Discurso durante a 88ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao grande poeta popular Patativa do Assaré, pelo centenário de seu nascimento.

Autor
Marcelo Crivella (PRB - REPUBLICANOS/RJ)
Nome completo: Marcelo Bezerra Crivella
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao grande poeta popular Patativa do Assaré, pelo centenário de seu nascimento.
Publicação
Publicação no DSF de 04/06/2009 - Página 21666
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, POETA, ESTADO DO CEARA (CE), ELOGIO, CONTRIBUIÇÃO, LITERATURA, MUSICA POPULAR, VALORIZAÇÃO, CULTURA, REGIÃO NORDESTE, LUTA, JUSTIÇA SOCIAL, REDEMOCRATIZAÇÃO, DETALHAMENTO, OBRA ARTISTICA, REGISTRO, FILME DOCUMENTARIO.
  • EXPECTATIVA, APROVAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, PROJETO DE LEI, AUTORIA, INACIO ARRUDA, SENADOR, DENOMINAÇÃO, ANO NACIONAL, HOMENAGEM, POETA, ESTADO DO CEARA (CE).

  SENADO FEDERAL SF -

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O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, V. Exª me anuncia como bispo; então, eu gostaria de homenagear os cearenses, dizendo que Jesus diz... Aliás, é o único Estado que Jesus cita na Bíblia, o Ceará, não tem outro. Ele diz o seguinte: “Os trabalhadores são poucos, mas o Ceará é grande”. Alguns dizem que é seara, mas o certo é Ceará. O Ceará é grande. (Risos.) (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Inácio Arruda. Bloco/PCdoB - CE) - Não há dúvida, Bispo Crivella. Depois de Adelmir Santana - porque é na Serra de Santana que nasce Patativa, no Município de Assaré -, vem o Bispo Crivella para coroar, exatamente informando que esta é a terra de Deus, é o Ceará.

O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB - RJ) - Muito obrigado.

Sr. Presidente, Senador Inácio Arruda, a quem quero dar os parabéns pela extraordinária iniciativa de homenagearmos um expoente da arte e da cantoria popular brasileira; Exmo. Sr. Senador Tasso Jereissati, que, com tanto amor e denodo, defende a sua terra, o Ceará, neste plenário; quero saudar também todos os presentes, em nome da dupla de cantadores, em nome de Gonçalo Gonçalves, os ilustres membros da Mesa, o filho do Patativa, enfim, todos que ilustram e abrilhantam esta nossa sessão histórica e solene; telespectadores da TV Senado; ouvintes da Rádio Senado; eu não poderia deixar de vir aqui hoje prestar também o meu tributo, porque sou do Rio de Janeiro, sou da região Sudeste.

Aqui disseram que, na Região Sudeste, não se conhece tanto a arte nordestina. Eu acho que deveria prestar aqui também o meu depoimento de que a região Sudeste tem, nas suas raízes mais profundas da arte e da poesia, toda a vocação nordestina. Basta ver: no nosso processo migratório, nos bairros, nas comunidades, nos antepassados de cada um dos cantadores, dos poetas, dos compositores, dos artistas que tocam, dos músicos, há sempre, sem sombra de dúvida, a inspiração que vem do sofrimento nordestino, a inspiração que vem da alma de quem enfrenta as adversidades e intempéries do tempo, muitas vezes em uma terra árida.

         “A patativa, quando canta, faz chorar”. O verso de J. Cascata, um dos grandes compositores populares brasileiros do século passado, “carioca da gema”, na canção Minha Palhoça, ilustra, com perfeição, a emoção que causa a beleza do canto dessa ave brasileira e, também, todo o respeito e carinho que o povo do Rio de Janeiro, o povo da minha terra tem pela arte nordestina e, sobretudo, pela arte de Patativa do Assaré.

Pois foi o nome dessa ave que deu a Antônio Gonçalves da Silva, poeta e repentista cearense, o apelido que o acompanharia por toda a sua riquíssima vida artística. Refiro-me ao Patativa do Assaré, a quem, muito justamente, estamos homenageando hoje, nesta sessão solene.

De fato, tanto o canto do pássaro quanto o do poeta emocionam pela sua beleza. Patativa do Assaré cantou o seu sertão e a vida rural do interior do Ceará com belos versos, simples, diretos, musicais, sobretudo apaixonados. Transmitiu, assim, com sua obra, uma visão única e peculiar do mundo onde sempre viveu.

Patativa frequentou a escola por muito pouco tempo, apenas poucos meses, depois de ter sido alfabetizado aos 12 anos de idade. Mas foi o suficiente para que ele pudesse começar a escrever seus versos e a conhecer poetas da terra e outros, consagrados, como Guimarães Passos, Olavo Bilac e Castro Alves - este último, o seu predileto.

Aos 16 anos, já iniciava seus passos como cantador e violeiro, usando sua primeira viola, que ganhou de sua mãe.

Três anos mais tarde, numa viagem ao Pará, recebeu do escritor cearense José Carvalho de Brito o apelido de Patativa. Com ele, sua música e sua poesia foram se tornando conhecidas na região de Assaré, no Ceará, terra onde nasceu.

Compondo e cantando, passou a viajar por algumas cidades do Nordeste, apresentando-se como violeiro. Apresentou-se diversas vezes na Rádio Araripe, em razão das viagens que fazia à Feira do Crato, onde, com frequência, declamava seus poemas e cantava. Numa dessas apresentações, foi ouvido pelo latinista José Arraes de Alencar, que se tornou seu incentivador e o apoiou na publicação de seu primeiro livro, Inspiração Nordestina, em 1956.

Patativa só voltaria a publicar em 1967, reeditando o mesmo Inspiração Nordestina, com acréscimos, sob o título Cantos do Patativa. Em 1970, publicaria Patativa do Assaré: novos poemas comentados e, em 1978, Cante lá que eu canto cá. Depois, o poeta publicou, entre outras obras, Balceiro e Aqui tem coisa. Essa é a parte conhecida e preservada de sua obra, já que grande parte dela foi feita ao sabor do improviso, nas rodas de viola, sem nunca ter tido registro.

O poeta cearense também tinha uma veia política, era um homem engajado nas lutas do seu tempo, contra a miséria e as injustiças. E, como era natural, o mote dessa luta foi sempre a vida sacrificada dos sertanejos, assunto central de sua obra.

Temas como a migração, a reforma agrária, os desmandos dos poderosos e a desigualdade na divisão da riqueza sempre foram tratados por ele, podendo ser claramente identificados em Triste Partida, Eu Quero, Teia de Aranha e Seu Dotô não me conhece, algumas de suas obras mais conhecidas.

         Patativa, que também leu Marx e Lênin, se dizia socialista de coração. Entre outras coisas, participou, em 1984, ativamente, da campanha Diretas Já, que empolgou todo o País.

Finalmente, Patativa do Assaré tornou-se conhecido e obteve reconhecimento em vida. Recebeu toda sorte de homenagens e títulos, entre os quais cinco de Doutor Honoris Causa de universidades federais e estaduais do Nordeste. Também foi homenageado, em 1979, pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e recebeu os títulos de cidadão de Fortaleza e do Rio Grande do Norte.

         Sua fama, entretanto, viria da gravação de algumas das suas composições. A primeira delas foi Triste Partida, gravada por Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, ainda em 1964. Nessa canção, Patativa do Assaré conta, de forma bela e triste, a saga dos nordestinos que, assolados pela seca, transformam-se, dolorosa e compulsoriamente, em retirantes.

         Mais tarde, Fagner gravaria Sina, outra canção de Patativa. E, como ele, muitos outros artistas famosos se dedicariam a registrar, para a posteridade, a bonita obra do poeta cearense.

         Sua obra também teve reconhecimento internacional, especialmente na França. Ela foi traduzida para o francês por Jean-Pierre Rousseau, que conta, em documentário de Rosemberg Cariry, sobre a vida e a obra do poeta, as dificuldades que encontrou para manter fidelidade à métrica e à musicalidade peculiar dos versos do brasileiro.

O documentário recente Patativa do Assaré - Ave Poesia não foi o único sobre o vate cearense. Também o cineasta Ítalo Maia já havia feito o documentário Patativa, sobre sua vida e obra, em 2001, dando a esse grande artista popular o registro e as homenagens de que ele é, indiscutivelmente, credor pela beleza do seu trabalho.

O grande poeta cearense faria cem anos neste ano. Assim, nada mais oportuno do que homenageá-lo nesta sessão, da qual muito me alegra poder participar.

Quero aproveitar para cumprimentar, mais uma vez, o Senador Inácio Arruda, autor do requerimento desta homenagem, por essa feliz iniciativa.

Quero cumprimentar também o Senador Inácio Arruda, pelo projeto já aprovado por esta Casa, que tramita agora na Câmara, instituindo 2009 como o Ano Nacional de Patativa, a exemplo das homenagens já prestadas, em anos anteriores, a Santos Dumont, Oscar Niemeyer e Machado de Assis.

Encerro, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, fazendo um apelo aos nossos colegas Deputados e Deputadas para que a Câmara aprove rapidamente esse projeto, de forma que possamos prestar mais essa justa homenagem a esse grande artista, o poeta que tão grande contribuição prestou às culturas nordestina e brasileira.

         Sr. Presidente, eram essas as minhas palavras neste momento em que o Senado, de maneira solene, presta o tributo das suas homenagens a esse grande brasileiro. Quero dizer que homens como ele não morrem, não se desfazem no esquecimento. Enquanto uma daquelas aves cantar no sertão do Ceará, no seu canto ecoarão as poesias do nosso grande poeta.

Muito obrigado, Sr. Presidente. (Palmas.)


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/06/2009 - Página 21666