Discurso durante a 71ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Esclarecimentos sobre mal-entendido surgido em relação a Projeto de Decreto Legislativo apresentado por S.Exa.

Autor
Kátia Abreu (DEM - Democratas/TO)
Nome completo: Kátia Regina de Abreu
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE. POLITICA FUNDIARIA.:
  • Esclarecimentos sobre mal-entendido surgido em relação a Projeto de Decreto Legislativo apresentado por S.Exa.
Publicação
Publicação no DSF de 14/05/2009 - Página 17073
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE. POLITICA FUNDIARIA.
Indexação
  • ESCLARECIMENTOS, PROJETO DE DECRETO LEGISLATIVO, AUTORIA, ORADOR, TRAMITAÇÃO, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, IMPORTANCIA, DEBATE, AUXILIO, EVOLUÇÃO, MODERNIZAÇÃO, CODIGO FLORESTAL, ATENÇÃO, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), ORGÃO, PESQUISA.
  • ANALISE, INEFICACIA, INCONSTITUCIONALIDADE, DECRETO LEGISLATIVO, EXIGENCIA, PRODUTOR RURAL, REALIZAÇÃO, LEVANTAMENTO GEOTECNICO, MOTIVO, ATRASO, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), REFERENDO, PROCESSO, APRESENTAÇÃO, DADOS, DEMANDA, ESTADO DE MATO GROSSO (MT), ESTADO DO TOCANTINS (TO), ESTADO DE GOIAS (GO), IMPEDIMENTO, ACESSO, FINANCIAMENTO, PLANO, MANEJO ECOLOGICO.
  • REPUDIO, TENTATIVA, ACUSAÇÃO, ORADOR, ANTAGONISMO, ECOLOGISTA, ESCLARECIMENTOS, POSIÇÃO, PRODUTOR RURAL, CONFEDERAÇÃO DA AGRICULTURA E PECUARIA DO BRASIL (CNA), DEFESA, MEIO AMBIENTE, GARANTIA, PRODUÇÃO, EMPREGO, LUCRO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


A SRª KÁTIA ABREU (DEM - TO. Pela Liderança. Sem revisão da oradora.) - Muito obrigada, Srª Presidente.

Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, apesar de estar falando pela Liderança, eu vou tentar economizar o meu tempo.

Colegas Senadores e Senadores, Srª Presidente Romeu Tuma, eu venho a esta tribuna para desfazer um mal-entendido. Um mal-entendido que precisa ser ajustado. E é conversando que a gente se entende.

Vários repórteres, vários jornalistas de veículos importantes no Brasil me procuraram nesses dois dias, Srª Presidente, para falar sobre um decreto que protocolei nesta Casa em março do ano passado. Portanto, há um ano e dois meses, esse decreto legislativo de minha autoria foi protocolado nesta Casa e se encontra na CCJ. Nós estamos há um ano e dois meses protelando a votação, justamente porque nós queremos debater e queremos conversar sobre uma questão da maior importância que é o meio ambiente.

Estranhei bastante a insistência não dos jornalistas, que estão fazendo seu papel, mas de quem repassou a eles esse decreto legislativo. Além disso, por que não repassou há um ano, há seis meses, há oito meses, quando ainda não estávamos debatendo e avançando tanto na questão do Código Florestal?

Contudo, eu, como Parlamentar, como Senadora, vejo-me na obrigação de vir aqui desfazer qualquer mal-entendido a respeito desse assunto, mesmo porque existe a questão da Amazônia, teremos hoje ainda aqui uma vigília em homenagem à Amazônia, e tenho o maior respeito por esse ato. É importante que isso seja esclarecido neste momento.

Srª Presidente, o Decreto 6.321 entrou em vigor em 2007, Senador Mozarildo, imediatamente após sua publicação. O que diz esse decreto legislativo? O que mobilizou a minha autoria nesse decreto legislativo? Foram justamente a urgência e a impraticabilidade da execução desse decreto e o formato com que esse decreto veio aqui para esta Casa. Então, se o decreto está infringindo os Poderes, se está legislando fora do Congresso Nacional, cabe a qualquer Parlamentar, Senador ou Deputado Federal, protocolar um decreto-legislativo para impedir que aberrações sejam feitas, ferindo o Estado de direito e a democracia neste País.

Srª Presidente, os produtores rurais do Brasil precisam fazer um georreferenciamento das suas propriedades rurais. Esse georreferenciamento é muito importante para o Brasil e para os produtores rurais. O produtor contrata o georreferenciamento, que vai demonstrar o perímetro da sua propriedade, e, por meio de um GPS, que é um equipamento de bastante precisão, tiram-se as coordenadas geográficas dessa propriedade e faz-se uma carteira de identidade dessa propriedade. Até aí, tudo bem. Isso é tecnologia, isso é um processo avançado que todos nós aplaudimos. Mas, Srª Presidente Senadora Serys Slhessarenko, esse georreferenciamento precisa ser referendado pelo Incra do Brasil, que titula as terras e reconhece esse georreferenciamento. Apenas no Mato Grosso, há mais de sete mil processos empilhados no Incra esperando o georreferenciamento. No Mato Grosso do Sul, há mais de cinco mil processos esperando o referendo do Incra para valer o georreferenciamento. No meu Estado do Tocantins, mais de três mil processos. No Estado de Goiás, a mesma coisa, e, no Brasil inteiro, há pilhas e pilhas de processos de georreferenciamento sem análise do Incra, pela sua incapacidade, pela sua ineficiência, pelo número de funcionários. Enfim, não quero aqui discutir o mérito dessa incapacidade, dessa ineficiência, mas, de toda sorte, é uma lei ineficaz porque não consegue fazer com que o cidadão tenha o seu documento, a sua carteira de identidade.

Qual é o problema desse decreto, Srª Presidente? Ele impõe aos produtores do Brasil que todos se cadastrem, e isso a Lei nº 5.868, de 1972, já prevê. “Produtores rurais, todos vocês têm de se cadastrar, têm de cadastrar as suas propriedades rurais, ou vocês sofrerão multas e imposição de impostos”. Mas esse decreto que está aqui em voga e que estamos discutindo, de repente, diz o seguinte: “Produtores do Brasil, para vocês se cadastrarem e, portanto, para vocês poderem ter o seu CCIR, vocês precisam do georreferenciamento”.

O que ocorre? Teoricamente, tudo correto. Eu me cadastro, faço o meu georreferenciamento e vou tirar o meu CCIR. Como levo dois, três anos para receber do Incra a aprovação do meu georreferenciamento, o meu cadastramento cai, o meu CCIR cai. E o que quer dizer CCIR? Sem o CCIR, Senador Mão Santa, eu não tiro financiamento bancário, eu não posso fazer meu plano de manejo, eu não posso vender minha propriedade, eu não posso dividir minha propriedade rural.

Então, estamos diante de um decreto inoportuno pela sua praticabilidade, haja vista que foi assinado apenas pela Ministra do Meio Ambiente na época e pelo Presidente da República, o que significa que o Ministério da Agricultura não foi consultado para demonstrar - e talvez tivesse evitado isso - a impraticabilidade desse decreto para dar certo. Estamos paralisando todo o Brasil por uma inoperância e por uma ineficiência do Estado brasileiro, Srª Presidente.

Quero aqui dizer que também esse decreto não tem base legal. Não quero discutir o mérito dele apenas porque estão surgindo por aí dúvidas de que, para o meu decreto legislativo, é mais importante permitir a continuação do desmatamento na Amazônia do que proteger os produtores do Brasil com o Estado de direito, com a democracia e com a aprovação de leis. Além de esse decreto ser inoportuno por ser impraticável, porque o Incra não consegue fazer o que tem de fazer e os produtores estão sendo proibidos de financiar, vamos discutir a constitucionalidade dele.

Por decreto, Srª Presidente, não se pode legislar. Esta Casa sabe disso mais do que ninguém. Era na ditadura que se governava e se legislava por decreto. Hoje, na democracia, o decreto apenas regulamenta uma lei. Não se pode permitir que ele tenha o mesmo valor de uma lei. Por exemplo, há uma lei que prevê uma multa, uma sanção; então, um decreto presidencial ou ministerial vem colocar o valor dessa multa. Mas o Decreto nº 6.321, em relação ao qual apresentei o projeto de decreto legislativo, é uma lei, passando por cima do Congresso Nacional.

Então, Srª Presidente, esse decreto não tem base legal. O meu questionamento, Srª Presidente, é muito mais da questão constitucional, da relativização do Estado de direito e do direito de propriedade neste País do que do mérito, porque ninguém mais quer discutir desmatamento não. Ninguém está discutindo desmatamento no País. Nós temos 850 milhões de hectares no Brasil todo. Nós já temos 450 milhões de hectares, a metade do País, preservados com cobertura florestal nativa, original. O Brasil está muito bem diante do mundo. E nós temos 350 milhões, menos da metade, disponíveis para a produção. Então, não há motivo algum para discutir desmatamento, ampliação de desmatamento.

Nós estamos discutindo hoje é regularização ambiental. Em nenhum momento, em nenhum fórum nós estamos discutindo esse assunto.

Agora, nós não podemos permitir, colegas Senadores e Senadoras, que a restrição à liberdade de um indivíduo possa ser feita por um decreto e não por aprovação desta Casa. Desde a primeira Carta de Direitos, em 1215, na Inglaterra, já se previa isso, Srª Presidente. Um cidadão só pode ver tolhida a sua liberdade ou o seu direito de propriedade diante de lei e não de um simples decreto, assinado por um Presidente da República, qualquer que seja ele, ou um Ministro de Estado. Senão, daqui a pouco, teremos decretos legislando sobre tributos, legislando sobre crimes, legislando e modificando o Código Penal.

Por que a CPMF teve que ser mudada aqui e não por um decreto do Presidente da República? Porque fere o direito de propriedade. Por isso, o tributo, quando aprovado por decreto, é inconstitucional. Tem que passar por esta Casa, porque ele fere a Carta Magna.

Assim, Srª Presidente, esse decreto cria uma obrigação sem base legal. E não adianta: mesmo que um decreto venha a fazer o bem - e eu até acredito que, principalmente os arts. 11 e 12, que proíbem o desmatamento na Amazônia, têm um sentido positivo, são dois artigos de boa fé -, não podemos permitir que se fira a Constituição Federal; mesmo sendo um decreto de boa-fé, mesmo sendo um decreto com que se pretende fazer o bem, como no caso dos quilombolas, da reserva indígena, da preservação da Amazônia - todas são bandeiras a que faço questão de aderir -, em primeiro lugar, temos que deixar muito claro que fizemos uma opção pela democracia, que prevê o Estado de direito e a divisão dos Poderes.

Não pode nenhum decreto, disfarçado de uma bandeira social ou que tenha de fato boa-fé, como é a questão da Amazônia, dispensar o Congresso Nacional, dispensar o Parlamento. Então, Srª Presidente, estou bastante impressionada porque, nesta Casa, estamos evoluindo muito no debate do Código Florestal. Por que estamos evoluindo no debate dessa vez, depois de treze anos? Porque resolvemos agir com pragmatismo.

Afastam-se os ruralistas, afastam-se os ecologistas radicais, e vamos conversar com a ciência, vamos deixar que a Embrapa, os órgãos de pesquisa do País nos digam o que fazer, o que é correto, o que está certo, e, nós, produtores rurais - respondo por eles no Brasil -, queremos fazer o que a ciência nos impuser. Por exemplo, respeitar margem de rio, margem de nascente, de olhos d´água, de topo de morro, de cobertura florestal, enfim, o que a ciência do meu País disser. Eu tenho confiança absoluta nela. Mesmo que haja prejuízo econômico, mesmo que um rio que passe na minha propriedade pessoal precise de uma margem larga, porque a margem dele é sensível, estou disposta a cumprir a determinação.

A ciência e a pesquisa têm que ser para o mais e para o menos. Não pode ser apenas para beneficiar alguém tendo em vista o lado econômico.

Senador Mozarildo Cavalcanti, concedo o aparte a V. Exª.

A SRª PRESIDENTE (Serys Slhessarenko. Bloco/PT - MT) - Senadora, não é permitido aparte. A senhora está falando pela Liderança.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Eu lamento que eu não possa.

A SRª KÁTIA ABREU (DEM - TO) - Desculpe, é porque eles pediram e eu fiquei...

Obrigada Senador Mozarildo, Senador Gilberto Goellner, Senador Azeredo, que me pediram um aparte. Sinto muito.

Encerro, Senadora Serys, Presidente.

Estou bastante desconfiada de que há pessoas preocupadas com a evolução do nosso debate, da nossa discussão do Código Florestal, porque está havendo uma tomada de consciência e uma impressão geral no Brasil, dos formadores de opinião. Quantos já pediram para escutar os pesquisadores da Embrapa? Porque as pesquisas são incontestes, são maravilhosas, são extraordinárias e estão mostrando uma luz no fim do túnel, e ninguém quer discutir desmatamento; não está na nossa pauta.

Então, Srª Presidente, colegas Senadores e Senadoras, quero deixar aqui bem claro que, se estão procurando um antiambientalista, não serei eu, não. Não serei eu, não conseguirão fazer de mim uma antiambientalista, uma antifloresta, porque, como disse meu amigo e colega Senador Augusto Botelho há pouco, quem vive da terra ama a terra.

Então, nós produtores rurais, além de preservarmos o meio ambiente por uma questão da saúde pública, da saúde humana, da preservação das futuras gerações, dos nossos ecossistemas, essa questão para nós, produtores rurais, tem um plus: a preservação ambiental tem tudo a ver com o nosso ganho econômico-financeiro. Nós precisamos da água para irrigar nossas plantas. Nós precisamos da biodiversidade para controlar as pragas na nossa produção e as doenças dos nossos animais. A terra com erosão não faz bem à produção, e perdemos dinheiro. Então, se para o mundo inteiro o meio ambiente é importante, para os produtores rurais do mundo inteiro ainda tem essa importância a mais, porque precisamos disso tudo para sobreviver e manter o nosso sistema econômico.

Srª Presidente, não estou na CNA para fazer dela uma destruidora de meio ambiente. Não, Srª Presidente. Fui para a CNA para fazê-la diferente. O que estou fazendo é uma outra CNA. É uma CNA que o Brasil já está enxergando. Estamos lá não só para contribuir nos indicadores econômicos, nas exportações, na produção do PIB, na produção do emprego, mas também porque fazemos questão absoluta da preservação ambiental, da nossa biodiversidade, da nossa Amazônia, que é um patrimônio nacional, um patrimônio invejado e admirado por muitos neste mundo afora.

Então, quero dizer a esses poucos: antiambientalistas não encontrarão esse fórum na Senadora Kátia Abreu. Esse decreto legislativo é contra a constitucionalidade, contra a aberração de um decreto que pretende ser uma lei, passar por cima do Congresso Nacional e, principalmente, impor condições que o Executivo não consegue cumprir pelo Incra, impedindo os produtores rurais de produzirem.

Então, encerro dizendo mais uma vez que continuaremos o debate. O Senador Jayme Campos é o relator desse decreto legislativo. E nós dois temos esta combinação: nunca deixamos votar esse decreto, porque queremos o debate, queremos a discussão. E estamos levando essa discussão adiante, e estou sentindo que ela está progredindo a cada dia, para que possamos de vez mostrar ao mundo que o Brasil é um país preparado, preparado para produzir alimentos, preparado para preservar o meio ambiente, a riqueza maior do seu povo, da sua gente.

Muito obrigada, Srª Presidente, colegas Senadoras e Senadores.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/05/2009 - Página 17073