Discurso durante a 101ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Análise conjuntural da questão, com posicionamento de S.Exa. pela inoportunidade do ingresso da Venezuela no MERCOSUL, e registro de artigo sobre o tema, publicado hoje, de autoria do jurista Ives Gandra Martins, intitulado "Nem sim, nem não: talvez".

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • Análise conjuntural da questão, com posicionamento de S.Exa. pela inoportunidade do ingresso da Venezuela no MERCOSUL, e registro de artigo sobre o tema, publicado hoje, de autoria do jurista Ives Gandra Martins, intitulado "Nem sim, nem não: talvez".
Publicação
Publicação no DSF de 19/06/2009 - Página 24331
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, AUREO MELLO, EX SENADOR, ESTADO DO AMAZONAS (AM), EX GOVERNADOR, ESTADO DO AMAPA (AP), FILHO, ORADOR, PRESENÇA, SENADO.
  • REGISTRO, DEBATE, REUNIÃO, COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES E DEFESA NACIONAL, ENTRADA, PAIS ESTRANGEIRO, VENEZUELA, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), LEITURA, NOTICIARIO, IMPORTANCIA, BUSCA, ESCLARECIMENTOS, PROBLEMA, ESPECIFICAÇÃO, PERSEGUIÇÃO, POLITICO, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, OPOSIÇÃO, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, POSSIBILIDADE, INTERFERENCIA, RELAÇÕES DIPLOMATICAS, BRASIL, DEMORA, APROVAÇÃO, PARTE, NORMAS.
  • MANIFESTAÇÃO, APOIO, ORADOR, INGRESSO, PAIS ESTRANGEIRO, VENEZUELA, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), INFORMAÇÃO, APRESENTAÇÃO, REQUERIMENTO, CONVOCAÇÃO, GOVERNADOR, ESTADO DO AMAZONAS (AM), EX GOVERNADOR, ESTADO DE RORAIMA (RR), EMBAIXADOR, GOVERNO ESTRANGEIRO, GUIANA, NECESSIDADE, ESCLARECIMENTOS, IMPORTAÇÃO, COMBUSTIVEL, RELAÇÃO, ZONA FRANCA, REGISTRO, NEGAÇÃO, SOLICITAÇÃO, PRESENÇA, DIPLOMATA, IMPEDIMENTO, AMEAÇA, RELAÇÕES DIPLOMATICAS.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente José Sarney, é uma honra usar a tribuna estando V. Exª presidindo a sessão.

Meus cumprimentos ao ex-Senador Áureo Mello, ao ex-Governador do Amapá, Jorge Nova da Costa, e quero pedir permissão para também cumprimentar o meu filho, que é Juiz de Direito, em Roraima, que aqui me honra com sua audiência.

Sr. Presidente, hoje tivemos mais uma reunião na Comissão de Relações Exteriores para debatermos o ingresso da Venezuela no Mercosul. O tema em debate, cujo acordo, por um ano, ficou na Câmara dos Deputados para ser examinado e aprovado, há pouco mais de três meses está aqui no Senado. O Relator do acordo do ingresso da Venezuela no Mercosul é o Senador Tasso Jereissati, um dos Senadores mais diligentes desta Casa, que tem procurado fazer uma análise profunda de todos os aspectos do ingresso da Venezuela no Mercosul.

Sou um Senador por Roraima, um Estado da Federação que está encravado geograficamente na Venezuela. O outro Estado que faz limite com a Venezuela é o Amazonas, mas Roraima está ligada inclusive por rodovia à Venezuela. Portanto, nossa vida em Roraima está, digamos assim, invariavelmente, inexoravelmente, ligada à da Venezuela. Nesse caso, tenho de pensar como Senador por Roraima primeiramente, mas também como Senador da República. Tenho de pensar nas conveniências e nas inconveniências do ingresso da Venezuela no Mercosul. Aliás, Senador Leomar Quintanilha, não há ninguém na Comissão de Relações Exteriores que não queira o ingresso da Venezuela no Mercosul. O que se está discutindo é a forma e o momento da entrada da Venezuela no Mercosul.

É preciso colocar aqui algumas coisas para deixar bem claro o porquê principalmente da minha posição como Senador por Roraima de levantar questionamentos quanto à entrada da Venezuela no Mercosul. Poderia parecer um contrassenso alguém que, sendo de um Estado que até energia elétrica, Senador Leomar e Senador Sarney, recebe da Venezuela, coloque qualquer tipo de barreira à entrada desse país no Mercosul.

Sr. Presidente, requeri, na última reunião da semana passada, a audiência de três pessoas. Aliás, já foram ouvidas várias pessoas, é verdade, mas estou acostumado aqui, Senador José Sarney, a ver, principalmente por parte de partidos como o PT, PCdoB, PSB, se esmerarem - o que acho bonito - na democrática audiência de todos os setores envolvidos numa questão para poder deliberar. Entendo que essa questão é séria demais para tomarmos uma medida de forma precipitada. Até usei, digamos assim, uma frase que é do meu costume como médico-obstetra: parto natural é aquele que se faz no momento certo; quando realmente a gravidez está a termo e o feto, isto é, a criança, está em boas condições.

O que eu entendo, no caso da Venezuela, é que, na verdade, existem muitos pontos a serem esclarecidos. Muitos. Pontos de vista econômico, pontos de vista técnico, pontos de vista político e pontos de vista jurídico. Nós não podemos simplesmente aprovar aqui porque o Presidente Chávez - diríamos - tem a petulância de estabelecer prazo para deliberarmos, senão ele não quererá mais entrar no Mercosul, inclusive chamou o Senado Federal do Brasil de “papagaio de pirata dos Estados Unidos”. Nós temos de ter tranquilidade e não nos deixar levar pela emoção, porque a Venezuela não é o Hugo Chávez. O povo venezuelano não é um presidente que eventualmente está no poder. Mas também não podemos nos esquecer de que um presidente que quer se perpetuar no poder como ele pode levar o tempo que Fidel Castro levou para sair da presidência e ainda deixando um irmão. Então, é preciso analisar, sim.

O Protocolo do Mercosul envolve várias cláusulas, uma delas é a cláusula democrática. “Não devemos interferir na questão interna de outro país!” É verdade. Essa é a tônica da democracia brasileira. Mas também não podemos fechar os olhos para um governante que tem atitudes que não são, digamos, o consenso do que pensam os membros do Mercosul. Aliás, o Mercosul ainda não avançou quanto se gostaria que avançasse - sei que o Presidente Sarney é um dos grandes entusiastas do Mercosul - exatamente por causa de nossas diferenças. E não vamos aqui ficar com complexo de culpa, não. A União Européia levou muito tempo para se consolidar e ser o que é hoje, ou seja, um conjunto de países que tem uma moeda só e, mesmo sendo povos que têm alguns séculos de existência à nossa frente, têm suas dificuldades.

Sr. Presidente, fui abordado e perguntado: “Como você está colocando obstáculo para a entrada da Venezuela no Mercosul?” Eu não estou botando obstáculo nenhum! O que eu estou querendo é, como Senador de Roraima e Senador da República, ter a tranquilidade, amanhã, de que eu dei um voto a favor de acordo com minha consciência e principalmente com os interesses do povo roraimense e do povo brasileiro.

Então, apresentei requerimento, na semana passada, para ouvir três personalidades: o Embaixador da Guiana; o Governador do Amazonas - o outro Estado que faz fronteira com a Venezuela - e o ex-Governador de Roraima, Neudo Campos, porque foi ele (o Governador Neudo Campos) que começou todas as tratativas de entendimento de Roraima com a Venezuela, do Brasil com a Venezuela, inclusive para trazer a energia da hidrelétrica de Guri para Roraima. Foi preciso vencer barreiras dos lados venezuelano e brasileiro para que pudesse efetivamente acontecer essa extensão da linha de Guri até Boa Vista. “Mas hoje”, dizem, “o Brasil tem um superávit comercial fabuloso com a Venezuela e não podemos perder isso”. Ora, nós temos um superávit comercial sem ela estar no Mercosul. Portanto, não há obstáculo a que ela não entre de maneira precipitada, digamos assim, no Mercosul, porque nós vamos perder.

         E o meu Estado? O meu Estado só paga para a Venezuela; paga a energia, importa cimento, importa ferro. Para o rancho, isto é, a feira mensal que as famílias fazem, Senador Leomar Quintanilha, Senador José Sarney, as pessoas vão de Boa Vista, andam 200km, para comprar na cidade de Santa Helena de Uairen, onde há uma zona franca, porque lá saem por menos da metade do preço os produtos de higiene e até de alimentação que se consomem do lado de cá.

Pior ainda, nós reivindicamos, desde quando assumiu o Governador Neudo Campos, a importação do combustível da Venezuela, porque lá é quase um quinto do valor que pagamos em Roraima. No entanto, nós não conseguimos isso porque a Petrobras não abre mão desse monopólio. Ora, o que representa o consumo de Roraima no contexto do faturamento da Petrobras? Nós propusemos inclusive - e aí foi o Governador Neudo Campos, depois o Governador Ottomar - o seguinte: a Petrobras importa então esse combustível, que está colado ali do lado, e vende; a própria Petrobras, através da distribuidora, vende a preços diferenciados para Roraima. É só fazer um levantamento da cota histórica de consumo de Roraima, para não haver descaminho. Mas não fizeram. E o que acontece hoje? De fato, a maior parte da gasolina consumida em Roraima é contrabandeada da Venezuela. Contrabandeada da Venezuela!

Então, nós não estamos no Mercosul e a nossa relação com a Venezuela é esta: desigual para Roraima, muito desigual para Roraima, embora isso tudo possa ser corrigido. Portanto, eu quero dizer que sou a favor, sim, da entrada da Venezuela, mas eu quero os esclarecimentos adequados.

Pois bem, hoje tivemos uma reunião, um debate importante sobre essa questão e ficou acertado. Eu retirei o nome do Embaixador da Guiana, para não criar qualquer incidente diplomático, mas quero dizer que retirei a contragosto, porque eu queria ouvir o Embaixador da Guiana falar sobre as dificuldades que aquele país tem com a Venezuela. A Venezuela contesta quase a metade do território da Guiana como sendo venezuelano, e a Venezuela e a Guiana fazem fronteira com o Brasil, através do Estado de Roraima. Então, isso tem que ser esclarecido. Eu concordei em retirar porque não queria criar um incidente diplomático, mas não abro mão de ouvir o Governador do Amazonas, que tem um comércio com a Venezuela pela própria Zona Franca de Manaus, e o ex-Governador de Roraima, que cuidou desse ingresso aqui.

Senador Leomar Quintanilha, quero pedir a V. Exª um pouquinho mais de tolerância, porque eu gostaria muito - para não dizer...

O SR. PRESIDENTE (Leomar Quintanilha. PMDB - TO) - V. Exª fique à vontade.

(Interrupção do som.)

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - ...que sejam só as minhas palavras e que, portanto, possam estar contaminadas pela emoção ou por alguma parcialidade nesta questão - de ler um artigo publicado hoje pelo ilustre jurista Ives Gandra da Silva Martins, que, falando sobre a entrada da Venezuela, diz:

Nem sim, nem não: talvez.

Minha posição sobre a entrada da Venezuela no Mercosul foi a de que o Senado não deve dizer nem sim, nem não, mas talvez.

Discute-se na Comissão de Relações do Exterior do Senado a entrada ou não da Venezuela no Mercosul. Se a Venezuela for admitida, poderá impugnar qualquer deliberação da união aduaneira no que diz respeito ao próprio Mercosul, assim como impugnar acordos com terceiros países de qualquer uma das nações signatárias. Aliada do Irã, poderia, por exemplo, se já fizesse parte do Mercosul, opor-se, mediante o direito de veto (falta de consenso) [é a mesma coisa que direito de veto], ao acordo que o Brasil está firmando com Israel.

Na audiência pública da qual o ex-Ministro Celso Lafer e eu [quer dizer, Dr. Ives Gandra Martins] fomos convidados a participar, ambos mostramos a necessidade de maior aprofundamento no conhecimento da realidade venezuelana antes de o Senado avalizar a entrada desse país no bloco.

Apresentei, pessoalmente, questões de natureza econômica, política, jurídica e técnica.

Economicamente, reconheço que os superávits da balança comercial com a Venezuela, em face de acordo que temos até 2011 [portanto, vejam bem, temos até 2011. Por que a pressa de fazer hoje, em 2009?], são expressivos.

São superávits obtidos sem a necessidade de a Venezuela ingressar no Mercosul. E são superávits inferiores àqueles que conseguiram os Estados Unidos, objeto principal das críticas de Chávez, e a Colômbia, país não dos mais simpáticos para o líder bolivariano.

Aqui, Senador Leomar, para ter uma idéia, o superávit comercial dos Estados Unidos com a Venezuela é 15 vezes maior do que com o Brasil. Então, não vejo por que esse argumento prosperar, de que temos que deixá-la entrar, porque temos um superávit comercial.

O argumento, portanto, carece de relevância, sobretudo levando em consideração que a Confederação Nacional da Indústria e a Fecomércio-SP veem, ainda, com muitas restrições o ingresso imediato da Venezuela enquanto a instabilidade emocional do Presidente Chávez [são palavras do Dr. Ives Gandra] continuar a levar à expropriação de empresas e a críticas à economia de mercado.

Os principais interessados no comércio externo são muito menos propensos ao imediato ingresso venezuelano do que os que argumentam com dados econômicos para justificá-lo.

Politicamente, a Venezuela é uma democracia formal com cinco Poderes, dos quais somente dois são relevantes: o popular e o Executivo. O popular é normalmente convocado pelo Executivo, e não pelo Legislativo, ou seja, sempre que o Presidente deseja.

A perseguição aos políticos que derrotaram Chávez em eleições regionais, a limitação do direito a comícios nos mesmos locais em que Chávez os fez e a perseguição aos meios de comunicação - condenada pela principal entidade internacional de imprensa - demonstram que, para uma real democracia, há uma longa caminhada a ser empreendida.

O Mercosul só admite democracias reais como seus membros, tal como ocorre, aliás, na União Européia. Ora, o Presidente Chávez, que declara ser a democracia cubana mais perfeita do que a americana, está longe de compreender o que é uma democracia.

Do ponto de vista jurídico, se a Venezuela entrar no bloco, não só terá direito a se opor ao consenso, podendo paralisar o Mercosul, como também, o que é pior, a interferir nas relações bilaterais ou plurilaterais do Brasil condicionadas ao Mercosul, o que representará para nosso País uma preocupação a mais entre aquelas que já temos como outros países do Pacto de Assunção.

Por fim, do ponto de vista técnico, a Venezuela não concordou ainda com 169 das 783 normas que regem o Mercosul , condição prévia para sua adesão, nem definiu a lista de produtos para a adoção da tarifa externa comum, assim como não se manifestou sobre o cronograma de liberalização do comércio entre Brasil e Venezuela. Tampouco definiu as condições para não se opor a que o Brasil negocie com terceiros países.

Em outras palavras, nada obstante ter havido algum avanço na reunião de Salvador, no mês de maio, os cronogramas dos grupos de trabalho criados desde 2005 [vejam bem, grupo de trabalho criado desde 2005] não foram cumpridos até agora exclusivamente por culpa da Venezuela.

O argumento de que a Argentina e o Uruguai concordaram com a integração imediata, num momento em que Chávez estava fornecendo dinheiro à Argentina e energia ao Uruguai, não deve servir de parâmetro.

No dia de nossa audiência [aqui estou lendo matéria do Dr. Ives Gandra], após as manifestações dos Senadores Fernando Collor, Mozarildo Cavalcanti, Rosalba Ciarlini, Arthur Virgílio, Eduardo Azeredo e outros, o Senado Federal pareceu não ser contra o ingresso, mas entender que só pode decidir após a resposta de todos os requisitos técnicos que, desde 2005, a Venezuela não complementa [Vejam bem, desde 2005, a Venezuela não complementa]

Por essa razão, a minha posição na audiência de 9/6 foi a de que o Senado não deve dizer nem “sim” nem “não”, mas, “talvez”, deixando para apresentar seu veredicto final a partir do exame de todos esses elementos que devem ser enviados para análise em futuro não determinado. [Porque a Venezuela não estabelece a si própria um prazo para apresentar as soluções.]

            Eu tenho confiança, e aqui quero dizer que gostei da decisão que o Plenário da Comissão de Relações Exteriores tomou hoje, de marcar para o dia 9 de julho uma audiência ampla com várias personalidades para debatermos esse problema e podermos partir para a conclusão e apreciação do relatório do Senador Tasso Jereissati.

Quero, portanto, Senador Leomar Quintanilha, dizer que precisamos, neste caso, deixar de lado a emocionalidade, deixar de lado a ideologia, mas olhar principalmente para as conseqüências para o Brasil. E quero aqui encerrar, dizendo: como Senador de Roraima, sou a favor. O que eu discuto é a questão do momento de fazer e como fazer. Repito, como diz o bom parteiro: é escolher a hora certa de fazer o parto para que nem a mãe e nem o filho fiquem com sequelas.

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/06/2009 - Página 24331