Discurso durante a 88ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao grande poeta popular Patativa do Assaré, pelo centenário de seu nascimento.

Autor
José Nery (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/PA)
Nome completo: José Nery Azevedo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA INTERNACIONAL.:
  • Homenagem ao grande poeta popular Patativa do Assaré, pelo centenário de seu nascimento.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 04/06/2009 - Página 21662
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, POETA, COMPOSITOR, TRABALHADOR RURAL, ESTADO DO CEARA (CE), ELOGIO, CONTRIBUIÇÃO, LITERATURA, MUSICA POPULAR, VALORIZAÇÃO, CULTURA, REGIÃO NORDESTE, DENUNCIA, INJUSTIÇA, LEITURA, TRECHO, ENTREVISTA, DIVULGAÇÃO, INTERNET, DEPOIMENTO, VISITA, ESTADO DO PARA (PA).
  • SAUDAÇÃO, INFORMAÇÃO, REUNIÃO, ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA), UNANIMIDADE, DECISÃO, INCLUSÃO, PAIS ESTRANGEIRO, CUBA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Inácio Arruda; Senador Tasso Jereissati; caro Geraldo Gonçalves, filho do Patativa do Assaré; Exmº Sr. Evanderto Almeida, Prefeito de Assaré; Srs. Senadores, Srªs Senadoras, Deputados e Deputadas; ilustres convidados que aqui prestigiam esta sessão em homenagem ao maior poeta popular Patativa do Assaré,

Sem dúvida, Sr. Presidente, queremos agradecer essa oportunidade que o requerimento da iniciativa do Senador Inácio Arruda e do Senador Tasso Jereissati e de vários Srs. Senadores que o subscreveram permite que o Senado Federal preste esta bela homenagem a um dos mais representativos poetas nordestinos, poeta popular.

Lembrar os cem anos de nascimento de Patativa do Assaré é não deixar cair no esquecimento o grande poeta do povo cearense, sua vida e sua obra. Por sua arte genuinamente popular, posso dizer que meu conterrâneo cearense deixou uma das mais belas obras como legado para a cultura regional e nacional.

Patativa do Assaré declamou e cantou como ninguém a alma do sertanejo, a vida simples do camponês nordestino. Emoldurou em seus poemas e versos, em seu canto e em seus repentes, um retrato fiel da caatinga, da natureza dos animais e das pessoas, retirantes ou não.

Em cordel, seus versos percorreram o sertão cearense e o sertão de todo o Nordeste, para alegrar, divertir e difundir a mais genuína expressão cultural do povo das regiões mais esquecidas pelo Estado e pelas elites, onde os coronéis ainda detinham e exercitavam, de forma despótica e violenta, o poder político.

Quero fazer referência a um belo depoimento deste grande poeta popular, publicado no site cordelon como parte em que Patativa do Assaré retrata momentos preciosos de sua vida, imortalizado nas suas próprias palavras. Mas aqui, Sr. Presidente, não citarei todo o texto por ele produzido, falando da sua trajetória, da sua família, da sua luta.

         Vou me ater a reproduzir apenas o trecho em que ele relata a visita e o curto período em que ele foi ao meu querido Estado do Pará, porque, nordestino, cearense de origem como sou, representando no Senado Federal o meu querido Estado do Pará na Amazônia brasileira, creio que seja oportuno, sobretudo, fazer referência a uma curta passagem de Patativa pelo Estado do Pará, que ele retratou da seguinte forma - são suas próprias palavras:

(...) Quando eu estava nos 20 anos de idade, o nosso parente José Alexandre Montoril, que mora no Estado do Pará, veio visitar o Assaré, que é seu torrão natal, e ouvindo falar de meus versos, veio à nossa casa e pediu à minha mãe, para que ela deixasse eu ir com ele ao Pará, prometendo custear todas as despesas. Minha mãe, embora muito chorosa, confiou-me ao seu primo, o qual fez o que prometeu, tratando-me como se trata um próprio filho.

“Chegando ao Pará aquele parente apresentou-me a José Carvalho, Filho de Crato, que era tabelião do Primeiro Cartório de Belém. Naquele tempo José Carvalho estava trabalhando na publicação de seu livro “O Matuto Cearense e o Caboclo do Pará”, o qual tem um capítulo referente a minha pessoa e o motivo da minha viagem ao Pará. Passei naquele Estado apenas cinco meses, durante os quais não fiz outra coisa senão cantar ao som da viola com os cantadores que lá encontrei. De volta ao Ceará, José Carvalho deu-me uma carta de recomendação para ser entregue à Drª. Henriqueta Galeno, que, recebendo a carta, acolheu-me com muita atenção em seu salão, onde cantei os motes que me deram.

Quando cheguei na Serra de Santana continuei na mesma vida de pobre agricultor, depois casei-me com uma parenta e sou hoje pai de uma numerosa família, para quem trabalho na pequena parte de terra que herdei do meu pai.

Não tenho tendência política, sou apenas revoltado contra as injustiças que venho notando desde que tomei algum conhecimento das coisas provenientes talvez da política falsa, que continua fora do programa da verdadeira democracia.

Nasci a 5 de março de 1909, perdi a vista direito no período da dentição, em consequência da moléstia vulgarmente conhecida por Dor-d’olhos.

Desde que comecei a trabalhar na agricultura até hoje, nunca passei um ano sem botar a minha roçazinha, só não plantei roça no ano em que fui ao Pará.

Antônio Gonçalves da silva, Patativa do Assar.”

Talvez este breve relato que faço e que estão aqui a fazer referência represente a oportunidade de, tendo Patativa do Assaré ter estado durante cinco meses na Amazônia, em terras paraenses, dizer que ele merece a homenagem justa de todos os cearenses. Merece a homenagem de todos os nordestinos porque, com a sua criação, falou do que ele viveu todos os dias, dos dramas, mas também da esperança em dias melhores, cantou e versejou como ninguém a realidade dura, perversa, sobretudo dos trabalhadores rurais, dos camponeses. Então, a homenagem também, por sua grandeza, da Amazônia, do Brasil, ele, que chegou a ser considerado um dos maiores poetas populares da América Latina.

Portanto, nesta homenagem, quero lembrar pelo menos um momento em que tive a felicidade e a possibilidade de conviver com Patativa.

Em janeiro de 1985, Senador Tasso Jereissati, nos estertores da ditadura militar, da luta pela redemocratização do País, promovemos lá em Crateús a I Semana Cultural de Crateús, com atividades artísticas, conferências, debates. exposições. Naquela ocasião, convidamos, como expressão maior para abrilhantar aquela festa promovida pelas organizações juvenis lá de Crateús, Patativa do Assaré. Ele encerrou aquela Semana Cultural na praça pública de Crateús, a popular Praça dos Pirulitos, apinhada de gente, numa noite bonita. Com seus versos, com seus cantos, ele denunciava, como sempre o fez, as injustiças; cantava a experiência e a luta do nosso povo, mas também anunciava sempre o desejo de que a vida poderia ser melhor, ou seja, anunciava a esperança.

Sem dúvida, uma grande motivação para todos que estavam ali naquele momento, muitos participantes de várias organizações, de movimentos populares. Patativa versava com o brilhantismo e a simplicidade de quem muito sofreu, mas também muita esperança anunciou. Falava e denunciava a repressão, a violência dos grandes, a liberdade, a luta por justiça.

         Ao fazermos aqui esta homenagem, o Senado Federal, o Congresso Nacional, que, em tantos momentos vive situações tristes, às vezes depreciativas, faz uma homenagem desta magnitude a esse grande poeta popular como uma forma de dizermos que a política e a ação dos políticos também pode e deve ser direcionada para permitir oportunidades como esta, de referência a uma história de alguém que não é das elites, dos poderosos que mandam historicamente nesses 500 anos de história no nosso País, mas alguém que é um dos mais legítimos filhos do povo; alguém que, com sua arte, sua grandeza, sua experiência, seu conhecimento da própria experiência, é capaz de falar da realidade, de denunciá-la, de anunciar um novo futuro que nós todos queremos construir; que é capaz de emocionar como fez há pouco o grande cearense, cantor e compositor, Raimundo Fagner, que aqui desta tribuna, ao interpretar a sua canção Vaca Estrela e Boi Fubá, fez com que muitos aqui neste plenário, no coração do Senado Federal, acompanhassem esse canto que é uma verdadeira poesia que retrata a vida, a luta do povo nordestino.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

O SR. PRESIDENTE (Inácio Arruda. Bloco/PCdoB - CE) - Obrigado a V. Exª.

O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Obrigado, Senador Tasso. Agradeço a V. Exªs que permitiram esta sessão por meio daquele requerimento. Obrigado, Geraldo.

O SR. GERALDO GONÇALVES - Eu que agradeço, viu?

O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Obrigado a todos e a todas por este momento especial que ajuda a elevar a alma e a luta do nosso povo e que nos estimula a continuar na batalha, para fazer com que - como ele diz - a falsa política que continua fora do programa da verdadeira democracia nos estimule a lutar pela democracia que garanta igualdade e justiça para todos.

Muito obrigado.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador José Nery, V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Com satisfação e com a licença do Sr. Presidente, permito um aparte ao Senador Paulo Paim.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador Inácio Arruda, nesta tarde em que se faz uma homenagem a esse grande poeta, uso este aparte talvez indevido em relação à sessão, mas histórico para o Brasil, para mim e para o mundo. Telefonou-me, nesse momento, o Senador Heráclito Fortes, que está no exterior, para comunicar que, numa decisão histórica, a OEA, reunida nesta tarde, há poucos minutos, decidiu por unanimidade a inclusão de Cuba naquela Organização.(Palmas.)

É uma decisão histórica. Cuba, todos nós sabemos, foi expulsa da OEA em 1962 e hoje volta. Com certeza absoluta, a integração de todo o continente americano, a partir dessa decisão, há de avançar. E como é bom, nesta sessão em que homenageamos esse grande poeta, podermos lembrar que a poesia, a liberdade, a igualdade e a justiça caminham juntos. Por isso, fiz o aparte a V. Exª. Um abraço a todos por essa decisão. (Palmas.)

O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Nossos cumprimentos ao Senador Paulo Paim, que é portador, neste momento, de uma notícia sobre algo que nós lutamos há cinco décadas. Portanto, essa decisão da OEA é a concretização de um desejo de todos os democratas. Por mais que haja discordância em relação a Cuba, quanto ao seu regime, a sua forma de organização política, não podemos permitir a violência com que os Estados Unidos lideraram o bloqueio àquela ilha e toda forma de exclusão de um país. É invejável a democracia - não a democracia das elites, dos poderosos, dos ricaços -, a democracia verdadeiramente popular e da justiça social que Cuba vive, quando garante a todos os seus filhos educação de qualidade, quando garante a todos os seus filhos saúde de qualidade. Essa Cuba pequenininha, tão criticada e violentada, com certeza, não poderia, Senador Paim, ser mais oportuno o anúncio dessa decisão numa sessão em que se homenageia a grandeza da expressão da alma, da universalidade, da cultura e da canção do poeta Patativa do Assaré.

Sendo Patativa brasileiro, nordestino, cearense, universal, essa universalidade inclui as decisões políticas, as boas decisões políticas. E essa é uma decisão política acertada da OEA, que louvamos e agradecemos.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - V. Exª me permite um aparte, Senador Nery?

O SR. PRESIDENTE (Inácio Arruda. Bloco/PCdoB - CE) - Há uma grande inspiração nesta sessão solene do Senado. Imagine que exatamente no meio desta comemoração centenária de um criador de versos do Ceará, meu caro Pedro Jorge, que o retrata não só através das fitas do cinema, mas também ao ensinar o povo do Distrito Federal como professor da Universidade de Brasília, há esta unidade: há pouco, houve um abraço fortíssimo entre Geraldo e Genoíno, o Deputado Federal José Genoíno. O abraço tinha o significado da triste partida, da luta que travou Genoíno, tendo que percorrer caminhos tortuosos, difíceis, para defender a liberdade e a democracia, cantada em verso e prosa pelo Patativa.

E é nesta sessão, José Nery, que se dá a notícia no Congresso, mais especificamente no Senado, da reintegração de Cuba à comunidade latino-americana, à comunidade americana. Então, é um momento muito especial, em que nós fazemos esse registro, vindo da voz contundente do Senador Paulo Paim, ao prestar a homenagem. O Senador Suplicy, evidentemente, já sabia antes de nós, mas quem apresentou a informação aqui foi exatamente o nosso querido Senador Paulo Paim.

Ao lado do Senador está o Deputado Daniel Almeida, Líder do PCdoB na Câmara dos Deputados, prestigiando esta solenidade.

O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Sr. Presidente, se o senhor permitir...

O SR. PRESIDENTE ((Inácio Arruda. Bloco/PCdoB - CE) - Sim, claro.

O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - ...eu queria conceder um breve aparte ao Senador Suplicy.

O SR. PRESIDENTE (Inácio Arruda. PCdoB - CE) - Com grande prazer. Em seguida, Senador Adelmir Santana, em nome dos retirantes nordestinos que vieram percorrendo, saindo do Ceará pelo Maranhão, até chegarem ao Distrito Federal.

O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Senador Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Caro Senador José Nery, lá do céu, Patativa do Assaré está feliz com a boa notícia, a boa nova. Eu queria até transmitir a V. Exªs que, quando o Presidente de El Salvador, Maurício Funes, da Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional, anunciou, no seu discurso de posse, que de pronto restabeleceria as relações diplomáticas com Cuba, sendo que El Salvador e os Estados Unidos eram os únicos países, até segunda-feira, que não tinham relações diplomáticas com aquele país, eis que houve um fortíssimo aplauso de todo o povo. Mas o que foi também uma boa notícia é que a ex-Senadora e hoje Secretária de Estado, Hillary Clinton, acompanhou o aplauso. Eu notei, eu estava pertinho dela, e ela aplaudiu aquela decisão. O Presidente Maurício Funes havia homenageado as duas grandes fontes de inspiração e exemplo para ele, o Presidente Barack Obama, ali representado pela Secretária Hillary Clinton, e o Presidente Lula. Citou os dois como seus exemplos. Portanto, houve uma confraternização de todos pela volta de Cuba ao seio dos povos das três Américas.

Então, meus cumprimentos ao Senador Paulo Paim, ao Senador Heráclito Fortes, que está lá na reunião da OEA, e a todos que confraternizam com essa boa notícia que alegra o Patativa do Assaré.

O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Obrigado, Senador Suplicy, pelo seu aparte.

Damos aqui viva a Patativa do Assaré, viva a Cuba, viva à liberdade, viva à justiça e viva a todos que estão aqui nesta tarde homenageando o maior poeta popular do Brasil.

Muito obrigado. (Palmas.)


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/06/2009 - Página 21662