crianças; as Regras Mínimas para Administração da Justiça de Menores (Regras de Beijing); as Diretrizes para Prevenção da Deliquência Juvenil; as Regras de Riad, que regulam a proteção dos menores privados de liberdade; o Pacto da San José da Costa Rica. Todos esses documentos foram subscritos pelo Estado brasileiro, Presidente Paim, o qual comprometeu-se a tutelar esse importante segmento da nossa população.

Lamentavelmente, a ocorrência de graves crimes, com significativo clamor público e que contaram com a participação de adolescentes, disseminaram no imaginário brasileiro a ideia de que o menor não se sujeita a nenhuma medida repressiva e que o Estatuto da Criança e do Adolescente é condescendente e ineficaz diante desse estado de tamanha violência. Diferente disso, Sr. Presidente, o Estatuto (ECA) prevê inúmeras providências socioeducativas contra o infrator, dentre as quais figura, inclusive, a internação, que nada mais é que a prisão do menor, regida por princípios de brevidade e a ser decretada quando for absolutamente necessária. E elas ocorrem, Srs. Senadores.

         Dados do Levantamento Nacional do Atendimento Socioeducativo, realizado pela Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, no ano de 2006, demonstram que, no Brasil, 3.625 adolescentes do sexo masculino e 121 adolescentes do sexo feminino encontravam-se cumprindo internação provisória, em face do cometimento de delitos graves nas várias regiões do Brasil. Atualmente, Sr. Presidente, esse número é de cerca de 15.600 adolescentes em todo o País.

Isso demonstra que as medidas apontadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente não são pífias. A avaliação que se faz hoje dessa jovem legislação é de que houve muitas conquistas e vitórias durante esses 17 anos de vigência, mas também que ainda precisamos avançar em muitos setores da sociedade civil e do Poder Público, construindo e instrumentalizando abrigos e casas de internação para essa clientela, dentre outras medidas, pois só assim estaremos garantindo, de forma efetiva, os direitos de um ser humano em condição peculiar de desenvolvimento, como estabelece o próprio Estatuto.

Outro aspecto, Presidente, acerca dessa temática, que deve merecer nossa reflexão, diz respeito à imputação, ao adolescente causador do ato infracional, da responsabilidade pelos crescentes índices de criminalidade registrados no nosso País. Esse argumento revela a maneira irresponsável e desinformada com que vem sendo tratada essa discussão, sobretudo se considerarmos que 90% dos crimes são perpetrados por adultos, Sr. Presidente. Noventa por cento dos crimes, no nosso País, são perpetrados por adultos!

Absorver essa falácia é virar as costas às verdadeiras causas do problema, que são maiores, complexas e transcendem o entendimento de parte da nossa população, que clama por justiça em sua sede de vingança, como na época remota da Antiguidade, onde imperavam as regras da vingança privada.

As verdadeiras causas devem-se em grande parte às desigualdades sociais que, há séculos, assolam o País, associadas à consequente miséria e à mudança de fatores culturais e comportamentais que se incrustaram no meio social com o advento da modernização.

Não se pode olvidar, ademais, Srs. Senadores, que hoje as crianças e adolescentes neste País são mais vítimas do que agentes da violência. No Rio de Janeiro, por exemplo, eles são responsáveis por 9% dos delitos praticados, enquanto são vítimas em 92% dos casos. Segundo dados do IBGE, o nosso Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, de 2002, são registrados, no Brasil, 16 homicídios por dia, de pessoas situadas na faixa de zero a dezoito anos. É o IBGE que aponta: 16 homicídios por dia no Brasil, justamente nessa faixa da nossa população, de zero a dezoito anos. Esses dados assustadores evidenciam que nossas crianças e jovens, em vez de medidas emergenciais e retaliadoras, movidas pelo clamor midiático, precisam, sim, de outro modo, ser protegidas contra os perigos da pobreza absoluta, do trabalho ilegal, da exploração sexual, dos maus- tratos e do abandono, cabendo a nós legisladores, sociedade e ao Estado brasileiro a criação de oportunidades efetivas para que a juventude possa exercer a plenitude da cidadania.

Bem a propósito, a Secretaria de Desenvolvimento e Bem-Estar Social de São Paulo, que administra a Febem, divulgou, recentemente, um estudo sobre os bairros de origem dos internos da instituição. Não por acaso existe uma elevada correlação com os bairros mais violentos do Estado: Sapopemba, Capão Redondo, Jardim São Luis, Grajaú, Cidade Ademar, Brasilândia e Jardim Ângela foram os bairros com maior número absoluto de homicídios entre 1996 e 1999. Cerca de um quarto dos internos da Febem paulista residia precisamente nesses bairros, nesses locais, restando demonstrado, com isso, uma estreita correspondência entre o número de homicídios nos 96 bairros da capital de São Paulo e o número de internos na Febem por bairro.

Tendo em vista essa indiscutível relação entre deliquência e contexto de socialização, como argumentar que se tratou de uma “opção” pela marginalidade? Como sustentar, Sr. Presidente, o argumento de que o menor deve, sim, ser responsabilizado por ter “decidido” delinquir?

Somam-se a esse quadro estrutural dados de pesquisa da ONU que, após analisar a legislação de 57 países, constatou que apenas 17% adotam idade menor de 18 anos como critério para definição legal de adultos. São países como Bermudas, Chipre, Estados Unidos, Grécia, Haiti, Índia, Inglaterra, Marrocos, Nicarágua, São Vicente, Granada.

Nos países em que a imputabilidade penal se situa dos 7 aos 17 anos tem-se mostrado crescente a criminalidade, sendo que alguns deles, como medida preventiva, refixaram recentemente o limite aos 18 anos, a exemplo do que fizeram Alemanha e Espanha. Mudaram de posição, Sr. Presidente.

A verdade é que, na média mundial, os jovens representam 11% do total dos infratores - dado da ONU -, estando o Brasil 10%, portanto, abaixo dos padrões internacionais.

Diante disso, Sr. Presidente, não podemos permitir que menores com 16 anos sejam processados, posto que estaremos estendendo a área de atuação do deletério sistema penitenciário brasileiro, gestando, com tal medida, um problema com reflexos que, a médio e longo prazos, serão direcionados à própria sociedade, pois toda violência que os menores haverão de absorver dentro dos presídios acabará revertendo-se mais adiante nas ruas, quando esses jovens forem liberados munidos de traumas e revoltas decorrentes das atrocidades sofridas na cadeia, no sistema penitenciário brasileiro.

A meu ver, resta claro que a ideia de que a redução tem impacto intimidatório e que remeteria à diminuição da criminalidade não se sustenta, pois a cadeia já se revelou sanção insuficiente para refrear a ação delituosa dos adultos. Penso - contrapondo-me ainda a esse argumento da redução - que a experiência precoce na cadeia contribuirá para aumentar ainda mais a criminalidade, uma vez que a taxa de reincidência no sistema carcerário, que, segundo o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), é de cerca de 60%, é superior à taxa nas instituições juvenis, que hoje é de 20%.

Rebaixar a idade penal para que os indivíduos com menos de 18 anos não sejam envolvidos pelo crime organizado equivale, Sr. Presidente Paim, a jogar na criminalidade jovens cada vez menores. Ao adotarmos o critério de 16 anos, os traficantes recrutarão os de 15. Se reduzirmos para 11 anos, na manhã seguinte, Sr. Presidente, Srs. Senadores, os de 10 anos serão aliciados como soldados do tráfico. Essa é a realidade.

Assim, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, quero unir-me a todos aqueles que perfilam pela manutenção da idade para imputabilidade aos atuais 18 anos. Sei que V. Exª é contra a redução e conheço a postura e a dedicação de V. Exª a esse tema.

O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Acho que todo militante dos direitos humanos não poderia ter uma posição que não seja a sua.

O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Obrigado, Sr. Presidente.

Uno-me sobretudo aos profissionais que trabalham na área da infância e juventude, que lutam diuturnamente não apenas para reprimir a prática de atos infracionais, mas, fundamentalmente, para garantir a reeducação e a reinserção dos menores em conflito com a lei no meio social e familiar de outrora.

Tenho claro que os jovens que sobreviverem aos efeitos dessa medida de tamanha insensatez não encontrarão na pena, por mais rigorosa que seja, a solução para os males decorrentes do estado de violência endêmica.

A juventude brasileira quer inclusão social e não redução da maioridade penal.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, membros deste Congresso, membros deste Senado, a moderação, o equilíbrio, o bom senso em outro polo deste debate é tudo o que a sociedade brasileira espera e merece dos seus representantes, dos seus legisladores.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/05/2009 - Página 16327