Discurso durante a 104ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexões sobre qualidade da educação pública brasileira e a falta de valorização do quadro de docentes. Defesa da democratização do ensino público de qualidade.

Autor
Marco Maciel (DEM - Democratas/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Reflexões sobre qualidade da educação pública brasileira e a falta de valorização do quadro de docentes. Defesa da democratização do ensino público de qualidade.
Aparteantes
Antonio Carlos Júnior, Marconi Perillo.
Publicação
Publicação no DSF de 25/06/2009 - Página 26802
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • REGISTRO, HISTORIA, EDUCAÇÃO, BRASIL, PRECARIEDADE, QUALIDADE, OMISSÃO, GOVERNO, PERIODO, IMPERIO, REPUBLICA, COMENTARIO, EPOCA, GESTÃO, ORADOR, VICE-PRESIDENTE DA REPUBLICA, EFICACIA, INCENTIVO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, MELHORIA, ENSINO, CRIAÇÃO, FUNDO DE DESENVOLVIMENTO, ENSINO FUNDAMENTAL, VALORIZAÇÃO, MAGISTERIO, PROGRAMA, DISTRIBUIÇÃO, LIVRO DIDATICO, AMPLIAÇÃO, CAPACIDADE PROFISSIONAL, PROFESSOR, REDUÇÃO, ANALFABETISMO.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, MELHORIA, ECONOMIA NACIONAL, ARRECADAÇÃO, TRIBUTOS, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, AMPLIAÇÃO, QUALIDADE, EDUCAÇÃO BASICA, AUMENTO, REPASSE, FUNDOS.
  • REGISTRO, IMPORTANCIA, INVESTIMENTO, FORMAÇÃO PROFISSIONAL, PROFESSOR, MELHORIA, QUALIDADE, ENSINO, DEFESA, VALORIZAÇÃO, PROFISSÃO, AMPLIAÇÃO, SALARIO, CUMPRIMENTO, PISO SALARIAL.
  • COMENTARIO, PRECARIEDADE, EDUCAÇÃO, REGIÃO NORDESTE, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), DEFESA, COMBATE, DESIGUALDADE REGIONAL, ENSINO.
  • DEFESA, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, DESENVOLVIMENTO TECNOLOGICO, DESENVOLVIMENTO CIENTIFICO, INCENTIVO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL.
  • DEFESA, URGENCIA, APRECIAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, SUPRESSÃO, DESVINCULAÇÃO, RECEITA, UNIÃO FEDERAL, EDUCAÇÃO, MELHORIA, QUALIDADE, ENSINO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Nobre Senador Mão Santa, eu quero agradecer as generosas palavras que V. Exª produziu a meu respeito. O que me traz à tribuna neste fim de tarde, começo de noite, diz respeito à educação brasileira.

         Os graves problemas que envolvem a educação brasileira são antigos e, a despeito de avanços e conquistas aqui e acolá, teimam em não desaparecer. A rigor, esse é um debate que nos acompanha desde a Independência e do início da nossa trajetória como Estado nacional.

No século XIX, por exemplo, o notável alagoano Tavares Bastos, em obra clássica em defesa do federalismo - o livro se intitulava A Província -, já alertava para a imperiosa necessidade de se oferecer ao País um sistema educacional de verdade, não sem antes lembrar que a educação de qualidade custa caro. Logo, há de existir vontade política para que ela se efetive. Daí por que Tavares Bastos defendia, e com muita ênfase, a necessidade de fazermos com que, já a partir do Império, as províncias se convertessem em Estados.

Ou seja, que o Império permitisse então que tivéssemos Estados que pudessem gerir adequadamente seus destinos, evitando consequentemente a concentração dos poderes em um país extremamente extenso, em poucas pessoas, em poucos dirigentes.

Sr. Presidente, desde o Império, o Senado tem denunciado o lamentável estado da educação pública no Brasil, enfatizando o déficit de atendimento e as crescentes limitações da qualidade do ensino. Lembro-me de Rui Barbosa - V. Exª o citou ainda há pouco, e o busto dele aqui se encontra atrás da mesa -, entre tantos outros, a dedicar sua eloquência e sua indignação a esse estado de coisas, defendendo uma reforma profunda, infelizmente nunca realizada.

Ao contrário, os problemas não fizeram outra coisa senão aumentar de dimensão e de intensidade. Por isso, chegamos ao século XXI convivendo com um cenário que nos entristece. Enquanto crianças, adolescentes, jovens mais abastados se protegem em escolas privadas de padrão mais elevado, as escolas públicas, com as deficiências conhecidas e retratadas nas sucessivas avaliações, parecem ser reservadas às populações mais pobres.

Não faltaram diagnósticos de parlamentares sensíveis aos estudos de notáveis estudiosos, como Anísio Teixeira, Gustavo Capanema, Fernando de Azevedo, Darcy Ribeiro, Paulo Freire, Florestan Fernandes, na busca de explicação para a terrível situação. Nesses diagnósticos, invariavelmente, sobressaíam a ausência do adequado financiamento e a crescente desvalorização dos professores, seja em termos de formação, seja em termos de remuneração. 

Aliás, é importante insistir que não podemos ter educação de boa qualidade se não tivermos professores bem preparados. Daí a necessidade de se pensar no Brasil em melhorar a formação do docente, do professor para que possamos gerar, consequentemente, bons alunos.

Tenho presente, Sr. Presidente, que, enquanto acontecia a explosão demográfica no País simultaneamente à fortíssima corrente migratória do campo em direção às cidades - isso aconteceu de forma mais acentuada de 1940 a 1980, quando se dizia à época, 1940, que era um País essencialmente agrícola, e, em 1980, já tinha dois terços de sua população nas grandes e médias cidades. Em função desse processo migratório, a complexidade aumentou, porque de uma hora para outra se exigiu a construção de mais escolas, a formação de mais docentes, para que pudéssemos finalmente erradicar não somente o analfabetismo, como assegurar a todos o acesso à escola, e escola de boa qualidade.

Para que se tenha idéia do que ocorria, basta lembrar que, entre 1950 e 1970, cerca de 39 milhões de brasileiros migraram das zonas rurais para os centros urbanos, não houve um processo de migração campo cidade, mais do que isso, houve um processo de megalopolização - a população se deslocou das pequenas cidades e dos campos para as médias e grandes cidades.

Ainda assim, em 1990, algo em torno de 20% dos brasileiros em idade de escolaridade obrigatória, o ensino fundamental, estavam fora da escola. Nem a multiplicação de turnos escolares e a contratação de professores leigos conseguiram dar conta do imenso desafio.

Com a redemocratização do País, e tomo o processo de redemocratização a partir de 1985, quando se elegeu a chapa Tancredo/Sarney e, sobretudo, com a promulgação da Carta de 1988, explicitou-se o direito dos cidadãos à educação formal. A Constituição Cidadã, como assim a chamava Ulysses Guimarães, ia além ao estabelecer um conjunto de deveres da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mesmo porque os Municípios passaram a ser, com a Constituição de 1988, também entes federativos, algo totalmente novo no federalismo brasileiro.

O SR. PRESIDENTE (Mozarildo Cavalcanti. PTB - RR) - Senador Marco Maciel, pediria permissão a V. Exª para prorrogar a sessão por mais trinta minutos para que possamos ouvir V. Exª e mais o Senador Mão Santa, que está inscrito.

O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE) - Pois não. Muito obrigado a V. Exª.

Então, como estava dizendo, os Municípios passaram a ser entes federativos. Hoje, temos uma federação trina, para usar uma expressão de Miguel Reale, que compreende não só o orçamento da União, do Distrito Federal, dos Estados e também, agora, os Municípios.

Recordo-me da efetiva participação do Senado Federal na elaboração dessas garantias e das políticas a serem implementadas. Ficava mais claro o caminho a ser percorrido.

Penso ter dado minha contribuição à frente do Ministério da Educação no difícil complexo do contexto da transição política em meio à crise econômica de grandeza incomum.

Instituí, na ocasião, o “Dia D”, que buscou sensibilizar a sociedade para a tarefa de todos na construção de um novo modelo de escolarização básica. O Programa Nova Universidade, a par de enfrentar históricas deficiências no setor, também se preocupava com a crucial questão da formação de professores.

Recordemos juntos, Sr. Presidente Mozarildo Cavalcanti, Srªs e Srs. Senadores. Enquanto no Congresso Nacional eram discutidas as diretrizes e bases da educação nacional, os Governos Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso deram vigorosos passos para equacionar a questão do financiamento do sistema e da valorização dos docentes. Com o Presidente Itamar Franco, tendo à frente do MEC o Professor e Ministro Murílio Hingel, convocaram-se os atores da educação brasileira para a elaboração do Plano Decenal de Educação, aproximando o País de idêntico compromisso assumido por nove países mais populosos e com elevados índices de analfabetismo sob a chancela da Unesco.

         No Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, ao qual tive a honra de pertencer como vice-Presidente da República e com o qual pude partilhar responsabilidades, a educação teve um tratamento prioritário.

         Em setembro de 1996, por meio da Emenda Constitucional nº14 instituiu-se o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, o extraordinariamente bem-vindo Fundef. Em verdade, as bases do financiamento da educação pública foram assentadas na Carta de 1988 - e a isso acabei de aludir. Segundo o art. 212, a União deve aplicar nunca menos de 18% da receita líquida de seus impostos; os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, 25%, no mínimo, na manutenção e desenvolvimento do ensino.

Arma-se a equação: ocorrendo crescimento econômico e maior arrecadação de impostos, haverá mais dinheiro para a educação; ocorrendo menor crescimento da população, que resulta em menos matrículas, também aumentarão os recursos financeiros por aluno.

Essas duas variáveis convergiram em 1997, como afirma o especialista e consultor legislativo do Senado professor João Monlevade, em sua tese de doutorado: o Plano Real resultou em maiores receitas de impostos nas três esferas do Executivo e, pela primeira vez, os efeitos da forte redução nas taxas de natalidade chegaram às estatísticas escolares. Na maioria dos entes federados, frise-se, o crescimento da arrecadação superou a taxa de ampliação de matrículas.

O Fundef fez o que prometia. Primeiro concentrou os investimentos no ensino fundamental de modo que, dos 25% da receita, 15% obrigatoriamente deveriam ser gastos nele. Desses 15%, 60% seriam obrigatoriamente usados no pagamento de salário dos professores ou em programas de formação pedagógica.

Segundo ponto a singularizar o Fundef: em cada Estado, 15% das receitas dos Governos estaduais e municipais eram centralizados em um único fundo contábil e redistribuídos pelas escolas de acordo com o númerio de matrículas. Além disso, a União garantia um “gasto mínimo anual por aluno” por meio de complementação dos fundos estaduais que não atingissem um valor mínimo.

O primeiro extraordinário efeito do Fundef foi a expansão da matrícula do ensino fundamental público. Se, em 1997, eram 28 milhões; em 2000, chegaram a 32 milhões.

No Nordeste, as repercussões do Fundef foram imediatas. De início, foi preciso que a União complementasse recursos para sete de seus nove Estados, de modo a que se atingisse o valor mínimo anual estipulado em 1988, ou seja, R$315,00. Pernambuco, Ceará, Piauí, Alagoas e Paraíba receberam poucos recursos e, nos anos finais da vigência do Fundef, não foram beneficiados.

Sr. Presidente, Senador Mozarildo Cavalcanti, Srs. Senadores Marconi Perillo, 1º Vice-Presidente da Casa, e Senador Mão Santa, se observamos a evolução dos gastos per capita de Pernambuco, entre 1998 e 2006, podemos facilmente verificar o avanço da política de financiamento, sobretudo em relação aos Municípios mais pobres.

A principal repercussão, não há dúvida, deu-se com a remuneração dos professores. E aí gostaria de destacar a preocupação do então Governador Jarbas Vasconcellos. Antes do Fundef - e disso não se pode esquecer -, a maioria recebia remunerações vergonhosas, abaixo do salário-mínimo. Entre esses, houve ganhos que superaram os 500%, chegando até os 1.000%, em termos nominais, em tempos de baixa inflação domada pelo Plano Real.

Eu gostaria de insistir na relevância do Plano Real, que foi mais do que um projeto de estabilização fiscal, de estabilização econômica. Foi, sobretudo, um programa que permitiu também fazer o resgate das desigualdades brasileiras. O Brasil é um país assimétrico, caracterizado por grandes desigualdades regionais e por uma grande diversidade ecológica.

Por isso estudar o Brasil envolve certa complexidade e recomendar medidas na área da educação exige também muito estudo para que nós possamos de fato avançar nesse setor e criar condições para que o País cresça a taxas mais altas, por força da melhor qualidade dos seus quadros, pela melhor educação da sua gente.

Sr. Presidente, o mesmo pode ser dito, relativamente aos níveis de formação dos docentes, a que me referi anteriormente en passant. Da maioria dos professores leigos em 1995, passou-se, dez anos depois, para um cenário do qual não se pode reclamar, pelo menos do ponto de vista formal.

Não apenas na rede estadual, mas na maioria das redes municipais pernambucanas, o número de professores com formação superior, Pedagogia ou Licenciaturas, é maior do que o de não graduados.

Reconhece-se assim que a despeito de suas inúmeras conquistas o Fundef focalizava apenas o nível da escolaridade obrigatória, ou seja, o ensino fundamental.

Assim a educação infantil sob a responsabilidade dos Municípios e o ensino médio a cargo dos Estados não se beneficiavam com gastos com os professores. Outra limitação dizia respeito à exclusão das matrículas de jovens e adultos no cálculo dos recursos repassados.

Enfatizo, por oportuno, Srªs e Srs. Senadores, um aspecto desse processo. A política macroeconômica praticada entre 1996 e 2002 permitiu contínuo e sólido crescimento da arrecadação dos impostos que faziam parte da cesta básica de tributos do Fundef, sobretudo do ICMS.

O mesmo ocorreu com os repasses do Fundo de Participação dos Estados e do Fundo de Participação dos Municípios, ambos reconhecidamente essenciais, sabemos todos, para a redução das desigualdades regionais de renda.

Sem isso, Sr. Presidente, a educação pública e gratuita seria inviabilizada, mormente no nordeste, região em que muitas vezes os recursos dos fundos ultrapassam as receitas próprias.

E falar no nordeste é falar também na região que, infelizmente, ainda exibe níveis sociais extremamente graves, ou seja, ainda não conseguimos fazer com que se reduza substancialmente o desnível de renda entre o nordeste e outras regiões do País, sobretudo em relação ao sul, sudeste e centro-oeste.

Foi nesse cenário, possibilitado por mais de uma década de estabilidade - insisto - graças ao Plano Real, que prosperou a ideia do Fundeb, Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação. Como mecanismo de financiamento, sua concepção é igual à do Fundef, todavia, o  Congresso Nacional deu um passo que fez a diferença: a partir de agora, não apenas a demanda de ensino fundamental obrigatório, cujo atendimento já atingia o índice de 97% de atendimento, seria contemplada. Abria-se ao conjunto da educação básica - educação infantil, ensino fundamental e ensino médio - o indispensável financiamento público, propiciado pelas receitas de impostos estaduais e municipais, além da complementação da educação se necessária.

Foi justamente nesta Casa, aqui no Senado, que se consolidou a participação do Governo Federal na composição dos fundos. Aprovada a emenda constitucional em dezembro de 2006, no ano seguinte a União passa a transferir para oito Estados, sendo sete nordestinos, cerca de 2 bilhões de reais. No ano passado, foram mais de 3 bilhões de reais. Neste ano, inobstante a crise que assola o mundo todo e que pervade também o Brasil, inobstante a crise que reduz as receitas de todos os entes federados, mais de cinco bilhões de reais estão complementando o Fundeb de nove Estados.

Em 2010, quando as receitas do Fundeb deverão ultrapassar os 90 bilhões de reais, 10% desse total, no mínimo, virão do Governo Federal, ou seja, cerca de 9 bilhões de reais.

O Fundeb não se esqueceu da formação dos professores, que é o calcanhar de Aquiles, na minha opinião; se não temos bons professores, não podemos ter bons alunos; se não temos bons alunos, não teremos bons escritores, bons autores. Enfim, não contribuiremos para o alevantamento educacional do nosso povo, nem para o alevantamento cultural de nossa gente. Um País que é tão diverso em sua formação cultural muito se enriquece com o desenvolvimento da educação.

O Fundeb, repito, não se esqueceu da formação dos professores. Não apenas se mantiveram os 60% da receita para ao folha de pagamento dos professores em exercício, como foi aprovado o piso salarial no valor de 950 reais. Para 2009, o piso será de 1.132 reais; em 2010 o valor será corrigido por critério a ser estabelecido. 

Ganhos inegáveis para os docentes, infelizmente ainda sub judice no Supremo - a que recorreram alguns Governadores -, precisam ser reconhecidos, mas é necessário investir cada vez mais na promoção do professor, inclusive não somente na sua formação, mas também na sua remuneração.

Sr. Presidente, tal como passara com o Fundef, as repercussões do Fundef no nordeste foram imediatas. Em 2006, somente o Maranhão recebera a complementação da União. Em 2007, foram sete os Estados beneficiados, inclusive Pernambuco, Estado que tenho a honra de representar aqui no Senado Federal.

Neste ano, quase R$4 milhões vão para a região, cabendo a Pernambuco cerca de R$ 380 milhões. Consequências ainda mais alvissareiras do Fundeb relacionam-se ao potencial de atendimento da educação infantil do ensino médio e da educação de jovens e adultos pela lógica de financiamento de caráter universal e socialmente inclusivo.

Ora, Sr. Presidente, é justamente no Nordeste que se concentra o maior número de crianças não atendidas pela educação infantil. Nele também está o maior contingente de analfabetos, o que é uma coisa extremamente grave em um mundo que se caracteriza cada vez mais pela grande revolução científica e tecnológica e pela apropriação de novas tecnologias virtuais, ainda convivemos com taxas infelizmente elevadas de analfabetismo, de modo especial, na Região Nordeste.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vou concluir as minhas palavras...

O Sr. Antonio Carlos Júnior (DEM - BA) - Senador Marco Maciel, V. Exª me permitiria um aparte?

O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE) - Pois não. Ouço, com prazer, o nobre Senador Antonio Carlos Magalhães Júnior.

O Sr. Antonio Carlos Júnior (DEM - BA) - Senador Marco Maciel, V. Exª fala desse assunto como poucos teriam autoridade para falar. Primeiro, porque V. Exª é um grande estudioso da Educação no Brasil. Inclusive, já foi Ministro da Educação, conhece bem o assunto. Além do mais, foi Vice-Presidente da República, durante oito anos, no Governo Fernando Henrique, e acompanhou os benefícios do Plano Real, o consequente controle da inflação; e todas as medidas econômicas que se sucederam no Plano Real trouxeram de benefício para a economia brasileira, possibilitando que o Fundef, que também foi um instrumento do Governo Fernando Henrique, evoluísse e chegasse hoje ao Fundeb. E os benefícios que a economia brasileira vive hoje foram também, digamos, resultado de uma sucessão de medidas bem-sucedidas tomadas no Governo Fernando Henrique: o Fundeb, como também o próprio Bolsa Família, que era Bolsa Escola no Governo Fernando Henrique. Quer dizer, nós temos que reconhecer os méritos do que foi plantado atrás. Não estou querendo tirar os méritos do Governo atual. Agora, que há méritos, digamos, flagrantes do Governo Fernando Henrique, isso é indiscutível - do qual V. Exª fez parte como Vice-Presidente da República. Então, eu queria parabenizar o seu pronunciamento. V. Exª tem toda a autoridade para falar no assunto, não só porque foi Vice-Presidente da República no Governo onde tudo isso começou, mas também porque é autoridade na área da Educação. Então, parabéns pelo seu pronunciamento.

O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE) - Muito obrigado, nobre Senador Antonio Carlos Júnior, pelas suas palavras. Devo dizer que, de fato, como V. Exª salientou, o Plano Real cumpriu um papel decisivo nessa grande transformação da educação brasileira. Por isso devemos não apenas considerar o Plano Real no seu sentido econômico, mas também ver as suas reverberações no campo social, no campo educacional especificamente, e no campo cultural.

E não é por outra razão também que houve uma grande expansão das matrículas, queda nas taxas de analfabetismo e, conseqüentemente, o florescimento de novos tempos no que diz respeito à valorização da educação no Brasil.

Convivi muito tempo - tive essa oportunidade - com o Senador João Calmon, que era um grande apóstolo da educação. E ele, sempre que conversava comigo, dizia: “Marco, eu estou cada vez mais convencido de que a educação não consegue ser prioridade no Brasil, inclusive porque educação não aparece nos jornais”. E, com certa ironia, acrescentava: “A educação no Brasil só aparece às vezes na página policial, lá embaixo”, querendo dizer que antigamente se dava pouco apreço à importância da educação e, graças à preocupação do Senador João Calmon, conseguimos fazer uma reunião - à ocasião, eu era Ministro da Educação -, envolvendo líderes na Câmara e no Senado, e conseguimos aprovar um grande sonho dele, que era a vinculação de recursos orçamentários para a educação. E a emenda constitucional foi aprovada nas duas Casas por longa margem de votos.

Mas o que eu gostaria de observar é que, tão logo conseguimos aprovar a emenda constitucional, o Ministério do Planejamento começou a demorar na sua implementação, sob a alegação...

O SR. PRESIDENTE (Mozarildo Cavalcanti. PTB - RR) - Senador Marco Maciel, só para prorrogar a sessão até às 20 horas, para que V. Exª possa concluir com calma o seu pronunciamento e para que possamos ouvir os outros oradores.

O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE) - Pois não. Muito obrigado.

Então, o que aconteceu? O Ministério do Planejamento começou a questionar, dizendo que não podia fazer a vinculação dos recursos, porque não estava clara essa possibilidade na emenda constitucional. Então, imediatamente, saímos para fazer uma lei complementar, regulamentando esse dispositivo. O Ministro, à época, era Delfim Netto. Fizemos, então, uma lei regulamentando o dispositivo. Isso tornou possível finalmente a vinculação. Essa vinculação, depois, não ficou apenas naqueles 13% cogitados pelo então Senador João Calmon, mas, hoje, ampliou e, graças a isso, mais recursos foram alocados para a educação brasileira.

Sr. Presidente, ao longo da história, os professores brasileiros, salvo em raros períodos, nunca receberam salários dignos. Na Colônia, nem salário havia, mesmo porque a educação era entregue basicamente à Igreja Católica, aos padres, que faziam o processo de alfabetização - tome-se o Padre Anchieta como exemplo. Fazia-se o processo de educação gratuitamente através dos padres, dos religiosos, que ajudavam a disseminar, consequentemente, o processo educativo.

Entre 1772 e 1822, vigorou a decisão de Pombal de criar as aulas régias, cujos salários, mínimos, eram pagos por meio de “subsídio literário”, tributo arrecadado pelas Câmaras Municipais. Consultando os Anais do Senado, verificamos discursos dos nossos primeiros Constituintes, denunciando a miséria em que viviam os professores. É verdade que, entre 1889 e 1930, algumas centenas de professores de liceus e de escolas normais, em meio aos milhares de professores primários, recebiam salários razoáveis. Eram exceções que, iniciada a democratização do acesso à escola e a multiplicação de postos de trabalho, se pulverizaram em virtude das altas taxas de inflação do País.

Concedo aparte, com muito prazer, ao nobre Senador Marconi Perillo, 1ª Vice-Presidente da Casa.

O Sr. Marconi Perillo (PSDB - GO) - Senador Marco Maciel, agradeço pela atenção em me conceder este aparte. Eu gostaria de corroborar as palavras do Senador Antonio Carlos Júnior em relação às qualidades de V. Exª, o currículo, a experiência, a densidade intelectual e, sobretudo, a participação como copartícipe, ou partícipe diretamente na formulação de muitas dessas políticas públicas que colaboraram para a transformação do Brasil nesses últimos anos, quer na elaboração, implementação, manutenção do Plano Real e do programa de estabilidade econômica, quer em relação às políticas ligadas aos avanços na educação brasileira. Mas eu gostaria de fazer três comentários a esse pronunciamento denso, oportuno e recheado de informações que V. Exª traz aqui a este plenário. A primeira reflexão que eu gostaria de fazer diz respeito ao Plano Real. O Plano Real decretou o fim daquele que talvez seja o mais perverso imposto de que se tem notícia, que é o imposto inflacionário. V. Exª já foi Governador, já foi Vice-Presidente da República, e eu já fui Governador por duas vezes. Embora não tenha tido a infelicidade de conviver com a inflação, sei que a inflação só beneficia governo e, às vezes, alguns grandes empresários. A inflação, o imposto inflacionário é extremamente maléfico aos trabalhadores, que são os que mais perdem, e também ao sistema produtivo mediano de uma maneira geral. O Governo Fernando Henrique, com a participação de V. Exª - depois do Governo do Presidente Itamar Franco, tendo à frente do Ministério da Fazenda o então Ministro Fernando Henrique - teve a clarividência, a iniciativa e a coragem de decretar o fim da inflação com a criação e a aprovação do Plano Real. Mas o Plano Real não trouxe apenas o benefício do fim da inflação, acabando com o imposto inflacionário. O Plano Real também trouxe a inclusão de milhões de famílias brasileiras. Mas não só a inclusão social. As famílias passaram a ter acesso a bens duráveis, a bens de consumo. Dezenas de milhões de brasileiros, de famílias brasileiras tiveram a oportunidade de adquirir bens como televisores, geladeiras, liquidificadores, telefones e também cimento para melhorar suas residências. Com o Governo de V. Exª e de Fernando Henrique, houve a flexibilização do monopólio de telecomunicações, e, com isso, mudamos definitivamente a vida de quase 200 milhões de brasileiros. Então, eu queria fazer essa reflexão em relação ao Plano Real e ao fim da inflação que trouxeram uma série de benefícios indiretos. E como na natureza nada se cria, tudo se transforma ou se copia, o Governo Lula tem esse predicado de, graças ao Ministro Palocci e ao Ministro Henrique Meirelles, ter continuado os fundamentos da economia brasileira, iniciados nesses governos já citados. A outra reflexão diz respeito ao Fundef. Tive oportunidade de participar, como Deputado Federal, no Congresso, da discussão na Comissão de Justiça e depois na Comissão Especial, de todo o debate sobre a Lei do Fundef, que realmente mudou o Brasil para melhor, porque incluiu famílias e alunos de famílias que estavam excluídos da educação brasileira e buscou quase universalizar o acesso à educação fundamental. Com o Fundeb agora - é claro -, já estamos dando outro avanço, que é no sentido de universalizarmos o acesso à educação básica. Por último, querido Senador Marco Maciel, eu queria também fazer um comentário a respeito da preocupação em relação à formação de professores. Esse talvez seja o maior dilema enfrentado hoje no Brasil e no mundo. Temos hoje no mundo uma carência de cerca de 800 mil professores em algumas disciplinas, déficit efetivo de cerca de 800 mil professores em disciplinas como Física, Química, Biologia, Matemática, línguas, exatamente pela falta de compromisso ou de uma diretriz que efetivamente garanta professores, cursos para formação e qualificação de professores nessas áreas. Quando eu era Governador, buscava suprir, da melhor maneira possível, mas com muitas dificuldades, essas lacunas e essas deficiências, porque esse é efetivamente um desafio e certamente também um grande projeto a ser abraçado pelas autoridades brasileiras daqui para frente, porque ou se tem como mote a formação de professores, a qualificação de professores nessas áreas, ou nós estaremos condenando as próximas gerações de brasileiros. Muito obrigado a V. Exª pelo aparte.

O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE) - Eu é que agradeço a V. Exª a contribuição que trouxe enriquecendo, consequentemente, as palavras que neste momento profiro.

E devo dizer que V. Exª chamou a atenção para três pontos. Um que eu achei, obviamente, muito relevante - a importância do Plano Real, um programa de ajuste econômico, que tinha um travejamento, se assim posso dizer, muito forte no campo social. Em segundo lugar, V. Exª transmitiu a sua vivência como Parlamentar e Governador em dois mandatos, percebeu bem a importância da educação para dar ao País um projeto de desenvolvimento sustentado, firme, como acontece com as nações do chamado Primeiro Mundo.

Eu me recordo agora de uma frase de Norberto Bobbio, que acho que é sempre atual. Ele disse que o mundo se dividia entre nações ricas e pobres, fortes e fracas; agora vai se dividir entre as que sabem e as que não sabem. Ou seja, ou nós investimos em educação, ciência, tecnologia, inovação, em desenvolvimento cultural de um modo geral, ou certamente não vamos ser o País que tanto almejamos.

E, por fim, V. Exª mencionou a questão do professor, e esse é um problema básico e precisamos a ele voltar cada vez mais a atenção. E o bom professor é aquele capaz de dar ao aluno uma possibilidade de avançar com muito mais velocidade. O projeto educacional tem que começar também muito cedo e ter pessoal habilitado já a partir mesmo do primeiro nível da educação.

Se não estou equivocado, Gabriela Mistral disse, certa feita que a hora da criança é agora. Com isso, ela queria dizer que toda atenção tem que ser dada logo à criança, para que ela possa, ao longo da sua formação, ir desenvolvendo suas atividades e os seus talentos. E é este o grande desafio brasileiro: termos bons professores. Já avançamos muito, mas ainda precisamos fazer muito. Precisamos também ter a consciência de que ainda há muito o que fazer no território da educação e, por que não dizer, também no território da cultura.

Sr. Presidente, tenho plena convicção de estar trazendo ao debate nesta Casa um tema de maior relevância para o País. Quero me reportar à questão da DRU, que envolve os recursos desvinculados da receita da União.

Da maioria das receitas de impostos e contribuições sociais, 20% deixam de ficar sujeitas à qualquer vinculação.

No caso da educação, calcula-se que, nos últimos anos, mais de R$ 25 bilhões deixaram de ser investidos pela União na educação básica profissional e superior. Em boa hora, o Senado aprovou a PEC que trata da gradual supressão da DRU, relacionada à educação.

Acontece, Sr. Presidente, que o mês de junho está findando e a PEC ainda não nos chegou da Câmara dos Deputados, já que ali recebeu alterações. A imprensa noticia que o Governo vem impedindo a votação da matéria na Câmara, de forma que não sejam aumentados os recursos para a educação, deixando-os para o PAC. Não sei se isso procede, mas é uma versão que, aqui ou acolá, leio em jornais e ouço em rádio ou vejo em televisão.

Sabemos que os aperfeiçoamentos são valiosos, mas de maior valia é a urgência de se somarem novos recursos para viabilizar tantas e justas aspirações do povo brasileiro por mais e melhor educação.

Fazemos, portanto, um apelo a todos os Senadores para que se mobilizem no sentido de ser relida na Casa a PEC da DRU, como ficou conhecida, para ser discutida e aprovada da melhor forma.

Eis a contribuição que me cumpre fazer, contribuição de alguém que se preocupa com as questões educacionais brasileiras e que sente também o orgulho de ter dado alguma contribuição para que a educação melhorasse em nosso País.

Para citar um último exemplo, gostaria de lembrar o Programa do Livro Didático. Quando assumi o Ministério da Educação, o Programa do Livro Didático era muito pequeno, quase irrelevante.

Conseguimos, através de políticas bem concertadas sobre esse assunto, através de um conselho que opinava, com muita transparência, um programa de livro didático, que hoje ultrapassa mais de 150 milhões de livros didáticos/ano. E isso é muito importante, porque, sobretudo para o estudante carente, a oferta do livro e do bom livro ajuda muito na sua formação.

O apelo que faço sustenta-se na certeza de que a oferta da educação pública, universal e de qualidade, por isso mesmo cada vez mais cara, é indispensável para o desenvolvimento nacional, para o fortalecimento da nacionalidade e para a consolidação dos ideais da cidadania entre nós.

Agradeço ao nobre Presidente, Senador Mozarildo Cavalcanti, o tempo que me concedeu para que pudesse expender algumas considerações sobre tema que julgo extremamente importante para o país e para seu desenvolvimento.

Muito obrigado a V. Exª.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/06/2009 - Página 26802