Discurso durante a 82ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem a memória do Senador Jefferson Peres, pelo transcurso do primeiro ano de sua morte.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem a memória do Senador Jefferson Peres, pelo transcurso do primeiro ano de sua morte.
Aparteantes
Marina Silva.
Publicação
Publicação no DSF de 27/05/2009 - Página 19616
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, JEFFERSON PERES, EX SENADOR, SAUDAÇÃO, ATUAÇÃO, VIDA PUBLICA, DEFESA, ETICA, COMBATE, CORRUPÇÃO, VIOLENCIA, DESIGUALDADE SOCIAL, CRITICA, EXCESSO, EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), PARALISAÇÃO, VOTAÇÃO, PAUTA, SENADO, INTERFERENCIA, EXECUTIVO, JUDICIARIO, TRABALHO, CONGRESSO NACIONAL, REGISTRO, ORADOR, IMPORTANCIA, MANUTENÇÃO, LUTA, EX-CONGRESSISTA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, um ano sem Jefferson Péres. Parece que foi ontem! Parece uma eternidade! Tanta coisa aconteceu e, ao mesmo tempo, parece nada ter mudado nestes doze meses que nos separam da partida desse pequeno grande homem.

Esta cerimônia é o testemunho mais que fiel que o tempo é, também, senhor da emoção! É que a saudade tem o tamanho da necessidade. E quão necessária tem sido a presença, a palavra e a ação do meu amigo e companheiro Jefferson Péres neste tempo de saudade!

Eu tive o cuidado de ler e de procurar me lembrar dos últimos discursos do Senador Jefferson Péres. Desiludido com a política de troca de favores, com a corrupção, com a barbárie humana.

         De repente, eu percebo que suas palavras continuam mais atuais ainda. Que poderiam ser ditas desta mesma tribuna, nestes nossos dias, ainda com maior ênfase. É quando a emoção dá lugar à razão.

A troca de favores já não se acoberta nem mesmo pelo manto da discrição. Ao contrário. Ela desfila, faceira, pelas primeiras páginas de todos os jornais.

A corrupção, ela sim, protege a sua face mais cruel pelo véu da impunidade. A barbárie humana renova, a cada dia, sentimentos de indignação, nas balas perdidas e miradas, nos sonhos ceifados de tantos inocentes.

Quando o Senador Jefferson partiu, ainda ecoava neste plenário a comoção pela morte da menina Isabella, atirada, supostamente, pelo próprio pai, da sua janela. Nada mudou, porque se repete, agora, a rima sombria com a menina Gabriela, baleada numa cidade, até tão pouco atrás, conhecida como bucólica. Quantas serão as Isabellas e as Gabrielas, e tantos outros nomes de tantos brasileiros que tombaram inocentes, vítimas do desdém, do descaso e da omissão?

Quantos deles nem sabemos o nome e endereço, porque são apenas números, não mais do que números?

Eram estas as principais preocupações do Senador Jefferson Péres: a falta de ética na política, a corrupção em todos os segmentos da sociedade e a barbárie humana. Pois é, ele partiu há um ano e o seu discurso permanece vivo, infelizmente. Melhor seria o inverso, é evidente. Melhor seria ele conosco aqui e que o seu discurso já estivesse ultrapassado.

Por isso, há que se resgatar o exemplo do Senador Jefferson Péres. A partida desse nosso companheiro de tantas lutas parece ter sido, para todos nós, mais uma provação de Deus. Ele partiu quando era tão necessária a sua presença entre nós. Ele é mais uma referência viva que se foi nestes nossos tempos de perdas de valores e dos nossos maiores exemplos cívicos e sociais.

Eu, muitas vezes, fico imaginando como teria sido a nossa política se contássemos, por um tempo maior, com a presença de tantos companheiros, chamados, precocemente para as nossas necessidades, à presença de Deus. Ulysses, Tancredo, Teotônio, Covas, Jefferson Péres. Eu me consolo na possibilidade de resgatarmos histórias e exemplos de vida tão recentes. Não são páginas frias em prateleiras onde se espana a poeira do tempo. São histórias ainda muito vivas entre todos nós.

Por isso, Srs. Senadores, eu acho que, neste primeiro aniversário da falta da presença física de Jefferson Péres, nós não nos podemos restringir apenas a discursos emocionados como este meu; a uma sessão de homenagem pura e simples, por mais bela e merecida que ela seja. O Jefferson não nos perdoaria. Fico até imaginando o que ele nos diria, com sua franqueza habitual de quem nunca carregou em si o pecado da omissão. A melhor homenagem que podemos prestar a ele é seguir o seu exemplo. Aí, sim, o Jefferson vai descansar em paz.

Que ele seja inesquecível, para todo o sempre, como amigo e companheiro. Que se lancem tantos livros com o seu perfil, para que se sedimentem os seus ensinamentos. Que ele nunca seja esquecido como construtor da nossa história. Que o seu discurso permaneça ecoando neste plenário. Mas que esse mesmo discurso seja letra morta para o tempo que virá. E isso só acontecerá se seguirmos a sua receita de um país mais digno, mais justo; se seguirmos, portanto, o exemplo que ele nos deixou. Essa será a nossa melhor homenagem ao companheiro Jefferson: tornar obsoletos os seus discursos pela moralidade pública, coisas do passado e não do futuro.

Pois é, meu companheiro Jefferson, parece, no entanto, que o seu discurso, tudo indica, ainda será letra viva por muito tempo.

Os jornais dos nossos dias ainda trazem como manchete a política da troca de favores. A corrupção ainda campeia com os mesmos recursos públicos que faltam nas filas dos hospitais, que faltam na escuridão do analfabetismo. A barbárie humana tem nome quando causa a comoção de muitos, quando se restringe à indignação de poucos.

Jefferson, a impunidade que você tanto denunciou, sempre em coro com os reclamos de alguns, ainda caminha solta, livre, sem algemas. Para quem tem nome, rosto e biografia, a justiça; para quem é só um número, a polícia. O seu projeto político e de vida sempre foi como o dos verdadeiros patriotas: derrubar esse muro que nos divide e que transforma semelhantes em concorrentes; um muro que divide irmãos entre incluídos e excluídos; um mundo que premia o ter em lugar do ser. Um mundo onde apenas um em cada cem, quando somados, possuem quase a metade de toda riqueza. Um mesmo mundo onde, do outro lado do muro da vergonha, a metade mais pobre é dona tão somente de 1% do que se produz. De um lado, os poucos e sua riqueza; do outro, os muitos e sua miséria.

Quando vimos o Senador Jefferson Péres, quando nós o ouvíamos falar, parece que nos dirigíamos para o alto, tamanha a grandeza da sua sabedoria, do seu espírito público e do seu amor pelo País.

Hoje, porém, para reverenciá-lo, continuamos nos dirigindo para o infinito, porque temos fé em que Deus acolhe de braços abertos aqueles que honram essa nossa travessia terrena.

Eu acho que Deus, ao chamar Jefferson, na verdade, quis chamar-nos a atenção, quis chamar-nos à razão. Caso contrário, Deus não o teria levado exatamente no momento em que tanto precisávamos dele.

Pouco antes da despedida, disse Jefferson Péres:

Há uma profunda crise do Estado brasileiro, e a classe política parece não se conscientizar disso. A crise do Brasil é muito grave, porque não é algo comum, não acontece em outros países mais pobres que nós. Se acontece aqui, alguma coisa está profundamente errada e tem que ser corrigida. Nós perdemos a visão de longo prazo. Não temos um projeto de nação, não temos um projeto estratégico. A classe política se digladia com coisas menores, pequenas, numa disputa simplesmente de poder.

Assim falava Jefferson Péres.

Que me perdoe o nosso grande Rui Barbosa, em alma e bronze, mas eu acho que a melhor imagem que poderíamos reverenciar, nestes nossos dias, neste mesmo plenário, sem descartar a sabedoria inspirada no nosso Águia de Haia, é a do nosso também querido Jefferson Péres.

Acho que até mesmo o Rui concordaria que a sabedoria pode ser deletéria quando utilizada para as barganhas do toma-lá-dá-cá, para a troca de apoio por cargos, para a pequena política do compadrio. Portanto, à imagem de Jefferson Péres, que esta Casa seja, de fato, revisora da boa política.

Na primeira sessão depois de sua partida, eu disse, nesta tribuna, que o Senado vivia um clima de “dia seguinte”, um imenso vazio nos nossos corredores. Pois bem, hoje, nós continuamos vivendo um clima de “ano seguinte”, quase paralisados por edições desenfreadas de medidas provisórias que nos usurpam a competência constitucional e a capacidade de legislar, com interferência, sem precedentes, do Poder Judiciário em questões que estão a merecer profundas reformas políticas, tão prometidas e nunca cumpridas por este mesmo Congresso Nacional.

Como decorrência, com uma legitimidade abaixo da crítica, reforçada pelos sucessivos deslizes políticos e administrativos que têm povoado a mídia nos últimos tempos, histórias repetidas agora porque já denunciadas reiteradamente pelo Senador Jefferson Péres há mais de um ano.

Falava assim Jefferson Péres:

            O meu desalento é profundo. Deixo isso registrado nos Anais do Senado Federal. Infelizmente, eu gostaria de estar fazendo outro tipo de pronunciamento, mas falo o que penso, perdendo ou não votos, pouco me importa. Aliás, eu não quero mais votos mesmo, pois estou encerrando a minha vida pública daqui a quatro anos, profundamente desencantado com ela.

            Disse também, como que um pranto em vida, em um dos seus últimos pronunciamentos desta tribuna.

Permita-nos o Senador Jefferson Péres discordar do seu ato planejado. Contraditoriamente, as razões que construíam o seu desencanto e o seu desalento são exatamente as mesmas que justificariam a continuidade da sua vida política. Quanto maior a política da troca de favores, da corrupção e da barbárie humana, mais necessário ainda o eco de uma voz como a de Jefferson Péres. Portanto, esse mesmo desencanto e esse mesmo desalento devem se transformar para nós, agora, em instrumento de luta pelo país que o Senador Jefferson Péres acreditava ser possível.

A sua lição tem que ser, agora, a nossa missão: um país sem excluídos, democrático e soberano; um país sem o muro da vergonha; um país sem cidadãos de segunda classe; um país onde todos tenham nome, rosto e biografia e que não sejam apenas um número, uma estatística; um país onde todos tenham, pelo menos, uma certidão de nascimento, cidadãos na sua plenitude; um país onde tudo isso será possível, desde que governado sob a inspiração da dignidade na política.

Estou certo de que esta é a melhor homenagem que poderíamos prestar a esse companheiro que nos deixou no plano da vida terrena: continuar essa sua luta por um Brasil mais digno.

Eu acho que o povo brasileiro jamais permitiria vê-lo em retirada, meu irmão Jefferson. Deus, entretanto, parece não ter desejado testemunhar a concretização da promessa de Jefferson Péres de abandonar a política. Chamou-o antes do que isso. Sim, parece ter preferido deixar inconclusa a sua vida pública. Inconclusa a vida pública de Jefferson Péres preferiu Deus deixar, quem sabe para que nós a completássemos, a partir de sua lição de vida. Deus sabe o que faz.

Ele saiu, ele partiu. Seu exemplo permaneceu. A sessão é singela. Poderíamos imaginar que deveria ser uma sessão lotada, com o Plenário aqui a prestar a homenagem a um grande homem. Mas a vida é assim. Infelizmente, o Brasil é um país que não tem memória. O Brasil é um país onde se esquecem.

Outro dia, contaram-me que, algumas semanas atrás, em uma pesquisa feita entre estudantes de História da Universidade de Brasília, a maioria não soube escrever uma biografia de Ulysses Guimarães. Sim, o Brasil é um país sem memória, mas o exemplo fica. Não tenho nenhuma dúvida de que Jefferson Péres foi um dos homens mais extraordinários que vi nesta Casa. A última vez que falei aqui sobre ele, falei o que vou repetir agora: eu tinha uma admiração pelo Jefferson. De modo especial, eu me emocionava em ver os seus pronunciamentos. O poder da síntese, aquilo que um homem como eu leva um tempão para falar e não fala direito o que quer, Jefferson falava em meia dúzia de palavras. E eu repito aqui o que eu dizia de Jefferson: ele era o que ele era, digno, correto, justo, íntegro.

A Srª Marina Silva (Bloco/PT - AC) - Permite V. Exª um aparte, Senador Pedro Simon?

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Com o maior prazer. Uma pessoa da altura física e da estatura moral de Jefferson Péres.

A Srª Marina Silva (Bloco/PT - AC) - Obrigada. Sinto-me duplamente elogiada. Em primeiro lugar, sinto-me inteiramente contemplada no pronunciamento que faz V. Exª em homenagem à memória do Senador Jefferson Péres. Ainda há pouco, eu dizia que tinha por ele uma grande admiração e guardo dele uma boa memória. Em primeiro lugar, porque era um homem de uma palavra. Quando ele concordava, podia manifestar claramente a sua concordância; e quando discordava, também manifestava sua discordância, sem nenhum tipo de subterfúgio, aquela velha postura de que aparentemente concorda, mas depois faz de uma outra forma. Era: sim, sim; não, não. E um outro aspecto que me admirava muito na figura do Senador Jefferson Péres era a sua dedicação à Casa, a tratar no mérito dos assuntos na Comissão de Constituição e Justiça, nos debates que fazia sobre alguns temas. Isso ajudava muito a Casa nos processos decisórios. Muitos de nós nos aliávamos às posições dele em alguns assuntos. Isso era muito bom e faz uma grande falta. De sorte que V. Exª diz que o Brasil é um país que não tem memória, e, lamentavelmente, essa memória, no mínimo, é muito curta mesmo. Nosso esforço aqui é de que ele prevaleça na memória e na História, porque os homens de bem permanecerão na História, mesmo que deles não guardemos a memória. Eles permanecerão na democracia pela tradição, serão lembrados por seus feitos, e nós continuaremos sentindo e vivendo suas consequências. Nós vivemos boas consequências daquilo que ele fez no seu Estado, neste Parlamento, na sua vida pública, como homem ligado à Justiça. Agradeço a Deus por existirem pessoas que têm esse tipo de atitude. E ninguém melhor do que V. Exª, um homem de vida pública igualmente irrefutável, para fazer esta homenagem. De sorte que torno minhas, se posso fazê-lo, suas palavras.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Outro dia, uma revista estava fazendo uma publicação com relação ao que os Senadores acham do atual Senado. E eu citei o Jefferson e V. Exª exatamente como as duas pessoas que eu via, na pureza, na intenção, na grandeza, na garra e na vontade de ser, o que é de mais bonito nesta Casa.

O Jefferson foi isso. Caiu de pé. Inclusive quando ele falava em deixar, ele falava porque achava que, realmente, não valia a pena.

V. Exª lutou. Lutou com brilhantismo. Foi uma grande e excepcional Ministra. Não teve a compreensão que devia, porque, infelizmente, o mundo caminha num sentido complicado. Mas eu poderia dizer aqui, com profunda sinceridade, ninguém melhor do que V. Exª para representar o espírito e a continuidade de Jefferson Péres.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Modelo1 5/16/2411:45



Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/05/2009 - Página 19616