Discurso durante a 88ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao grande poeta popular Patativa do Assaré, pelo centenário de seu nascimento.

Autor
Inácio Arruda (PC DO B - Partido Comunista do Brasil/CE)
Nome completo: Inácio Francisco de Assis Nunes Arruda
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao grande poeta popular Patativa do Assaré, pelo centenário de seu nascimento.
Publicação
Publicação no DSF de 04/06/2009 - Página 21649
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, AUTORIDADE, ARTISTA, PARENTE, PRESENÇA, SESSÃO, HOMENAGEM, ANTONIO GONÇALVES DA SILVA, POETA, TRABALHADOR RURAL, ESTADO DO CEARA (CE), CENTENARIO, NASCIMENTO, ELOGIO, CONTRIBUIÇÃO, LITERATURA, MUSICA POPULAR, VALORIZAÇÃO, CULTURA, POVO, REGIÃO NORDESTE, LUTA, JUSTIÇA SOCIAL, REDEMOCRATIZAÇÃO, ANISTIA, REFORMA AGRARIA, COMENTARIO, DIVULGAÇÃO, OBRA ARTISTICA, TOTAL, PAIS.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB - CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Cumprimento o Sr. Presidente Marconi Perillo, amigo de muitas jornadas por este Brasil afora; nosso amigo, Presidente do Superior Tribunal de Justiça César Asfor; nosso colega de trabalho durante um bom período aqui no Congresso Nacional, o Presidente do Tribunal de Contas do nosso País, o Tribunal de Contas da União, Ubiratan Aguiar, que muito nos honra - dois presidentes de dois Tribunais muito importantes, comandados pelos cearenses César Asfor e Ubiratan Aguiar -; nosso companheiro, filho desse gigante da poesia popular, Geraldo Gonçalves, filho de Patativa do Assaré, muito bem sentado a essa Mesa, representando essa figura ilustríssima do povo cearense; nosso amigo, Prefeito em segundo mandato da cidade de Assaré, do Município de Assaré, a terra da Santana, Evanderto Almeida; Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, Ernani Barreira Porto - agradeço a presença de V. Exª, que muito nos honra neste momento -; Professor Cândido B. C. Neto, representando o Secretário de Cultura do Estado do Ceará; nosso Secretário de Saúde do Estado do Ceará João Ananias, conosco aqui neste momento, coordenador da Bancada do nosso Estado que muito nos honra com a sua presença; Deputado José Nobre Guimarães, cuja presença agradecemos; nosso amigo Tico Melo, que ainda guarda, em sua casa em Assaré, o original do primeiro texto publicado por Patativa do Assaré, “Inspirações Nordestinas”, material que precisa ser cuidadosamente preservado - você está ocupando a Secretaria de Ação Social, Tico? Tico Melo chama-se Francisco Crispim; se eu não lesse no papel, jamais iria ligar as duas pessoas! -; Geraldo Beny Pontes Farias, Presidente da Câmara de Vereadores de Assaré - é uma grande alegria recebê-lo -; Carlos Ananias Barbosa, da Ordem dos Advogados do Brasil, a quem agradecemos pela presença - é um prazer poder recebê-lo -; José Evandércio Almeida, Secretário de Infraestrutura do Município de Assaré - é uma grande alegria recebê-lo -; nosso amigo Raimundo Fagner, que muito nos alegra e nos honra com sua presença, ele que foi um dos que divulgaram Patativa do Assaré junto com tantos companheiros que aqui estão - em diálogo com o Senador Suplicy, talvez os dois façam um dueto -; Presidente do Congresso Nacional de Cinema Brasileiro, responsável por conduzir o Patativa para sua estréia quase nacional, no movimento Massafeira, no Estado do Ceará, o cineasta Rosemberg Cariry - daqui a pouco também vamos ter oportunidade de assistir a seu filme, um documentário belíssimo que tive oportunidade de assistir ainda no Cine Ceará, na cidade de Fortaleza.

         Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esta sessão solene é o reconhecimento da beleza, da arte, da sabedoria e universalidade da obra do poeta Patativa do Assaré. É com a devida licença poética que recorro a Patativa para iniciar este pronunciamento. Um breve poema:

“Seu doutor, me dê licença

Da minha história contar (...)”

E por aí ia.

Há pessoas que, mesmo sem terem sido favorecidas no berço, ao nascer, acabam realizando grandes obras e tornando-se dignas de grande admiração, mesmo sem terem passado pelas melhores escolas, mesmo sem terem os caminhos facilitados pela posição social ou econômica. Uma dessas pessoas foi justamente Antônio Gonçalves da Silva, nosso saudoso e querido Patativa do Assaré.

Uma das glórias do Nordeste no campo da criação artística, Antônio Gonçalves da Silva nasceu em 5 de março de 1909, em um sítio localizado na Serra de Santana, a três léguas de distância do Município de Assaré. Segundo filho dos agricultores Pedro e Maria Pereira da Silva, Patativa, aos oito anos, já órfão de pai, teve de deixar a escola e, com o irmão mais velho, prover o sustento da família - deixou a escola com seis meses de banco escolar, diga-se de passagem.

Aos 12 anos, passou apenas 4 meses - aqui já diminuiu - na escola, mas permaneceu trabalhando na lavoura. Apaixonado pela poesia desde a infância, começou a versejar aos 14 anos sobre os assuntos que diziam respeito à vida local. Aos 16, comprou uma viola, passando a improvisar sobre tema que lhe apresentavam.

Aos 21 anos de idade, migrou para Belém do Pará, onde se destacou e ganhou o nome de Patativa, pássaro conhecido na região - região para onde muitos cearenses migram até hoje, e Patativa também teve de se aventurar pelas terras do Pará -, nome que o acompanharia para o resto de seus dias e se prolongaria para muito além, por meio de sua obra. Na mesma ocasião, Patativa obteve seu primeiro reconhecimento, “por escrito”, pelo também cearense José Carvalho de Brito, autor da obra O Matuto Cearense, O Caboclo do Pará. Depois da experiência, no Norte do País, retornou a sua terra, onde permaneceu pelo resto da vida a compor seus versos e canções e cuidar da produção, da lavoura: plantar, colher, para poder prover a sua família.

Embora admirado por aqueles que tomavam contato com a sua obra, a projeção maior de Patativa do Assaré só ocorreu em 1956, com a publicação do livro de poesias Inspiração Nordestina. Outras coletâneas foram editadas, respectivamente, em 1966, Cantos do Patativa, e em 1970, Patativa do Assaré. Mas foi com Cante lá que eu canto cá, de 1978, que se deu o maior reconhecimento de sua genialidade. Com a intervenção de seus admiradores, que organizavam os volumes, em 1988, veio a lume Ispinho e Fulo, e, em 1995, Aqui tem Coisa.

         Entre as obras musicais mais conhecidas, podemos citar “A triste partida”, gravada em 1964 por Luiz Gonzaga, que constitui um verdadeiro tratado sociológico, econômico e psicológico da “Saga do Migrante”, com uma conclusão profética e ousada para a época: “É triste o nortista/ tão forte e tão bravo/ viver como escravo/ no norte e no sul.”

         Outro ícone do talento de Patativa é “Vaca Estrela e Boi Fubá”, gravada pelo amigo, conterrâneo e grande divulgador de sua obra, Raimundo Fagner. É importante citar ainda o movimento cultural que ocorreu no Ceará 30 anos atrás, conhecido como Massafeira, e que reunia dezenas de artistas populares. Rosemberg Cariry, aqui presente, curador da história apresentação, conta que Patativa do Assaré terminou sendo o destaque daquele espetáculo, apresentado-se ao lado de Raimundo Fagner e de outro cearense muito querido e respeitado pelo Brasil afora, Ednardo.

Ainda na Massafeira, foi gravado o disco ao vivo “Poemas e Canções”, produzido pelo nosso conterrâneo aqui presente Raimundo Fagner. É com Fagner que Patativa se apresenta em vários shows por todo o País, tornando a música “Vaca Estrela e Boi Fubá” um grande sucesso popular.

Patativa também teve suas músicas cantadas por artistas do porte de Renato Teixeira e Rolando Boldrin, grandes divulgadores da música que sai da alma do povo, a mais autêntica manifestação musical do interior, do sertão brasileiro.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, convidados queridos que aqui acompanham esta sessão, Patativa do Assaré viveu do trabalho de agricultor por toda a vida. Cultivando a terra herdada de seu pai, sustentou família numerosa, parte da qual prestigia o Senado esta tarde.

Seu filho Geraldo, aqui presente à Mesa do Senado, questionado sobre como é conviver com o legado deixado por Patativa do Assaré, assim respondeu da forma mais simples: “Ser filho do Patativa é uma coisa muito boa, muito especial. Porque ele foi um pai exemplar. E o povo olha a gente com bons olhos. Aonde a gente chega, perguntam: Quem é você? Respondo: sou de Assaré. Conheceu o Patativa? Não, sou filho do Patativa. Isso é muito porque a gente fica conhecido em qualquer canto que você anda” - por este Brasil afora.

Essa observação de seu filho Geraldo reitera a ligação intrínseca que Patativa tinha com a sua terra, carregando para sempre o Assaré na forma de alcunha. E, de fato, o Cariri cearense, onde se localiza Assaré, constitui um dos maiores celeiros da cultura popular do nosso Estado e do nosso País, do Nordeste brasileiro, formando um caldo de cultura essencial para que desabroche o trabalho de Patativa, filho desse movimento social e cultural, claramente aliado ao seu talento, que transforma aquilo que é o caldo de cultura popular daquela região do Cariri em grandes poemas, e sua sensibilidade natos, fazendo com que desabrochasse com vigor a poesia do nosso grande sertão.

E aqui eu estou falando e ele, Geraldo, ouvindo, que é o mais importante.

O Cariri, Sr. Presidente, é a terra do artesanato em couro e ferro - Potengi é a terra dos ferreiros, que competem com grandes empresas nacionais -; é a terra dos cordelistas, dos cordéis famosos, das xilogravuras, dos sanfoneiros de oito baixos de Januário. Quem não lembra do poema de Humberto Teixeira, depois cantada por Luiz Gonzaga, “Os oito baixos do teu pai” - o pai de Luiz Gonzaga, Januário? É lá nessa região. Eles eram do Exu; o outro, do Iguatu; e o berço da arte, da cultura, era exatamente o Cariri. Quem não se lembra dos reisados famosos em Juazeiro, que se derramam por ali em toda a região? Quem não se lembra das romarias em devoção a Padre Cícero, do simbolismo do beato José Lourenço na luta do Caldeirão, no Crato, e dos encantos da Floresta Nacional do Araripe? É o cenário ideal para que o poeta pudesse captar e retratar a realidade de uma gente tão criativa, cantando as belezas do sertão, mas também fazendo contundentes críticas políticas e sociais.

A simplicidade do trabalhador do campo convivia com uma aguçada percepção da realidade política e social do Brasil. Patativa jamais se furtou em participar de momentos significativos da luta do povo brasileiro, sendo figura atuante na luta pela redemocratização do País, pela anistia, pela reforma agrária, pelos direitos dos trabalhadores e por um Brasil livre e soberano.

Inspirado nessa vertente combativa, Patativa escreveu, a pedido de outro ilustre cearense centenário, Dom Helder Câmara, o poema “O Padre Henrique e o Dragão da Maldade”, que, na forma de versos populares, relata o assassinato do jovem padre Antônio Henrique, de apenas 29 anos, torturado e morto no período da ditadura militar, no dia 27 de maio de 1969. Diz Patativa:

Por causa do seu trabalho

que só o que é bom almeja

o espírito da maldade

que tudo estraga e fareja

fez tristes acusações

contra D. Hélder e a Igreja

(...)

Será que ser comunista

é dar ao fraco instrução,

defendendo os seus direitos

dentro da justa razão,

tirando a pobreza ingênua

das trevas da opressão?

         Sr. Presidente, falando das dores e da alegria de sua gente, Patativa do Assaré conseguiu superar, na profundidade dos seus versos, a dicotomia que reduz toda a riqueza cultural de um povo, entre os conceitos de popular e erudito. Sua obra, internacionalmente reconhecida e estudada em várias Universidades do mundo, ainda causa espanto, pela beleza rítmica que brota do coração sertanejo.

Patativa era detentor de escolaridade formal mínima, o que não o impediu de se tornar leitor contumaz dos maiores clássicos da língua portuguesa. Em sua simplicidade, analisava e buscava inspiração no trabalho de outros gigantes da literatura: Castro Alves, Graciliano Ramos, Machado de Assis e Camões.

         Sobre Machado de Assis, disse Patativa: “Sofreu humilhação e foi muito. Porque ele começou sendo um tipógrafo, e dali já tinha uma inteligência grande e os professores tinham um ciúme danado. Isso é que é ser uma ignorância, não é? O mundo tem dessas coisas, viu? É o egoísmo.”

Sobre Camões, afirmou: “Eu li Camões. Eu sou atrevido, viu?”

Já para aqueles que escolhessem subestimar o talento e a riqueza literário daquele sertanejo calejado, Patativa escreveu “Cante lá que eu canto cá”. É bom dizer que era uma resposta para Carlos Drummond de Andrade. Ele fez uma criticazinha simplória a Carlos Drummond. Ele leu um poema e disse: “Isso não é poema; isso é uma prosa”. Carlos Drummond retrucou, e ele retrucou de volta:

Poeta, cantô da rua,

que na cidade nasceu,

cante a cidade que é sua,

que eu canto o sertão que é meu.

(...)

Se as vêz andando no vale

atrás de curá meus male

quero repará pra serra

assim que eu óio pra cima,

vejo um diluve de rima

caindo inriba da terra

Mas tudo é rima rastêra

de fruita de jatobá,

de fôia de gamelêra,

e fulo de trapiá,

de canto de passarinho

e da poêra do caminho,

quando a ventania vem,

pois você já ta ciente:

nossa vida é deferente

e nosso verso também.

(...)

Por favô, não mêxa aqui,

que eu também não mexo aí,

cante lá que eu canto cá.

         Essa é apenas uma amostra da poesia dotada de alma simples, mas de uma fertilidade surpreendente; poesia singela, mas que tem o condão de encantar a todos que dela tomam conhecimento. Foi por meio de sua linguagem despretensiosa e popular que Patativa deixou-nos um legado de valor artístico inestimável. Suas obras foram publicadas por pesquisadores e músicos amigos, mas hoje são consideradas valiosas relíquias pelos estudiosos da literatura.

         Das mãos calejadas, brota a simplicidade de versos que surgem a partir de fatos do cotidiano, agigantando-se na medida em que a rima perfeita traduz a inesperada riqueza literária tantas vezes enaltecida.

A poesia de Patativa é a chuva que reverdece a terra árida, transformando cenas despretensiosas do cotidiano em joias lapidadas de incomparável beleza; uma poesia singela, mas que tem o condão de encantar a todos que dela tomam conhecimento.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré, veio a falecer em 8 de julho de 2002, aos 93 anos de idade. Quem tiver a oportunidade de ler algumas de suas obras verá que a linguagem de Patativa toca fundo o coração e que ele merece, com toda justiça e reverência, nossas homenagens pela passagem do centésimo aniversário de seu nascimento.

Durante toda a vida, o poeta universal comungou com os ideais de igualdade e justiça social, expressando seu anseio pela liberdade de todos os camponeses, os que lavram a terra no campo e os que vendem sua força de trabalho nas grandes cidades, e declarou em seu poema “Eu Quero”:

(...)

Quero paz e liberdade

sossego e fraternidade

na nossa pátria natal

desde a cidade ao deserto

quero o operário liberto

da exploração patronal

(...)

A bem do nosso progresso

quero o apoio do Congresso

sobre uma reforma agrária

que venha por sua vez

libertar o camponês

da situação precária

Finalmente, meus senhores,

quero ouvir entre os primores

debaixo do céu de anil

as mais sonoras notas

dos cantos dos patriotas

cantando a paz do Brasil.

Sr. Presidente, com essa mensagem de Patativa finalizo meu pronunciamento. Reverenciar sua memória significa, antes de mais nada, preservar o alcance da obra desse cearense que sempre teve, em sua terra natal, sua fonte de inspiração.

Que o centenário de Patativa se constitua em uma comemoração alegre e festiva para quem tanto realizou em prol da cultura nordestina e, por extensão, da cultura brasileira.

Muito obrigado.

Um abraço a todos. (Palmas.)


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/06/2009 - Página 21649