Discurso durante a 96ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre o trabalho escravo no Brasil contemporâneo, fruto da desigualdade social de nosso País e da falta de punição dos agenciadores dessa mão-de-obra. Trabalho desenvolvido pela Subcomissão de Combate ao Trabalho Escravo, da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa - CDH -anteriormente uma Subcomissão temporária - e que acaba de se tornar permanente.

Autor
Papaléo Paes (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AP)
Nome completo: João Bosco Papaléo Paes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.:
  • Reflexão sobre o trabalho escravo no Brasil contemporâneo, fruto da desigualdade social de nosso País e da falta de punição dos agenciadores dessa mão-de-obra. Trabalho desenvolvido pela Subcomissão de Combate ao Trabalho Escravo, da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa - CDH -anteriormente uma Subcomissão temporária - e que acaba de se tornar permanente.
Aparteantes
Arthur Virgílio, João Tenório.
Publicação
Publicação no DSF de 17/06/2009 - Página 23709
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.
Indexação
  • AVALIAÇÃO, SITUAÇÃO, TRABALHO ESCRAVO, BRASIL, ATUALIDADE, MOTIVO, SUPERIORIDADE, DESIGUALDADE SOCIAL, IMPUNIDADE, DETALHAMENTO, FORMA, ALICIAMENTO, TRABALHADOR, EXCESSO, OCORRENCIA, ESTADO DO PARA (PA), ESTADO DO MARANHÃO (MA), ESTADO DE MATO GROSSO (MT), BALANÇO, TRABALHO, GRUPO, GOVERNO FEDERAL, APURAÇÃO, DENUNCIA.
  • COMENTARIO, PROVIDENCIA, SENADO, CRIAÇÃO, SUBCOMISSÃO, COMBATE, TRABALHO ESCRAVO, VICE-PRESIDENTE, ORADOR, DIFICULDADE, INVESTIGAÇÃO, OCORRENCIA, ZONA RURAL, EXCESSO, DISTANCIA, REGIÃO METROPOLITANA.
  • DEFESA, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, IMPLANTAÇÃO, PENA, DESAPROPRIAÇÃO, PROPRIEDADE RURAL, OCORRENCIA, TRABALHO ESCRAVO, COMENTARIO, NECESSIDADE, UNIÃO, GOVERNO FEDERAL, GOVERNO ESTADUAL, SOCIEDADE, ENTIDADE, IGREJA CATOLICA, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT), COMBATE, EXPLORAÇÃO, TRABALHO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. PAPALÉO PAES (PSDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Senador João Pedro, Srªs e Srs. Senadores, na escola, as crianças brasileiras aprendem que, durante muito tempo, existiu escravidão em nosso País. Aprendem, também, que essa vergonhosa instituição foi abolida, em 13 de maio de 1888, por um decreto votado pela Assembléia e sancionado pela Princesa Isabel. Aprendem que a lei tornou-se conhecida pelo nome de Áurea e que a Princesa foi cognominada Redentora.

Todos nós fomos crianças e passamos, na escola, por esse rito da nacionalidade que é ver, nos livros didáticos, as imagens chocantes de negros sendo chicoteados, acorrentados ou presos ao pelourinho.

Infelizmente, a realidade dos nossos tempos é outra. A escravidão acabou somente no papel. Casos de condições de trabalho próximas da escravidão no Brasil são descobertos com frequência.

O trabalho escravo no Brasil contemporâneo é resultado da crônica falta de soluções para nossos problemas sociais e morais mais graves: a enorme desigualdade social e a escandalosa impunidade dos criminosos. Milhões de brasileiros pobres ou miseráveis, em sua busca por trabalho digno, são particularmente vulneráveis às promessas fraudulentas dos “gatos”, como são chamados, no campo, os agenciadores de mão de obra não qualificada. De ordinário, são motoristas de paus de arara que vão às regiões socialmente mais desassistidas, distantes das áreas de demanda de trabalhadores, oferecendo emprego e vantagens mirabolantes.

Conquistado um número suficiente de vítimas, esses “gatos” as transportam às áreas de fronteira agrícola, onde empregadores gananciosos exploram essa mão de obra em regime análogo ao da escravidão. Em seguida, eles precisam adquirir no armazém da fazenda (o “barracão”) os instrumentos de trabalho, a roupa e os mantimentos, cujo custo é debitado pelo patrão em uma conta individual, crescente e impossível de saldar, dado o valor miserável dos salários e os preços “salgados” dos artigos.

Senhoras e senhores, é difícil acreditar que exista no Brasil o que estou dizendo aqui no meu pronunciamento, mas tenho certeza absoluta de que é fato consumado.

Já tivemos alguns registros, inclusive na imprensa, de como esses homens que são indignificados pelos seus patrões são tratados nos locais onde são explorados como trabalhadores, ou melhor, como escravos. E os Estados campeões da prática são Pará, Maranhão e Mato Grosso, especialmente na fronteira agrícola. As vítimas são trabalhadores adultos e idosos, jovens, mulheres, crianças e adolescentes.

Para apurar as denúncias de trabalho escravo, o Governo Federal criou, em 1995, o Grupo Móvel de Fiscalização, constituído por voluntários de certas carreiras de Estado, como fiscais do trabalho, policiais federais, procuradores, fiscais do Ibama e outras. Trabalhando contra o poder dos senhores “barraqueiros”, por vezes, sob ameaça a suas vidas, esses voluntários buscar libertar os trabalhadores e pagar-lhes o que lhes foi sonegado, pressionando o patrão a pagar esses trabalhadores merecidamente como teria sido estabelecido. Expedem também as carteiras de trabalho, para muitos, o primeiro documento de identidade. Já são 34 mil os trabalhadores livrados da escravidão pelo grupo nesses quase 15 anos de atuação.

Neste Senado, no nosso Senado da República, a Subcomissão de Combate ao Trabalho Escravo, da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, acaba de se tornar permanente, tendo o Senador José Nery, do PSOL, sido eleito Presidente, e eu, Vice-Presidente. Esse digno representante do Estado do Pará, que há muitos anos milita no combate ao trabalho escravo, tem razão nas palavras que proferiu na abertura dos trabalhos da Comissão. Ele diz que é mesmo incrível que ainda precisemos, neste início de século XXI, de uma subcomissão no Senado para contribuir na erradicação dessa praga, que é o trabalho escravo.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Permite-me, Senador Papaléo?

O SR. PAPALÉO PAES (PSDB - AP) - Permito.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - De maneira bastante breve, registro que os jornais do meu Estado estão, nos últimos dias, cheios de matérias referentes ao trabalho infantil e ao trabalho escravo. E viajei no tempo com V. Exª, porque eu estava vendo a década de 90, a década de 80 do século passado, a década de 70, a década de 60, tempos imemoriais. Essa é uma chaga que parece que não nos abandona nunca. Meus parabéns a V. Exª por trazer à tona um tema que deveria ter sido superado pelo avançar do tempo, mas que parece que se consolida como uma prática nos segmentos mais atrasados da economia deste País. Obrigado, Sr. Senador.

O SR. PAPALÉO PAES (PSDB - AP) - Agradeço a V. Exª a sua participação.

Senador João Tenório.

O Sr. João Tenório (PSDB - AL) - Senador Papaléo, V. Exª traz um tema que tem, por si só, uma densidade social e emocional muito forte, que é o relacionamento entre aqueles que empregam e aqueles que são empregados. É um tema importantíssimo, e V. Exª o traz com muita competência e coragem. Eu gostaria apenas de discordar de um aspecto de V. Exª. Isso que acontece no campo brasileiro - e acontece - talvez ocorra com muito mais intensidade nas cidades brasileiras. A periferia brasileira tem um tratamento de vida hoje, senão igual, talvez pior até do que esse trabalhador rural que se submete a esse estado de coisas que V. Exª tão bem aqui denuncia. Existe ainda um preconceito muito grande no Brasil contra as atividades rurais neste País. De vez em quando, para não dizer sempre, nós nos esquecemos de que essas mazelas que V. Exª tão bem denuncia aqui já estão muito presentes e talvez até mais presentes nas cidades do que no campo. Vou dar só alguns exemplos. Por exemplo, numa atividade agrícola, há obrigação de transportar o trabalhador rural de ônibus e, no máximo, 40 trabalhadores num ônibus. Se V. Exª for a São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Recife ou Maceió, vai observar o transporte absolutamente desumano, com 120, 100, 90 pessoas num ônibus, que, sem a menor condição de conforto, são submetidas a isso. Então, eu queria registrar a concordância plena com o que V. Exª aqui denuncia. Mas gostaria de chamar a atenção para o fato de que isso acontece tanto no campo brasileiro como na cidade brasileira. E olhe lá, talvez na cidade, sobretudo na periferia das grandes cidades brasileiras, aconteça de uma maneira muito mais desumana. Obrigado.

O SR. PAPALÉO PAES (PSDB - AP) - Eu agradeço a V. Exª e, como Vice-Presidente da subcomissão permanente, eu vou chamar atenção da nossa subcomissão para avaliarmos o que V. Exª fala, porque, realmente, eu concordo com V. Exª.

Talvez essa questão do campo chame muito mais a atenção pela concentração, pela distância das grandes cidades em que estão essas pessoas. Mas aqui, nas grandes metrópoles, na periferia das grandes cidades, nós temos, sim - concordo com V. Exª -, por haver situações individuais. Vamos dizer, uma casa ter duas, três pessoas que são submetidas a isso não chama tanto a atenção como o aglomerado nos campos. Mas se nós formos somar todas essas pessoas, é muito mais do que no campo mesmo.

Eu agradeço seu chamamento de atenção e quero aqui registrar como muito importante.

Mas, Sr. Presidente, eu quero encerrar, para cumprir rigorosamente o Regimento desta Casa, que é importante - estou nos meus 46 segundos finais -, e dizer a V. Exª que a nossa subcomissão, a de combate ao trabalho escravo, tem um grande Presidente, que é o Senador José Nery, do PSOL, atuante, e eu fui convidado pelo Senador José Nery para compor a chapa como Vice-Presidente, e aceitei, fomos eleitos por unanimidade. Aqui, eu quero fazer o registro da seriedade com que vamos atuar e pedir a V. Exª que seja publicado na íntegra o discurso que eu iria complementar.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR PAPALÉO PAES

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O SR. PAPALÉO PAES (PSDB - AP. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na escola, as crianças brasileiras aprendem que, durante muito tempo, existiu escravidão em nosso País. Aprendem também que essa vergonhosa instituição foi abolida no dia 13 de maio de 1888, por um Decreto votado pela Assembléia e sancionado pela Princesa Isabel. Aprendem que a Lei se tornou conhecida pelo nome de Áurea e que a Princesa foi cognominada Redentora.

Todos nós fomos crianças e passamos, na escola, por este rito da nacionalidade, que é ver, nos livros didáticos as imagens chocantes de negros sendo chicoteados, acorrentados ou presos ao pelourinho. Ah, a indignação que sentíamos, todos, em nossos pequenos corações de criança! Tenho, de fato, muito viva na memória a forte impressão que me causaram as figuras dos livros escolares sobre a escravidão, e como dava graças a Deus por viver em época mais humana, em que os homens são todos livres.

Infelizmente, a realidade dos tempos presentes é outra. A escravidão acabou somente no papel. Casos de condições de trabalho próximas da escravidão no Brasil são descobertos com frequência.

O trabalho escravo no Brasil contemporâneo é resultado da crônica falta de soluções para nossos problemas sociais e morais mais graves: a enorme desigualdade social e a escandalosa impunidade dos criminosos. Milhões de brasileiros pobres ou miseráveis, em sua busca por trabalho digno, são particularmente vulneráveis às promessas fraudulentas dos “gatos”, como são chamados, no campo, os agenciadores de mão-de-obra não qualificada. De ordinário, são motoristas de paus-de-arara que vão às regiões socialmente mais desassistidas, distantes das áreas de demanda de trabalhadores, oferecendo emprego e vantagens mirabolantes.

Conquistado um número suficiente de vítimas, esses “gatos” as transportam às áreas de fronteira agrícola, onde empregadores gananciosos exploram essa mão-de-obra em regime análogo ao da escravidão, como o sistema de “barracão”, que é a maneira de manter os trabalhadores rurais endividados junto ao fazendeiro, a partir mesmo do custo de seu transporte até a propriedade. Em seguida, eles precisam adquirir no armazém da fazenda (o "barracão"), os instrumentos de trabalho, a roupa e os mantimentos, cujo custo é debitado pelo patrão em uma conta individual, crescente e impossível de saldar, dado o valor miserável dos salários e os preços “salgados” dos artigos.

Os Estados campeões da prática são Pará, Maranhão e Mato Grosso, especialmente na fronteira agrícola. As vítimas são trabalhadores adultos e idosos, jovens, mulheres, crianças, adolescentes.

Para apurar as denúncias de trabalho escravo, o Governo Federal criou, em 1995, o Grupo Móvel de Fiscalização, constituído por voluntários de certas carreiras de Estado como fiscais do trabalho, policiais federais, procuradores, fiscais do Ibama e outras. Trabalhando contra o poder dos senhores “barraqueiros”, por vezes sob ameaça a suas vidas, esses voluntários buscam libertar os trabalhadores e pagar-lhes o que lhes foi sonegado, pressionando o patrão a pagar na hora. Expedem também as carteiras de trabalho - para muitos, o primeiro documento de identidade. Já são 34 mil os trabalhadores livrados da escravidão pelo Grupo, nestes quase 15 anos de atuação.

Neste Senado, a Subcomissão de Combate ao Trabalho Escravo, da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), acaba de se tornar permanente, tendo o Senador José Nery sido eleito Presidente, e eu, Vice-Presidente. Esse digno representante do Estado do Pará, que há muitos anos milita no combate ao trabalho escravo, tem razão nas palavras que proferiu na abertura dos trabalhos da Comissão: é mesmo incrível que ainda precisemos, neste início do século XXI, de uma subcomissão no Senado para contribuir na erradicação dessa prática ignominiosa.

A importância de nossa contribuição, como Parlamentares, reside na possibilidade de aperfeiçoar a legislação, a fim de dotar o Ministério Público de instrumentos mais ágeis e específicos, que tragam o fim da impunidade.

É preciso, para isso, que também sejamos ágeis: os mais de 40 projetos de lei em tramitação nesta Casa e na Câmara dos Deputados precisam ser examinados e, caso se mostrem viáveis, aprovados.

Um exemplo triste é o da Proposta de Emenda à Constituição de número 438, de 2001, de autoria do Senador Ademir Andrade, que estabelece a pena de expropriação da gleba onde for constada a exploração de trabalho escravo, revertendo a área ao assentamento dos colonos que ali trabalhem. Aprovada no Senado em 2008, hoje, na Câmara dos Deputados, encontra-se pronta para a entrada em pauta, mas permanece bloqueada pela enxurrada de Medidas Provisórias que o Executivo não para de nos enviar.

O combate ao trabalho escravo é um dever do Estado e de toda a sociedade civil. Entidades como as igrejas - a Pastoral da Terra da Igreja Católica é uma das mais ativas -, as ONGs, as entidades internacionais, como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e as Assembléias Estaduais precisam se associar nesta causa.

Na condição de Vice-Presidente da Subcomissão e de representante da região onde são registrados mais casos de trabalho escravo, espero contribuir decisivamente para a sua erradicação. Estamos, todos nós, membros da nova Subcomissão Permanente, comprometidos a realizar palestras, encontros, seminários e audiências públicas para aumentar o nosso conhecimento sobre o assunto e ampliar a consciência pública a respeito dessa mancha em nossa civilização.

Esta é uma promessa que assumimos, frente a nossos Pares, à Nação e à História. Pessoalmente, espero que as crianças de um futuro próximo possam estudar a escravidão como coisa do passado, como página finamente virada da vida nacional.

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/06/2009 - Página 23709