Discurso durante a 83ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à proposta de mudanças na caderneta de poupança anunciadas pelo Governo Federal e à insegurança do Governo na implementação das referidas mudanças. (como Líder)

Autor
Antonio Carlos Júnior (DEM - Democratas/BA)
Nome completo: Antonio Carlos Peixoto de Magalhães Júnior
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA FISCAL.:
  • Críticas à proposta de mudanças na caderneta de poupança anunciadas pelo Governo Federal e à insegurança do Governo na implementação das referidas mudanças. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 28/05/2009 - Página 20058
Assunto
Outros > POLITICA FISCAL.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, INCOERENCIA, ANUNCIO, GOVERNO FEDERAL, ALTERAÇÃO, REGULAMENTAÇÃO, CRIAÇÃO, TRIBUTAÇÃO, RENDIMENTO, CADERNETA DE POUPANÇA, REGISTRO, NOTICIARIO, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DECISÃO, ADIAMENTO, PROJETO, DEMONSTRAÇÃO, FALTA, SEGURANÇA, GOVERNO.
  • CRITICA, ALTERAÇÃO, CADERNETA DE POUPANÇA, RETIRADA, SIMPLIFICAÇÃO, SEGURANÇA, APLICAÇÃO FINANCEIRA, GARANTIA, ESTABILIDADE, POPULAÇÃO, REDUÇÃO, RENDIMENTO, PORTADOR, POUPANÇA, AUSENCIA, BENEFICIO, MUTUARIO, SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO (SFH), PREJUIZO, MERCADO FINANCEIRO, PROVOCAÇÃO, PERDA, RECEITA, GOVERNO.
  • REPUDIO, JUSTIFICAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, TRIBUTAÇÃO, CADERNETA DE POUPANÇA, AUSENCIA, ONUS, POPULAÇÃO, BAIXA RENDA, EXCLUSIVIDADE, AGRAVAÇÃO, EMPRESARIO, CIDADÃO, SUPERIORIDADE, PODER AQUISITIVO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. ANTONIO CARLOS JÚNIOR (DEM - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o atual debate sobre as mudanças na caderneta de poupança tem algo de insólito.

Se as medidas provisórias, concebidas que foram como instrumento excepcional, estão hoje banalizadas e se transformaram em instrumento rotineiro e oblíquo de usurpação do poder de legislar do Congresso, o Governo parece ter dado um passo além na sua meticulosa tarefa de erigir a barafunda institucional. Temos agora uma espécie nova de proposição legislativa: as fantasmagóricas.

A equipe econômica anunciou com pompa, mas sem solenidade, um conjunto de alterações nas regras da poupança que não têm existência no mundo jurídico. Estamos todos discutindo, por assim dizer, um ectoplasma legal.

As vacilações antes do anúncio e a demora em enviar ao Congresso as medidas no formato de projetos de lei depois de anunciadas demonstram que o Governo oscila entre a perplexidade e a insegurança.

Agora mesmo, a imprensa diz que o mesmo Governo parece querer dar o dito pelo não dito. Está aqui na Folha de S. Paulo: Planalto deve adiar projeto sobre poupança. Pelo menos até segunda ordem.

O que é mais grave?

O que denota mais a inabilidade do Governo em tratar da questão?

As vacilações antes do anúncio?

As naturezas das mudanças propostas?

A demora em enviá-las ao Congresso?

Ou o provável recuo anunciado pela imprensa?

Parece-nos que o conjunto da obra.

Aparentemente, o Governo não logrou conciliar suas múltiplas intenções em um texto juridicamente coerente. Isso não surpreende. O modelo de alteração proposto tem sérias limitações.

A primeira e mais grave é de ter transfigurado aquela que era a aplicação financeira mais simples e amigável de todo o sistema financeiro na alternativa mais intrincada e hostil ao aplicador comum.

Sr. Presidente, é importante frisar que aqui não se trata de uma filigrana técnica.

A simplicidade da poupança é a característica principal dessa aplicação. Com o passar dos anos, a forma de remuneração passou a ser compreendida por todos e, o que é mais importante, deu à aplicação transparência, independentemente do agente financeiro onde ela é feita.

Srs. Senadores, essa simplicidade e essa transparência garantem tranquilidade ao aplicador. Tranquilidade e segurança a tal ponto que, em vários momentos, mesmo tendo ocorrido um grande diferencial de rentabilidade frente a outras aplicações, a poupança manteve seu público fiel.

A explicação não tem nada de exótico, o segredo da poupança esteve e está na simplicidade. As alterações propostas pelo Governo criam um sistema de tributação somente inteligível para pós-graduados e que fulminará a popularidade das cadernetas de poupança.

O segundo problema é que a sistemática de tributação adotada parece ir contra os princípios constitucionais da reserva legal e da anterioridade. No modelo proposto, a base de cálculo irá variar segundo a taxa Selic. Ora, com isso, a alíquota efetiva do imposto não será determinada no exercício anterior, como requer o princípio da anterioridade, nem deverá ser determinada em lei, como exige o princípio da reserva legal, mas por uma medida administrativa do próprio Governo: a fixação da taxa Selic.

Frente a objeções tão consistentes, é possível prever novos esqueletos judiciais a se formarem no futuro, prejudicando o equilíbrio de longo prazo das contas públicas e criando um ambiente de insegurança jurídica absolutamente prejudicial ao bom funcionamento dos mercados financeiros.

O terceiro aspecto problemático da proposição é não tratar, de forma linear, os aplicadores.

Muitos equívocos já se cometeram no País ao se considerar que pessoas físicas e empresários, por terem certo patrimônio financeiro, sejam abastados.

Ora, muitas pessoas têm o dinheiro na poupança como uma situação transitória - e não podia deixar de ser. O nome poupança quer dizer: guardar para aplicar no futuro, ainda que por um prazo considerável, em função da venda de um patrimônio familiar, de um imóvel ou de outro bem de família.

De outro lado, pessoas de renda mais elevada podem se utilizar da poupança como instrumento financeiro para auferir as vantagens da isenção para valores inferiores a R$50 mil.

Os burocratas sempre se sentem tentados a identificar e corrigir distorções, mas não percebem que os instrumentos que utilizam tendem a criar distorções ainda maiores. A complicação embutida nas novas regras propostas para a poupança é um exemplo dos mais pedagógicos dessa miopia burocrática.

Se houvesse, de fato, preocupações distributivas na alteração da poupança, veríamos o Governo também preocupado com o outro lado da equação desse sistema.

E isso não acontece.

Sabemos todos que os depósitos da poupança são a contrapartida dos financiamentos do Sistema Financeiro de Habitação, ou seja, quem, no fundo, paga a remuneração dos depósitos é o mutuário que financia sua casa própria.

Ora, do ponto de vista do mutuário, o que irá mudar?

Do lado do poupador, nós sabemos: quem tiver mais de R$50 mil terá seu rendimento reduzido. Mas eu pergunto: algum mutuário receberá o benefício dessa redução dos rendimentos?

A resposta é muito simples: não. Os mutuários não terão qualquer benefício.

Srªs e Srs. Senadores, nós todos queremos a redução dos juros no Brasil. Menores juros significam maiores investimentos e mais consumo. Em síntese, maior crescimento econômico.

Entretanto, pergunto: se não há redução dos juros para os mutuários, de que aproveita a redução dos rendimentos da poupança por meio de tributação?

Além disso, boa parte das medidas se assentam também na redução do imposto de renda dos fundos de renda fixa e nos títulos de renda fixa.

Sistemicamente, teremos o seguinte quadro: o Governo perderá a receita de tributos nos fundos de investimento e nos títulos de renda fixa, sem garantia de redução das taxas de administração pelos bancos, mas ganhará receita com a tributação da poupança. Não se sabe ao certo qual será o resultado líquido.

O poupador perderá receita, porque vai haver incidência de imposto sobre parte dos saldos da poupança. Entretanto, os mutuários não receberão esse benefício.

Num cenário extremo, poderemos ter o seguinte quadro: a perda de arrecadação com redução de tributação dos fundos não sendo compensada pelo ganho tributação da poupança.

Como é certo que haverá queda na remuneração líquida dos poupadores, sem transferência dessa diferença para os mutuários, haverá perda coletiva, exceto para os agentes financeiros.

Para finalizar, também ressaltando o aspecto distributivo, é importante observarmos que a justificativa dada para não reduzir os rendimentos fixos da poupança tem uma clara entonação demagógica. Senão, vejamos: Os depósitos do FGTS são remunerados a uma taxa muitíssimo inferior - TR mais 3% - o que tem provocado uma perda anual superior a 1% frente à inflação medida pelo IPCA.

Ora, se houvesse mesmo uma preocupação com a poupança dos mais pobres, e o FGTS e a poupança dos pobres, a ênfase deveria ser dada ao poupador do FGTS, pois, nesse caso, a poupança é compulsória.

Como disse, estamos em um cenário sui generis, discutindo um conjunto de intenções do Governo que sequer se transformaram em proposições legislativas de fato. Não sabemos se amanhã ou depois chegará ao Congresso algo diferente do anunciado.

Entretanto, analisando o que foi anunciado até agora, posso afirmar que as alterações na poupança propostas pelo Governo: primeiro, vão complicar o instrumento, fulminar a sua simplicidade e a empatia que o investidor comum tem pela poupança; segundo, estão repletas de inconsistências jurídicas graves e ferem princípios constitucionais de Direito Tributário; terceiro, podem gerar uma situação de perda líquida de receita para o Governo sem qualquer ganho para os mutuários e para os aplicadores da poupança; quarto, não têm caráter distributivo, não consideram os interesses dos mutuários e nem contribuem para reduzir as prestações dos financiamentos habitacionais; e quinto, a retórica de defesa dos mais pobres não é coerente com a perda contínua que sofrem os depositantes do FGTS, de mais de 1% de seus saldos ao ano desde 2000.

Por essas razões, tais medidas, se vierem, além de ameaçar esse patrimônio nacional que é a caderneta de poupança, não nos permitem crer irão ao encontro da continuidade da queda das taxas de juros no Brasil.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/05/2009 - Página 20058