Discurso durante a 84ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Manifestação contrária à proposta de emenda à Constituição 20/99, que reduz a maioridade penal para 16 anos.

Autor
Lúcia Vânia (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/GO)
Nome completo: Lúcia Vânia Abrão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO PENAL.:
  • Manifestação contrária à proposta de emenda à Constituição 20/99, que reduz a maioridade penal para 16 anos.
Publicação
Publicação no DSF de 29/05/2009 - Página 20741
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO PENAL.
Indexação
  • COMENTARIO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, REDUÇÃO, LIMITE DE IDADE, IMPUTABILIDADE PENAL, CRITICA, RETROCESSÃO, LEGISLAÇÃO, RECOMENDAÇÃO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), ERRO, ALEGAÇÕES, INEFICACIA, ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, ANALISE, ORADOR, CRESCIMENTO, CRIME, IGUALDADE, FAIXA, ADULTO, MENOR, COMPARAÇÃO, SITUAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO.
  • COBRANÇA, IMPLANTAÇÃO, ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, ESTADOS, MUNICIPIOS, PREVENÇÃO, PROBLEMA, PROTESTO, FALTA, ESTRUTURAÇÃO, CONSELHO TUTELAR, PARALISAÇÃO, PROGRAMA ASSISTENCIAL, IMPORTANCIA, RECURSOS, AUXILIO, ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL, INCENTIVO, ATUAÇÃO, CONSELHO, ENCAMINHAMENTO, DELINQUENCIA JUVENIL, APOIO, CRIANÇA, VITIMA, EXPLORAÇÃO SEXUAL, TRAFICO, DROGA, EXPLORAÇÃO, TRABALHO, INFANCIA.
  • ANALISE, DADOS, SUPERIORIDADE, INDICE, VIOLENCIA, VITIMA, CRIANÇA, COMPARAÇÃO, AUTORIA, MENOR, CRIME, INFERIORIDADE, REINCIDENCIA, DIFERENÇA, ADULTO.
  • DEFESA, MANUTENÇÃO, IDADE, IMPUTABILIDADE PENAL, AUSENCIA, EFEITO, IMPUNIDADE, JUVENTUDE, DIFERENÇA, TRATAMENTO, SISTEMA PENITENCIARIO, BUSCA, RECUPERAÇÃO.
  • DEPOIMENTO, EFICACIA, APLICAÇÃO, ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, PROGRAMA ASSISTENCIAL, PREVENÇÃO, DELINQUENCIA JUVENIL, ESPECIFICAÇÃO, GOVERNO, MÃO SANTA, EX GOVERNADOR, ESTADO DO PIAUI (PI), CONCLAMAÇÃO, ATENÇÃO, SOCIEDADE, AUTORIDADE, PROTEÇÃO, INFANCIA, POLITICA, REVERSÃO, CRIME, ACESSO, EDUCAÇÃO, TRABALHO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


A SRª LÚCIA VÂNIA (PSDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho a esta tribuna para tecer comentários sobre um tema de extrema importância e que está em discussão nesta Casa. Trata-se da PEC nº 20, de 1999, à qual foram apensadas outras cinco, que também propõem a redução da maioridade penal para 16 anos.

Afirma-se que o seu objetivo é intimidar e coibir a crescente participação de menores em infrações diversas.

De fato, a participação de menores em atos delituosos tem aumentado de forma significativa. Entretanto, o aumento da violência e da criminalidade tem aumentado, de maneira geral, em todas as faixas etárias e em todas categorias socioeconômicas.

A legislação brasileira, seguindo um padrão internacional adotado por numerosos países e recomendado pela Organização das Nações Unidas, confere aos menores infratores um tratamento diferenciado, levando-se em conta estudos de neurocientistas, psiquiatras, psicólogos, pedagogos que, através de várias convenções, das quais o Brasil é signatário, adotaram a idade de 18 anos como a idade em que jovem atinge a maturidade completa.

Alguns críticos e desconhecedores do Estatuto da Criança e do Adolescente têm responsabilizado, equivocadamente, o ECA pelo aumento da criminalidade entre menores. Mas, como sabemos, esse aumento não vem ocorrendo somente nessa faixa etária.

         O ECA é conhecido como uma legislação eficaz e inovadora por praticamente todos os organismos nacionais e internacionais que se ocupam da proteção a infância e adolescência e dos direitos humanos.

Não fora o ECA, o envolvimento de menores em atos infracionais em nosso País poderia ter aumentado ainda mais. Na realidade, o que precisamos é implementar o ECA integralmente, envolvendo a União, os Estados e os Municípios, o que infelizmente não vem acontecendo.

Exemplo dessa ineficácia da sua implantação, eu posso citar aqui os Conselhos Tutelares. Esta semana, eu tive o prazer de receber uma conselheira do Município de Paraúna, do Estado de Goiás. Ela trazia ao meu gabinete toda a sua preocupação em relação aos Conselhos Tutelares totalmente desestruturados, Conselhos Tutelares sem nenhum apoio de suporte para encaminhamento das crianças.

Nós tínhamos, anteriormente, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, que ainda permanece, mas sem ampliação da meta. Então, o encaminhamento de criança com problemas de roubo em rua, pequenos furtos não tem como ser feito pelo Conselho Tutelar, e as crianças são deixadas na rua ou são levadas à escola, onde elas não permanecem em função da pouca atratividade da própria escola ou da pouca preocupação da escola em fazer esse trabalho de readaptação.

Outro programa importante que servia de suporte para os Conselhos Tutelares era o Programa Sentinela, que ainda permanece, mas totalmente desassistido, sem capacitação técnica dos seus funcionários e sem estruturação. Na verdade, os Municípios bancam esses programas, que são federais, mas com muita dificuldade, uma vez que o repasse é sempre precário. O Município tem que arcar com técnicos qualificados, como psicólogos, psiquiatras etc.

No entanto, nos Conselhos Tutelares de alguns Municípios, os conselheiros são voluntários, e, muitas vezes, não há a sensibilidade do próprio Prefeito para entender que esse Conselho Tutelar é fundamental, é de vital importância para a implantação do próprio ECA na sua amplitude, porque o conselheiro tutelar é que está em contato direto com a criança que está na rua, com a criança vítima de abuso sexual nas famílias.

Portanto, é preciso que se faça um trabalho intenso no sentido de reforçar esses Conselhos Tutelares para que o ECA possa ser cumprido naquilo que é fundamental desde a sua prevenção até a privação de liberdade, que é outro problema que o Município enfrenta. Na verdade, o ECA, mesmo determinando a privação de liberdade de um jovem, não há um abrigo adequado para sua ressocialização, e, muitas vezes, ele é levado à cadeia comum, onde tem contato com criminosos, que vão, como numa própria universidade, direcioná-lo, cada vez mais, para o crime.

Há poucos minutos falava aqui, Sr. Presidente, o Senador Zambiasi, mostrando sua preocupação com o crescimento da utilização do crack, principalmente por crianças e adolescentes. Mostrava ele aqui que, muito mais que infrator, o jovem é vítima de toda essa omissão da sociedade e do próprio Governo.

Portanto, a punição imposta aos menores, pelo Estatuto, é mais branda realmente do que a Justiça Comum. Entretanto, no contingente encaminhado à Justiça Especializada, 40% estão privados de liberdade, mesmo porque o cumprimento da pena pelo ECA é muito ágil do que na Justiça Comum. Na Justiça Comum, esse índice é irrisório, o que demonstra que, na prática, os infratores adultos é que acabam recebendo o tratamento condescendente em razão de sua lentidão e ineficácia.

O menor no Brasil, como disse aqui o Senador Zambiasi, é muito mais vítima do que infrator. Mais de 2 milhões de jovens com menos de 16 anos trabalham em condições degradantes, ora em contato com a droga e com a marginalidade, ora com trabalhos penosos e degradantes, como nas pedreiras, nos garimpos, nos canaviais e em outras atividades que são impróprias para crianças e adolescentes. Cerca de 400 mil meninas trabalham em serviços domésticos; outras 500 mil são vítimas de exploração sexual; 120 mil crianças vivem em abrigo, sem um lar aconchegante e sem o convívio das famílias. Sem falar nas crianças que moram nos bolsões de pobreza, em casas cujo arrimo de família é a mulher, muitas vezes analfabeta, que tem que deixar o filho em casa. Necessariamente, essa criança estará na rua, porque não há uma pessoa em casa para tomar conta dessa criança, e a mãe tem que sair para levar o sustento para a casa.

O homicídio é a principal causa de morte de crianças brasileiras. De acordo com estudo do Unicef, 40,5% dos óbitos são de causas não naturais. Por outro lado, o índice de homicídios cometido pelos menores fica em torno de 1%. O índice de reincidência entre os jovens infratores é de 20% e poderia ser ainda menor se o Eca estivesse sendo cumprido em sua integralidade.

Para se ter uma idéia, o índice de reincidência entre os criminosos adultos é de 60%. Portanto, veja a diferença: nos jovens, a reincidência é de 20%; nos adultos, de 60%.

O argumento da universalidade da punição legal aos menores de 18 anos, além de precário como justificativa, é empiricamente falso.

Dados da ONU, que realiza a cada quatro anos a pesquisa Tendências do Crime, revelam que são minorias os países que definem o adulto como pessoa menor de 18 anos e que a maior parte desses é composta por países que não asseguram os direitos básicos de cidadania aos seus jovens.

Das 57 legislações analisadas, apenas 17% adotam a idade menor do que 18 anos como critério para definição legal de adulto. São elas: Bermudas, Chipre, Estados Unidos, Inglaterra, Grécia, Haiti, Índia, Marrocos, Nicarágua, São Vicente, Granadas.

Alemanha e Espanha elevaram recentemente para 18 anos a idade penal, e a primeira criou ainda um sistema especial para julgar os jovens na faixa de 18 a 21 anos.

Com exceção dos Estados Unidos e Inglaterra, todos os demais são considerados pela ONU como países de médio ou baixo Índice de Desenvolvimento Humano, o que torna a punição de jovens infratores ainda mais problemática.

No Brasil, apenas 3,96% dos adolescentes que cumprem medida socioeducativa concluíram o ensino fundamental. É imoral querer equiparar a legislação penal juvenil brasileira à inglesa ou à norte-americana.

Sim, imoral. Imoral porque não podemos comparar a qualidade de vida dos nossos jovens com a qualidade de vida dos jovens que desfrutam dos benefícios naqueles países.

Não se argumente que o problema da delinquência juvenil aqui é mais grave que em outros países e que, por isso, a punição deve ser mais rigorosa: tomando 55 países da pesquisa da ONU como base, na média os jovens representam 11,6% do total dos infratores, enquanto no Brasil a participação dos jovens na criminalidade está em torno de 10%.

Portanto, dentro dos padrões internacionais, o Brasil está com um índice abaixo do que se deveria esperar, principalmente se consideradas as carências generalizadas dos jovens brasileiros. No Japão, onde o nível de vida é elevado, os jovens representam 42,6% do infratores, e, ainda assim, a idade penal é de 20 anos.

A mudança no texto constitucional implicaria, portanto, a renúncia de todas as convenções celebradas e ratificadas pelo Governo brasileiro.

Todos sabemos que violência gera violência, e sabemos também que, mais do que o rigor da pena, o que faz realmente diminuir a violência é a certeza da punição. Portanto, a manutenção do limite da imputabilidade, tal como hoje está, não implica impunidade para os jovens. Implica, sim, tratá-los de forma diferenciada e evitar que sejam encaminhados aos presídios comuns, onde as chances de recuperação e ressocialização são praticamente inexistentes.

V. Exª, Senador Mão Santa, que ora preside esta sessão, sabe perfeitamente a importância desse trabalho. Eu tive a oportunidade, em Teresina, de visitar um abrigo, onde a então Primeira-Dama Adalgisa montou todo um aparato de apoio ao ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Tive a oportunidade de, ao lado dela, inaugurar um abrigo e saí de lá impressionada com a forma com que Adalgisa cuidava desse menor infrator, buscando a sua ressocialização, colocando ali técnicos do mais alto gabarito - psicólogos, pedagogos - para investir pesadamente na recuperação daqueles jovens. Eu tive a oportunidade de ver isso bem de perto e tenho acompanhado. Em todo o País, os resultados desse processo de ressocialização, quando feito com seriedade, com responsabilidade, são altamente positivos.

Tive lá a oportunidade de ver não só isso, como também V. Exª implantando os restaurantes populares, enfim, uma série de programas sociais que são preventivos e evitam que cheguemos a esse ponto de calamidade que citou o Senador Zambiasi aqui, quando tratava da questão da droga, principalmente do crack, no Rio Grande do Sul.

Portanto, acredito que a sociedade brasileira, os Prefeitos, os Governadores e mesmo o Presidente da República precisam, urgentemente, voltar os seus olhos para a juventude, para que esses jovens não sigam esse caminho a que estamos assistindo. Desde a pequenina cidade até as regiões metropolitanas, estamos vendo esses jovens entrarem para a marginalidade e para a droga - principalmente para o crack, uma droga de alto poder destrutivo, porque, sem dúvida nenhuma, prejudica a recuperação do jovem. É uma droga que tem um efeito devastador na vida do jovem, da sua saúde principalmente.

Então, a solução que parece mais simples, provavelmente, é a menos eficaz, pois as questões de maior complexidade requerem projetos de média e longa maturação, além de tratamento multidisciplinar. É preciso que a sociedade e o Governo entendam que, para tratar da socialização desse jovem abandonado e da prevenção, é preciso ir um pouco além da escola. É preciso um acompanhamento psicológico e multidisciplinar para que ele realmente possa ser recuperado.

No meu entendimento, portanto, e também no entendimento de muitas entidades conceituadas de todo o Brasil, o envolvimento dos menores com a delinquência e o crime deve ser revertido com políticas públicas adequadas, como explicitei aqui, com acesso à escola e ao trabalho. É preciso lembrar que cada jovem desempregado é, sem dúvida nenhuma, um jovem que está à mercê do tráfico, da marginalidade, enfim, de tudo aquilo que o levará inevitavelmente ao crime.

É preciso que haja a implantação urgente, em todos os Estados e Municípios, do Estatuto da Criança e do Adolescente, na sua integralidade, em todo o território nacional.

Só assim nós podemos avaliar se o Estatuto realmente deu certo. Eu acredito que um trabalho nessa direção poderá ter muito mais resultado do que tirarmos os jovens das ruas e os jogarmos numa cadeia, num sistema penitenciário falido como o que temos hoje, para aliviar a consciência e tirar esses jovens da nossa vista.

É preciso que haja responsabilidade no tratamento dessa juventude brasileira. É preciso que haja coragem e, principalmente, determinação e compromisso com essa juventude brasileira.

Muito obrigada.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/05/2009 - Página 20741