Discurso durante a 88ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao grande poeta popular Patativa do Assaré, pelo centenário de seu nascimento.

Autor
Tasso Jereissati (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Tasso Ribeiro Jereissati
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao grande poeta popular Patativa do Assaré, pelo centenário de seu nascimento.
Publicação
Publicação no DSF de 04/06/2009 - Página 21652
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, POETA, ESTADO DO CEARA (CE), ELOGIO, CONTRIBUIÇÃO, LITERATURA, MUSICA POPULAR, VALORIZAÇÃO, NATUREZA, CULTURA, POVO, REGIÃO NORDESTE, LUTA, JUSTIÇA SOCIAL.

  SENADO FEDERAL SF -

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O SR. TASSO JEREISSATI (PSDB - CE) - Sr. Presidente em exercício desta sessão, ilustre amigo, ilustre conterrâneo Mão Santa. Primeiro, porque todo piauiense é um conterrâneo nosso e, segundo, porque Mão Santa é cearense, metade cearense, ou pelo menos 40% cearense, estudou no Ceará e tem toda a nossa cultura carregada dentro do seu coração e, com certeza, como nós todos, faz parte dessa enorme legião de admiradores do nosso inesquecível Patativa do Assaré.

O Ministro César Asfor Rocha, Presidente do Superior Tribunal da Justiça, também é cearense. Para os que não sabem, é também compositor e tem suas músicas enraizadas no coração; nas suas paixões - e tem uma muito grande e absolutamente inabalável pela sua querida Magda, mas também pelas suas raízes no Estado do Ceará.

Você não chegou, infelizmente, porque ele era muito novo, a compor com o Luís Gonzaga e com Patativa do Assaré; não teve essa chance, que eles perderam.

Ministro Ubiratan, que também gosta de música, como todos nós cearenses, é Presidente do Tribunal de Contas, cearense, e também compositor romântico. S. Exª foi representante do Estado do Ceará aqui no Congresso Nacional, durante tantos e tantos anos, e honra o Estado do Ceará agora na Presidência do Tribunal. Sr. Evanderto Almeida, Prefeito de Assaré, terra natal do nosso Patativa, e Geraldo Gonçalves, filho do Patativa do Assaré, que lembra muito o pai, não só fisicamente, mas na voz. Quando ele fala, ouve-se a voz praticamente igual a do Patativa do Assaré. Não sei se ele teve ou vai ter oportunidade, Sr. Presidente, de declamar alguma coisa do Patativa aqui. A sua voz é idêntica, igual à do Patativa do Assaré. Deve saber as coisas do Patativa de cor, não é? Um pouquinho? Vai valer a pena, porque é como se estivéssemos ouvindo o Patativa e com certeza nos dará...

 O SR PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Senador Tasso, peço permissão, porque a Drª Cláudia Lyra tem amigos que conviveram com ele e estão aqui e queria identifica-los: Sr. Carlos Ananias, amigo de Patativa, e Srª Antônia Pereira Leite, amiga de Patativa.

O SR. TASSO JEREISSATI (PSDB - CE) - É uma honra muito grande a presença dos dois aqui, que, com certeza, abrilhantam bastante esta homenagem.

Queria saudar os vários artistas cearenses presentes aqui, o nosso grande B. de Paiva, o cineasta Rosemberg Cariry, o nosso cantante Fagner, que está montando uma cola ali, uma pesca, para poder cantar, um gigante da música popular brasileira, que eternizou com sua voz e sua interpretação, para mim, uma das músicas mais representativas do Nordeste cearense, a canção do Patativa com Luiz Gonzaga: “Minha Vaca Estrela e Meu Boi Fubá”. Espero que ele cante para nós aqui, para vocês conhecerem o que é uma relíquia preciosíssima da música popular brasileira, pouco conhecida fora do Ceará, não é Fagner?

Minhas senhoras e meus senhores, estou com texto escrito, mas queria dar aqui um depoimento ao Geraldo da minha vida pública, que começou em 1986.

         Na minha vida pública, que começou em 1986, eu conheci duas figuras que com certeza marcaram minha vida toda não só a vida pública, mas também a vida pessoal e que eu reputo como as duas figuras mais bonitas na minha vida e que representam tudo aquilo que é bonito no ser humano. Uma delas é Dom Aloísio Lorscheider - por sinal, contemporâneo, vamos dizer assim, da luta da época, dos mesmos problemas do Patativa - e a outra é Patativa do Assaré.

         Eu o conheci ainda na minha campanha de 1986, quando tive o privilégio, talvez o maior privilégio possível a um homem público no Estado do Ceará, de ter o Patativa no meu palanque, ao meu lado, cantando - o Antônio e o Geraldo sabem muito bem disso - e fazendo discursos de improviso. Ele fazia os discursos todos de improviso em rima e falava sobre todos os assuntos do último momento com clarividência e transformando aqueles assuntos, dando-lhes um toque de beleza ou de drama realmente único que só um homem com características muito especiais como ele podia dar. Eu considero isso, Geraldo, e queria que você transmitisse a sua família, como talvez o maior privilégio que eu tenha tido em palanque na minha vida pública no Estado do Ceará.

No início de julho de 2002, o nosso Patativa do Assaré partiu deste mundo. “Bateu asas do sertão”, como diria outro cearense ilustre Humberto Teixeira, que, junto com Luiz Gonzaga, outro gênio nordestino, o aguardavam para, agora com o Senhor, refazerem a parceria na poesia, na música e especialmente na súplica, na intervenção divina pelo seu povo sofredor do Nordeste.

Até a data da partida de Patativa teve simbolismo, pois era chegado o fim do inverno, iniciando-se o período de estiagem. Era como se o velho poeta tivesse estendido sua passagem até o último momento de esplendor, recusando-se a presenciar a renovação do ciclo de sofrimento que secularmente se abateu sobre sua terra. Preferiu partir com a lembrança do sertão de seus sonhos, de festa, alegria e aquela fartura simples do homem do campo, que se resumia a ter água para criação, milho e feijão suficientes para garantir o sustento da família.

Neste momento em particular não há como deixar de lembrar da voz do rei do Baião, musicando os versos de Patativa na emocionante “Triste Partida”, estrondoso sucesso da dupla em 1964. Nem como deixar de ouvir na voz de outro gigante da música popular brasileira, Raimundo Fagner, seu amigo, parceiro e incentivador, a já inesquecível “Vaca Estrela e Boi Fubá”, outro entre os numerosos sucessos que o nosso Patativa legou à poética brasileira.

O Sertão tinha especial relação com Patativa, que mesmo com um “mal dos zóio”, que lhe roubou quase totalmente a visão, conseguia ver a beleza que lhe chegava nos sons, no sol, na chuva, na “fala dos bichos”, no calor e nos ventos que lhe rodeavam a vida de simplicidade em sua Serra de Santana.

Por outro lado, o sertão, as pessoas, os bichos e a própria natureza pareciam parar para ouvir o canto daquele homem.

Canto sim, porque o declamar de Patativa soava como música, tocando profundamente quem tivesse a chance de privar de alguns momentos ao lado do mestre. Não teremos mais aqueles momentos. O prazer de ouvir pessoalmente o seu canto, a melodia poética de seus versos, a musicalidade de seus repentes. Mas ficou sua obra, fruto do seu fantástico talento dedicado ao louvor, às coisas, aos bichos e às gentes do serão, mas também e principalmente à sua constante denúncia do sofrimento e do abandono desse mesmo povo.

Sua voz pausada, aliando métrica perfeita, sentimento e testemunho, encantou e conquistou desde o mais simples cidadão ao mais alto “dotô niversitário” como, no seu humilde dizer, costumava se referir a nós, as “gentes da cidade”.

Era capaz de, no mesmo mote, dar traços de drama e comédia, lirismo e tragédia; falar de religião, política, vida e morte. Por ser sua obra tão autêntica, sendo ele próprio narrador e personagem, não havia quem não se emocionasse ao ouvir as verdades que ele carregava na alma e na poesia, especialmente o homem do sertão, que com ele se identificava plenamente.

Patativa foi um gênio da cultura popular, amado pelo povo, aclamado pela crítica e estudado nas mais altas academias.

De tantas homenagens que recebeu em vida talvez a mais importante para ele tenha sido a prestada por seus próprios amigos cantadores, rendidos à qualidade da rima e à arte dos repentes: receber o vulgo Patativa, identificando no verso do homem a perfeição do canto da ave, como expressão em ser da própria natureza criadora.

Patativa era gênio, mas não era ingênuo. Jamais se deixou seduzir pelo chamado tentador do sucesso midiático ou muito menos cedeu ao aproveitamento político que alguns tentaram fazer de seu talento e da sua notoriedade. Era um “cabôco rocêro” como se autointitulava, pertencia ao seu chão e sabia da sua importância para sua gente. Por isso mesmo sempre permaneceu no seu sertão e ao lado do seu povo. Ria-se das facilidades da cidade, dos costumes da gente da capital, do seu egoísmo e da perda dos valores na busca sôfrega pelas conquistas transitórias.

Como autêntico cearense, Patativa não se rendia aos revezes da natureza nem às desditas do homem, nem se prendia à tristeza. Catava como ninguém a alegria. Com a aparente, e por isso mesmo cativante, simplicidade dos seus versos, ao mesmo tempo, abordava a fome e a miséria, mas sabia também louvar a mulher amada, “arengar” com o marido traído, rir de si mesmo.

Com humor e ironia, zombava da nossa presunção e vaidade, especialmente na crítica à vida urbana. Na mesma medida em que descrevia o terror da seca, com igual vigor exaltava as maravilhas de um sertão em tempo de festa e fartura, a riqueza de um “roçado” e as esperanças de um ‘canaviá”.

Dizer que Patativa era um gênio é redundante. Ouso, então, dizer que Patativa era gênio porque era genuíno. A genialidade se evidenciava na qualidade do versejo espontaneamente jorrando da boca rude de sertanejo, na forma e sonoridade mais belas.

A pureza era o traço que dava força à suas palavras, que brotavam com a naturalidade somente concedida àqueles que fazem da arte a expressão do seu próprio viver. Sim, porque patativa fez a sua própria vida, da sua “isperiença”, como chamava, a sua ciência, o seu saber. Daí sua grandiosidade.

Essa autenticidade, essa relação verdadeira com seu lugar, fizeram-no não apenas poeta, cantador ou intérprete do homem nordestino. Fizeram dele o seu verdadeiro símbolo: símbolo da criança pobre, filho mais velho de um casal de pequenos agricultores, que trocou a escola pela enxada; símbolo do pobre analfabeto, mas que, mesmo sem “o caminho das letras”, como dizia, brincava com elas e delas fazia troça, como no caso do seu impagável poema “abecedário”. Símbolo do trabalhador sem terra preso à sanha do patrão, a quem sempre denunciou, mas nunca negou um dia de trabalho duro e honesto. Símbolo da fé e da esperança em Deus, mas sem deixar de exigir dos governantes o que lhe era de direito.

Símbolo, enfim, do próprio homem nordestino, do cearense cabra da peste, que não largava seu chão esturricado, na certeza de que vindo o inverno - fosse dos céus, fosse por obra e trabalho dos homens de bem - o sertão um dia se transformaria em festa e beleza.

Finalmente, Sr. Presidente, Patativa não foi só o gênio da inspiração telúrica amado pelo seu povo e estudado pelo mundo acadêmico. Foi um homem de Deus, um profeta da natureza, que costumava pedir pela sua gente.

Conheci-o cantando o sofrimento e as esperanças da gente humilde e pedindo por ela. Permita-me resumir o que sentimos neste momento, valendo-me de suas próprias palavras, entre tantos versos sublimes que deixou, um que escolhi de um belíssimo canto dele sobre a saudade:

Saudade é canto magoado

No coração de quem sente

É como a voz do passado

Ecoando no presente.

Muito obrigado a todos. (Palmas.)


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/06/2009 - Página 21652