Discurso durante a 101ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Análise da decisão do Supremo Tribunal Federal, tomada ontem, no sentido de que é inconstitucional a exigência de diploma para o exercício do jornalismo, considerando-a um retrocesso. Solidariedade à Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj).

Autor
João Pedro (PT - Partido dos Trabalhadores/AM)
Nome completo: João Pedro Gonçalves da Costa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO. EXERCICIO PROFISSIONAL.:
  • Análise da decisão do Supremo Tribunal Federal, tomada ontem, no sentido de que é inconstitucional a exigência de diploma para o exercício do jornalismo, considerando-a um retrocesso. Solidariedade à Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj).
Publicação
Publicação no DSF de 19/06/2009 - Página 24334
Assunto
Outros > JUDICIARIO. EXERCICIO PROFISSIONAL.
Indexação
  • REGISTRO, PRESENÇA, SENADO, AUREO MELLO, EX SENADOR, ESTADO DO AMAZONAS (AM).
  • CRITICA, RETROCESSÃO, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), DESNECESSIDADE, DIPLOMA, CURSO SUPERIOR, JORNALISMO, EXERCICIO PROFISSIONAL, REPUDIO, JUSTIFICAÇÃO, PRESIDENTE, JUDICIARIO, COMENTARIO, ORADOR, IMPORTANCIA, TRABALHO, JORNALISTA, APRESENTAÇÃO, INFORMAÇÕES, POPULAÇÃO, MANIFESTAÇÃO, SOLIDARIEDADE, FEDERAÇÃO NACIONAL DOS JORNALISTAS PROFISSIONAIS.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Leomar Quintanilha, Srªs e Srs. Senadores, venho, neste início de noite, refletir acerca da decisão, no dia de ontem, do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o diploma dos jornalistas, do jornalismo brasileiro. Fiz uma reflexão aqui, preocupado com a decisão que seria tomada. Estou voltando ao assunto, por conta da decisão que considero um retrocesso. A decisão do Supremo não obriga a exigência do diploma para que o profissional trabalhe na televisão, nas rádios, nos jornais.

Quero fazer um parêntese para registrar a presença nesta sessão do Senador Aureo Mello, um amazonense que aqui exerceu mandatos no final da década de 80 e na década de 90, um amazonense muito querido, escritor, artista, político, que hoje vive em Brasília e que nos dá a satisfação de assistir à sessão nesta noite.

Sr. Presidente, evidentemente, temos de respeitar as decisões da nossa Justiça, principalmente a decisão do Supremo, nossa Corte maior, mas quero registrar aqui minha estranheza, porque a decisão do Supremo diz respeito ao fato de o Estado brasileiro regular uma profissão. O Estado brasileiro pode regular outras profissões, com base no conhecimento, com base na ética, com base no mercado, com base na cultura, com base na organização social. Esse debate vinha se arrastando. Principalmente nos últimos anos, a categoria dos trabalhadores e das trabalhadoras que estão nas redações, nas rádios e na televisão, a categoria dos jornalistas se organiza, em nível nacional, pela federação, nos Estados, com sindicatos. E o que vejo são saltos de qualidade na profissão, no compromisso, na responsabilidade.

Vejo a decisão do Supremo, nossa Corte maior, relaxando essa questão. Isso, para mim, é um retrocesso. O Estado pode regular muita coisa, menos nesse setor, nessa categoria, de tamanha importância, de tamanha relevância, não só para o Brasil, para a sociedade brasileira, mas também para o mundo. Um País como o nosso é referência, pelo seu tamanho, pela sua geopolítica, pela sua economia, pela sua história, por avanços importantes na democracia, por avanços importantes na área dos direitos.

Essa deixa de ser uma decisão apenas do Supremo; é uma decisão do Brasil, do Estado brasileiro. Como ficam as escolas espalhadas pelo Brasil que estão formando profissionais? Como elas ficam? Como ficam a redação, o jornal, a rádio, a TV? Podem contratar outros profissionais sem diploma? Isso não significa cercear a liberdade de ninguém. Penso que o diploma garante um padrão de profissional, de confiança.

Somente há pouco tempo, travamos um debate acerca das informações dos relatos das guerras, quando da invasão do Iraque. Havia um debate: as notícias da guerra do Iraque foram manipuladas. Havia esse debate. E vejam só que profissionais da imprensa questionavam isso, a forma, a imagem única. Esse é um debate, ou seja, a notícia tem de ter um padrão técnico, um padrão ético, e não se pode, de forma alguma, misturar ou diminuir esse padrão da verdade. Só os profissionais podem ser cobrados. Só podemos cobrar isso de profissionais que estudam, que passam pelos laboratórios, que passam por uma formação acadêmica para exercer uma profissão. São pessoas que têm dez, vinte, trinta anos de redação. É toda uma vida! Estuda-se para isso. E, agora, a decisão permite que qualquer cidadão possa participar da redação, da edição.

Sr. Presidente, estou muito triste com essa decisão do Supremo. Temos um mandato parlamentar e, todos os dias, vivemos do noticiário, com o noticiário, pelo noticiário. Como trabalhar a partir dessa decisão? Fico muito preocupado, fico muito preocupado com o padrão dos profissionais, com essa abertura. Acho que o jornalismo não vai acabar, as escolas não fecharão, mas considero esse um golpe profundo na vida dessa categoria, que tem uma participação importante na sociedade, principalmente nesses últimos anos, do ponto de vista da boa redação, da melhor informação, do padrão ético.

Considero que essa decisão não ajuda o Estado brasileiro a manter a sociedade confiando plenamente nos profissionais. Uma coisa é uma distorção aqui ou ali, outra é a confiança nos profissionais. Uma fotografia no jornal tem de obedecer a critérios técnicos, a um padrão de verdade. E se pode fazer uma fotografia, trabalhar a informação da fotografia. E, para isso, não precisaremos cobrar que essa fotografia seja resultado do trabalho de um profissional que tenha passado pela universidade, por uma formação ao longo dos anos? Isso é preciso para se fazer uma fotografia, para se publicar uma notícia, um texto, uma análise sobre política pública, sobre teatro, sobre música. Não estou dizendo que não podemos fazê-lo, escrever para um jornal. Mas a feitura de um jornal, de uma revista, de um periódico precisa passar não pelas mãos, mas pela consciência de um profissional que esteve dentro de uma escola, de uma universidade.

Oito a um foi o resultado da votação. Apenas um membro da nossa Suprema Corte votou pelo reconhecimento do diploma, pela exigência do diploma. Apenas um membro o fez! E é de estarrecer a analogia que o Relator, Presidente do Supremo, fez entre a profissão de jornalista e a de cozinheiro. Não sei se V. Exª leu essa pérola do Presidente do Supremo Tribunal. O que disse S. Exª? Vou ler o que está no jornal, nos blogs. O Presidente Gilmar Mendes chegou a comparar a profissão jornalística à de chefe de cozinha, dizendo:

Um excelente chefe de cozinha, certamente, poderá ser formado numa faculdade de Culinária, o que não legitima o Estado a exigir que toda e qualquer refeição seja feita por profissional registrado mediante diploma de curso superior nessa área.

Ora, Sr. Presidente, existe um número expressivo de profissionais que, neste Brasil, estão trabalhando, de forma abnegada. Muitos profissionais estão ousando ao registrar fatos, para informar à população a verdade dos fatos, conflitos na Amazônia, o trânsito, a dinâmica dos grandes centros urbanos, as ocupações, a pesquisa, a cultura. E, na hora do debate para se consagrar, para reafirmar essa profissão, o Presidente do Supremo, Relator, faz uma comparação que considero muito infeliz. O Presidente poderia pedir desculpas aos profissionais de imprensa.

Vamos conviver com a decisão do Supremo. Os jornalistas do Brasil, esses profissionais, na minha opinião, sofreram esse golpe, mas a vida também tem sua caminhada. Espero que não só esses profissionais, mas o Brasil, a sociedade possa conviver com essa decisão, sem que o padrão do trabalho e da informação caia, sem que o conteúdo e a verdade percam sua legitimidade. Os profissionais da imprensa, com certeza, haverão de encontrar, frente a essa decisão, caminhos que possam dignificar a profissão, o estudo, a dedicação, a pesquisa, tudo isso que faz parte de sua vida.

Fica aqui minha solidariedade à Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). Fica meu registro nesta Casa, por conta dessa decisão, que considero um retrocesso! Que o Brasil, a sociedade brasileira possa refazer-se no dia a dia, respeitando esses profissionais, valorizando as escolas, cobrando das empresas que trabalham com o profissional do jornalismo um padrão de respeito, de responsabilidade, de seriedade, de confiabilidade nas notícias do rádio, da televisão, das revistas, dos jornais!

Muito obrigado, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/06/2009 - Página 24334