Pronunciamento de Pedro Simon em 18/06/2009
Discurso durante a 101ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Considerações sobre a diáspora do povo gaúcho, no início do século passado.
- Autor
- Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
- Nome completo: Pedro Jorge Simon
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
- Considerações sobre a diáspora do povo gaúcho, no início do século passado.
- Publicação
- Publicação no DSF de 19/06/2009 - Página 24420
- Assunto
- Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
- Indexação
-
- COMENTARIO, HISTORIA, MIGRAÇÃO, POPULAÇÃO, ORIGEM, EUROPA, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), REGIÃO OESTE, ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), BUSCA, TERRAS, DESENVOLVIMENTO, ATIVIDADE ECONOMICA, REGISTRO, EXPERIENCIA, CASILDO MALDANER, NEUTO DE CONTO, SENADOR, PROCESSO, COLONIZAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO, DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
- LEITURA, TRECHO, TRABALHO, PROFESSOR, UNIVERSIDADE, REGIÃO OESTE, ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), DETALHAMENTO, HISTORIA, MIGRAÇÃO, INCENTIVO, GOVERNADOR, ATUAÇÃO, EMPRESA, COLONIZAÇÃO, DISTRIBUIÇÃO, TERRAS, CIDADÃO, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), OBJETIVO, PROMOÇÃO, DESENVOLVIMENTO, INTEGRAÇÃO, TERRITORIO, COMENTARIO, IMPORTANCIA, ATIVIDADE, EXTRAÇÃO, COMERCIALIZAÇÃO, MADEIRA.
- COMENTARIO, CONTRIBUIÇÃO, POPULAÇÃO, MIGRANTE, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), DESENVOLVIMENTO, AGROINDUSTRIA, PRODUÇÃO, AVE, SUINO, MUNICIPIOS, REGIÃO OESTE, ESTADO DE SANTA CATARINA (SC).
SENADO FEDERAL SF -
SECRETARIA-GERAL DA MESA SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA |
O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, Sr. Presidente, Srªs. Senadoras e Srs. Senadores, tenho feito, aqui nesta Casa, uma série de pronunciamentos sobre a diáspora do povo gaúcho.
Tenho falado, com muita emoção, dessa movimentação de proporções bíblicas da gente sul-rio-grandense em direção às novas fronteiras agrícolas do nosso Brasil; uma movimentação que tem todas as características de uma verdadeira epopéia.
Tenho falado, com muito orgulho, desses brasileiros que se transformaram nos bandeirantes do século XX. Desses brasileiros que, com tanta determinação e patriotismo, vêm contribuindo para que nosso País mantenha a integridade de seu território. Desses brasileiros que têm levado riqueza e prosperidade às unidades da federação que os acolhem. Desses brasileiros que, embora cativados pelas plagas que lhes oferecem novas oportunidades, gostam de preservar seus costumes e honrar suas tradições da terra em que nasceram.
Hoje, Sr. Presidente, quero falar mais especificamente sobre o marco pioneiro dessa diáspora: a migração dos meus conterrâneos em direção ao oeste e meio-oeste do Estado de Santa Catarina, ainda no início do século passado.
É claro que o deslocamento de um enorme contingente de seres humanos, de uma terra para outra, nunca ocorre por acaso. Isso só acontece quando se apresentam motivações de grande relevância - econômicas, políticas, religiosas, étnicas ou culturais -, isoladas ou em conjunto.
No caso daqueles gaúchos que se aventuraram rumo ao norte, há que se falar especialmente das motivações econômicas. E embora já tenha tratado dessas motivações em outros pronunciamentos sobre a diáspora do povo sul-rio-grandense, permito-me fazer uma breve recapitulação das circunstâncias históricas que as forjaram. Afinal, foram essas circunstâncias que originaram a migração rumo a Santa Catarina, tema que abordo aqui.
Ainda no século XIX, o Rio Grande recebera dois importantes fluxos migratórios. Fugindo da fome, ameaça que se tornava quase permanente numa Europa bastante empobrecida, grupos numerosos de alemães e de italianos chegaram ao Brasil.
Aqui, foram encaminhados às regiões norte e nordeste do Rio Grande, para domar as florestas e serras ali existentes, e se estabeleceram em propriedades que tinham, em média, 25 hectares.
O tempo passou, os primeiros imigrantes foram chegando à velhice, foram morrendo, e aí surgiu um problema. As famílias eram numerosas, já que os pais precisavam de muitos braços para o duro trabalho no campo. Ao mesmo tempo, as terras estavam todas ocupadas, e as propriedades eram muito pequenas para serem divididas entre uma prole numerosa, que já comportava filhos e netos.
Como a tradição, entre os europeus, dizia que a propriedade era herdada pelo primogênito, aos demais filhos só restou uma opção: buscar novos horizontes. E os horizontes mais próximos estavam em Santa Catarina.
Naquela época - virada do século XX -, uma pequena parte das florestas do oeste catarinense tinha sido derrubada por madeireiras. As terras de grande fertilidade, propícias à agricultura eram sua maior extensão devolutas, a não ser pela presença eventual de uns poucos agricultores esparsos.
Além disso, um importante fator que gerava forte de instabilidade política acabara de ser removido. Terminara a Guerra do Contestado, conflito com características semelhantes à Guerra de Canudos, que se deu entre 1912 e 1916 na região limítrofe entre o Paraná e Santa Catarina, e no qual morreram cerca de 20 mil brasileiros.
A bem da verdade, devo registrar que já na primeira década do século XX algumas famílias de migrantes gaúchos tinham se aventurado pelo oeste catarinense. Mas a guerra, evidentemente, funcionou como um fator de medo e incerteza, a inibir os sonhos de muita gente de deslocar-se para aqueles cantos.
Findos os combates, as condições se mostraram bem mais favoráveis, e é por isso que uma leva considerável de gaúchos se dirige ao oeste de Santa Catarina, dando início a uma das mais belas sagas de nossa História.
Antes de me debruçar sobre essa migração, quero mencionar um fato peculiar: tivemos aqui nesta Casa, nesta legislatura, dois participantes da diáspora do povo gaúcho, ambos representantes do Estado de Santa Catarina.
Estou me referindo aos meus companheiros Senador Casildo Maldaner, que nasceu em Selbach, e ao Senador Neuto de Conto, natural de Encantado.
A vida de ambos se mescla com a vida de milhares de pessoas que, nascidas no Rio Grande do Sul, saíram em busca de um futuro melhor quando a elevação do custo da terra e as divisões das propriedades os forçaram a emigrar.
Esse é um aspecto fascinante da diáspora do povo gaúcho. Mal se instalam na nova terra, os nossos patrícios logo se voltam às atividades políticas. São inúmeros os casos de sul-rio-grandenses que se elegem vereadores, prefeitos e deputados estaduais nas mais diversas unidades da federação, bem como os que assumem mandatos em Brasília, seja no Senado Federal seja na Câmara dos Deputados.
Ao estudar a migração dos gaúchos, esse é um dos fatos que mais me chamou a atenção foi justamente a forte vocação política da nossa gente. Até mesmo nos estados mais distantes tenho encontrado vereadores, prefeitos, deputados estaduais ou federais que nasceram no Rio Grande do Sul. A atuação em prol da comunidade, que é um traço marcante do nosso caráter, acaba nos levando à vida pública em busca de solução para os problemas dos nossos irmãos.
São incontáveis os casos de gaúchos que se destacaram na vida pública de Santa Catarina. Aqui vou destacar apenas dois deles. Começo pelo meu velho amigo e companheiro de luta política Casildo Maldaner que, nascido no interior de Carazinho, onde hoje está a cidade de Selbach, aos dois anos migrou com sua família para Chapecó.
Era o ano de 1944. Naquela época, diariamente chegavam centenas de famílias do Sul para ocupar o Oeste catarinense. As florestas tinham que ser derrubadas para que os campos pudessem ser plantados de imediato. A família Maldaner que no Sul explorava uma pequena propriedade rural trabalhou inicialmente com a venda de madeira. Como não havia escola na região, o jovem Casildo, então com pouco mais de dez anos, foi enviado para o seminário em Santo Ângelo.
Mais tarde, a família Maldaner se instalou no município de Modelo. Por essa época, possuíam um caminhão com o qual buscavam no Rio Grande do Sul a mudança dos que se transferiam para Santa Catarina. Mais adiante, começaram também a fazer viagens para o sudoeste do Paraná, que era o destino seguinte dos migrantes catarinenses e gaúchos. Ainda muito jovem, o nosso Casildo participou de inúmeras dessas viagens.
Aliás, foi na cidade de Modelo que, aos 20 anos, ele começou a brilhante carreira política que o fez deputado estadual em duas oportunidades; deputado federal, vice-governador e governador, bem como, em duas ocasiões, Senador dos catarinenses.
Também o meu amigo e companheiro Neuto de Conto tem sua vida ligada à migração do povo sul-rio-grandense. Em 1958, aos 22 anos, formado em contabilidade, deixou sua cidade natal para se instalar em São Miguel do Oeste. Naquela época, o Oeste catarinense tinha apenas dez municípios Hoje são mais de cem. O hoje senador Neuto de Conto foi testemunha da chegada de levas e levas de famílias vindas do Rio Grande do Sul. A história de todas elas era semelhante: migravam porque a terra era insuficiente para dividir entre os filhos, quase sempre em torno de uma dezena. O custo do hectare de terra manteve-se mais barato em Santa Catarina até o início dos anos 60, quando o fluxo migratório já seguia pujante em outras direções.
“Da Br-116 até a fronteira com a Argentina a maioria das cidades foi fundado por gaúchos”, conta o Senador Neuto de Conto, que desenvolveu uma bem-sucedida carreira política em Santa Catarina. Antes de 1964, já participava intensamente da vida política daquele Estado, como integrante do PTB. Depois, durante o regime militar, ajudou a criar o MDB e o PMDB. Foi três vezes vereador, três vezes deputado federal e ocupou com dignidade e competência quatro secretárias de governo daquele estado (Fazenda, Agricultura, Casa Civil e Secretaria do Oeste) antes de chegar ao Senado Federal.
COLONIZAÇÃO
Um panorama sintético, mas irretocável, do que foi o povoamento e a ocupação do Oeste Catarinense, em especial da sua região mais a Leste, pode ser encontrada num importante trabalho acadêmico de autoria de Paulo Ricardo Bavaresco, professor no campus da Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc) em São Miguel do Oeste e que fez seu doutorado na Universidade do Vale do Rio dos Sinos.
Segundo esse professor, o processo tem início, nos primórdios do século XX, quando o Governo do Estado de Santa Catarina - impossibilitado de promover com méis próprios o desenvolvimento daquela então remota região - delegou essa tarefa a empresas de colonização:
“O sistema era o seguinte: empresas colonizadoras recebiam do governo porções de terra e, em troca, deveriam proporcionar a ocupação definitiva da área e construir estradas para o transporte e deslocamento dos colonos. Esperava-se que, com essas medidas, promovessem o desenvolvimento e a inserção da área ao restante do Estado. As empresas colonizadoras, ao receber a área para colonizar, exploravam a madeira mais nobre e, só depois vendiam as terras aos colonos; por isso é que a indústria madeireira logo começou a se destacar no Oeste. A região se desenvolvia à medida que novas famílias de colonos se instalavam nas áreas abertas à colonização. Nesse ponto, a migração de colonos do Estado vizinho do Rio Grande do Sul contribuiu para o significativo aumento populacional da região, bem como para a exploração das matas. Com a extração da madeira e a derrubada da mata para as lavouras de subsistência, as madeireiras aproveitavam a matéria-prima disponível. Sua abundância, e, por sua vez, o baixo preço da madeira daí decorrente, era compensado pela quantidade e diversidade do produto comercializado, fomentando continuamente a atividade de derrubada e comercialização.”
A partir da década de 1940, cresce rapidamente o número de povoações recém formadas basicamente por descendentes de italianos, alemães e, em menor número, poloneses vindos do Rio Grande do Sul para as novas terras. Esse imigrante de origem européia passou logo a ser visto como o fator que seria decisivo para o desenvolvimento econômico, como explica Paulo Ricardo Bavaresco num trabalho intitulado “Colonização do Extremo Oeste Catarinense (Contribuições para a História Campesina da América Latina):
“As transformações que se processam no Extremo Oeste Catarinense a partir do período da colonização estão intimamente ligadas às relações sociais que se desenvolveram nas novas colônias. Essas relações se verificam no modo de vida, lazer, trabalho, uso da terra, ou seja, no cotidiano dos colonos. Fruto dessas relações é possível observar a construção da paisagem cultural, já que a ocupação ocorreu por ocasião do esgotamento das terras do Rio Grande do Sul. Para continuarem as atividades agrícolas, esses agricultores deixavam a terra natal e migravam ao encontro de novas terras, em que poderiam ser proprietários. Assim, deixavam os lotes desbravados pelos pais e tornavam-se pioneiros, colonizando outras áreas. Explica-se, assim, a mão de obra com baixa remuneração, disponível para as madeireiras e empresas colonizadoras. O trabalho braçal na abertura de estradas, em troca do pagamento do lote colonial, bem como, trabalho com baixa remuneração nas madeireiras, para compensar o capital investido na terra, foi a alternativa encontrada por alguns imigrantes. A difícil situação da infraestrutura, o tamanho do lote colonial que não ultrapassava 24ha, propiciou às comunidades desenvolverem uma produção para subsistência. O sentido econômico do lote colonial é a auto-suficiência, que serve para explicar, já inicialmente, a policultura. Planta-se, preferencialmente, as espécies vegetais destinadas à alimentação humana, e os respectivos excedentes permitem ao colono efetuar a troca, geralmente num armazém.”
A extração e venda de madeira que se constitui no segundo ciclo econômico da região (o primeiro fora o da coleta e venda de erva mate) desempenhou papel determinante na vida dos colonizadores pioneiros porque as árvores abatidas forneceram matéria-prima para a construção de casas, celeiros, cercas, galpões, estábulos e galinheiros.
De início, os agricultor que chegavam do Sul passaram por grandes dificuldades, assim descritas pelo professor Paulo Ricardo Bavaresco:
“O baixo preço pago pelo produto agrícola, por parte dos comerciantes locais, justificado pela distância dos grandes centros consumidores, dificultava o acúmulo de capital pelos colonizadores. Esse acúmulo é de fundamental importância no início da colonização, pois proporcionava ao agricultor condições de adquirir sementes, instrumentos e animais para transporte, que são indispensáveis para o aumento e melhoria da produção agrícola”.
As peculiaridades locais que acabaram determinando a economia regional, com sua vocação dirigida especialmente para a agroindústria, é assim esmiuçada pelo professor da Unioesc:
“A diversidade da produção agrícola nas colônias gerava pequeno excedente, que servia para a venda e troca. A dificuldade de transporte para os grãos propiciava ao colono a criação de galinhas e porcos. É que os porcos poderiam ser tropeados em comboios até as cidades. Logo, produzir excedentes para o mercado é herança cultural dos imigrantes proveniente das “colônias velhas” do Rio Grande do Sul. A necessidade da poupança é fator importante na aquisição de ferramentas para o trabalho, produtos que não era possível obter na colônia, e poupança também se fazia necessária para o pagamento da terra. Assim, papel importante nessas relações desempenhou o comerciante ou vendista. O comerciante passou a ser o centro dos negócios nas vilas ou pequenos núcleos coloniais. É nesses pontos que o colono repassava seu excedente e, em troca se abastecia de sal, querosene, tecidos, ferramentas e medicamento. Raras vezes, o colono recebia dinheiro em troca dos seus produtos, preferindo deixar em conta junto ao comerciante. Assim, o colono, em determinados períodos, encontrava-se com bom crédito no comércio, outras vezes, em débito. Mesmo assim, estabelecia-se certa confiança entre um e outro. Quando os frigoríficos surgiram na região Oeste do Estado de Santa Catarina, já encontraram ali uma considerável oferta de matéria-prima. É que a criação de suínos foi um procedimento típico nessas áreas coloniais. À medida que aumentava a demanda do produto pelos centros consumidores, o pequeno agricultor ampliava sua produção com vistas ao comércio. Avultava, assim, seu significado comercial devido a demanda para os frigoríficos instalados no Rio Grande do Sul, São Paulo e Paraná”.
MUNICÍPIOS
Para falar dessa extraordinária aventura que foi a ocupação de vasta parcela do território catarinense pelos meu conterrâneos vou concentrar-me aqui no exame da história dos principais municípios daquele Estado que tiveram, na sua origem e no seu desenvolvimento, a participação migrantes gaúchos.
Começo pela fundação, em 25 de agosto de 1917, de Chapecó, hoje a maior cidade do oeste catarinense, hoje com mais de 164 mil habitantes. O nome vem do tupi - Xapeco, com xis -, e muito apropriadamente quer dizer “lugar de onde se avista a plantação”. É um detalhe interessante.
Na verdade, chega a ser uma denominação premonitória porque, em pouco tempo, os colonos do Rio Grande do Sul transformariam a paisagem daquelas terras ainda incultas com suas plantações, com seus currais, com seus moinhos, seus engenhos. Começava a surgir ali um dos mais importantes pólos da agroindústria brasileira.
É necessário ressaltar que, em 1940, ocorrerá um novo fluxo de colonos gaúchos ainda mais intenso que aquele iniciado em 1917. Essa corrente migratória será a responsável pela características da cultura e da arquitetura, de fortes traços europeus, que será marcante em Chapecó.
Como já mencionei anteriormente, a forte agroindústria que naquelas terras se desenvolveu foi impulsionada inicialmente pela grande produção de aves e suínos nos minifúndios.
É claro que hoje, até por sua condição de mais importante cidade do oeste catarinense, Chapecó também se destaca como pólo comercial e de prestação de serviços, além de abrir espaço para outros setores industriais. Mas a principal vocação da cidade, sem dúvida alguma, continua a ser aquela que foi determinada desde seus primórdios pelos colonos chegados do Rio Grande do Sul.
Passo agora a falar sobre Concórdia, que reúne hoje mais de 67 mil habitantes, o que faz dela a maior cidade do Alto Uruguai Catarinense, meio-oeste do Estado, área que também recebeu os sucessivos fluxos de colonizadores gaúchos.
Até 1920, a fértil região em que se situa Concórdia era habitada somente por uns poucos moradores, que praticavam uma agricultura rudimentar. O nome do municípios deve-se ao fato de ali ter sido o assinado o acordo de paz que deu fim à Guerra do Contestado.
Entre os anos 1920 e 1930, os Governos estadual e federal decidiram estimular a venda de pequenas propriedades rurais para os colonos gaúchos. Os resultados foram os melhores possíveis. Rapidamente proliferaram nos minifúndios as plantações de milho e de soja. De outro lado, a criação de animais favoreceria, depois, o surgimento ali de algumas das maiores empresas frigoríficas do País.
Mais tarde, o progresso da cidade tornou inevitável o desenvolvimento de outros setores, tanto na área do comércio como na da indústria, com destaque para a informática. Em Concórdia vive ainda o espírito dos gaúchos pioneiros, abertos à congregação e à celebração da amizade.
Todos os anos, por exemplo, temos a Festa do Vizinho, que começou, com poucas ruas, em 1997. Hoje, mais de quinhentas ruas fazem a festa, reunindo 30 mil pessoas. Nesse dia, os vizinhos se juntam para um almoço comunitário, quase sempre o nosso velho churrasco. A festa acontece na própria rua, especialmente decorada para a ocasião, e vai do meio da manhã até o anoitecer.
Passo agora a uma outra cidade importante na cronologia da diáspora do povo gaúcho. Refiro-me à Videira que até 1918 era conhecida como Vila do Rio das Pedras. A partir daquele ano, muitas famílias de imigrantes de origem italiana, oriundas do Rio Grande do Sul, fixaram-se naquelas terras e entregam-se à produção agrícola em moldes familiares.
Mais tarde, em 1944, já com uma produção de uvas bastante significativa, o município de Videira consegue a emancipação. A partir daí, vê consolidar-se um vigoroso processo de crescimento, baseado também na produção de outras frutas, como pêssego e ameixa, e na criação de aves e suínos. A agroindústria adquire um papel econômico preponderante, gerando milhares de empregos.
Nesse perambular em busca das pegadas dos migrantes gaúchos para Santa Catarina, passo agora a falar de Caçador, destacado Município do meio-oeste catarinense, atualmente com mais de 67 mil habitantes. Em 1910, os trilhos da ferrovia São Paulo - Rio Grande do Sul chegaram à estação Rio Caçador, no Alto Vale do Rio do Peixe. Com os trilhos, vieram imigrantes de origem italiana, provenientes quase todos do Rio Grande. Rompeu, porém, a Guerra do Contestado, e o processo de colonização arrefeceu. Somente foi retomado com o fim do conflito, quando a então Vila de Rio Caçador recebe migrantes poloneses, ucranianos, espanhóis, portugueses e sírio-libaneses.
Nesse trajeto pelas cidades de Santa Catarina que contaram com a presença de gaúchos na sua formação é importante também falarmos de Xanxerê. Até porque os anseios de emancipação daquele município se tornaram mais fortes quando para suas terras começaram a migrar famílias vindas dos mais diversos lugares - mas em sua grande maioria do Rio Grande do Sul - atraídas principalmente pelas riquezas naturais lá existentes, pelos vastos pinhais e pelas matas cobertas de madeiras nobres.
Também é indispensável dizer algumas palavras a respeito de São Miguel do Oeste, hoje a maior cidade do extremo-oeste catarinense. Registros históricos dizem que nas décadas de 40 e 50 do século passado, quase todos os dias, chegavam à então Vila Oeste, na época distrito de Chapecó, inúmeras caravanas com colonos provenientes do Rio Grande do Sul.
Aquela região não oferecia aos migrantes as condições básicas para uma vida confortável, mas eles, com seu trabalho incessante, bem como suas articulações políticas, conseguiram a emancipação da Vila Oeste, transformada depois no Município de São Miguel do Oeste.
Concentrei-me aqui em citar as mais populosas cidades do Oeste e do Meio Oeste Catarinense que foram formadas, em grande parte, por agricultores que migravam do Rio Grande do Sul, mas o número de cidades médias e pequenas é igualmente impressionante.
Faxinal dos Guedes e Arvoredo, por exemplo, nada mais eram, inicialmente, que pontos de passagem dos tropeiros que saíam do Rio Grande do Sul em direção a outros Estados, principalmente Paraná e São Paulo. Aos poucos, foram cativando os viajantes que nelas se instalaram.
Ao fazer menção aos tropeiros, obrigatoriamente devo mencionar outro pedaço do solo catarinense em que também é marcante a influência do povo gaúcho: a região serrana.
É o caso de Lages, a maior cidade do Planalto Catarinense que conta atualmente com cerca de 170 mil habitantes. Fundada em 1766, foi inicialmente uma importante estalagem na rota comercial entre o Rio Grande do Sul e os Estados mais ao Norte, pela qual era levado o gado dos campos gaúchos a fim de ser abatido para alimentar os trabalhadores das minas de extração de ouro em Minas Gerais.
Muitas outras cidades daquela região - como Bom Jardim da Serra, por exemplo - tiveram gênese semelhante. Para isso contribuíram as peculiaridades da geografia local. As viagens pela região serrana eram extremamente cansativas e perigosas. Sempre havia o risco de as mulas caírem nas ribanceiras, morrendo e levando consigo as preciosas cargas que transportavam. De modo que os tropeiros preferiam acampar em Lages, recobrando forças e preparando-se para a descida do dia seguinte.
Com o passar dos anos, o acampamento deu origem a um pequeno vilarejo, que logo se estruturava para oferecer aos viajantes um comércio rudimentar e a prestação de alguns serviços básicos.
Dessa maneira consolidaram-se muitos Municípios da região serrana de Santa Catarina, que mantêm, até hoje, traços que os aproximam dos gaúchos que moram no nosso planalto. O sotaque e o vestuário, por exemplo.
Já na migração para Santa Catarina ficou patente aquele traço que seria característico dos migrantes gaúchos: a incrível capacidade de, nas zonas de colonização, conviver pacifica e harmoniosamente com pessoas oriundas de outras regiões e com os moradores locais.
Já falei de cidades em que eles vieram a ter a companhia de poloneses, espanhóis, portugueses, sírio-libaneses... Pois bem! A convivência foi sempre respeitosa e fraterna. Uma demonstração a mais, na verdade, da natureza gregária do povo gaúcho.
Depois dessa relação amistosa com as pessoas de outros rincões, quero destacar aqui, mais uma vez, o nosso proverbial sentimento de amor à terra natal. Ao longo de todo esse tempo, que se estende por mais de um século, continuaram os migrantes gaúchos espalhados pela Nação a cultivar seus costumes e tradições.
A mais clara demonstração de que o pelo Rio Grande do Sul continua inabalável é, sem sombra de dúvida, a existência de milhares de CTGs, os Centros de Tradição Gaúcha. São os CTGs, com seu caráter gregário, com sua altivez, com seu espírito generoso e solidário, que favorecem a coesão dos migrantes sul-rio-grandenses em todos os rincões deste mundo.
Em torno de qualquer agrupamento de gaúchos desbravadores, logo surge um CTG. E o novo galpão erguido às pressas, às vezes bastante precário, logo se transforma no centro das decisões mais importantes para o futuro daquela comunidade. Ali são feitas reuniões para tratar da venda das safras, do financiamento dos bancos oficiais, das melhorias em infra-estrutura que se fazem necessárias.
Mas ali, principalmente - ali, mais que tudo -, o que se faz é preservar a cultura gaúcha. Ali se preservam as vestimentas, o tipo de alimentação, o linguajar, os esportes, a filosofia, a poesia, as músicas e as danças de nossa terra.
Em Santa Catarina, de acordo com levantamento do Movimento Tradicionalista Gaúcho daquele Estado, existem atualmente 534 CTGs. A esses estão vinculados 1.866 Piquetes de Laçadores.
Os Piquetes de Laçadores, deixem-me explicar, ajudam a zelar pelas tradições do Rio Grande; organizam reuniões de caráter cultural, recreativo e campeiro entre seus integrantes e convidados, com o objetivo de conservar e divulgar os aspectos peculiares da vida no campo e do traje gaúcho; e participam em torneios de tiro de laço, rodeios, desfiles, cavalgadas e outros eventos campeiros.
Ao todo, os CTGs de Santa Catarina têm mais de 26 mil e 300 sócios. Milhares de pessoas que nos ajudam a lembrar, todo dia, quão importante foi a contribuição da gente sul-rio-grandense para transformar aquele Estado num dos mais desenvolvidos de nosso País, tanto do ponto de vista econômico como, principalmente, do ponto de vista social. Milhares de pessoas que nos ajudam a lembrar, todo dia, que em Santa Catarina, especialmente no oeste e na região serrana, existe muito do povo gaúcho, da alma gaúcha, do sentimento gaúcho.
Muito obrigado!
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