Discurso durante a 88ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao grande poeta popular Patativa do Assaré, pelo centenário de seu nascimento.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA SOCIAL.:
  • Homenagem ao grande poeta popular Patativa do Assaré, pelo centenário de seu nascimento.
Publicação
Publicação no DSF de 04/06/2009 - Página 21654
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, POETA, ESTADO DO CEARA (CE), COMPOSITOR, ELOGIO, CONTRIBUIÇÃO, LITERATURA, MUSICA POPULAR, VALORIZAÇÃO, CULTURA, REGIÃO NORDESTE, LUTA, JUSTIÇA SOCIAL, LEITURA, TRECHO, OBRA ARTISTICA, DESCRIÇÃO, VIAGEM, MIGRAÇÃO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), SEMELHANÇA, BIOGRAFIA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, SUPERIORIDADE, NUMERO, MIGRANTE, CONTINUAÇÃO, SITUAÇÃO, INJUSTIÇA, ATUALIDADE.
  • RECOMENDAÇÃO, FILME DOCUMENTARIO, HOMENAGEM, POETA, FILME NACIONAL, DENUNCIA, FOME, ESTADO DO CEARA (CE), CONCLAMAÇÃO, ORADOR, LUTA, COMBATE, POBREZA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Senador Mão Santa; meu caro Geraldo Gonçalves, filho de Patativa do Assaré; querido Senador Inácio Arruda, que, em tão boa hora, sugeriu que aqui homenageássemos os cem anos que completaria o Patativa do Assaré neste ano; Exmº Sr. Ministro César Asfor Rocha, Presidente do Superior Tribunal de Justiça; Exmº Sr. Ministro Ubiratan Aguiar, meu colega na Câmara dos Deputados e hoje Presidente do Tribunal de Contas da União; Exmº Sr. Evanderto Almeida, Prefeito de Assaré, no Ceará; muitas das coisas que eu iria aqui contar e dizer já foram ditas pelo Presidente Marconi Perillo, no início, e pelos Senadores Inácio Arruda e Tasso Jereissati.

Eu gostaria de lhes contar que, na semana passada, eu vi dois filmes de excepcional qualidade - Ave Poesia - Patativa do Assaré, de Rosemberg Cariry, que eu recomendo muito a todos.

Domingo viajei para El Salvador com o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e recomendei-lhe esse filme, porque ele é um grande admirador de Patativa do Assaré. Ele vai gostar muito. Quem sabe possa assistir a esse filme lá no Palácio da Alvorada. É minha recomendação. Ainda recomendo outro filme que diz muito das coisas de que nós vamos falar e das coisas que eram percebidas por Patativa do Assaré com tanta sensibilidade. Falo do filme de outro cineasta premiado diretor de Ônibus 174, de Tropa de Elite. Refiro-me ao filme Garapa, de José Padilha. A quem deseja aprender mais sobre a fome, a profundidade do problema da pobreza absoluta, o sentimento do povo sobre as limitações à sua liberdade expresso através de comoventes e belos versos, recomendo que assista ao filme de Patativa e ao Garapa, de José Padilha.

Vai haver um novo filme sobre a história do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, aos sete anos de idade, saiu de Caetés e Garanhuns em busca de seu pai, que estava em Vicente de Carvalho, no Guarujá - São Paulo. Com sua mãe e seus irmãos, pegou o pau de arara, um caminhão que, por treze dias, percorreu todo o trajeto, que eu, inclusive, refiz com ele quando de uma de suas caravanas da cidadania.

Nessa época, convivendo com tudo aquilo - e o filho do Patativa vai saber muito bem - e percebendo a saga de tantas pessoas, que, como o Lula, vieram de lá, ele compôs uma música que o Presidente Lula considera uma das mais belas do cancioneiro popular brasileiro.

Eu há pouco perguntei ao querido Fagner se ele sabia “ A Triste Partida”. Não é à toa que “ A Triste Partida” mexe tanto com o Presidente Lula. Eu mesmo tive a oportunidade de, na comemoração do centenário de Josué de Castro, lá na Universidade Federal de Pernambuco, em Recife, diante de Ana de Castro, a filha do grande autor de Geografia da Fome e da Geopolítica da Fome, naquela homenagem tão bonita, quando ouvimos a orquestra sinfônica e os meninos e as meninas do bairro do Coque, de Recife, cantarem em homenagem a Josué de Castro, perceber o quão comovido ficou o Presidente Lula.

É muito interessante a história relatada pelo próprio Patativa do Assaré no seu livro Digo e não Peço Segredo, quando ele fala a respeito do seu encontro com Luiz Gonzaga nas palavras de seu pai:

Eu tocava só uma coisinha, pouquinha, na viola, só para dar uma entonação e tal e os outros cantores também, decerto que ‘A Triste Partida’ se tornou conhecida na voz de todos os cantores. Eles ganhavam dinheiro com aquilo. Chegavam numa reunião, era só o que mais pedia era ‘A Triste Partida’.

Luiz Gonzaga foi um dia à Paraíba e ligou o rádio do carro, que estava na Rádio Borborema, Zé Gonçalves, um grande cantor, estava cantando “A Triste Partida”. Luiz Gonzaga disse que ficou maravilhado. Ficou mesmo encantado com aquele poema, com a retirada de nordestinos para São Paulo como foi o caso do Presidente Lula. Assim que chegou lá, foi atrás dele. “Sim, é ‘A Triste Partida’. Todos nós cantadores cantamos ela, mas ela é do Patativa do Assaré”. Aí foi que ele veio a minha procura. Queria até comprar, e eu disse a ele que meu mundo era minha poesia, minha família, e eu não vendia direito autoral por preço nenhum, mas se você quiser cantá-la, vou ficar honrado. Ele disse: “Então vamos fazer um negócio: assim, você não está vendendo. É uma parceria. No disco consta você como autor e eu como cantor”.

Foi em 1964 que ele gravou e fez muito sucesso.

Conforme disse aqui o Senador Tasso Jereissati, quem melhor cantou o Nordeste, foi Luiz Gonzaga. Ele cantou; Luiz Gonzaga não era compositor, mas era cantor famoso, tinha uma voz boa. Você veja bem, Luiz Gonzaga cantando “A Triste Partida”, qual o coração que não sente?

Qual é aquele camarada que não se torna sensível, ouvindo Luiz Gonzaga cantar A Triste Partida? Principalmente, quando dos meninos reclamam, porque ficou.

Pois, olha, aquilo ali eu não vi ninguém não. Criei na minha mente, porque, na década de 50, a vida era aquela. O próprio motorista não sabia que dia chegaria em São Paulo, nem sequer havia boas estradas daqui para São Paulo, viu? Então, aqueles flagelados, procurava a vida lá pelo Sul. Aí eu criei A Triste Partida, retratei na minha mente aquela família, fazendo as experiências do sertanejo e dando tudo negativo, negativo. Eu já fiz de propósito para poder fazer a viagem ...

A Triste Partida

Setembro passou com outubro e novembro

Já tamo em dezembro

Meu Deus que é de nós

Assim fala o pobre do seco Nordeste,

Com medo da peste da fome feroz.

(...)

Eu vendo meu burro, meu jegue e cavalo,

Nós vamo a São Paulo

Vivê o morrê.

(...)

Pois logo aparece feliz fazendêro

Por pôco dinhêro

Lhe compra o que tem.

(...)

Ai, ai, meu Deus!

Faz pena o nortista, tão forte, tão bravo,

Vive como escravo

Nas terras do Sú.

Isso faz 50 anos, nos anos 50, que era a realidade. Como é que hoje os jovens das nossas periferias sentem o seu grau de liberdade? Será que as coisas mudaram tanto? Ah, meu caro Geraldo Gonçalves, infelizmente nem tanto progresso houve.

E o próprio filme Garapa, de José Padilha, também mostrado no Ceará, filmado ali em 2005. José Padilha escolheu três famílias, uma da grande Fortaleza, de um bairro carente, outra lá de cidade média do Ceará e outro do interior, na área rural do Ceará, e, por um mês, esteve presente, filmando, sem trilha musical, só com os barulhos da casa, como viviam aquelas famílias. Uma delas recebe o Programa Bolsa Família, mas, naquele ano de 2005, segundo o depoimento da mãe, só dava para 12 dos 30 dias do mês. Eu acho que o Presidente Lula precisa também ler Garapa para verificar que, ainda mesmo no Ceará de Inácio Arruda, de Tasso Jereissati, ainda as coisas estão tão difíceis, mesmo com os programas que estão ocorrendo.

Ali, nas nossas grandes cidade, como São Paulo, Senador Mão Santa, eu fico pensando como é que os jovens hoje sentem o seu grau de liberdade e justamente olhando ali, por exemplo, na Av. Albert Sabin, quando chega a Semana da Pátria, no lugar do Capão Redondo, há um momento em que eles fazem um festival em que todas as famílias abrem as suas casas e fazem uma espécie de quermesse. Os jovens, desde o início da tarde até a madrugada do dia seguinte, fazem a sua festa, cantando, durante a tarde, à noite e madrugada adentro, as músicas que falam do seu grau de liberdade, do seu sentimento, e ali, sobretudo, esperam o momento em que os cantores mais reconhecidos que expressam tão bem o seu cotidiano passam a cantar O Homem na Estrada, de Mano Brown e dos Racionais MC’s.

Então, fico pensando e sempre relacionando: se Patativa do Assaré soube tão bem expressar que ainda não havia liberdade para todos os seres humanos no Brasil nos anos 50 e 60, quando Lula veio lá do Nordeste para São Paulo, nós ainda precisamos avançar muito para libertar inteiramente o povo do grau de fome e de pobreza. Acho que os poemas de Patativa do Assaré são justamente inesquecíveis e parte maior do patrimônio brasileiro.

Parabéns a seu pai! Parabéns ao Ceará, aos Senadores do Ceará e a todos os amigos de Patativa do Assaré! Um dia, vou querer cantar com Fagner as músicas do Patativa.

Parabéns! (Palmas.)


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/06/2009 - Página 21654